Torcidas organizadas de futebo no MetrôSP



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Transcrição:

Torcidas organizadas de futebo no MetrôSP AUTORES: Denise Daud Cardoso 1; Jackson de Souza Dias 2 1. Companhia do Metropolitano de São Paulo Gerência de Operações-Departamento de Relacionamento com o Cliente Coordenadoria de Comunicação e Pesquisa; Rua Vergueiro, 1.200; Tel: 3179-2066. 2 Companhia do Metropolitano de São Paulo Gerência de Operações - Departamento de Segurança Operacional Coordenadoria Técnica de Segurança. RESENHA O Metrô há algum tempo vem desenvolvendo estratégias operacionais específicas para os dias de jogos clássicos com o objetivo de reduzir o impacto das ações de torcedores no sistema metroviário. Para buscar maior aproximação e melhorar o relacionamento com esses grupos, foi realizada uma pesquisa junto aos vários atores sociais relacionados a esse fenômeno no Metrô - líderes de torcidas organizadas, torcedores organizados e comuns, empregados operativos, além de agentes externos ao Metrô- para conhecer sua percepção sobre as torcidas organizadas e também suas manifestações e características. A metodologia adotada foi a pesquisa qualitativa por meio de discussões em grupo e entrevistas em profundidade com esses diversos públicos. Esse estudo, além de mapear os principais aspectos sobre essa questão, deu indicações bastante importantes e interessantes sobre como lidar com as torcidas organizadas, para embasar e direcionar novas ações de relacionamento com o objetivo de desenvolver parceria e colaboração entre o Metrô e os torcedores. O trabalho em questão apresentará as principais conclusões dessa pesquisa. PALAVRAS-CHAVE Torcidas Organizadas; estratégias, violência; torcedores organizados, torcedores comuns, lideranças INTRODUÇÃO Esse trabalho visa tratar do comportamento das torcidas organizadas no sistema metroviário. A análise dessa questão se apoiará em uma pesquisa qualitativa realizada com diversos atores envolvidos. Também será exposto as estratégias adotadas pelo Metrô de São Paulo em dias de jogos e propostas de aprofundamento do relacionamento desta instituição com as Torcidas Organizadas. 1.Histórico do Relacionamento do Metrô com as Torcidas Organizadas Após muitos confrontos e dificuldades em conter a agressividade e distúrbios promovidos pelas Torcidas Organizadas, o Metrô começou a participar da operação preventiva montada pela Polícia Militar para os nos dias de jogos. São realizadas reuniões prévias com representantes dos clubes, da Federação de Futebol, Ministério Público, Metrô, Torcidas Organizadas, Imprensa, etc. para discutir várias questões como trajetos dos torcedores, estações de embarque para cada time e outros assuntos correlatos que visam evitar confrontos entre torcidas. Além disso, tem buscado uma maior aproximação das torcidas, indo até as suas sedes para discutir questões relativas aos dias de jogos, participando das atividades destas associações e também trazendo as lideranças até o Metrô para entender melhor o seu funcionamento e as estratégias adotadas em dias de jogos.

Na semana passada o seu Jackson convidou eu e os presidentes das outras torcidas, pra estar conhecendo como que funciona lá o monitoramento. Só que eu tive uma reunião com o ex-presidente Lula no mesmo dia, era aniversário dele e a gente foi levar um presente pra ele e eu não pude ir. Mas eu falei pra ele pra gente marcar um dia, que o Gaviões da Fiel está à disposição pra conhecer. Eu acho que esse já é um grande passo. Porque nunca existiu. A gente ir lá e ele vir aqui. Pra gente é um bom começo. Líder de torcida Nessas tratativas, cabe às lideranças de cada torcida orientar seus associados sobre como proceder por meio de site, redes sociais, sub-sedes. Quando vai assim que encontra com as pessoas, o que a gente instrui? É não agir de forma que ocasione algum entrevero com o pessoal do metrô. Por quê? A gente entra no metrô, ai está indo um pai de família trabalhar à noite, por exemplo. Vai entrar dentro do metrô vai começar a falar palavrão, vai lá começar a bater. Metrô a gente usa todo dia. Então se você quebra o metrô, você vai precisar pra trabalhar e ele não vai ter. E de repente vai vir o segurança do metrô e vai te colocar pra fora. Então você ganhou o que com isso? Então a gente pede, geralmente sempre tem alguma liderança no meio, então entra naquela hierarquia. Quem esta embaixo escuta. A gente sempre trabalha assim. Líderes de Torcida Nos dias de jogos, o Metrô