Trabalho na contemporaneidade questão social e Serviço Social Classes sociais, crise estrutural, Estado de bem-estar social

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Transcrição:

Uma análise crítica do Estado de bem-estar social Albani de Barros 1 albanibrr@hotmail.com Modalidade de trabalho: Eixo temático: Palavras chave: Pesquisa bibliográfica Trabalho na contemporaneidade questão social e Serviço Social Classes sociais, crise estrutural, Estado de bem-estar social Este artigo busca analisar quais razões que determinaram a combinação do modelo de produção fordista com o Estado de bem-estar social na conjuntura estabelecida no período do pós-guerra. A partir desta avaliação, procuramos expor a impossibilidade de um restabelecimento desse formato de Estado em razão do estreitamento das balizas de ação da reprodução capitalista a partir de sua crise estrutural. Trata-se de uma pesquisa teórica que aborda a atuação do Estado, analisando como este permanece atrelado de forma inexorável às diretrizes das classes hegemônicas. No auxílio da apreciação histórica em que se instaurou o Estado de bemestar social, utilizamos os estudos de Lessa, Harvey e Mészáros. Para defesa da tese burguesa que argumentava uma alteração no Estado e nas classes, Keynes, principal causídico e idealizador, defendia que o Estado de bem-estar social se expandiria por toda planeta e modificaria consubstancialmente a sociedade capitalista, eliminando as diferenças entre as classes em tal magnitude, que já não caberia mais situá-las como antagônicas. A nova configuração da sociedade nos países centrais teria elevado o padrão econômico dos trabalhadores de tal forma que a classe trabalhadora estaria se fundindo com a burguesa e o principal instrumento que possibilitaria tal situação, seria a suposta nova atuação do Estado. O exame histórico da acumulação capitalista das últimas décadas e as perversas repercussões que a reestruturação produtiva trouxe para a classe trabalhadora demonstrou que o Welfare State não somente não se expandiu, como ruiu onde nos poucos países centrais onde se instalou. 1 Graduado em Comunicação Social (UFAL), Especialista em Planejamento e Gestão de Projetos Sociais (FITS), mestrando em Serviço Social (UFAL), com estudos direcionados para questão do trabalho e crise estrutural do capital. Brasil. 30 de Junho de 2009. Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009. 1

Welfare State, estratégia do capital ou pacto social? É a partir da nova conjuntura estabelecida no período do pós-guerra, com a combinação do modelo de produção fordista com as ideias de Keynes do Welfare State que surge às primeiras teorias de repercussão que aludiam a perda da centralidade do trabalho. A base de argumentação surgiu em razão fundamentalmente do aparente novo papel que o Estado estaria a exercendo. As classes estariam se transformado de tal forma que já não caberiam mais situá-las como antagônicas, a nova configuração da sociedade capitalista nos países centrais teria elevado o padrão econômico dos trabalhadores de tal forma que: a classe operária efetivamente deixou de viver à parte (MALLET, apud LESSA, 2007, p. 41). Aquele mesmo velho Estado de caráter coercitivo, que não titubeava em colocar seu aparato policial para reprimir 2 o movimento dos trabalhadores, se mostrava naquele momento com outra aparência; passou a investir em uma série de áreas sociais, propiciava educação, saúde, moradia e ainda participava na organização de um novo tipo de sindicato, que lutava por melhores salários. Dessa forma, não caberia mais identificá-lo como sendo um Estado despótico a serviço da burguesia, ele teria se transformado substancialmente. Estaria cancelada a função apenas coercitiva do Estado, sendo este capaz de obter um pacto entre as classes, que até então pareciam terem objetivos inconciliáveis. O antagonismo entre a classe produtora da riqueza social e a que se apoderava dessa riqueza parecia está com seus dias contados. A ampliação daquele formato keynesiano para todo o planeta representaria o fim do conflito entre trabalhadores e burgueses, o crescimento da riqueza produzida propiciaria através desse pacto que uma maior parte da riqueza fosse distribuída com os trabalhadores. O futuro do capitalismo parecia algo promissor para toda sociedade. Contrariamente a essa utopia defendida por aqueles a quem Mészáros denominam de apologistas do capital, a história recente demonstrou que este sonho keynesiano se transformou num pesadelo décadas depois. A suposta lua de mel entre fordismo e welfare state foi uma estratégia do capital para crescimento acelerado da produção num cenário de retração de consumo no pósguerra, entretanto, contrariamente as previsões 3 de seus defensores, sua duração não foi 2 Cabe salientar que a repressão aos trabalhadores nesse período não foi abandonada, formas aperfeiçoadas de coerção são instauradas e até o retorno de antigos métodos repressivos ocorreram no Estado de Bem-Estar Social, é o caso da tortura. Cf. Lessa (2007). 3 Keynes chegou a decretar confiantemente em 1926 que a humanidade teria seus problemas econômicos completamente solucionados em cem anos. (KEYNES, apud, MÉSZÁROS, 2004, p. 11-12). Há menos de duas décadas de terminar o prazo indicado por Keynes, tal previsão parece ter tomado um rumo rigorosamente contrário. 2

