TRÍADE: MENOR, IDOSO E MULHER. ANÁLISE CRÍTICA DOS ESTATUTOS DE PROTEÇÃO AOS HIPOSSUFICIENTES



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Transcrição:

TRÍADE: MENOR, IDOSO E MULHER. ANÁLISE CRÍTICA DOS ESTATUTOS DE PROTEÇÃO AOS HIPOSSUFICIENTES Fabiano Samartin Fernandes * INTRODUÇÃO O presente estudo visa a análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e a Lei Maria da Penha, três legislações distintas, que objetivam a proteção aos menores de idade (pessoas com idade inferior a 18 anos), aos maiores de idade (pessoas com idade igual ou superior a 60 anos) e a mulher, respectivamente. Buscar-se-á, partindo de premissas de índole constitucional, demonstrar que o atual ordenamento está em conflito, pelo menos aparente, devendo a doutrina e a jurisprudência trazer as soluções para a integração das normas. A Constituição Federal de 1988 consagrou como princípio básico a igualdade, pilar de qualquer Estado Democrático de Direito. Este princípio é visto sob dois aspectos: formal e material; o primeiro consiste na igualdade de todos perante a lei, enquanto o segundo diz respeito à igualdade na lei. O que pode ser sintetizado da seguinte maneira: tratar os desiguais de forma desigual para se atingir a igualdade. Importante trazer a conceituação do princípio da igualdade para uma melhor compreensão do tema proposto, qual seja, análise dos estatutos do menor, do idoso e da mulher, hipossuficientes sob o prisma constitucional. Outro princípio a ser analisado nesse estudo é o da proporcionalidade e da razoabilidade, implícitos na Constituição Federal. * Advogado, Coordenador Jurídico da AGEPOL/CENAJUR, pós-graduando em Ciências Criminais e Sócio do IBCCRIM Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Estatuto do Menor, ou Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como é mais conhecido, foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, regulando toda a matéria atinente à infância e a juventude, para proteção integral dos menores de idade, ou seja, àqueles que possuem até 18 anos, incompletos. A lei criou mecanismos de proteção na defesa dos menores, quando a agressão praticada contra estes e seus agressores forem os pais ou responsáveis, os quais poderão incorrer em sanções administrativas, civis e penais; dentre as sanções mais severas encontra-se a perda ou suspensão do poder familiar, de natureza não penal. Por outro lado, os agressores estarão sujeitos às sanções penais, dispostas na própria legislação e no Código Penal, havendo o legislador, para determinados crimes, em virtude das peculiaridades, incluído causas de aumento, quando os delitos forem perpetrados contra menores, presunção absoluta de incapacidade, como por exemplo, nos crimes contra os costumes em que há presunção de violência quando a vítima não é maior de quatorze anos (art. 224, CP). O Estatuto, como dito, foi criado para garantir proteção integral, reconhecendo direitos especiais e específicos de toda criança e adolescente. O art. 129, do mesmo diploma, prevê como medidas aplicáveis aos pais ou responsável da criança e do adolescente: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII - advertência; VIII - perda da guarda; IX - destituição da tutela; X - suspensão ou destituição do pátrio poder. O art. 130 determina que quando for verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum. O ECA trouxe ainda formas de responsabilização do adolescente por ato infracional, na medida em que a lei dispõe que o menor de idade é inimputável, àquele a quem não se imputa pena, portanto, não prática crime. Contudo, não significa que esteja imune a qualquer forma de sanção, pelo contrário, o menor (adolescente) que comete ato