é usado tanto por usuários, torcedores comuns e alguns organizados que vem de vários pontos da cidade. Para evitar qualquer tipo de problema, o Metrô adota uma série de estratégias: - incentivo à compra antecipada de bilhetes; - uso de gradis para a contenção de fluxo; - aumento da frota de trens no horário do evento e redução do intervalo; - trem exclusivo, com ou sem parada, visando o isolamento dos torcedores do time visitantes dos do time mandante. Nas estações determinadas para o embarque, a torcida é recebida pela equipe de segurança que os acompanham em todo o trajeto; - aumento do efetivo do Corpo de Segurança ao longo das linhas, priorizando as estações de embarque para realizar revistas com vistas a impedir o acesso de pessoas portando armas, rojões e outros objetos que potencialmente possam causar danos físicos e ao patrimônio, organizar o fluxo dos grupos rivais de maneira a não haver encontro entre eles e acompanhar os torcedores dentro dos vagões; - monitoramento realizado pelo Centro de Controle da Segurança do Metrô para subsidiar as equipes de seguranças com informações sobre a movimentação dos torcedores. O Centro de Controle de Segurança possui um telefone ponto-a-ponto para contato com o Centro de Operações da Polícia Militar- COPOM, da CPTM, do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, do Corpo de Bombeiros e da Guarda Civil Municipal; - monitoramento com filmadoras portáteis pelas equipes de campo que acompanham os torcedores dentro do sistema metroviário com intuito de inibir quaisquer atos transgressivos por parte dos torcedores; Essas ações, além de prevenir possíveis embates entre os torcedores, também procuram minimizar os problemas que os torcedores trazem para os usuários habituais que estão usando o metrô para outras finalidades. A ROCAM Rondas Ostensivas com Apoio de Motos, por sua vez, escolta cada uma das torcidas do seu ponto de encontro até o estádio por rotas diferentes, tanto antes como depois dos jogos. As torcidas entram por acessos diferentes dos estádios de futebol e dentro ficam separadas e distantes.mesmo tomando todos esses cuidados, não é possível controlar todos os torcedores, o que não significa um retrocesso ao período em que havia uma verdadeira batalha entre as torcidas. O problema é aquele indivíduo que sai da casa dele, encontra com outro, que encontra com outro, aí juntam cinco, seis, dez que vão de ônibus. Só que pelo mesmo caminho que vai a outra torcida. Então, os atos de violência hoje estão acontecendo mais na região periférica. Ou são as torcidas nas subsedes mais afastadas ou em pontos de ônibus. Não é que a polícia não consegue controlar, é que ela não tem a informação.... Tenente da PM 2

3 Nós não podemos nos responsabilizar pelo cara que vai pro jogo com a camisa da torcida, mas vai por conta própria, sem nos consultar sobre como deve proceder. Muitas vezes ele vem das regiões mais periféricas que não está sob o nosso controle. Líder de Torcida Tem respeito sim com os líderes de torcida. Você vê que tem. Eles respeitam quando os caras chegam. Mas às vezes tem uns caras que não são de torcida organizada, mas conseguem comprar uma camisa e faz bagunça. E aí o cara não tem registro, não tem nada, mas está com a camisa e é rotulado. Torcedor de organizada 3. As Torcidas Organizadas 3.1 Representatividade das Organizações As Torcidas Organizadas - TO se profissionalizaram, com o passar do tempo, assumindo uma estrutura empresarial, seguindo o mesmo caminho dos times de futebol. Dessa forma, se estruturam de forma a abrigar todas as atividades desenvolvidas pela organização, que inclui venda de materiais dos times e ingressos, realização de atividades recreativas e, em alguns casos, escolas de samba. Sua estrutura é composta por presidência, diretorias, sub-sedes. As suas lideranças são eleitas com mandatos determinados pelos estatutos,garantindo assim legitimidade e representatividade entre os associados. Além disso, promove atividades assistenciais junto a comunidades carentes próximas às sedes, buscando com isto um maior enraizamento social. A amplitude de sua atuação não é conhecida por vastos setores da sociedade e nem divulgada, diminuindo assim a importância dessas organizações. O principal objetivo das TO é apoiar os clubes e também influir na sua gestão, na postura dos dirigentes, técnicos e jogadores, nos preços dos ingressos, tentando com isto ter o controle do que consideram que é fundamental em suas vidas: o futebol. Pode-se dizer que existe uma interdependência entre os clubes e as TO; os clubes precisam do apoio e do espetáculo que as torcidas proporcionam nos jogos, as quais têm neles a razão de existir. 