longa. Do ponto de vista das contradições econômicas do próprio sistema capitalista, tal prolongamento seria impossível de sustentar-se. Considerando as esferas da produção e da circulação, se o aumento da produtividade é uma força autodeterminante da qual o capital necessita para prosseguir seu incessante processo de acumulação, em sentido contrário a esta necessidade, numa determinada altura desse desenvolvimento, o mesmo motivo que impulsionou a desenvolvimento, também acaba provocando taxa de lucros decrescentes (TAVARES, 2004). Este é exatamente o quadro econômico verificado entre o período do pós-guerra até a instalação da crise estrutural. Portanto, se pela configuração do sistema produtivo do capital a expansão da produção não significava um nivelamento de interesses em comum entre capital e trabalho, a própria manutenção desse desenvolvimento acelerado era impossível de prolongar-se duradouramente. Se o modelo do Estado de Bem-Estar Social foi instaurado com a intenção de elevar a lucratividade, com sua diminuição da taxa de lucros ocorrendo através do mesmo mecanismo, tal padrão produtivo passou a ser desinteressante para o capital. Se existe uma lei da qual o capital não ousa descumprir, é a sua insaciável sede por lucros. De acordo com Mandel: A partir de um certo momento da retomada ou da conjuntura de crescimento, há um aumento inevitável da composição orgânica do capital, em decorrência de um progresso técnico que, no regime capitalista, não é jamais neutro mas essencialmente poupador de trabalho (substituindo a mão-de-obra por máquinas) e da ampliação dos investimentos que se desenvolvem em uma conjuntura favorável. Esse aumento da composição orgânica do capital pode, durante um certo período, deixar intacta a taxa de lucros (é a fase lua de mel do boom), logo que é acompanhado de uma grande elevação da taxa da mais-valia, de uma baixa relativa dos preços de matérias-primas e / ou de um investimento crescente de capitais nos setores ou nos países cuja a composição orgânica do capital é mais débil. Entretanto, a lógica da expansão mina as condições dessa lua-de-mel. (1990, p. 213-214). Não é a questão central dessa pesquisa a análise econômica do período do Estado de Bem-Estar Social, contudo, compreendemos que esse mínimo cenário apresentado é imprescindível para entender, sob o ponto de vista das contradições que regem o capital, que a continuidade prolongada do crescimento econômico seria rigorosamente uma impossibilidade. Nesse caso, a história demonstrou cabalmente que radicalmente ao contrario do que os apologistas do capital imaginavam; a combinação entre Welfare State e fordismo apenas contribuiu para o estabelecimento da crise estrutural do capital descrita por Mészáros (2002). 3

