DO COTIDIANO PARA A SALA DE AULA: ENSINANDO ESTATÍSTICA ATRAVÉS DE TEMAS GERADORES Clayde Regina Mendes PUC-Campinas clayde@puc-campinas.edu.br Paulino Parpineli Bueno PUC-Campinas paulinobueno@gmail.com Camila Torino PUC-Campinas milatorino@hotmail.com RESUMO Devido ao grande fluxo de informação proveniente de meios de comunicação, é de suma importância que os alunos da Educação Básica saibam analisar e interpretar dados, para que possam tomar algumas decisões em sua vida cotidiana. Para isso, é necessário apresentar-lhes em sala de aula recursos que os auxiliem no desenvolvimento de suas habilidades de análise e interpretação dos mais diferentes dados do cotidiano. Tendo em vista essas necessidades e buscando tornar o ensino de Estatística interdisciplinar, foram objetivos deste estudo: desenvolver atividades para o ensino da Estatística através de temas geradores e fornecer aos professores subsídios teóricos e metodológicos sobre uma forma de trabalhar com o tópico Tratamento da Informação, como proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Palavras-chave: formação de professores de matemática, educação estatística, interdisciplinaridade. INTRODUÇÃO A Estatística, cada vez mais, vem ganhando notoriedade na sociedade moderna e, com os avanços tecnológicos, ela deixou de ser apenas uma coleção de dados que interessavam ao Estado e versavam sobre a população e a economia (Wonnacott e Wonnacott, 1980) para ser inserida em um novo contexto social, buscando desenvolver alternativas que habilitem o cidadão na tomada de decisões e lhe permitam uma interpretação crítica da realidade atual. Tendo em vista essa nova forma de olhar a Estatística, seu ensino foi indicado nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN (Brasil, 1998), desde as séries iniciais da Educação Básica, vinculado ao bloco denominado
2 Tratamento da Informação. Devido ao grande fluxo de informação proveniente dos diversos meios de comunicação e que rapidamente chega aos alunos, é de suma importância que eles saibam, em especial, analisar e interpretar esses dados, para que possam tomar alguns tipos de decisão em sua vida diária. Para isso, é necessário apresentar-lhes recursos que os auxiliem no desenvolvimento de suas habilidades de análise e interpretação dos mais diferentes dados do cotidiano e, nesse sentido, os PCN (BRASIL, 1998, p.27) são claros: a compreensão e a tomada de decisões diante de questões políticas e sociais dependem da leitura crítica e interpretação de informações complexas, muitas vezes contraditórias, que incluem dados estatísticos e índices divulgados pelos meios de comunicação. Ou seja, para exercer a cidadania é necessário saber calcular, medir, raciocinar, argumentar e tratar informações estatisticamente. Tendo em vista que as orientações dos PCN (Brasil, 1997) não estavam presentes nos cursos de formação da maioria dos professores que hoje atuam na Educação Básica, não é de se estranhar que muitos tenham concepções errôneas (e transmitam erroneamente essas concepções aos seus alunos) sobre a Estatística, suas aplicações e sua importância. Algumas pesquisas apontam que as dificuldades em trabalhar o conteúdo estatístico em sala de aula, podem ser resultantes de: (1) concepções errôneas do professor sobre projetos estatísticos acreditam que estes se resumem à coleta sem critérios de alguns dados e depois a uma apresentação com representações gráficas; (2) falhas na sua formação profissional o professor imita as estratégias com que lhe foram passados os conceitos estatísticos; (3) não-familiaridade com estratégias de ação didática quando estas requerem o desenvolvimento de projetos; (4) conhecimento insuficiente ou inadequado do conteúdo estatístico. (MENDES e BRUMATTI, 2003)
3 Através de sua história, é possível perceber que a Estatística desenvolveu-se a partir de necessidades da própria sociedade e, com isso, ela está intimamente ligada a problemas cotidianos, os quais podem estar presentes na vida de nossos alunos e esse fato justifica o trabalho com esses conteúdos desde as séries iniciais. Lopes (1998) corrobora com essa afirmação ao considerar que: (...) conceitos probabilísticos e estatísticos devam ser trabalhados apenas no Ensino Médio é privar o estudante das condições de entendimento de problemas ocorrentes em sua vida dentro da realidade social (p.14). Sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, principalmente a partir das últimas décadas do século passado, houve um crescente