3.2 Imagem das Torcidas Organizadas A visão comum das torcidas, entre os diversos segmentos sociais, é muito crítica. O traço que mais sobressai dessas organizações é a violência entre torcedores, o que levou as autoridades instituírem um novo Estatuto dos Torcedores, que responsabiliza as agremiações pelas atitudes transgressivas de seus associados. A busca pelo controle desses grupos decorreu de uma série de atos de agressividade excessiva que incorrem em mortes em dias de jogos, sendo o mais emblemático a batalha campal no Estádio do Pacaembu em 1995. O desdobramento mais claro das ações que visavam dominar as Torcidas Organizadas foi a tentativa de excluir dos campos as camadas mais jovens e pobres da população, a quem se atribuía os atos de violência. A elitização do futebol vem se concretizando com a redução do tamanho dos campos e por meio do aumento dos ingressos. A tentativa é de transformar esses segmentos em meros telespectadores. A mídia, principalmente, teve um papel decisivo na tentativa de banimento das torcidas dos campos de futebol. Antes de discorrer sobre como os diversos setores da sociedade veem as Torcidas Organizas é importante assinalar que o futebol, assim como outros esportes, traz em si um teor de agressividade e embate. O outro é sempre tratado como adversário e esta animosidade se reflete entre os torcedores. Isso é facilmente observado nas insígnias dos diversos times gavião, dragão, mancha verde, etc. (times de São Paulo). Outro aspecto importante é que como todo movimento de massa, é impossível descartar a existência de atitudes mais agressiva e violenta, é inerente a este tipo de manifestação. Não se trata, portanto, de uma característica própria apenas desses grupos, como pudemos observar nas mais recentes manifestações populares que se espalharam por todo o país. Apesar de serem organizações legítimas e representativas e exercerem um papel social importante, por serem um dos poucos canais efetivos de participação, de canalização e organização das emoções em torno de uma causa, as Torcidas Organizadas sofrem ainda muito preconceito devido à marca de violência. Passam por uma espécie de encapsulamento, decorrente da atuação negativa da mídia e de outros setores da sociedade. Ignora-se, assim, o seu papel de controle sobre os grupos de torcedores e não se percebe que se as Torcidas Organizadas não existissem poder-se-ia cair em uma desordem e violência maior. É certo que em

4 épocas passadas a violência era incentivada entre os torcedores filiados, mas após a instituição do Estatuto do Torcedor, os caminhos trilhados por estas associações foram no sentido e conter os impulsos mais agressivos. Hoje para você assistir um jogo com a Torcida Organizada tem que se filiar, tem que fazer carteirinha. Teve uma cara que bagunçou, vão lá e pegam o cara. Isso melhora porque o cara pensa 10 vezes antes de gerar uma confusão dentro ou fora do estádio. Se eles pegarem o cara ele não vai mais em jogo. Mudou muito. Teve época que você ia em torcida organizada e ninguém queria saber de nada. Era só bagunça. Tocedor de Organizada Isso fica claro nas entrevistas com torcedores e PM cuja percepção é de que os dirigentes estão mais maduros e que, por isso, seus seguidores tendem a ter também uma postura mais madura e respeitosa. Os Torcedores das Organizadas As Torcidas Organizadas são associações constituídas basicamente por um público jovem, na faixa de 14 a 22 anos, pertencentes às camadas mais pobres da população. Trata-se de uma fase da vida de muita contestação e autoafirmação. Para esse grupo, a torcida é uma das poucas formas de terem uma identidade, de fazerem parte de um grupo ou uma nação, como gostam de se denominarem. Pelas características desses grupos, não é possível descartar que ainda existe certa glamourização em torno da violência entre os torcedores quem apanha ou bate vira símbolo que não nasceu nas organizadas, mas como já foi dito anteriormente permeia vários esportes e também está relacionado à fase de autoafirmação dos integrantes das torcidas. O torcedor é atraído pela festa e pela união do grupo em torno dos que eles identificam com uma causa. Dessa união nasce o sentimento de que são representantes da totalidade dos torcedores. Por estarem sempre ao lado do time, independentemente dos resultados