O mesmo Estado e as novas necessidades. Para iniciarmos uma reflexão rigorosa sustentada em Marx sobre a impossibilidade de pacto entre as classes e da inexistência de interesses em comum entre trabalhadores e burguesia, entendemos que esta miragem é formulada no território da política. Nas palavras de Lessa & Tonet: Essa ilusão de que capitalistas e trabalhadores compartilham de um destino comum, sempre segundo Marx e Lukács, tem forte influencia nas lutas políticas, pois é o fundamento da ilusão de que o Estado e o Direito são instituições sociais que representam os interesses de toda sociedade. (2008, p. 101). A aparente atuação do Estado no período posterior à segunda guerra parecia desautorizar a concepção de Marx. A aparência do Estado naquela quadra histórica contradizia com a tradição marxista que descrevia o Estado como um organismo auxiliar necessário a manutenção da dominação da classe parasitária sobre a classe trabalhadora. Sobre os limites e a essência da ação do Estado, Marx escreve que: O Estado não pode eliminar a contradição entre a função e a boa vontade da administração, de um lado, e os meios e possibilidades, de outro, sem se eliminar a si mesmo, uma vez que repousa sobre essa contradição [...] Por isso, a administração deve limitar-se a uma atividade formal e negativa, uma vez que exatamente lá onde começa a vida civil e o seu trabalho, cessa o seu poder. (1995, p. 80). Vejamos que, existia uma contradição na exterioridade imediata do Welfare State com o conceito de Marx sobre a essência do Estado. Na concepção de Marx, o Estado não pode alterar radicalmente a realidade da sociedade, independente do interesse administrativo de quem esteja a sua frente. Não se trata de um determinismo de caráter subjetivo, trata-se de uma constatação da função histórica 4 desempenhada por este complexo social, não sendo outra senão auxiliar a classe hegemônica no controle da classe trabalhadora. A questão é que o exame superficial do Estado de Bem-Estar Social negava essa teoria de Marx, ao menos aparentemente era isso que se apresentava. 4 Apoiando-se em Marx e Engles, Lessa esclarece que: Com a divisão das sociedades em classes após a Revolução Neolítica, as classes dominantes muito cedo tiveram que resolver um problema para elas decisivo: como os trabalhadores eram em número muito maior que os seus senhores, apenas seria possível mantê-los trabalhando para produzir a riqueza da classe dominante se esta contasse com um mecanismo especial de repressão dos trabalhadores. Esse mecanismo é o Estado. Ele é composto pela burocracia, exerce o monopólio da violência e conta com um conjunto de regras escritas que regulam a propriedade privada (LESSA, 2007b, p. 53). 4

Uma análise mais aprofundada, com o auxilio da história, demonstra que essa aparência do Estado de Bem-Estar Social esconde uma bem elaborada estratégia que possibilitou o enfraquecimento da combatividade da classe trabalhadora naquele momento histórico, o que somente reforça a teoria de Marx sobre o caráter coercitivo do Estado. A história também demonstrou que as graves consequências para classe trabalhadora dessa ilusão não foram poucas e se tornaram graves e urgentes com a chegada da crise estrutural. A concepção que indica ser o Estado de Bem-Estar Social fundamentalmente uma estratégia do capital não parece ser hegemônica entre os pensadores contemporâneos. Vasapollo (2007), convicto marxista, ao tratar do Welfare state argumenta que: O Estado de bem-estar social não é outra coisa senão uma conseqüência, uma forma ou modo de apresentar as relações e as formas de ser do capitalismo, em um momento em que as relações de força entre capital e trabalho eram majoritariamente, em relação a hoje, favoráveis ao movimento dos trabalhadores. (VASAPOLLO, 2007, p. 19) A despeito da questão se hoje o movimento dos trabalhadores é menos intenso que no período pós-guerra, o que é possível concordar com Vasapollo. O que é relevante para nossa pesquisa, é que, no entender desse autor, o Welfare State foi o resultado da luta política entre trabalhadores e a burguesia; que através da força do movimento operário foi possível instaurar políticas sociais em benefício da classe trabalhadora. O capital teria se tornado menos perverso por pressão da classe trabalhadora. A ideia de que a pressão política dos trabalhadores propiciou a concessão por parte do capital de diversos benefícios sociais e de uma série de garantias trabalhistas parece desconhecer a própria lógica de acumulação capitalista. Ignora que a forma que o capital consegue reproduzir-se é explorando a mais- valia, é sugando força viva do trabalho. A maior acumulação obtida pela classe parasitária não significa que esta num ato de generosidade repartirá seu tesouro com os reais produtores (MARX, 2008). Riqueza para poucos e miséria para muitos é a dura realidade que o capital tem construído na relação com a classe trabalhadora. De forma diferente a esta perspectiva que afirma que o Welfare State teria sido o resultado de um embate entre trabalhadores e capitalistas, estando os primeiros em situação mais privilegiada, o período do pós-guerra é marcado por profundas derrotas do movimento operário (LESSA, 2007, p. 279). Harvey reforça, ao indicar que logo após o conflito mundial encerrado em 1945, o momento foi de derrota dos movimentos operários 5

