SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS. UMA ANÁLISE SOBRE OS REFUGIADOS NO BRASIL. Social service and human rights. An analisis of refugees in Brazil



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Transcrição:

SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS. UMA ANÁLISE SOBRE OS REFUGIADOS NO BRASIL Social service and human rights. An analisis of refugees in Brazil 1 Cyntia de Albuquerque Sampaio* Palavras-chave: Direitos Humanos; Refugiados; Serviço Social. Introdução O presente trabalho tem como objetivo principal analisar a participação dos assistentes sociais no atendimento prestado aos imigrantes que passam a viver no Brasil sob a condição de refugiados, ou seja, indivíduos que devido a fundado temor de perseguição por situação de guerra e/ou por motivações de natureza política, religiosa, étnica etc procuram proteção além de suas fronteiras nacionais. Como resultados obtidos, encontraremos uma breve contextualização em torno da temática em âmbito global e nacional, um esboço do atendimento atualmente prestado aos refugiados no Brasil, e algumas considerações acerca dos dados compilados que indicam o comportamento do Serviço Social nesta discussão, recomendando reflexões futuras. A relevância deste trabalho encontra-se na possibilidade de apresentar e promover a discussão sobre a temática do refúgio no âmbito da categoria profissional dos assistentes sociais e na sociedade de forma geral. *Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco. 440

Cyntia de Albuquerque Sampaio Metodologia Através do levantamento bibliográfico realizado em livros, jornais, revistas e websites, buscou-se construir um breve panorama do contexto histórico no qual a questão do refúgio é formalmente reconhecida em escala internacional. Em seguida, concentrou-se o olhar no atendimento prestado aos refugiados que se encontram no Brasil e, para tal, foram entrevistadas dez instituições que fazem parte da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados. A rede constitui-se como espaço amplo de articulação em favor da causa dos migrantes e dos refugiados, cujo propósito é potencializar a atuação junto aos migrantes e refugiados e a favor deles. Dez entidades pertencentes à Rede Solidária participaram efetivamente desta pesquisa, sendo elas: Instituto Migrações e Direitos Humanos IMDH (DF); Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (SP); Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro (RJ); Cáritas Brasileira Regional Nordeste 3 (BA/SE); Cáritas Brasileira Regional São Paulo (SP); Centro de Atendimento ao Migrante de Caxias do Sul (RS); Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (RN); Núcleo de Apoio aos Refugiados do Espírito Santo NUARES (ES); Pastoral dos Migrantes (AM); e SESC Carmo (SP). Através de um questionário semiestruturado aplicado por meio eletrônico, visamos identificar o papel do assistente social no atendimento prestado a refugiados e as contribuições realizadas por esta categoria profissional para a integração social deste agrupamento. A análise das respostas contidas no questionário pautou-se na obtenção de alguns dados estatísticos, quando possível, e na interpretação livre de algumas informações fornecidas, devido à diversidade e riqueza das repostas em questão. Breve histórico acerca da temática dos refugiados A questão relativa ao refúgio só foi abordada em âmbito internacional em 1921, na Liga das Nações, quando a proteção jurídica englobava apenas o aspecto coletivo, sendo direcionada a grupos inteiros de refugiados que surgiram após a 1ª Guerra Mundial. A condição de refugiado era reconhecida através de um documento de identidade dado a este grupo de pessoas, conhecido como Passaporte Nansen. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, registra-se a criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, com a finalidade de evitar que outras atrocidades pudessem vir a ser cometidas em âmbito global. Subseqüente a isso, há a publicação do documento que se tornaria a referência maior na luta pelos direitos dos homens A Declaração Ano XVI - Número 31-2008 441

Serviço social e direitos humanos. Uma análise sobre os refugiados no Brasil Universal dos Direitos Humanos de 1948, que introduz a concepção contemporânea dos direitos humanos, na medida em que consagra a idéia de que os direitos humanos são universais, inerentes à condição da pessoa e não relativos às peculiaridades sociais e culturais de determinada sociedade (...). 1 Devido à nova ordem geopolítica instituída ao fim da Segunda Guerra Mundial, que gerou o surgimento de milhões de pessoas em situação de refúgio em caráter permanente, a temática dos refugiados passa a ser compreendida como algo cujo enfrentamento deveria ser feito de forma mais intensa e com instrumentos próprios. O direito de asilo já estava contemplado na Declaração Universal, na qual consta em seu artigo 14 que todo o homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2 Contudo, uma convenção mais específica, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, foi adotada pela Conferência das Nações Unidas de 1951, popularmente conhecida como a Convenção de 1951. A partir dela, o termo refugiado passou a ser aplicado de maneira universal, a toda pessoa que:... em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade encontra-se fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. 3 Ainda em 1951, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR, com a função de proporcionar proteção internacional aos refugiados. Trata-se de uma instituição apolítica, humanitária e social que luta para assegurar que todos os indivíduos possam exercer seu direito de buscar asilo e encontrar refúgio em outro país, bem como retornar voluntariamente aos seus lares. O ACNUR se ocupa, além da população de refugiados, de outras populações, entre as quais se encontram: asilados políticos, deslocados internos, retornados e apátridas. Com o passar do tempo, a data limite de 1º de janeiro de 1951 e a reserva geográfica que reconhecia apenas os solicitantes de países europeus envolvidos na guerra tornaram-se empecilhos para o reconhecimento de pessoas em situação de refúgio provenientes de outros 1 PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. 2 ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 3 ONU. Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos refugiados. 442

