31/07 GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL: O TRABALHO COM AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS



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Transcrição:

31/07 GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL: O TRABALHO COM AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS Paulo da Silva Lima Universidade Federal do Pará (UFPA) Introdução O ensino de língua portuguesa sempre foi um grande desafio para os profissionais dessa área. No entanto, inúmeros trabalhos acadêmicos (artigos, livros, monografias etc) se dedicam a abordar sobre essa questão, no intuito de auxiliar os professores na árdua tarefa de ensinar a língua materna. Sendo assim, nosso objetivo é abordar, com base na perspectiva interacionista de linguagem, a importância dos gêneros textuais no ensino de língua portuguesa e sua aplicabilidade na sala de aula. Por isso, discutiremos sobre questões que mostram que o estudo dos gêneros textuais é hoje uma fértil área interdisciplinar, com atenção especial para a linguagem em funcionamento e para as atividades discursivas, culturais e sociais. Para isso apresentaremos as idéias de autores como Marcuschi, Dolz, Noverraz e Schneuwly, relatando sobre a noção de gêneros, tipo textual e domínio discursivo e refletindo sobre a importância desses termos nas aulas de língua portuguesa. Além disso, com base nesses três últimos autores, apresentaremos propostas de ensino de língua por meio das sequências didáticas. Por isso, na última parte desta pesquisa mostramos parte de um trabalho com as sequências didáticas, desenvolvido numa escola pública da cidade de Marabá-PA. 1. Gênero, tipo textual e domínio discursivo Muitas são as pesquisas que, atualmente, se dedicam ao estudo dos gêneros textuais. Assim, vemos uma grande quantidade de livros e outros trabalhos acadêmicos abordarem sobre o ensino de língua com base nos gêneros textuais. Vale ressaltar que o

estudo desse tema na linguística parece, para muitos, ser algo novo, surgido juntamente com a lingüística dedicada ao campo do texto/discurso. Mas, como bem afirma (MARCUSCHI, 2008), os estudos sobre os gêneros textuais têm mais de dois mil anos, pois eles se iniciam com Platão na Grécia antiga. Sendo assim, o que temos atualmente é apenas uma nova visão desse assunto. No início, a palavra gênero destinava-se quase especificamente ao campo literário, onde seu precursor foi Platão e posteriormente Aristóteles. Na atualidade, os gêneros não se prendem apenas à literatura ou à retórica, mas às várias esferas de produção textual, pois os gêneros evoluíram juntamente com as sociedades e antigos gêneros ainda se fazem presentes, enquanto que alguns desapareceram ou deram origem a outros. Nesse sentido, compreende-se que as pessoas, para se comunicarem, necessitam sempre fazer isso por meio de algum gênero e também por meio de um texto. Sendo assim, como abordam os teóricos ligados à linguística do texto, existem os gêneros textuais, tipos de texto e domínio discursivo. Para (MARCUSCHI, 2008), os tipos textuais designam uma construção teórica que, de forma geral, subjaz a uma sequência inerente aos próprios textos, definindo-se por características linguísticas. Estas podem ser identificadas por meio de aspectos sintáticos, tempos verbais, lexicais, estilo, relações lógicas etc. Os tipos são caracterizados principalmente como sequências linguísticas, identificandose como modos textuais. Por isso, são tidos com sequências retóricas e poucamente se caracterizam como textos materializados. Grosso modo, os tipos textuais englobam a narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Já o domínio discursivo, segundo (BAKHTIN, 1992), constitui essencialmente uma esfera da atividade humana, indicando instâncias discursivas como: discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso, entre outros. Assim, o domínio não abrange somente um determinado gênero, mas origina vários gêneros, pois estes são institucionalmente marcados. Na visão de (MARCUSCHI, 2007, p. 23) esses domínios não são não textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos. Por isso, é possível que dentro do discurso jornalístico encontremos a presença de vários gêneros

