c h a p e u creditos auto crédito foto Guardião art déco Na semana passada, Márcio Alves Roiter brilhou em Nova York, falando sobre o Art Déco Carioca, termo cunhado por ele. Aqui, dá uma aula sobre esse estilo que desenha a paisagem urbana do rio CYNTHIA GARCIA fotos MARCO RODRIGUES O Rio é a capital art déco do hemisfério sul, por excelência. Além dos exemplos de arquitetura e de monumentos, é abençoado pelo Cristo Redentor, a maior escultura do mundo no estilo. Foi com exemplos como esses que Márcio Alves Roiter desenvolveu sua palestra, na Park Avenue, em Nova York, organizada por Kathryn Hausman, presidente da Art Deco Society of New York, na respeitada Americas Society que tem como presidente honorário David Rockefeller e palestrantes como Bill Clinton. O tema, Rio de Janeiro Art Déco, ilustrado com imagens da cidade, foi abordado durante duas horas pelo presidente do Instituto Art Déco Brasil e maior especialista da América Latina. Com sede no Jardim Botânico, a filial brasileira da organização é associada à International Coalition of Art Deco Societies (Icads) e à Miami Design Preservation League (MDPL), com sede na capital da Flórida. A sociedade congrega amantes e experts da estética dominante que sucedeu o art nouveau e desenhou as linhas modernas e aerodinâmicas do século 20, dos anos 1915 a meados de 1940. Entre as atividades internacionais, a Icads promove, desde 1990, um congresso bienal de sete dias numa cidade com arquitetura característica para os associados dos 20 institutos afiliados ( em 2009, será a vez de Montreal ). Em 2007, em Melbourne, na Austrália, o expert carioca falou sobre a vertente do estilo que floresceu no Rio e é colecionado por nomes de peso ( Madonna, Rod Stewart, Karl Lagerfeld, entre outros, e um grupo de brasileiros muito refinados ). O pesquisador e antiquário que se apaixonou pelo estilo no fim dos anos 60, teve a loja-referência no país (a Casa Objeto 1900), cursou a Sorbonne, estagiou no Museu das Artes Decorativas no Louvre, em Paris, e está, desde os anos 80, ligado aos movimentos de divulgação e preservação do art déco carioca fecha o ano em grande estilo. Além de palestrar com enorme sucesso em Nova York, Miami e na Casa do Saber, na Lagoa, viu o Rio vencer Paris e ser eleita a cidade do congresso de 2011, que será organizado por ele: Será ótimo, porque atrairá colecionadores e especialistas internacionais e vai gerar mídia cultural de alto nível para a cidade. 22 revista domingo
O Edifício Biarritz, na Praia do Flamengo, é um dos ícones do art déco no Rio revista domingo 23
a r q u i t e t u r a m á r c i o a l v e s r o i t e r Por que o art déco está na moda? O art déco tem o DNA da modernidade. É o último estilo que, de fato, criou uma nova estética, que engloba arte, design, arquitetura, cinema etc. Tudo sob uma mesma inspiração. Depois, só houve pastiche, a total falta de estilo, inspiração neo isso, neo aquilo. Como o Rio conseguiu vencer Paris para sediar a bienal em 2011? Paris todo mundo conhece e o Rio tem o maior monumento do mundo no estilo, o Cristo Redentor. Quando capital da República, a cidade viu nascer, entre 1930 e 1945, no governo Getúlio Vargas, uma série de prédios governamentais, a maioria art séco. Em 1938, Getúlio promoveu a exposição, O Brasil Novo, com maquetes dos novos ministérios, e tornou o estilo a linguagem oficial do período. A população da cidade, claro, adotou, porque significava a estética do poder, o que é natural. o rio art déco conta com o cristo redentor, a maior escultura do mundo no estilo Como especialistas internacionais vêem o art déco carioca? Com curiosidade e encantamento. Isso foi comprovado pelos convites que recebi para dar palestras nos dois últimos congressos mundiais, em Nova York, em 2005, e em Melbourne, em 2007. Foi a única vez em que um palestrante compareceu a dois congressos consecutivos. Apesar da fama de cidade perigosa, o Rio continua despertando paixões. Há também uma tradição do Rio de promover eventos, como o Seminário Internacional da Arquitetura Art Déco na América Latina, organizado por Luiz Paulo Conde e Jorge Czajkowski, em 1996, com mais de 500 participantes, e as duas Rio Art Déco Weeks em 2004 e 2005, que organizamos na sede do Instituto Art Déco Brasil, no Jardim Botânico. 