MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM SAÚDE PÚBLICA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA/UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FAESA/FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE VITÓRIA MEIO AMBIENTE E SAÚDE PÚBLICA NO BAIRRO CONQUISTA- VITÓRIA, E.S. 2002 ALBERMAR ROBERTS HARRIGAN ALCIMARIA AGUIAR BORATO CINTIA GINAID DE SOUZA ELAINE GUEDES G. DE OLIVEIRA FABIANA GONRING XAVIER GLAUCO DAHAN DE ALMEIDA JACIELE FERRAZ COSTA LUIZ CARLOS REBLIN LUIZA MARIA CASTRO A. ALVARENGA MOJGAN SABETI HOOSHMAND MÁRCIA GABRIELLA LINO DE BARROS MARIA DAS GRAÇAS CAUS DE SOUZA MARIA DOLORES PINHEIRO DE SOUZA MARILDA VIEIRA MOREIRA
MÔNICA GOMES PEREIRA TOSTA PAULO CÉSAR BARROS FERREIRA REGINA LÚCIA DE CAMPOS VIEIRA RITA DE CÁSSIA CUNHA ROCHA ROGÉRIO DA SILVA RESENDE ROSANE ERNESTINA MAGESTE ROZANGELA PEREIRA MARINS THERESA CRISTINA C. DA SILVA WILSON DENADAI VERA LÚCIA CARPENTER DA S. OLIVEIRA Dra. HELENA RIBEIRO (coordenadora) FSP/USP lena@usp.br INTRODUÇÃO As periferias urbanas brasileiras vêm sendo ocupadas, de forma desenfreada e descontrolada, por moradias sub-normais, dada a carência de investimentos no setor habitacional e a dificuldade das populações de renda mais baixa arcarem com o preço de habitações em áreas urbanas dotadas de infra-estrutura e de serviços públicos. Essa ocupação tem ocasionado alterações significativas nos ecossistemas, afetando os padrões de distribuição de doenças. É reconhecida a influência do meio ambiente sobre a saúde das pessoas. Aspectos como poluição das águas, poluição do ar, poluição sonora, poluição e erosão do solo, desmatamento, alterações de habitats de vetores e alterações climáticas cada vez mais são responsáveis pelo adoecimento da população. Com a crise do setor saúde e na busca da prevenção de doenças, a atenção dos formuladores de políticas e programas de saúde está sendo atraída para o estudo dessa relação: agravo ao meio ambiente/agravo à saúde. Esse conhecimento é de vital importância para o planejamento das políticas de saúde, pois norteiam ações de atenção básica e primária. O conhecimento das diferenças territoriais e ambientais nos distritos (setores de
moradia da população), poderá influenciar o uso de parâmetros na programação de serviços públicos, de forma a garantir a universalização e a equidade na prestação de serviços de saúde. O cuidado com as questões ambientais e o investimento em saneamento diminuem a pressão popular por atendimento curativo, pois melhoram os coeficientes de saúde da população beneficiada. O Bairro Conquista, em Vitória (E.S.) O local do presente estudo é uma área do bairro Conquista, localizado na região de saúde São Pedro, fazendo limite com os bairros São Pedro, V. Nova Palestina e Redenção. Caracteriza-se por ser uma região de encostas de morros, com terreno acidentado e íngreme, e com ocupação residencial desordenada. Constitui uma área de invasão pela população moradora, que já possui luz elétrica, abastecimento de água, coleta de lixo e esgotamento sanitário, através de rede pública de coleta. Parte da área estudada deverá sofrer intervenção do Projeto Terra, que tem por objetivo reordenar as áreas de risco e de preservação ambiental, ocupadas por residências, remanejando as famílias para locais com infra-estrutura urbana definida. As edificações residenciais são de alvenaria ou madeira. O acesso é feito através de caminhos de terra batida entre as casas de um mesmo plano e por escadarias de cimento com corrimão entre as casas de diferentes níveis de altitude. A população é de baixa renda e fornece mão de obra para o setor de serviços de todo município. A presença de animais domésticos é uma constante. O Bairro Conquista está na área de abrangência da Unidade de Saúde São Pedro V, que está totalmente coberta pelo PSF Programa Saúde da Família-. O bairro Conquista possui 980 famílias cadastradas neste programa. OBJETIVO O objetivo do trabalho foi observar a relação entre a habitação, saneamento e a saúde de uma população de baixa renda no bairro da Conquista, na periferia de Vitória (ES).