como: o editorial, a manchete, o artigo de opinião, a carta do leitor etc. Outro exemplo que podemos apresentar é o do discurso jurídico, onde podemos encontrar os gêneros: regimento, diploma, alvará, boletim de ocorrência, estatutos etc. 2. Gêneros textuais e ensino de língua materna: a visão dos PCN O estudo dos gêneros tem nos últimos anos repercutido bastante no que tange às pesquisas linguísticas destinadas ao ensino de língua. No Brasil, de forma geral, nota-se uma proliferação de trabalhos com os gêneros baseada inicialmente na linha de Swales, depois na escola de Genebra sob influência de Bakhtin e também com base em norteamericanos e na Análise do Discurso Crítica. Deve-se ressaltar que as teorias de Bakhtin estão presentes em todas as correntes linguísticas que abordam sobre os gêneros textuais. O motivo dessa proliferação no estudo dos gêneros se deve ao fato de que é impossível não se comunicar verbalmente a não ser por meio de algum gênero, do mesmo modo como é impossível uma comunicação verbal a não ser por meio de um texto. Segundo (MARCUSCHI, 2008, p. 154), isso acontece porque toda manifestação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero. Em outros termos, a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual. Sendo assim, antigas concepções sobre o ensino de leitura e produção de texto têm sofrido uma reformulação, garantindo a possibilidade de se trabalhar com os gêneros no ensino de língua materna. Hoje isso está bastante presente, pois a maioria dos manuais de ensino de língua está pautada nos estudos que se têm feito sobre os gêneros. Isso é o que acontece nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), pois lá encontramos orientações voltadas para um ensino que trate os gêneros como esquemas de compreensão e facilitação da ação comunicativa interpessoal. Estipulando uma padronização de como se deve proceder o ensino de leitura e escrita em todo território nacional, encontramos nos PCNs argumentos que defendem o ensino de leitura e produção de texto, considerando as modalidades oral e escrita. Portanto, de forma alguma, essas duas modalidades linguísticas se excluem, mas apenas se realizam em contextos diferentes.

Sendo assim, sugere-se que para um ensino que atenda às duas modalidades (oral e escrita), seja necessário um trabalho baseado nos gêneros. Dessa forma, pode-se ensinar aos alunos as várias possibilidades de se produzir e de se compreender os gêneros textuais que fazem parte do nosso dia-a-dia. 3. As sequências didáticas como modelo de trabalho com os gêneros textuais Como já discutido neste trabalho, muitos pesquisadores se destinam a estudar e propor estratégias para o ensino com base nos gêneros. Assim, daremos destaque para três autores franceses, (DOLZ, NOVERRAZ & SCHNEWLY, 2004), que concentraram seus trabalhos no ensino por sequências didáticas. Nessa perspectiva, é possível ensinar a língua materna por meio de gêneros textuais diversos, englobando a modalidade oral e escrita. Para (DOLZ & SCHNEWLY, 1998) os gêneros são instrumentos de comunicação, realizados de forma empírica em textos. Além disso, sempre estão ancorados em alguma situação real de comunicação. Por isso, é justamente assim que devem ser utilizados nas aulas, ou seja, o trabalho com os gêneros, em sala de aula, deve proporcionar verdadeiras situações de interação verbal. Na proposta desses autores, há a possibilidade de se trabalhar com os gêneros textuais tanto da modalidade oral quanto da escrita de forma ordenada. Melhor dizendo, isso pode ser feito de maneira sequenciada, pois, assim, também se podem abordar nas aulas de língua questões ligadas à gramática e à ortografia. Para (DOLZ, 2004), as sequências didáticas podem ser definidas como um conjunto de atividades escolares organizadas sistematicamente em torno de um gênero textual oral ou escrito. No entanto, deve-se mencionar que esse trabalho deve ser feito sempre proporcionando uma comunicação real entre os interlocutores. Assim os alunos produzirão textos reais para interlocutores reais. Para a elaboração dessa atividade são necessários alguns procedimentos. Primeiramente tem-se a apresentação da situação. Nesta fase o professor deve definir se a modalidade a ser trabalhada será a oral ou a escrita; depois se escolhe o gênero, para quem ele será produzido e como será produzido. Ainda nesse início é importante que os alunos tenham contato com exemplares do gênero, ouvindo ou lendo-os, para poderem se situar sobre as