interesse no ensino de conteúdos de Estatística nos diversos níveis escolares, buscandose desenvolver o raciocínio estatístico como uma forma de exercício da cidadania, uma vez que ao se garantir condições de organização e análise crítica das mais diversas informações, criam-se oportunidades de interpretação e compreensão mais apropriadas. Para explorar os processos estatísticos e probabilísticos, é aconselhável que se possibilite uma aprendizagem significativa para o aluno, como, por exemplo, em conseqüência de um processo investigativo na sala de aula, com informações preferencialmente interdisciplinares e contemplando aspectos do seu cotidiano, pois assim cria-se um ambiente favorável a reflexões e críticas, principalmente quando as informações estatísticas apresentadas estão, de alguma forma, relacionadas à ordem social. Essa contextualização pode ser obtida através de seqüências didáticas interdisciplinares, que auxiliem o aluno a entender as relações entre conteúdos que, à primeira vista, não têm nenhuma relação. Por isso, é importante que o aluno seja levado a desenvolver capacidades de reflexão, observação e criação, não se limitando apenas a aplicar mecanicamente
4 algumas fórmulas, mas sim refletindo sobre como e porque está fazendo determinados cálculos. Tendo em vista todas essas questões, direcionamos este trabalho para uma abordagem interdisciplinar de questões estatísticas, visando tornar a aprendizagem desse conteúdo mais significativa e buscando desenvolver o pensamento estatístico. OBJETIVOS Desenvolver atividades para o ensino da Estatística através de temas geradores; Fornecer subsídios teóricos e metodológicos aos professores de Educação Básica sobre uma forma de trabalhar com conteúdos de Estatística nos diversos níveis de ensino. MATERIAIS E MÉTODOS Para o desenvolvimento dessa pesquisa, o primeiro passo foi realizar um levantamento de material teórico, paralelamente às reuniões regulares agendadas pelo EPEMAT Estudos e Pesquisas em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Com os encaminhamentos nessas reuniões, foi possível discutir atividades direcionadas ao conteúdo estatístico para ser trabalhado na Educação Básica. Com isso, determinamos a viabilidade de um tema a ser trabalhado, planejamos uma seqüência didática tomando por base os conceitos propostos nos livros didáticos de Educação Básica e pelos PCN (Brasil, 1997). Além disso, foram discutidos e avaliados documentos referentes ao QLP - Quantitative Literacy Project (American Statistica Association, 2002) e a outros Projetos de Alfabetização Quantitativa já desenvolvidos. A seqüência didática aqui apresentada teve como tema central a população indígena brasileira, com dados reais sobre a mesma, os quais foram publicados na revista Super Interessante (2005). Esta seqüência é direcionada tanto a alunos quanto a professores, pois para estes ela pode ser
5 utilizada como um material de apoio às suas aulas, buscando uma forma de motivar os alunos e, ao mesmo tempo, sinalizar que a Estatística pode e deve ser estudada em conjunto com outros conteúdos do currículo escolar. SEQÜÊNCIA DIDÁTICA Atividade 1. Na reportagem citada, encontramos o seguinte enunciado: A população indígena brasileira é formada por 215 povos completamente diferentes entre si (...), há pelo menos 40 povos que não tiveram nenhum contato com a nossa civilização. Considerando os dados, qual o percentual de povos indígenas que ainda não tiveram nenhum contato com a nossa civilização? Atividade 2. Será que você tem idéia de quão diversos são os povos indígenas do Brasil? Caso você não tenha, veja o que a reportagem da Super diz sobre essa questão: Diversidade é a palavra chave para entender os índios brasileiros. Conheça alguns povos espalhados no Brasil: Saterá-mawê (AM e PA) 6100 representantes, Enawenê-nawê (MT) 400 representantes, Kadiwéu (MS) 1100 representantes, Araweté (PA) 139 representantes, Ka apor (MA) 483 representantes, Tremembé (CE) 5000 representantes, Krahô (TO) 2700 representantes e Kaingang (SC, SP, PR, RS) 26300 representantes. Observe que os Kaingang formam o maior povo indígena brasileiro. Espalhados por Santa Catarina, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, eles possuem cerca de 26300 representantes. Como podemos apresentar todos os dados descritos de uma maneira mais resumida e organizada? As tabelas resolvem esse problema. Então complete a Tabela 1 com o número de pessoas dos povos indígenas apresentados na reportagem.