5 7 Quando é o apogeu do estilo na cidade? Ele surge em 1914 e a década mais fértil é a de 1935 a 1945. Com a eclosão da Segunda Guerra, seu fim é decretado, na Europa, mas aqui no Brasil, e em outros lugares onde não houve bombardeios, destruição, o estilo está presente até a década de 1950. Quantos prédios art déco o Rio perdeu até hoje? Mais da metade. Mas ainda restam cerca de 400 construções, entre prédios residenciais, públicos e casas, dignas de serem preservadas. Pior que demolir, num certo sentido, são as reformas criminosas, as tais modernizações. Um exemplo triste é o Teatro João Caetano, um ícone do estilo, com seus vitrais, revestimento em pó de pedra, que na década de 1970 sofreu uma descaracterização total. Felizmente os painéis de Di Cavalcanti do saguão não foram tocados. Outra aberração foi a instalação de uma luminária de estilo indefinido e de péssima qualidade no hall majestoso do Cinema Roxy, na Av. N.Sra. de Copacabana, durante a última reforma. Aliás, das dezenas de cinemas art déco da cidade, sobraram pouquíssimos. 24 revista domingo
11 Para ver 12 ícones do Art Déco Carioca, admirados por experts internacionais Prédios: 1 Edifício Itahy (1932), Av. N.Sra. de Copacabana, 252. De Arnaldo Gladosch 2 Edifício Petrônio (1934), Rua Ronald de Carvalho, 45, Copacabana. De Carlos Porto & Caio Moacyr 3 Edifício Biarritz (1940), Praia do Flamengo, 28. De Henri Paul Sajous e Auguste Rendu 6 Esculturas-monumento: 4 Cristo Redentor do Corcovado (1931). De Heitor da Silva Costa (autor do projeto) e Paul Landowski (francês, escultor das mãos e do rosto) Prédios públicos: 5 Tribunal Regional do Trabalho (1936), Av. Pres. Antonio Carlos, 105. De Mario Santos Maia 6 Central do Brasil (1937), Praça Cristiano Ottoni, Av. Presidente Vargas. De Roberto Magno de Carvalho e Robert Prentice, à frente de um grupo de arquitetos Residências: 7 Casa Marajoara (1937), Rua Paissandu, 319, Flamengo. De Gilson Gladstone Navarro 8 Edifício Brasil (1936), Rua Fernando Mendes, ao lado do Copacabana Palace. De Leopoldo Queiroz 9 Edificio Paissandu (1929), na rua de mesmo nome, 93. De Eduardo Pederneiras, incorporação de Ernesto G. Fontes 10 Casa Basbaum (1939), Rua Urbano Santos, 26, Urca. Hoje, o escritório de arquitetura Coutinho, Diegues, Cordeiro. De Penna & Franca Restaurante e lazer: 11 Casa Cavé (1920), Rua Sete de Setembro, 133. Projeto de decoração interior de Antonio Borsoi (autor da Confeitaria Colombo) 12 Cine Roxy (1934), Av. N.Sra. de Copacabana, 945. De Raphael Galvão (Fonte: Instituto Art Déco Brasil) 4 revista domingo 25
a r q u i t e t u r a m á r c i o a l v e s r o i t e r Quais são as providências para que isso mude? Tombamento, já! E, sobretudo, incentivo aos retrofits, as chamadas adaptações a novos usos, com a manutenção das características do estilo, mas modernizando-se as instalações elétricas etc. Quais seriam os exemplos de conservação do estilo no Rio de Janeiro? Temos bons exemplos. O prédio da Esso Standard Oil, na Av. Presidente Wilson, em frente ao Consulado Americano, retrofitado pelas firmas Bueno Netto e Maxcap, em 2006, hoje ocupado pelo Ibmec e que acaba de receber o Prêmio Master Imobiliário. O conjunto de prédios