radicais que ressurgiam no período pós-guerra imediato (2002, p. 125). Sendo um momento marcado por uma série 5 de importantes derrotas dos trabalhadores, qual então teria sido o poder de barganha desses sobre a burguesia para forçar essa a construir um pacto? O movimento operário não se encontrava forte o suficiente para impor ao capital que esse acionasse o Estado para realizar ações sociais daquela ordem. Da mesma forma, considerando a lógica pela busca da acumulação permanente que rege o capital, é inconcebível imaginar que repentinamente a burguesia incorporou um espírito altruísta que a levou a criar o Welfare State. É na busca da lucratividade e no receio de uma nova crise nos padrões da que ocorrera em 1929 que o Estado de Bem-Estar Social é motivado. Três questões conjunturais dificultavam o aumento da produção e a manutenção da taxa de lucros. A primeira era a retração do consumo existente em razão do esforço de guerra; dito de outra forma, o consumidor tinha se acostumado durante os anos em que o conflito perdurou a não comprar frugalidades, nada que fosse desnecessário (LESSA, 2007), isso ocorria como meio de economizar em casa para disponibilizar mais recursos aos pracinhas no campo de combate (Ibidem, p. 280, grifos do autor). O segundo aspecto era o grande desemprego, o que significava ausência de consumidores com dinheiro disponível para comprar. Uma gigantesca legião de soldados voltava para casa e estavam sem emprego (Ibidem). Terceiro aspecto: a produção destrutiva voltada para alimentar a máquina guerra não tinha mais a mesma escala de demanda com o fim do conflito mundial, tanques, aviões, navios, armamentos, fardas, remédios, rações alimentícias, combustíveis, etc., eram produtos que, do dia pra noite, tiveram suas demandas reduzidas (Ibidem, p. 280). Diante dessa situação, com a necessidade urgente de ampliação do consumo, o objetivo do capital estava voltado para construção de uma massa de consumidores com maior poder de compra, bem como, com maior tempo fora do trabalho para que pudesse consumir em nichos de mercado até então pouco explorados pelo capital, como, por exemplo, serviços de lazer (HARVEY, 2002). Era preciso, portanto, salários maiores e 5 Sobre a seqüência de derrotas do movimento operário nessa quadra histórica, especialmente na Europa, Cf. Lessa, (2007, p. 279). No Japão, conforme Gounet (1999), as grandes derrotas dos trabalhadores nesse período ocorrem em 1950, quando a Toyota decidiu demitir 2 mil operários, tendo como resposta dos trabalhadores uma greve, entretanto, graças ao apoio dos bancos a empresa venceu o confronto e as demissões mantiveram-se. Mais grave ainda para os trabalhadores foi a o choque entre o sindicato e a montadora Nissan em 1953, esta promoveu um locaute e com apoio de 2 bancos conseguiu o dinheiro equivalente a um ano de negócios. Em seguida os líderes do movimento grevistas foram presos e foi criado um novo sindicato ligado a empresa. Esfaimados, desmobilizados, chantageados, os trabalhadores voltam a empresa. A Nissan criou o sindicato-casa, aquele que hoje é o típico sindicado japonês, rapidamente imitado em todo o arquipélago (GOUNET, 1999, p. 31). 6

diminuição da jornada de trabalho. As concessões oferecidas pelo capital nada mais foram do que estratégias para estabilizar e dinamizar sua própria autoreprodução. É imprescindível mencionar de que essas supostas conquistas dos trabalhadores não foram frutos da luta da classe operária. No âmbito sindical, as centrais dos trabalhadores encontravam-se sob o domínio do capital, conforme Lessa: domesticados, os sindicatos no pós-guerra incorporaram muitas das tarefas que, no passado, eram típicas dos inspetores do Estado que Marx descreve em o Capital (Ibidem. P.282). O Estado de Bem-Estar Social pode ser compreendido, de forma abreviada, como um movimento realizado por menos de uma dúzia de países centrais que teceram uma malha de exploração pelo mundo 6 através de empresas transnacionais. Com isto, possibilitou trazer para estas nações imperialistas uma enorme quantidade de riqueza expropriada dos países periféricos (Ibidem). O problema é que, esta superprodução necessitava ser consumida e o cenário do pós-guerra, conforme já descrito anteriormente, era desfavorável para essa finalidade. O papel do Estado de Bem-Estar Social foi fundamentalmente assegurar um elevado nível de consumo; de forma a evitar uma crise de superprodução de consequências desastrosas para o capital. O próprio Estado passou a ser um dos grandes consumidores, investindo no complexo industrial militar apesar do fim do conflito mundial (MÉSZÁROS, 2004), construindo escolas, hospitais e comprando insumos para essas áreas. Além disto, o Estado tratou de criar uma enorme estrutura que propiciou a ampliação acelerada dos novos meios de comunicação, que por sua vez, colaboraram com a disseminação de novos padrões de consumo e com um intensivo processo ideológico de rejeição ao socialismo (KUMAR, 2006). Este complexo de mídia por um lado, auxiliou através da publicidade o consumo de novos produtos e, por outro, a propaganda política tratou de difundir a idéia anticomunista pelo mundo afora. (Ibidem, LESSA, 2007). O outro aspecto, que tem muito a ver com o modelo de produção fordista, é relativo à grande aglomeração de trabalhadores nas unidades industriais, o que facilitava a articulação da classe operária. Nesse sentido, era necessário que o capital desarticularse os movimentos mais radicais (HARVEY, 2002). A ofensiva do capital sobre o trabalho tinha razões especificas. Era imprescindível um tipo de sindicato dócil, que não se 6 Harvey reforça essa perspectiva ao mencionar que: O fordismo do pós-guerra também teve muito de questão internacional. O longo período de expansão do pós-guerra dependia de modo crucial de uma maciça ampliação dos fluxos de comércio mundial e de investimento internacional (2002, p. 131). Tal expansão comercial ocorreu tanto por políticas de ocupação, ou indiretamente por meio do plano Marshall. Tudo isso se abrigava sob o guarda-chuva hegemônico do poder econômico dos Estados Unidos, baseado no domínio militar (Ibidem). 7