por ele alcançado, julgam-se no direito de cobrar dos dirigentes e jogadores um melhor desempenho. Imagina você sair da sua casa... eu moro no fundo de Guarulhos, para vir trabalhar eu gasto duas horas. Aí eu fico o dia inteiro trabalhando, chego à noite, igual num jogo de quarta feira que é dez horas da noite, acaba o jogo e a gente não tem condução pra ir embora pra casa. Já dormi muitas vezes na rua por causa do time. Então você está dentro do estádio, passou por tudo aquilo no seu dia e depois não tem como você ir embora (...) você está dentro do estádio se esgoelando pra incentivar o time, e o cara (jogador) não está nem ai pro time. Então a gente às vezes fica bronqueada com isso. Então rola uns manifestos mesmo, a gente reivindica. Quando a gente vê que a diretoria está pouco se lixando a gente reivindica, mas tudo na base do diálogo, em momento algum a gente pega e vamos bater, vamos pegar, isso ai não existe.. Tocedor de Organizada Os Torcedores Comuns A diferença entre os torcedores comuns e os que integram uma Torcida Organizada é apenas a filiação e compromisso com a organização. O que move tanto um grupo quanto outro é a paixão pelo time eleito. A maioria desses torcedores é apaixonada pelo time que torce, mas não se consideram fanáticos. No entanto, a emoção é a mesma: Entrar no estádio e ver a arquibancada cheia, os pelos do braço sobem. Não dá para explicar. Torcedor Comum O estádio de futebol representa um mundo diferente do cotidiano- uma ilha onde os problemas do dia-a-dia não entram. No campo pode tudo extravasar, xingar, chorar conversar com qualquer pessoa. Torcer representa manifestar todos os tipos de emoções, tanto para os torcedores comuns como para os das organizadas, e o assistir uma partida de futebol é vivenciado como um estado de transe, impossível de ser explicado. Esses torcedores lidam com dimensões emocionais importantes e primárias, que precisam ser tratadas com cuidado.

5 Diferentemente, dos torcedores das organizadas, a maioria não se importa em assistir os jogos com amigos de torcem para times adversários. Para eles, fica até mais divertido devido às zombarias. A competição, nesse caso, não acarreta conflitos e é mais divertida. Tem um barato de zoar um com outro. Não importa se é porco ou bambi, o legal é zoar. Os torcedores que não são filiados às torcidas organizadas têm mais ciência dos limites da paixão não pode colocar em risco a vida, comprometer as amizades, desrespeitar o próximo, comprometer a vida profissional, endividar-se. Enfrentar uma torcida pode ser perigoso. Eu não me exponho. Esse é o meu limite. Já matei o trabalho para ir ao RJ ver o jogo. Quase perdi o emprego. Fui à Argentina ver o jogo do São Paulo. Gastei o que tinha e o que não tinha. Não faço mais dessas coisas. Na visão dos torcedores comuns a Torcida Organizada é vantajosa para os times apoiam e incentivam, fazem o time reagir, transmitem boas vibrações com hinos e gritos de guerra, cobram resultados do técnico e dos jogadores. No entanto, não veem muita vantagem para o torcedor paga-se mensalidade; se a quadra for distante, fica difícil frequentar; é quase uma religião, tem que ser seguida. Afora essas questões, ainda existem os riscos já apontados. As torcidas marcam briga pela internet Facebook, MSN. Se a polícia descobre, eles mudam o lugar do confronto. Os próprios policiais provocam confusão com as torcidas, principalmente se eles torcem para outro time. Entendem que torcer, no caso das organizadas, é manifestação ativa que exige um fazer elas produzem e atuam no espetáculo. Implica muito envolvimento, o que interfere na vida individual. Percebem que as organizadas constituem um eu coletivo e, por isso, anônimo. Ao mesmo tempo em que se sentem atraídos, ficam também receosos frente a esta manifestação. Os Empregados do Metrô Na perspectiva desse grupo, as Torcidas Organizadas trazem bastantes problemas para a operação do Metrô. A visão ainda é muito negativa, indo numa linha contrária a dos torcedores organizados, que acham que a relação entre eles e o Metrô avançou em uma direção positiva. A principal queixa é que os torcedores organizados criam confusão dentro do sistema metroviário. Pelo fato de estarem em grupo numeroso, sentem-se respaldados para agirem de forma transgressiva. Citam como principais problemas, em dias de jogos, a resistência à revista; tumulto nas bilheterias, burla o não pagamento da passagem; furar fila; causam confusão nos vagões, constrangendo os outros