Castelo, Raldia e Nilomex, na Av. Nilo Peçanha, restaurado pela Hines, que correu risco de demolição, mas a prefeitura, em boa hora, criou uma área de preservação para todas as construções da região, nos moldes do Corredor Cultural já existente. O antigo Palácio Rosa, de 1936, no Largo do Machado, que em breve será reinaugurado, rebatizado Metropolitan, com decoração interior da arquiteta Stella Lutterbach. A Residência Villot, na Rua Sá Ferreira em Copacabana, projeto de 1929 de Antonio Virzi, comprada pela prefeitura, hoje uma biblioteca pública, mantendo as características originais. Como criar uma conscientização? A partir de eventos como o congresso de 2011; de cursos como o que dei na Casa do Saber; de exposições como A Casa Art Déco Carioca, no Espaço Cultural Península; da colaboração da imprensa, denunciando e alertando os crimes contra o art séco; e celebrando quando é a hora. Há uns cinco anos, vi pela primeira vez num anúncio de classificados um apartamento à venda em prédio art déco como algo a mais. Ninguém deve ter vergonha de morar em prédio velho, pode se tratar de uma referência da cidade. pior do que demolir é modernizar. a luminária colocada no cine roxy é uma aberração Fascínio pelo Rio As Grandes Guerras trouxeram os grandes mestres do art decó para cá O designer francês Michel Dufet viveu por aqui de 1922 a 1924. Maurice Nozières dirigiu a Laubisch-Hirth, a firma de decoração mais importante da cidade. O italiano Marinetti, teórico do futurismo (estilo que se confunde com muitas das premissas do art déco), veio duas vezes. Estiveram também os arquitetos Frank Lloyd Wright, Le Corbusier e Piacentini e três arquitetos franceses importantes: Donat-Alfred Agache, que preparou um plano de urbanização para o Rio; Joseph Gire, que projetou o Copacabana Palace e o prédio do jornal A Noite, entre outros. 8 Que lições podemos aprender do Art Déco District de Miami, precursor do movimento de preservação? Sem dúvida é o responsável por grande parte da consciência mundial de preservar o estilo. Mas é bom frisar que as construções de Miami eram feitas em um estilo art déco simples, diferentes das do Rio, que têm um art déco rico, criado por grandes mestres. Com o tombamento, a conservação e a preservação, no entanto, iniciados nos anos 80, o conjunto arquitetônico numa paleta de tons pastel virou a marca mundial de Miami. 10 A história por lá é curiosa... Barbara Capitman, fundadora da primeira Art Déco Society local, chegava a se acorrentar aos prédios que iam ser demolidos. Hoje, há uma rua no Art Déco District que leva seu nome. Você espera, algum dia, virar placa de rua? (risos) Estou feliz com o interesse mundial pelo nosso art déco às vezes até maior do que o dos cariocas. E pelas ações oficiais para preservar o estilo que se identifica tão bem com o Rio. 26 revista domingo
9 12 Pelo mar O luxo europeu chegava ao Rio a bordo de navios chiquíssimos As únicas viagens que o Normandie o maior transatlântico até então construído fez fora da rota Le Havre-Southampton- New York foram dois cruzeiros para o Rio, em 1938 e 1939. E ainda está para ser estudada a influência de navios luxuosos, como ele, nas artes decorativas brasileiras. As embarcações eram embaixadas flutuantes, com o que havia de melhor, de mais sofisticado e representativo dos países de onde vinham e chegavam muitos por semana no porto do Rio. As companhias ganhavam um bom dinheiro vendendo tíquetes de visitação e os cariocas iam a bordo, passavam o dia, assistiam aos espetáculos e faziam compras nesses shoppings flutuantes. Evidentemente também copiavam as decorações palacianas, assinadas pelos grandes nomes das artes decorativas. Era a maneira mais econômica de ir à Europa. revista domingo 27