opusesse a lógica de acumulação capitalista; que em última instância colabora-se com os interesses burgueses e, que no máximo ousa-se reivindicar aumento de salários. No entanto, os trabalhadores estavam aglutinados em grandes plantas industriais e isso sempre gerava um risco a mais, como observa Harvey: O acúmulo de trabalhadores em fábricas de larga escala sempre trazia, no entanto, a ameaça de uma organização trabalhista mais forte e do aumento do poder da classe trabalhadora daí a importância do ataque político a elementos radicais do movimento operário depois de 1945 (Ibidem, p. 129). As alterações no sindicalismo ocorridas no Welfare State, gravitando de opositores do capitalismo para movimentos integrados a reprodução do capital, teve repercussões desastrosas para a classe trabalhadora. Se durante a chamada época gloriosa do capitalismo foi possível devolver aos trabalhadores, na forma de benefícios sociais promovidos pelo Estado, uma parcela um pouco maior da riqueza que estes últimos efetivamente produziam. Com a chegada da crise estrutural, o que fica para a classe trabalhadora é essencialmente apenas miséria, desemprego e o completo agravamento das condições de subsistência material (MÉSZÁROS, 2002). Do ponto de vista do imperioso conflito de interesses que norteia a classe que produz e a que a controla. O projeto estratégico do Welfare State ao tempo que, possibilitou uma acumulação fabulosa para os países centrais durante sua vigência, também permitiu um processo de domesticação dos sindicatos, de conformação dos trabalhadores em aliados a acumulação capitalista. O retorno para classe trabalhadora neste período foi alguns ganhos sociais e a expansão de empregos gerada pelo aumento da produção em massa. Em contrapartida, esta fase, para a desgraça da classe trabalhadora, também possibilitou a formatação de um novo tipo de sindicalismo, mais dócil ao capital, o que facilitou profundamente a instalação do neoliberalismo décadas depois. Conforme Lessa: O Estado de Bem-Estar foi uma etapa preparatória para o neoliberalismo que estava por vir; a dívida externa dos países periféricos e a maior presença dos capitais imperialistas em suas economias, aliadas à quase inexistência da reação dos trabalhadores ao neoliberalismo nascente, fez com que a transição do Estado de Bem-Estar para o Estado neoliberal fosse surpreendentemente tranquila, levando-se em consideração o que os assalariados perderam (2007, p. 290). 8