Cyntia de Albuquerque Sampaio conflitos que não a Segunda Guerra Mundial. Desta forma, o conceito de refugiado passa por uma ampliação no intuito de atender às novas situações que surgiam em decorrência de outras violações no campo dos direitos humanos. Surge então, um documento cuja ratificação pelos Estados era facultativa o Protocolo de 1967. Este documento suprimia da definição de refugiado, existente na Convenção de 1951, as expressões: em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e também como conseqüência de tais acontecimentos. Conflitos localizados no continente africano e na América Latina passaram a apontar a necessidade da ampliação e contextualização do conceito de refugiado. Logo, dois novos marcos legais surgem no campo da proteção aos refugiados: a Convenção da Organização da Unidade Africana (1969) e a Declaração de Cartagena (1984). Não é difícil perceber que a causa do refúgio está diretamente relacionada à causa dos Direitos Humanos, na medida em que direitos fundamentais como o direito à vida e à liberdade, são constantemente violados. Prossegue Piovesan 4 : A proteção internacional dos refugiados tem como fundamento a universalidade dos direitos humanos, que afirma que a dignidade é inerente à pessoa e dessa condição decorrem direitos, independentemente de qualquer outro elemento. Os refugiados são, assim, titulares de direitos humanos que devem ser respeitados em todo momento, circunstância e lugar. A proteção internacional dos refugiados tem ainda por fundamento a indivisibilidade dos direitos humanos, que devem ser concebidos como uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, ou seja, essa proteção alcança tanto direitos sociais, econômicos e culturais. Atendimento prestado aos refugiados no Brasil O atendimento a refugiados no Brasil ocorre em três frentes de atuação: proteção, assistência e integração. A proteção, tida como ação governamental prioritária, engloba desde a garantia de liberdades (não-expulsão, direito à vida e à segurança), afirmando-se em políticas positivas, no reconhecimento da condição de refugiado junto ao Estado brasileiro, na obtenção de passaporte e na documentação para o acesso ao trabalho. A assistência é outro aspecto de caráter transitório, realizado como ajuda humanitária ao refugiado que ainda não apresenta condições necessárias para sua inserção no mercado de trabalho nacional. Mesmo 4 PIOVESAN, Flávia, op. cit., p. 39. Ano XVI - Número 31-2008 443

Serviço social e direitos humanos. Uma análise sobre os refugiados no Brasil temporariamente, as organizações da sociedade civil parceiras que lidam com a temática prestam uma ajuda imediata para auxílio na obtenção de moradia, alimentação, saúde e educação. Já a integração é o momento culminante da inserção do refugiado no contexto nacional, buscando inseri-lo na sociedade, particularmente por intermédio do acesso ao mercado de trabalho. O governo brasileiro ao conceder o status de refugiado ou reassentar um refugiado proveniente de outro país, em tese, torna-se responsável por promover a proteção legal e a inserção deste em políticas públicas para sua plena integração na sociedade contando com o apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e a participação de organizações da sociedade civil. A Lei 9.474/97 de 22 de julho de 1997 que define os mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, em seus artigos 43 e 44, destaca a necessidade de tratamento e consideração especial aos indivíduos em situação de refúgio. Já a Constituição Federal, no seu Artigo 6º, aponta que são direitos sociais, à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados são aqueles que asseguram aos cidadãos, e também aos refugiados, sua integração na sociedade garantindo-lhes os bens necessários a uma vida digna. Análise dos questionários aplicados Ao analisarmos as informações contidas nos questionários respondidos pelas instituições entrevistadas, nos deparamos com inúmeras possibilidades de interpretação. Inicialmente, foram enfocadas aquelas interpretações de caráter mais objetivo no intuito de apresentar um breve panorama da realidade presente no atendimento aos refugiados em território nacional. O questionário trabalhado foi dividido em 06 categorias, sendo elas: Identificação da Instituição, Identificação do Entrevistado, Atividades Desenvolvidas, Gestão das Atividades, Serviço Social, e Usuários. A seguir, apresentaremos os resultados mais relevantes relacionados às categorias citadas. No universo das instituições entrevistadas, 60% são ONGs, 30% são entidades religiosas e 10% de extensão universitária, sendo que apenas 70% das instituições contam com assistentes sociais lidando diretamente com o atendimento aos refugiados em seus quadros de funcionários. 444