infracional poderá sofrer medidas sócio-educativas, dentre as quais advertência e internação em estabelecimento educacional, medida consistente em privação da liberdade. Dessa maneira, o estatuto do menor tem natureza dúplice, quando trata das formas de proteção e de responsabilização por condutas anti-sociais dos destinatários diretos do referido diploma. Não se trata de crítica, mas de mera constatação. ESTATUTO DO IDOSO O Estatuto do Idoso, criado pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, visa a proteção das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, trazendo no seu contexto benefícios a estes, dentre os quais garantia de prioridade no atendimento juntos aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população, além da prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente, em qualquer instância. Ademais, o estatuto estabeleceu crimes tendo como sujeito passivo os idosos, sendo que, de acordo o art. 94 do referido estatuto, aos crimes previstos nesta lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei n. 9.099/1995, que trata dos Juizados Especiais, e a possibilidade de transação penal e de aplicação de penas alternativas, que não privativa de liberdade, como o pagamento de cestas básicas ou prestação de serviço comunitário. Sobre a aplicação da Lei dos Juizados Especiais pode se abrir uma porta perigosa, ampliando o conceito de crime de menor potencial ofensivo. O critério utilizado pelo legislador ordinário permitiu, conforme defendo, que os procedimentos dos juizados especiais criminais devem ser utilizados em todos os crimes cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos e que tenham pessoas com idade igual ou superior a 60 anos como vítima, independente em que legislação esteja prevista, seja o Código Penal ou qualquer outra lei extravagante. Corrobora esse entendimento pela seguinte circunstância. A intenção do legislador é que a pessoa idosa pudesse ver o resultado do crime do qual foi vítima, ou seja, a resposta dada pelo Estado-Juiz ao dito autor do fato delituoso, mesmo que não seja aplicada nenhuma pena, como nos casos que se resolvem pela composição dos danos civis e transação penal.

É cediço que o Direito Penal tem como uma de suas fontes a analogia. A analogia é uma forma de auto-integração da norma e que consiste na aplicação de uma hipótese de lacuna ou falha prevista em lei a disposição legal relativa a caso semelhante. É perfeitamente possível a aplicação da analogia in bonam partem 1, que visa uma interpretação da lei penal se que se evite a chegar a soluções absurdas, ou teratológicas, e que, indubitavelmente é mais benéfica ao agente. Dessa forma, é aplicável o procedimento da Lei dos Juizados Especiais a todos os crimes cometidos contra idosos e cuja pena máxima privativa de liberdade não seja superior a 4 anos, independente da legislação que se encontre a conduta típica. LEI MARIA DA PENHA Em 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei n. 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, de acordo se extrai da sua ementa. A violência doméstica e familiar contra a mulher se configura com qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Para a incidência da lei, a relação entre agredida e agressor deve se dar no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; ou, em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Dessa maneira, caso não se tenha qualquer relação entre agredida e agressor não será aplicado os dispositivos da Lei Maria da Penha, já que prevista, tão-somente, nos casos de violência doméstica. 1 Vimos que é possível o recurso à chamada analogia in bonam partem, uma vez detectada a hipótese de lacuna, falha, omissão legal. Assim, para que seja preservado o princípio da isonomia, deverá o julgador aplicar ao caso concreto, para o qual não existe regulamentação legal, a norma relativa a hipótese que lhe seja similar. Atuando dessa maneira, ou seja, ampliando o alcance da lei a outras situações que não foram objetos de regulamentação expressa, estará o julgador (aqui entendidos os juízos monocráticos e colegiados), funcionando como um legislador positivo (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I, Niterói: Editora Impetus, 2008, p. 48).

Assim, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz, a pedido da ofendida ou a requerimento do Ministério Público, poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, medidas protetivas de urgência. Tais medidas protetivas de urgência consistem na suspensão da posse ou restrição do porte de arma de fogo, com comunicação ao órgão competente 2 ; no afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; prestação de alimentos provisionais ou provisórios. As medidas referidas não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem. A lei prevê a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Diferentemente do quanto estatuído no Estatuto do Idoso, o legislador nos arts. 17 e 41 da Lei Maria da Penha dispôs que não se aplica aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena cominada, a Lei dos Juizados Especiais. Bem como a aplicação de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. Prevê ainda que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. 2 Na hipótese do agressor se encontrar nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º do Estatuto do Desarmamento, ser policial militar, por exemplo, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