características e as funções de tal gênero. Além disso, é importante que o professor discuta juntamente com os alunos sobre a organização do gênero escolhido. Depois disso, temos a primeira produção. Nessa fase a formulação do texto poderá ser feita de forma individual ou coletiva. No entanto, o professor deve avaliar esse primeiro texto, privilegiando a forma e, conseqüentemente, dando uma nota ou conceito para que os alunos possam nas outras etapas fazer uma comparação e observarem seu próprio rendimento durante todo o processo. É importante também mencionar que nesse trabalho com as sequências didáticas, é necessário o seguimento de módulos até a elaboração final do texto. Por isso, faz-se necessário um trabalho com os problemas que apareçam na primeira produção, dando ou mostrando aos alunos os meios necessários para que superem tais dificuldades. Assim, o professor pode comentar com os alunos sobre como foi a representação da interação verbal, fazendo ressalva aos destinatários, objetivos, gênero, modalidade (oral ou escrita). Num outro módulo, após os alunos já terem adquirido todas as informações necessárias sobre o gênero, eles devem adquirir uma linguagem técnica capaz de lhe dar suporte sobre o tema abordado na produção textual. Assim os alunos vão se sentir seguros sempre que precisarem falar sobre o assunto. Por isso, o professor pode propor a elaboração de um glossário sobre as atividades desenvolvidas e sobre o gênero. Na produção final do gênero o aluno porá em prática o que aprendeu durante todos os módulos da atividade de produção textual. Por isso, torna-se adequado que o professor realize uma avaliação somativa, não descartando a formativa. Nessa fase, o aluno será capaz de obter um controle a respeito de sua própria aprendizagem, ou seja, ele saberá o que fez, por que fez e como fez. 4. Relatos de uma experiência com as sequências didáticas A Faculdade de Estudos da Linguagem (UFPA de Marabá) executa o projeto de extensão Prática de escrita na escola, auxiliando professores de escolas da rede pública no ensino de língua portuguesa. Nesse sentido, o que apresentaremos em seguida é parte do que desenvolvemos juntamente com um desses docentes em uma turma do 5ª ano do Ensino Fundamental.

No primeiro contato, iniciamos nessa turma uma conversa sobre quais tipos de leituras já haviam feito e/ou gostavam de fazer (ex: contos de fadas, histórias em quadrinhos, contos de assombração, etc.), com o objetivo de fazer um breve levantamento das preferências de leitura da maioria dos alunos. Assim, observamos que o conto de fadas era o gênero mais frequente entre eles. O próximo passo foi fazer o levantamento dos contos mais conhecidos e eles citaram Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Os três porquinhos, Cinderela, Rapunzel, A Bela e a Fera etc. Encaminhamos um segundo momento dando continuidade ao que foi feito no primeiro, ou seja, os alunos deveriam criar uma nova versão para a história recontada na situação anterior. Após informar aos alunos qual seria a atividade do dia, procuramos observar o que os alunos compreendiam pela expressão outra/nova versão, através de uma conversa sobre o assunto. A partir daí, apresentamos-lhes mais algumas informações e os deixamos à vontade para construir outra produção escrita, na qual deveriam criar outras situações, modificando ações, personagens, cenário, etc. e proporcionando ao novo texto alguma alteração nos fatos. Texto A do produtor 1 Branca de Neves Era uma vez, a branca de neves que procurava encontra sua felicidade. Eles macarão um encontro para conversar e brinca depois ele ficarão em uma casinha. A branca de neves Perguntou para Vovó o que ela podia fazer para ir até a florestinha, que ela si cazou com o príncipe, ai que ela si cazou ai que ela ficou feliz com o príncipe ao lado dela a branca de neve pensava em brinca e anda sobre o Jardim perto do rio. Nessa produção, o aluno inicia o texto falando sobre a Branca de Neve, que está à procura de sua felicidade, porém, logo em seguida ela insere no texto um elemento da história de Chapeuzinho Vermelho, que é a personagem da Vovó. É interessante observar que mesmo utilizando as personagens de Branca de Neve, Príncipe e Vovó, o aluno acaba não centralizando seu texto em nenhuma das duas histórias. Isso quer dizer que a proposta da 1ª situação de produção não foi realizada, visto que o aluno não fez o reconto e sim uma tentativa de contar as duas histórias, mas, no entanto, utilizou apenas as personagens e criou outros fatos para sua própria história.