Cyntia de Albuquerque Sampaio Ao serem analisadas as principais atividades desempenhadas no atendimento a refugiados, foi possível agrupar as atividades em 3 eixos temáticos distintos, e desta forma perceber a maior concentração das atividades sendo desenvolvidas no eixo de integração (56%). Enquanto as atividades relativas à assistência (25,3%) e proteção (18,7%) aparecem com menor expressão. Quanto às atividades de integração, as que possuem maior destaque estão relacionadas ao acesso à educação (39,5%), à saúde (20,9%), e ao emprego (34,9%), direitos que, em tese, estão assegurados na Lei 9.474/97 e na Constituição Federal. O financiamento das atividades foi um quesito que chamou atenção, se levarmos em consideração que grande parte das atividades de integração é desenvolvida pelas instituições da sociedade civil e Igreja (90%). É pertinente refletir sobre o papel do Estado neste processo, ao se observar que apenas 19,2% das atividades desenvolvidas pelas instituições entrevistadas são diretamente financiadas por agências governamentais. Para efeito de comparação, apresentaram-se as outras fontes de financiamento citadas pelas instituições entrevistadas: ACNUR (34,6%), outras fontes (19,2%), recursos próprios (15,5%) e doadores particulares (11,5%). Quanto às parcerias estabelecidas pelas instituições, encontrouse um percentual elevado de agências governamentais (43,8%) que cooperam com as entidades entrevistadas. Questionou-se se essas parcerias poderiam ocorrer numa base de prestação de serviços, sem o repasse substancial de recursos financeiros por parte do governo, como observado no item anterior. Isso sugere a ausência de políticas públicas direcionadas especificamente para este público. No total das instituições que contam com assistentes sociais lidando diretamente com o atendimento de refugiados, foi identificado que o Serviço Social desenvolve ações de caráter interventivo em 50% deste universo, seguido de ações de caráter educativo (25%), caráter político (16,7%) e outros (8,3%). Nenhuma instituição apontou a atuação do Serviço Social como de caráter assistencialista, reforçando a percepção pejorativa deste termo para esta categoria profissional. Entre os assistentes sociais entrevistados, poucos citaram os documentos de grande expressão na temática dos refugiados como suporte teórico de sua prática profissional. Destacaramse os documentos de relevância internacional citados, como a Ano XVI - Número 31-2008 445

Serviço social e direitos humanos. Uma análise sobre os refugiados no Brasil Convenção de 1951 (18,4%), o Protocolo de 1967 (10,7%), a Declaração de Cartagena (7,8%); e os de relevância nacional, como a Lei 9.474/97 (18,4%), a Constituição Federal (7,8%), as Resoluções do CONARE (10,7%), a LOAS (7,8%) e outros (18,4%). Entretanto, não se conseguiu precisar se isso está relacionado ao desconhecimento destes instrumentos, a não utilização em uma base cotidiana de atuação ou ao mero esquecimento durante o preenchimento do questionário. O atendimento a ser realizado em rede de parcerias surge como a principal dificuldade enfrentada pelo Serviço Social nas instituições pesquisadas (33,3%), o que parece bastante legítimo devido à relativa insipiência da formalização do atendimento ao refugiado no Brasil, à distância geográfica entre os diversos estados de acolhida, ao desnivelamento da utilização do referencial teórico utilizado por algumas instituições, entre outros. As demais dificuldades apontadas foram: necessidade de promover a integração local (16,7%), falta de recursos humanos e financeiros (16,7%), o desconhecimento sobre a temática por parte da população em geral (16,7%) e a elevada demanda de atividades administrativas e burocráticas (16,7%) de suporte às atividades fins, como registros, relatórios, prestação de contas etc. Quanto às estratégias futuras de atuação a serem incorporadas pelo Serviço Social, o cenário encontra-se distribuído em quatro áreas que possuem relação direta entre si, sendo elas: fortalecimento da rede de parceria (37,5%), mobilização da comunidade (25%), ampliação de recursos (25%) e estratégias para facilitar o processo de integração do refugiado (12,5%). Isto demonstra coerência e maturidade do Serviço Social quanto à percepção do que precisa ser feito para superar as atuais dificuldades. Entretanto, não foi possível precisar se já existem ações em andamento para alcançar tal horizonte, ou se existem apenas indicações de um trabalho a ser feito. Os assistentes sociais entrevistados apontaram como principais demandas feitas pelos usuários, o acesso aos serviços de educação (20,8%), moradia (20,8%), emprego (20,8%), saúde (20,8%), atividades de geração de renda (8,4%) e outras (8,4%). Isto revela a importância do papel do assistente social nesta área de intervenção, por sua sensibilidade em identificar as demandas apontadas pelos usuários e por seu caráter articulador do acesso às políticas sociais previstas na Constituição Federal e, nesta temática específica, às medidas instituídas pela Lei 9.474/97. 446