A ilusão criada pelo Welfare State está em considerar como possível o alinhamento de interesses entre a classe que produz a riqueza social, com aquela que dela se apropria. Da mesma forma, seria considerar que a exploração legitimada pelo Estado receberia também a chancela dos trabalhadores, em última instancia, representa considerar natural o aviltamento que o ser humano sofre ao ser transformado em uma mercadoria. Tal impossibilidade decorre do fato de que os interesses que movem cada uma das classes fundamentais são antagônicos, estruturados em bases econômicas inconciliáveis. A lógica do capital impõe que as necessidades a serem atendidas sejam reduzidas primordialmente à garantia do lucro do capitalista (LESSA e TONET, 2008). Qualquer outra possibilidade que obstrua esse objetivo é eliminada, se preciso for, com uso da força e da violência. A história é uma testemunha tão franca disso, que os exemplos são desnecessários. Não é que a luta pela ampliação de direitos sociais e garantias trabalhistas, bem como a reivindicação por melhores salários seja desnecessária, muito pelo contrário, tampouco desconsideramos a importância dessas conquistas. O problema se encontra na restrição da luta dos trabalhadores a esta esfera, onde o horizonte revolucionário é ignorado. Não é apenas algumas frações das desumanidades produzidas pelo capital que devem ser superadas. A exigência de melhores condições de trabalho por parte dos sindicatos, a cobrança endereçada ao Estado por melhores condições de saúde, educação e moradia e a requisição por maiores salários não superam a desumanidade da exploração do homem sobre o homem, tais reivindicações estão nos limites da cidadania, não da emancipação humana. Desta forma: para Marx e Lukács, a desumanidade a alienação da relação entre as personificações do capital que se expressam no burguês e no operário não está nos baixos salários, está no próprio fato de existir salário (LESSA e TONET, 2008, p. 100). Dos delírios de quem acreditava na possibilidade do Estado de Bem-Estar Social se expandir pelo mundo afora e de forma duradoura, restou apenas a resposta do capital com as perversas repercussões para a classe trabalhadora oriundas da reestruturação produtiva e do neoliberalismo. A crise estrutural consubstanciada a partir do início da década de 1970 ativou os limites absolutos do capital (MÉSZÁROS, 2002) e as concessões estratégicas possibilitadas no pós-guerra seguem um contínuo processo de regressão, mesmo nos países centrais. A grande lição que se tira das políticas sociais instauradas durante a vigência do Estado de bem-estar social nos países imperialistas, é que apesar de serem necessárias; pela sua absoluta incapacidade de transformar 9

radicalmente as desigualdades produzidas pelo capitalismo, são igualmente ineficazes para o projeto de emancipação do gênero humano. Considerações finais Na concepção de Marx, o Estado não pode alterar radicalmente a realidade da sociedade, independente da boa vontade administrativa de quem esteja a sua frente. O exame superficial do Estado de Bem-Estar Social negava essa teoria de Marx, ao menos aparentemente, era isso que se apresentava. Aquele mesmo velho Estado de caráter coercitivo, que não titubeava em reprimir o movimento dos trabalhadores, se mostrava nesse momento com outra aparência, agora investia em uma série de áreas sociais, propiciava educação, saúde, moradia e ainda participava na organização de um novo tipo de sindicato, que lutava por melhores salários. Partindo da teoria marxiana, Lessa compreende que a lua de mel entre fordismo e Estado de bem-estar social consubstanciou em uma estratégia do capital para crescimento acelerado da produção num cenário de retração de consumo no pós-guerra e contrariamente as previsões de seus defensores, sua duração não foi longa. O projeto estratégico do welfare state ao tempo que, permitiu uma acumulação fabulosa para os países centrais durante sua vigência, também instrumentalizou um processo de domesticação dos sindicatos, facilitando profundamente a instalação do neoliberalismo décadas depois. Com a chegada da crise estrutural do capital, o Estado sequer consegue contribuir decisivamente para resolver de forma profunda os problemas da acumulação capitalistas gerados a partir do agravamento dessa crise, atuando apenas na atenuação dos efeitos, assim sendo, as possibilidades de auxílio ao conjunto da sociedade encontram-se cada vez mais limitados. 10

Referências GOUNET, Thomas, Fordismo e Toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2002. KUMAR, Krisham. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. LESSA, Sérgio. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2007. LESSA, Sergio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2008. MANDEL, E. A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista. São Paulo; Campinas, UNICAMP, 1990. MARX, Karl. Glosas críticas marginais ao artigo O rei da Prússia e a reforma social de um prussiano. In: Praxis nº. 5. Belo Horizonte: Projeto Joaquim de Oliveira, 1995.. Trabalho assalariado e capital & salário, preço e lucro. São Paulo: Expressão Popular, 2008. MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004. TAVARES, Maria Augusta. Os fios (in)visíveis da produção capitalista. Informalidade e precarização do trabalho. São Paulo: Cortez, 2004. VASAPOLLO, Luciano. 2007. Por uma política de classe: Uma interpretação marxista do mundo globalizado. São Paulo, Expressão Popular, 2007. 11