6 Tabela 1: Distribuição da população indígena conforme os povos existentes. Povo Sateré-mawê Ka apor Kaingang Kadiwéu Araweté TOTAL Número de pessoas 400 2 700 5 000 Em Estatística chamamos de freqüência absoluta o número de repetições de um valor; assim, o número de pessoas de cada um dos povos da Tabela 1, constitui a freqüência absoluta desse povo. Nem sempre as tabelas são fáceis de serem construídas e lidas. Os gráficos, muitas vezes, facilitam a visualização dos valores. Pensando nisso, vamos traçar um gráfico, o qual, para facilitar, já está iniciado. Sua tarefa é completar o gráfico da Figura 1. 30.000 25.000 20.000 População 15.000 10.000 5.000 0 Saterémawê Enawenênawê Kadiwéu Araweté Ka apor Tremembé Krahô Kaingang Povos Figura 1: Distribuição da população indígena conforme os povos existentes.
7 Quais as conclusões que você pode tirar inicialmente, envolvendo os dados apresentados nesse gráfico? Atividade 3. Vamos dar mais um passo na organização dos dados em forma de tabelas e, para isso, vamos lembrar que: Quando apresentamos o valor da freqüência absoluta na forma percentual, em geral, passamos a chamá-la de freqüência relativa. Uma pergunta para pensar: se construirmos um gráfico de colunas com as freqüências relativas de cada povo indígena, ao invés de utilizarmos as freqüências absolutas, será que haverá diferenças? Quais? Para responder a essa pergunta vamos seguir um passo-a-passo. 1. Começaremos organizando uma nova Tabela, com uma coluna de Percentual e para completar os dados dessa coluna precisamos calcular qual o percentual da população de cada povo em relação ao total. Lembre-se: O total da freqüência relativa deve ser 100%.
8 Tabela 2: Distribuição da população indígena brasileira de acordo com os povos existentes. Povo Número de Pessoas Percentual Sateré-mawê Enawenê-nawê Kadiwéu Araweté Ka apor Tremembé Krahô Kaingang TOTAL 100,0 2. Com a Tabela 2 construída, vamos desenhar o plano cartesiano e determinar qual informação será indicada no eixo vertical e qual será indicada no eixo horizontal. Use papel milimetrado para ter uma representação mais precisa. (Repare que, na Figura 1, o eixo vertical refere-se aos povos indígenas, enquanto o eixo horizontal refere-se ao número de pessoas pertencentes a estes povos). Importante: Nunca se esqueça de indicar qual a unidade que você está utilizando. 3. Agora, desenhe um retângulo do tamanho da freqüência relativa que você calculou para cada povo (por exemplo, os índios Krahô representam 6,4%). Não se esqueça de colocar o título de cada um dos eixos!