A população analisada está exposta a diversos agravos resultantes da ineficiência da política pública habitacional. É relevante, portanto, identificar as doenças pertinentes à região, as condições de vida determinadas pelas condições de saneamento e o impacto da ocupação desordenada sobre o meio ambiente e sua influência na saúde da população. METODOLOGIA Em setembro de 2002, foram visitadas 46 (quarenta e seis) residências do bairro Conquista, no município de Vitória ES, localizadas tanto na Rodovia Serafim Derenczi, que passa nos limites do bairro, quanto na área do morro. Nessas 46 casas havia um total de 197 (cento e noventa e sete) moradores, que constituem o universo da pesquisa. A área pesquisada está sob o campo de atuação de duas agentes de saúde do Programa Saúde da Família, na abrangência da Unidade de Saúde São Pedro V. A amostra corresponde a 5% das residências do local e foi selecionada de forma aleatória não cientificamente determinada. Foi utilizado um roteiro de entrevista, formulado pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), e adaptado para esse estudo. Apenas um membro de cada família foi entrevistado, respondendo às questões sobre todos os moradores da residência. Atuaram como entrevistadores 24 (vinte e quatro) alunos do Mestrado Interinstitucional em Saúde Pública FSP-USP / FAESA-ES e 01 (uma) professora da disciplina Meio Ambiente e Saúde Pública, divididos em 12 (doze) duplas. Foram pesquisados as morbidades referidas dos dois últimos meses, o tipo de ajuda procurado e os tratamentos utilizados, as hospitalizações nos últimos doze meses, os problemas crônicos e deficiências físicas, as atitudes preventivas da população, os outros motivos para procura de serviços de saúde nos últimos quinze dias e a caracterização das condições de moradia e da situação sanitária do bairro. RESULTADOS A pesquisa abrangeu 46 residências com 197 moradores, localizadas no Bairro Conquista, em Vitória ES. Foram observados, através de formulários abertos, diversos aspectos sanitários das residências. As informações colhidas nas entrevistas foram qualitativas e transformadas em dados quantitativos para facilitar sua interpretação.
Os resultados mais relevantes encontram-se listados na tabela 1. Tabela 1 Condições sanitárias das residências visitadas no Bairro Conquista, em Vitória/ES, setembro de 2002. Condições Sanitárias Nº % Residências com média de mais de um morador por cômodo 28 60,9 Sem água encanada 13 28,3 Sem esgotamento sanitário 10 21,3 Sem coleta de lixo 01 2,2 Sem banheiro 5 10,9 Sem caixa d água 6 13,0 Sem vegetação arbórea próxima 6 13,0 Obs: Nº de residências visitadas = 46 Pode-se observar que 60,9 % das residências visitadas têm média de mais de um morador por cômodo, o que está em desacordo com o parâmetro proposto pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para uma boa qualidade de vida, que é de até uma pessoa por cômodo. Apesar da pobreza reinante na região (maioria das construções em condições precárias), com relação ao saneamento básico observa-se que os percentuais de cobertura de domicílios ligados à rede de esgoto estão acima da média dos dados apresentados, no ano de 2.000, para a Região Sudeste (53,0%), e para o Brasil (33,5%) (IBGE, 2002). No Bairro Conquista 78,7% das residências possuíam ligação com rede de coleta de esgoto. No entanto, 10,9% das residências não tinham banheiro instalado. Em relação à rede de abastecimento de água, os percentuais são semelhantes aos médios encontrados para a Região Sudeste (70,5%) e o Bairro Conquista (71,7%), apesar de ainda existirem 13,0% das residências sem caixa d água. O recolhimento de lixo é realizado de maneira satisfatória no bairro, com coleta manual diária, mesmo na área de morro. Com relação à presença de vegetação arbórea, esta é pequena, mas existente na maioria das residências, apesar dos lotes serem de pequenas dimensões e ocupados quase que totalmente pelas construções. Em relação à morbidade referida nos dois meses anteriores à pesquisa, a população residente visitada informou que os sintomas mais prevalentes foram os referentes ao sistema respiratório, seguidos por aqueles ligados ao sistema