Cyntia de Albuquerque Sampaio Considerações finais Através do que foi exposto, percebe-se que a legislação brasileira específica para refugiados apresenta elementos formais que reconhecem as necessidades deste grupo, mas que não consegue expressar com clareza as medidas práticas que foram criadas para oferecer um enfrentamento particular às necessidades materiais, legais e psicológicas destes indivíduos. A sociedade civil, representada pela Igreja e pelas ONGs, historicamente vem assumindo o papel de oferecer apoio a esta população através de ações de assistência e integração. Ao se identificarem alguns elementos da atuação dessas instituições, averiguou-se que muito já foi construído no atendimento aos refugiados no Brasil no âmbito jurídico-formal e observou-se certa organização nas ações de integração deste público na comunidade local. Sem dúvida, a restrição da discussão a organizações e profissionais específicos pode acabar dificultando o conhecimento, interesse e envolvimento de possíveis parceiros, sejam eles instituições da iniciativa privada, igrejas, pessoas físicas etc. É fundamental e urgente a ampliação de ações voltadas para a promoção e defesa da causa, como meio de ampliar as possibilidades de ação dessas instituições e, desta forma, aperfeiçoar os serviços oferecidos. Quando se pensa no papel do Serviço Social no atendimento de refugiados, é preciso ter em mente os valores universais que fundamentam a atuação profissional desta categoria, antes de voltar o pensamento para regulamentações específicas. De maneira geral, os assistentes sociais, bem como as instituições que participaram deste trabalho, possuem comprometimento com a causa dos refugiados e do conhecimento de seus papéis nesta dinâmica, das suas limitações e dos obstáculos a serem superados. Através do documento Política Internacional sobre Refugiados, elaborado pela Federação Internacional de Assistentes Sociais, constatamos o engajamento da profissão com a causa dos refugiados, quando se define, entre outros tópicos, o papel do Serviço Social ao lidar especificamente com a temática dos refugiados:...trabalhar com indivíduos através do aconselhamento e desenvolvimento comunitário; administração; preparar os indivíduos para a repatriação; preparar os países para receber os retornados; trabalhar com indivíduos solicitantes de asilo; e pressionar países e fóruns mundiais para melhorias nos serviços de recepção de refugiados. 5 Neste sentido, o Serviço Social pode oferecer grande contribuição ao provocar a discussão quanto às possibilidades do papel a ser assumido 5 IFSW. International Policy on refugees. Ano XVI - Número 31-2008 447

Serviço social e direitos humanos. Uma análise sobre os refugiados no Brasil pelas instituições brasileiras nos serviços oferecidos aos refugiados, como por exemplo: atendimento das demandas concretas existentes; fiscalização das ações previstas nos instrumentos internacionais; proposição de políticas específicas; e promoção e defesa da causa dos refugiados. As possibilidades de atuação aqui citadas devem estabelecer um diálogo constante entre si, pois, mesmo conhecendo que instituições da sociedade civil possuem limitações quanto à abrangência de sua atuação, compreendemos que a inserção de componentes políticos e teóricos em suas ações resultará numa atuação mais qualificada e comprometida com a causa do refúgio. Bibliografia essencial CFESS. Código de Ética Profissional dos assistentes sociais. Brasília: CFESS, 1993. IFSW. International policy on refugees. Hong Kong, IFSW, 1998. MILESI, Rosita; CARLET, Flavia. Refugiados e políticas públicas, in RODRIGUES, Viviane Mozine (org.). Direitos Humanos e Refugiados. Vila Velha: Centro Universitário Vila Velha, 2006. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Geneva: ONU, 1948.. Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos refugiados. Geneva, 1951. PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados, in ARAUJO, Nadia; ALMEIDA, Guilherne Assis de (coord.). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição Federal de 1988. Brasília: Senado Federal.. Lei 9.474, de 22 de julho de 1997. Brasília, 1997. SANTOS, João Paulo de Farias. Os refugiados e a sociedade civil: a experiência da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, in MILESI, Rosita (org.). Refugiados: realidades e perspectivas. São Paulo: Loyola, 2003. 448