LEI MARIA DA PENHA VERSUS ESTATUTOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DO IDOSO Em que pese a Lei Maria da Penha ter sido criada com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e contra a mulher, o que é louvável, na medida em que é uma forma de diminuir a violência, mesmo que seja apenas contra a mulher, ao ingressar no ordenamento jurídico a Lei deveria ter sido analisada sob o prisma de outras leis, em especial a Constituição Federal. Há autores que defendem a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, sob o argumento de que ofende o princípio da isonomia entre homem e mulher, na medida em que a Constituição (art. 5º, II) veda qualquer ato discriminatório referente ao gênero. Discordo, pois o princípio da igualdade, como dito, pilar fundamental do Estado Democrático de Direito, consiste basicamente em interferir na realidade fática, quando necessário, a fim de equilibrar as relações entre os indivíduos (conceito jurídico da igualdade material). Estatisticamente a violência contra a mulher tem altos índices. Assim, a fim de equilibrar a relação, e dar efetividade ao princípio da igualdade, o legislador criou uma lei para coibir a referida violência. Dessa maneira, analisando a diferença de gênero, homem versus mulher, não há qualquer ofensa a Constituição Federal. Este é o entendimento. Contudo, não significa dizer que a legislação, ora em comento, seja irrefutavelmente ilesa de qualquer violação aos princípios constitucionais. Para tanto, necessário a análise de outros dois estatutos, já acima mencionados, além da própria Constituição. Observe-se o seguinte exemplo: crime de lesão corporal contra a criança, contra o idoso e contra a mulher, por óbvio, os dois primeiros praticados contra meninos e velhos, ambos do sexo masculino, caso contrário entrariam no âmbito da Lei Maria da Penha. O art. 129, 9º, do Código Penal estabelece o crime de lesão com violência doméstica 3 determinando pena de detenção de três meses a três anos. O crime contra o menor (independente da idade) seria da competência da Vara Criminal especializada na Infância e Juventude, contudo o agressor poderá contar com a suspensão condicional do processo, estabelecida no art. 89, da Lei dos Juizados Especiais, 3 Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

eis que a pena mínima em abstrato é inferior a 01 ano. Entretanto, não terá direito a extinção da punibilidade pela composição dos danos civis, nem a transação penal. A mesma conduta contra um idoso causando-lhe lesão será da competência da Vara Criminal, contudo o acusado terá direito a todos os benefícios da Lei dos Juizados Especiais, dentre os quais a composição dos danos civis, a transação penal com a prestação de serviços comunitários ou pagamentos de cestas básicas, a suspensão condicional do processo. Assim, dificilmente o agressor será recolhido preso. A mesma lesão causada no menor ou no idoso sendo feita numa mulher as conseqüências serão outras, e mais severas. A competência para o processamento e julgamento será do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, contudo em que pese tratar-se de juizado, a Lei dos Juizados Especiais não se aplica, por expressa disposição legal contida no art. 41, da Lei Maria da Penha. Assim, o agressor deverá responder ao processo sem direito a nenhum benefício acima referido, nem mesmo a suspensão condicional do processo, além da possibilidade de sua autuação em flagrante delito, acaso preenchidos os requisitos legais da prisão encontrados na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, ou, ainda, preso provisoriamente, em virtude de prisão preventiva decretada pelo Juiz. Para ilustrar, imagine no presente caso hipotético tratar-se de um menor com 10 anos, um idoso de 90 anos e uma mulher de 30 anos. A solução mais branda para o agressor será o crime contra o idoso, que, em tese, o que demandaria uma maior proteção do Estado, por outro lado, a mulher que mais condições para defender-se têm é que teria uma tutela especial do Estado, com mais rigor para o agressor. Ademais, nos dois primeiros casos a ação é pública condicionada à representação, enquanto a lesão corporal praticada contra a mulher independe de representação, estabelecendo a ação penal pública incondicionada, por expressa vedação a aplicação do art. 41 da Lei Maria da Penha combinado com o art. 88 da Lei dos Juizados Especiais. Outro exemplo que nos parece irrazoável e desproporcional é quando se trata do crime de injúria. O xingamento com o intuito de ofender a dignidade e o decoro das mesmas pessoas da hipótese acima descrita acarretaria conseqüências diversas, umas mais brandas, outras mais severas. Tratando-se do menor o crime é o previsto do art. 140, caput, do Código Penal que impõe a pena de detenção, de 1 a 6 meses, dessa maneira o autor do fato teria todos os benefícios da Lei n. 9.099/1995, por tratar-se de crime de menor potencial ofensivo