usuários, etc. Ainda, na ótica dos empregados, os torcedores mais jovens são os mais problemáticos, enquanto os líderes mais maduros estão mais conscientes de suas responsabilidades. Com a liderança chegam a ter até uma relação cordial. É muito estresse para a equipe do Metrô. Torcida organizada não é usuária do dia a dia. Tem que ser monitorada do momento que entra até quando sai do metrô. Eles entram no vagão, segura, pendura, quebra vidro e não estão aí com ninguém! Por outro lado, percebem que o Metrô está mais preparado para lidar com esses grupos, o que tem levado a uma diminuição dos confrontos em dias de jogos. Contraditoriamente, os empregados, principalmente de segurança, se ressentem com a linha adotada pela empresa nos últimos tempos, que tira sua autonomia para agir com pulso firme nos casos de excessos por parte dos torcedores. Em situações de confronto dizem não poderem mais usar a força da autoridade como faziam antes, propiciando uma falta de limite por parte dos usuários. Uma queixa do usuário pode hoje incorrer em punição ou até demissão do empregado. A nova orientação, que eles definem como um abrandamento das ações de controle, tem avalizado torcedores mal intencionados que, percebendo essa fragilidade, enfrentam a equipe de segurança.

6 Antigamente o contraventor perdia o seu direito de viagem e nós tirávamos ele do sistema. Eles iam por outro meio. A multa era perder o direito de viagem. Hoje nós não temos mais esta autonomia. Prá fazer um controle de massa, você tem que se impor e nem sempre precisa da força. O cara precisa perceber que com aqueles oito caras ali se tentar, vão se lascar! Essa maneira de ver contraria os testemunhos da PMs e líderes de torcidas que atestam um grande avanço nas relações. 4. Propostas de Ações de Relacionamento com as Torcidas Organizadas A pesquisa realizada mostrou que as Torcidas Organizadas sofrem um tipo de encapsulamento, que as impede de expor como atuam. Para aprofundar o relacionamento com essas associações e buscar uma parceria que beneficia tanto elas como outras instituições, é necessário primeiramente ajuda-las a eliminar o estigma da violência, veiculado muito ainda pelas mídias. Isso pode ser feito com a promoção das atividades sociais que realizam junto às comunidades mais próximas. Além disso, é importante mostrar a relevância do trabalho com os jovens pertencente ao segmento mais pobre da população, ao possibilitarem adquirir uma identidade enquanto grupo e canalizar suas emoções de forma mais controlada. Sem as torcidas, a violência entre os grupos rivais fugiria totalmente ao controle e a demanda por recursos financeiros e humanos para reprimir ações violentas seria muito maior. Uma das estratégias que os transportes coletivos poderiam adotar seria usar seus recursos de comunicação com os usuários para divulgar o que são as Torcidas Organizadas e o que fazem, a cooperação com as várias instituições envolvidas em dias de jogos. Também é necessário que as instituições que atuam juntas em operações preventivas em dias de jogos influenciem a mídia a mostrar o lado positivo das torcidas, em programas de TV, rádio, jornais impressos e online, blogs, etc. Ainda dentro dessa linha, pode-se desenvolver campanhas para mídias eletrônicas com linguagem didática e mensagem que incentivem a paz e o respeito entre os torcedores e público em geral. A utilização de testemunho de artistas torcedores e atletas vestidos com a camisa de times podem fazer a diferença nessas campanhas. A mensagem das lideranças sobre como agir tanto nos trajetos para os estádios de futebol como nos transportes coletivos devem também ser usadas tanto antes dos jogos como nos dias destes eventos. Outro recurso interessante é o uso de boletins informativos pelos transportes coletivos para divulgar as mensagens de interesse. Deve-se buscar também o apoio das organizações relacionadas ao futebol para desenvolver as ações que ajudem a inibir atitudes violentas por parte dos torcedores e preservar o patrimônio público, tendo em vista que são muito beneficiadas pelo o espetáculo e incentivo que as torcidas proporcionam aos times de futebol. Ações de reciprocidade é a chave para o bom relacionamento entre as Torcidas e as instituições envolvidas nos dias de jogos. A criminalização e punição de atos violentos somente não contribuem para apaziguar os ânimos em dias de jogos, daí a importância de realizar um trabalho junto às associações de torcedores para evitar embates nos transportes coletivos.