cardiovascular, osteomuscular, pele, fâneros e anexos (inclusive 4 casos de hanseníase, com 1 caso de abandono de tratamento), conforme tabela abaixo (tabela 2). As afecções mal definidas corresponderam a 12% do total de pessoas que manifestaram sintomas neste período. Não se observou prevalência significativa de sinais e sintomas relativos a doenças relacionadas à falta de saneamento básico (somente um caso de diarréia). Tabela 2 Número percentual de sintomas agudos relatados por sistemas. Bairro Conquista, Vitória/ES, em setembro de 2002. Descrição Nº % Sistema respiratório 33 33,0 Sistema cardiovascular 13 13,0 Sistema osteomuscular 10 10,0 Sistema digestivo 8 8,0 Sistema geniturinário 2 2,0 Sistema nervoso 7 7,0 Sistema hematológico 4 4,0 Sistema endócrino 2 2,0 Pele, fâneros e anexos 9 9,0 Afecções mal definidas 12 12,0 Total 100 100,0 Foram avaliadas as causas que determinaram internação nos últimos 12 meses (Tabela 3). Tabela 3 Número e percentual de causas de internações, por sistemas. Bairro Conquista, Vitória/ES, em setembro de 2002. Descrição Nº % Sistema respiratório 7 29,2 Sistema cardiovascular 2 8,3 Sistema digestivo 3 12,5 Sistema geniturinário 7 29,2
Sistema nervoso 2 8,3 Causas externas 3 12,5 Total 24 100,0 De um total de 24 pessoas que demandaram internação, os sistemas respiratório e geniturinário foram os principais determinantes. Ao se retirar 4 partos que estão incluídos nas causas relativas ao sistema geniturinário, observa-se que o sistema respiratório é o principal determinante, tanto com relação aos sintomas agudos referidos pela população em estudo, quanto às internações hospitalares. Estas 24 internações ocorridas correspondem a 12,2% da população abrangida com internação/ano, o que está bem acima da média do Estado do Espírito Santo, que é de 6,7%, na rede do SUS. As afecções crônicas mais prevalentes encontradas foram às relativas ao sistema respiratório, cardiovascular e nervoso, com representatividade semelhante entre eles (Tabela 4). Tabela 4 Número e percentual de afecções crônicas, por sistemas. Bairro Conquista, Vitória/ES, em setembro de 2002. Descrição Nº % Sistema respiratório 24 12,2 Sistema cardiovascular 26 13,2 Sistema nervoso 24 12,2 Sistema endócrino 6 3,0 Sem problemas crônicos referidos 117 59,4 Total 197 100,0 Das deficiências físicas, a visual foi a mais relatada e observada. Apesar de ser a deficiência mais prevalente, a população refere dificuldade na obtenção de atendimento médico nesta especialidade (Tabela 5). Tabela 5 Número e percentual de deficiências físicas. Bairro Conquista, Vitória/ES, em setembro de 2002. Descrição Nº %
Deficiência visual 21 10,7 Deficiência auditiva 3 1,5 Paralisia parcial de membros Membros superiores 2 1,0 Membros inferiores 1 0,5 Sem deficiências 170 86,3 Total 197 100,0 Foi avaliada em separado a queixa "problemas dos nervos". Um percentual de 11,34% da população pesquisada relatou o problema, com predominância do sexo feminino (Tabela 6). Os 3 casos do sexo masculino estavam relacionados, cada um deles, com trabalho noturno, excesso de trabalho e falta de dinheiro. Tabela 6 Problema dos nervos segundo sexo. Bairro Conquista, Vitória/ES, em setembro de 2002. Sexo Nº % Masculino 3 13,6 Feminino 19 86,4 Total 22 100,0 Dentre as causas determinantes deste agravo, os problemas familiares e o stress/ansiedade foram os mais prevalentes, apesar de 31,8% dos que relataram este sintoma não conseguirem identificar o motivo que o desencadeou (Tabela 7). Tabela 7- Número e percentual das causas referidas como "problemas de nervos". Bairro Conquista, Vitória/ES, em setembro de 2002. Causas Nº % Falta de dinheiro 2 9,2 Stress / ansiedade 3 13,7 Café 1 4,5 Problemas familiares 5 22,8 Tensão pré-menstrual 1 4,5