(composição dos danos civis, transação penal, suspensão condicional do processo e termo circunstanciado). Sendo o idoso a vítima do crime de injúria este será qualificado, ou seja, o delito é considerado mais grave, passando a pena para reclusão de 1 a 3 anos e a multa. Ainda que não se trate de crime de menor potencial ofensivo, por disposição legal deverá ser aplicada a Lei dos Juizados Especiais, e todos os seus benefícios despenalizadores. Por sua vez, a mesma ofensa dirigida a uma mulher as conseqüências serão as mais drásticas possíveis, o sujeito poderá ser preso em flagrante delito, pois não se sujeita a Lei dos Juizados Especiais, e assim não terá direito a nenhum daqueles benefícios, mesmo sendo a pena a ser aplicada em abstrato de detenção de 1 a 6 meses. Assim, demonstra-se flagrante inconstitucionalidade, o crime mais grave (injúria qualificada contra idosos) com pena mais branda do que crime simples (injúria contra mulher). Querendo o homem ofender a mulher, poderá dirigir a ofensa ao pai ou avô desta, na medida em que as conseqüências serão distintas, e mais benéficas ao agressor, pois o sujeito passivo do crime não será a mulher, mas o seu ascendente (independente da idade deste, menor de 60 anos o crime é de injúria simples, maior de 60 anos de idade o crime será de injúria qualificada, mas em ambos os casos serão aplicados a Lei dos Juizados Especiais). CONCLUSÃO O art. 13 da Lei Maria da Penha estabelece que o processo quando tratar-se de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso. Pelo princípio da simetria e reciprocidade das normas, além da isonomia, aplicandose ao Estatuto da Mulher as normas do Estatuto do Menor e do Idoso, por certo, deverá ser aplicado nestes o quanto disposto na Lei Maria da Penha. Assim, chega-se a seguinte conclusão, ou os arts. 17 e 41 da Lei Maria da Penha são aplicáveis ao Estatuto da Criança e do Adolescente e ao Estatuto do Idoso, ou estas normas são natimortas, em virtude de inconstitucionalidade. Apesar de sua viabilidade legal, não podemos concordar com a primeira opção, pois viola o princípio da legalidade material, que impõe num Estado Democrático de Direito,

adotando um modelo penal garantista, que devem ser obedecidas não somente as formas e procedimentos impostos pela Constituição, mas também, e principalmente, o seu conteúdo, respeitando-se suas proibições e imposições para a garantia de nossos direitos fundamentais por ela previstos 4. Diante de tais considerações, entendo pela segunda opção, ou seja, os arts. 17 e 41 da Lei Maria da Penha são inconstitucionais, pois ofendem os princípios da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade, todos encontrados na Constituição Federal de 1988, atacáveis tanto em sede de controle difuso quanto concentrado de constitucionalidade. A inconstitucionalidade não consiste na diferença de gêneros, pelo contrário, apesar de muitos posicionamentos nesse sentido; as normas referidas são inconstitucionais a partir do momento em que se analisa as legislações elaboradas para a proteção de hipossuficientes, pois a lei fere a Constituição quando protege desproporcionalmente a mulher em relação a criança ou o idoso. Por fim, a fim de estimular o debate, qual seria a conseqüência acaso o delito de lesão corporal leve praticado, em concurso formal, tivesse como sujeitos passivos o menor, o idoso e a mulher? Qual seria o Juízo competente para o processamento e julgamento do crime? No presente caso haveria a continência por cumulação objetiva (art. 77, II, do CPP), pela regra geral haverá apenas um processo, um só julgamento. O art. 79, II, do mesmo diploma processual, estabelece como causa obrigatória de separação dos processos a existência do concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores. Entretanto não se aplica ao presente caso, posto que o juízo de menores referido na lei é aquele competente para o processamento e julgamento do menor infrator, e não o da criança e adolescente como vítima de crime. Dessa maneira, entendo que o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher será o Juízo competente para o processamento e julgamento do crime em que foram vítimas o menor, o idoso e a mulher, na medida em que o legislador tratou da competência do julgamento dos crimes contra a criança e o adolescente de forma relativizada, enquanto, pelo contrário, a competência para o julgamento dos crimes praticados contra a mulher seria absoluta, inclusive conferindo competência nas áreas civil e penal, além de possibilitar a aplicação das legislações específicas do menor e do idoso nas causas de competência dos Juizados de Defesa da Mulher. 4 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I, Niterói: Editora Impetus, 2008, p. 99.