9 Kaingang Krahô Tremembé Povos Ka apor Araweté Kadiwéu Enawenê-nawê Sateré-mawê 0 1 2 3 4 5 6 7 Percentual Figura 2: Distribuição percentual dos povos indígenas brasileiros Com a Figura 2 completa, você responder à seguinte pergunta: Existem diferenças entre os gráficos? Quais? (Não vale apenas dizer que um é de colunas e o outro é de barras!!!) Atividade 5. Já estamos com algumas idéias acerca dos povos indígenas brasileiros. Será que em seu Estado há algum desses povos? A reportagem da Super Interessante apresenta a seguinte distribuição dos povos indígenas pelo país, segundo as regiões: Região Norte - Acre: 13, Amapá: 5, Amazonas: 64, Pará: 17, Rondônia: 32, Roraima: 9, Tocantins: 8; Região Nordeste Alagoas: 6, Bahia: 13, Ceará: 4, Maranhão: 6, Paraíba: 1, Pernambuco: 9, Piauí: 0, Rio Grande do Norte: 0, Sergipe: 1; Região Centro- Oeste Distrito Federal: 0, Goiás: 3, Mato Grosso: 36, Mato Grosso do Sul: 7; Região Sudeste - Espírito Santo: 2, Minas Gerais: 7, Rio de Janeiro: 1, São Paulo: 5; Região Sul Paraná: 3, Santa Catarina: 3, Rio Grande do Sul: 2. Você já aprendeu como dispor dados em uma tabela, então, organize esses dados da reportagem em uma nova tabela, indicando as regiões, os
10 estados e o número de povos em cada estado e depois construa os gráficos que sejam adequados a esses dados. CONCLUSÔES Apesar das várias vantagens existentes, trabalhar com temas geradores para se ensinar os conteúdos estatísticos, na prática, não é muito simples, pois exige, muitas vezes, uma mudança na postura, nas concepções, nas crenças e nas atitudes do professor de Matemática. Tendo isso em vista, podemos afirmar que, neste caso, as conseqüências recaem diretamente na aprendizagem do aluno. Por isso, deve-se tomar cuidados ao se implementar um projeto de pesquisa na escola. O professor deve ter claro que, quando se trabalha com um tema, não basta apenas mudar o que se pensa de determinada coisa, mas também como se pensa, além, também, de ter sempre em vista que, qualquer que seja o tema, é primordial desenvolver nos alunos três conteúdos, indicados nos PCN (1997): os conceituais (o que saber) para assimilar os significados; os procedimentais (o como fazer, a maneira de investigar); e os atitudinais (o como ser), assumindo novos comportamentos diante do trabalho, da aprendizagem e da vida (Martins, 2001). Com isso, os alunos poderão adquirir conhecimentos que façam sentido para eles e sejam aplicados em seu dia-a-dia, além de ajudá-los em suas tomadas de decisões na sua vida cotidiana. Buscar vínculos da Matemática e da Estatística com outras áreas do conhecimento, ajuda a criar um ambiente favorável à reflexão dos alunos e isso pode ser conseguido através de um projeto para a alfabetização quantitativa que agregue de forma interdisciplinar vários assuntos pertinentes à vida dos estudantes. Através da coleta de dados e da elaboração de tabelas e gráficos, esses estudantes podem observar que a utilização da Estatística possibilita a resolução, a compreensão e uma melhor visualização de diversos problemas que fazem parte tanto do seu cotidiano, quanto do cotidiano de outras pessoas.
11 Não é possível esperarmos que o aluno chegue ao Ensino Médio para iniciarmos conteúdos essenciais para o desenvolvimento de sua visão de mundo. Há a necessidade de uma pedagogia de ensino baseada na investigação e na reflexão, pois ela constitui na sala de aula, um cenário forte para o ensino de uma Matemática crítica, no qual o conhecimento está centrado na investigação, na indagação e na reflexão do que se aprende e para que se aprende, atribuindo-se, dessa forma, a mesma importância à aprendizagem de conceitos, de habilidades e das aplicações. REFERÊNCIAS AMERICAN STATISTICAL ASSOCIATION. What is a statistical project? Disponível em < http: // www.amstat.org / education / statproject.html >. Acesso em 21.fev.2002. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental Brasília: MEC/SEF, 1997. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental Brasília: MEC/SEF, 1998. LOPES, Antonia Elisa Caló Oliveira. A Estatística e a sua história: Uma contribuição para o ensino da Estatística aplicada à educação. Dissertação de mestrado Pós-Graduação em Educação (Filosofia da Educação e Educação Escolar Brasileira), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1988. 198p. MARTINS, Jorge Santos. O trabalho com projetos de pesquisa: Do ensino fundamental ao Médio. Coleção Papirus Educação. Campinas: Editora Papirus, 2001. 139 p. MENDES, Clayde Regina ; BRUMATTI, Raquel Normandia Moreira. Parâmetros Curriculares e Acadêmicos em Ação: uma proposta para o
12 ensino de estatística através de projetos. In: Anais da XI Conferência Interamericana de Educação Matemática CIAEM - Educação Matemática & Desafios e Perspectivas. Blumenau, SC, 2003. v. 1. O número de índios no Brasil está diminuindo? Super Interessante, São Paulo, n. 218, p. 28-29, out. 2005. WONNACOTT, Thomas H.; WONNACOTT, Ronald J. Introdução à Estatística. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 1980. 589p.