Trabalho noturno 1 4,5 Excesso de trabalho 1 4,5 Epilepsia 1 4,5 Não sabe 7 31,8 Total 22 100,0 Apesar de vários depoimentos demonstrando a insatisfação com o acesso ao sistema de saúde, com relatos de inúmeras dificuldades quanto ao atendimento e à previsão para a consulta, evidenciamos a procura de serviços de saúde dos moradores do bairro da Conquista como se segue: Vinte e um moradores (38,18%) procuraram assistência na Unidade de Saúde de São Pedro V; Doze moradores (21,82%) procuraram a Policlínica no próprio bairro; Sete moradores (12,73%) procuraram o Hospital das Clínicas, no bairro de Maruipe Vitória; Três moradores (5,45%) procuraram o Hospital Infantil, no bairro da Praia do Canto Vitória; Dois moradores (3,63%) procuraram o Hospital Santa Rita, no bairro de Maruipe Vitória; Dois moradores (3,63%) preferiram procurar assistência em Hospitais particulares; Cada um dos moradores (1,82%) procurou assistência nas seguintes instituições: Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Centro de Saúde da Glória (município de Vila Velha ES), Hospital da Polícia Militar, Hospital Antonio Bezerra, Hospital Dório Silva (município da Serra ES), Hospital Regina Profmann (município de Santa Tereza ES).
Obs.: Um morador procurou assistência no Hospital Psiquiátrico "Adauto Botelho" vinte e quatro vezes. Nas buscas por serviços de saúde, trinta e cinco moradores (63,64%) procuraram assistência em Unidade Básica e Saúde e vinte moradores (36,36%) procuraram assistência em Serviço Hospitalar. Onze moradores procuraram serviço de saúde para outros fins e não por doenças: Cinco moradores (2,54%) para vacinação; Dois moradores (1,01%) para participação em palestras educativas; Dois moradores (1,01%) para medir pressão arterial; Um morador (0,51%) para solicitar medicamento; Um morador (0,51%) para exame preventivo ginecológico. CONCLUSÕES E SUGESTÕES 1. Apesar do Bairro Conquista estar 100% coberto pelo Programa Saúde da Família, observou-se a necessidade de avaliação da sua atuação, considerando as queixas e sintomas encontrados na pesquisa.
2. O sistema de referência e contra-referência apresenta problemas devido à deficiência da capacidade instalada na rede básica de saúde (Centro de Saúde São Pedro V), fazendo com que a população procure outros serviços distantes de sua área de abrangência. 3. A prevalência de manifestações do sistema respiratório nos sintomas agudos e nas causas de internação pode sugerir que a existência de uma pedreira em atividade, nas proximidades, possa estar contribuindo para uma maior poluição do ar. Além desse fator, a precariedade das residências, facilitando a penetração do frio, da umidade e da poeira em seus interiores, e o fluxo de veículos, na avenida principal, podem estar associados a essa alta prevalência de problemas respiratórios. 4. As ações de saneamento implementadas no morro, como coleta de lixo e de esgotos e abastecimento de água tratada, são importantes na prevenção do adoecimento da população, haja vista que somente foi relatado um caso de diarréia dentre os sintomas agudos pesquisados. 5. A análise do meio ambiente não pode estar dissociada da análise das questões sociais porque o processo saúde/doença é multi-causal. 6. Recomenda-se a realização de um estudo para avaliar os níveis de poluição do ar na área. 7. Recomenda-se, sobretudo, a dinamização do sistema de assistência básica de saúde, de forma a complementar a ação dos agentes de saúde e dos médicos de família. 8. A urbanização desordenada, a questão sócio econômica e a disposição dos resíduos sólidos (lixo) de forma inadequada pelos moradores pode ter impacto na manifestação do sintoma "problema dos nervos" da população, o que deve sensibilizar o poder público. Esses elementos são importantes para a tomada de decisão quanto a ações na divisão territorial, principalmente nas áreas residenciais, e à implementação de infraestrutura adequada para organizar ou reorganizar os novos bairros. 9. Recomenda-se, finalmente, a continuidade deste estudo, com seu aprofundamento. Referências IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000. Governo do Brasil. 2002. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Indicadores Sociais. Governo do Brasil. Sd.