O texto é curto e apresenta confusão de idéias, falta de informações e algumas repetições desnecessárias. Analisando a seqüência dos fatos, o aluno muda de um assunto para o outro sem situar o leitor quanto aos acontecimentos intermediários. No início do texto, por exemplo, ele diz que Branca de Neve quer encontrar a felicidade e logo em seguida diz que eles marcaram um encontro, porém não identifica quem são eles. Só no terceiro parágrafo é que aparece a personagem do Príncipe, no momento em que já estão casados. Texto B do produtor 1 A Branca de neve Era uma vez a branca de neve que ela gostava de passear na floresta dia e noite. ai, ai que delicia ver minha Vovó todos os finais de semana eu vou conta uma historinha para minha vovozinha ai meu príncipe encantado eu vou ti conta cazinha. a Braca de neve era feliz pork cazou com o príncipe, a branca chamava lourinha por causa do cabelo dela que era louro ai eu sou linda como você príncipe. a branca gostava de pasear sobre o dia e sobre a floresta dia e noite em lua cheia e lua crescente. Na segunda produção o aluno novamente utiliza as três personagens e dá seqüência às idéias da produção anterior. No primeiro texto, segundo o aluno, Branca de Neve, estando em busca da felicidade, encontra-se com o Príncipe: (...) Eles macarão um encontro para conversar (...), (...) ela se cazou com o príncipe (...) ela ficou feliz com o príncipe ao lado dela (...). Já neste segundo texto, ele escreve: A Braca de neve era feliz porque cazou com o príncipe (...). Assim, tenta deixar evidente neste texto que Branca de Neve já se casou, fato esse ocorrido/descrito na primeira produção. É interessante também observar no segundo texto que o aluno muda o nome da personagem Branca de Neve, porém o que mais chama a atenção é o fato de que ele tanto utiliza no título quanto inicia o texto utilizando Branca de Neve ( Era uma vez a Branca de Neve que...) e, de repente, no meio do texto diz que Branca se chamava Lourinha (... a branca chamava lourinha por causa do cabelo dela que era louro...). Observa-se neste caso que o aluno não apresenta/mostra coerência na descrição dos fatos. Um aspecto interessante e comum aos dois primeiros textos diz respeito à centralização/focalização do texto na personagem do Príncipe, o que afirma o relato de já

ter lido e gostar de ler histórias com esse tipo de personagem. Isso mostra também que seu contato com a leitura limita-se a esses tipos de textos, o que justifica seu repertório limitado de idéias. Texto A do produtor 2 Chapeuzinho Vermelho Era uma vez, a mãe de uma menina fez um belíssimo chapéu vermelho para ela e ela gostava muito do chapéu, gostava tanto que usava o chapéu todos os dias... Com um tempo quela estava usando o chapéu o pessoal começou a chama ela de chapeuzinho vermelho... Com alguns dias a mãe dela falou: - Chapeuzinho vermelho vai essa cesta de doces, geléia, e um pote de mantega... Quando Chapeuzinho Vermelho estava andando pela floresta uma voz disse: - Oi menina como e o seu nome? e para onde vai? respondeu Chapeuzinho vermelho: - meu nome e Chapeuzinho Vermelho e eu vou para casa da minha vó que fica logo ali: - Chapeuzinho vamos apostar uma corida vamos disse Chapeuzinho Vermelho - etao você vai por aqui que e mais perto tudo bem disse Chapeuzinho... quando chapeuzinho ia andado no meio do caminho estava uma linda borboleta e Chapeuzinho se destraiu com ela quanto ão lobo já tinha chegado... e o lobo disse: - oi vovó abra a porta disse a vovó quem e e sua netinha á entre minha netinha o lobo disfaçado de chapeuzinho entrou e comeu a vovó... horas depois Chapeuzinho oi vovo oi minha netinha quando ela entrou ela disse eu truxe uma sesta de doces, geléia, o pote de matega quetinho. quando ela entrou no quarto ela disse praque essas orelhas tão grandes vovo é pra ti ouvi melho praque esses olhos tão grande vovo e pra ti exergar melhor praque essa boca tão grande e pra ti comer melho e engolio a menina os caçado ia passando e viu chapeuzinho pedido socorro e os caçador eles cortaram a barriga do lobo e tiraram as duas e colocaram algumas pedras na barriga do lobo Sua 1ª produção segue detalhadamente a história original. Nela o aluno tenta, em alguns momentos, empregar os sinais de pontuações de acordo com os fatos da narrativa, como: reticências, dois pontos, ponto de interrogação e travessão. É interessante observar que o aluno evidencia o diálogo entre as personagens de Chapeuzinho Vermelho e do Lobo, utilizando o travessão como recurso de marcação da fala, mesmo esse diálogo estando dentro do texto, misturado com a voz do narrador e demais informações. O uso do ponto de interrogação, dois pontos e reticências também chamam a atenção. O aluno usa adequadamente o ponto de interrogação sempre que o Lobo pergunta algo para Chapeuzinho: Oi menina como e o seu nome? e para onde vai?. Observa-se ainda que para enfatizar no texto a voz do narrador e como recurso de introdução da fala da personagem, o aluno usa os dois pontos de maneira significativa:

Com alguns dias a mãe dela falou: - Chapeuzinho Vermelho vai essa cesta..., respondeu Chapeuzinho Vermelho: - meu nome e Chapeuzinho Vermelho e eu vou para casa da minha vó... Já as reticências aparecem várias vezes no texto como uma forma de marcação do tempo, isto é, as narrativas que ele faz deixam uma lacuna na seqüência dos fatos que não perdem o sentido no conjunto do texto justamente por conta das reticências. Ao narrar o fato que acontece em determinado momento e depois dar um salto no tempo para narrar outro fato importante da história, o aluno não deixa que o sentido do texto se quebre, pois usa adequadamente as reticências que servem justamente, neste contexto, para dar esse efeito. Os textos produzidos pelos alunos e as observações por nós feitas mostram que durante o trabalho com as sequências didáticas houve uma progressão nas produções textuais. Assim, os alunos puderam por em prática questões formais referentes ao gênero textual, apreendendo as características e objetivos na formulação dos contos de fada. Considerações finais Neste trabalho, observou-se que as teorias referentes ao estudo dos gêneros textuais são importantíssimas para o direcionamento das aulas de língua materna. Pois, ao assumir uma postura teórica que englobe gênero, tipo de texto e domínio discursivo, o docente pode ampliar seu conhecimento e, consequentemente, enriquecer sua metodologia nas aulas de português. Além disso, vimos que o trabalho com as sequências didáticas possibilita a utilização de gêneros das duas modalidades (oral e escrita), proporcionando aos alunos uma atividade epilinguística, pois os mesmos são capazes de, ao longo dos módulos, avaliar sua própria prática discursiva. Além do mais, questões de sintaxe, ortografia e estilo também têm espaço na atividade modular. Assim, ao relatarmos um pouco da experiência com os gêneros (sequências didáticas), observamos que todos os módulos trazem possibilidades para que o aluno tenha um primeiro contato com o gênero e, ao longo do processo, apreenda as características e objetivos ao se produzir um texto dentro daquele gênero. E, por meio da refacção, cada

estudante vai percebendo suas próprias dificuldades e tentando superá-las ao longo do processo. Muitas outras observações poderíamos fazer a respeito do trabalho com as sequências didáticas, mas, por último, gostaríamos de destacar que esse modelo de ensino permite que os casos de insucesso sejam trabalhados, recebendo atenção especial por parte de professores e coordenadores, sem causar transtorno para os alunos que se encontrem nessa situação. Portanto, esperamos que nossos comentários tragam algum benefício para aqueles que se dedicam à árdua tarefa de ser professor de língua materna. Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Pour un enseignement de l oral. Initiation ao genres formels à l école. Paris: ESF éditeur, 1998. DOLZ, J.; NOVERRAZ, N. & SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. Gêneros textuais: definição e funcionalidade, In DIONÍSIO, A. & BEZERRA, M. A. (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros curriculares nacionais: primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 2000. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 2002.