O CONCEITO DE EMBARCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO ÀS PLATAFORMAS PETROLÍFERAS: ANÁLISE DO LITÍGIO ENTRE A RECEITA FEDERAL E A PETRÓLEO BRASILEIRO S.A.



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O CONCEITO DE EMBARCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO ÀS PLATAFORMAS PETROLÍFERAS: ANÁLISE DO LITÍGIO ENTRE A RECEITA FEDERAL E A PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. GRUPO TEMÁTICO: DIREITO E REGULAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS E DA ENERGIA Carlos Humberto Rios Mendes Júnior Aluno de Graduação em Direito da UFRN, pesquisador e bolsista da ANP - PRH 36. email: criosjr@gmail.com Arthur de Araújo Lucena Aluno de Graduação em Direito da UFRN, pesquisador e bolsista da ANP - PRH 36. email: arthur-lucena@hotmail.com 1. INTRODUÇÃO Com o desenvolvimento tecnológico, novas estruturas marítimas foram criadas com as mais diversas finalidades, tais como as plataformas marítimas. Por ser uma inovação tecnológica e devido à ausência de regulamentação internacional, encontra-se na doutrina do Direito Marítimo, e na esfera administrativa e judiciária, uma calorosa discussão acerca da natureza jurídica a ser aplicada à plataforma marítima, a qual pode acarretar consequências legais distintas. No Brasil, a questão da natureza jurídica das plataformas tem sido constantemente suscitada na esfera tributária, envolvendo controvérsias concernentes à incidência ou isenção de tributos, dando-se especial ênfase ao polêmico caso entre a Receita Federal e a Petróleo Brasileiro S.A., a Petrobras. A Receita Federal intentou em procedimento de cobrança à Petrobras valores expressivos correspondentes ao não pagamento de Imposto de Renda Retido na Fonte IRRF sobre os rendimentos auferidos no País por residentes ou domiciliados no exterior, com o aluguel de plataformas marítimas, no período de 1999 a 2002. Nos termos da Lei nº 9.481, de 13, de agosto de 1997, a isenção de IRRF é concedida para o aluguel, afretamento ou arrendamento de embarcações marítimas. Contudo, a Receita Federal entendeu que as plataformas marítimas não se

enquadrariam na categoria de embarcação, com base no fato de que a atividade principal das plataformas de exploração petrolífera era desenvolvida enquanto essas estavam estacionadas sobre um determinado ponto no mar. Pretende este trabalho realizar um estudo acerca do caso entre a Receita Federal e a Petróleo Brasileiro S.A., analisando os argumentos suscitados por ambas as partes, e como a questão tem sido entendida no poder judiciário. Para tanto, serão explicitados os conceitos de embarcação e navio no Direito Brasileiro e a natureza jurídica das plataformas offshore, bem como o fruto da desavença, a legislação que definiu em zero a alíquota para IRRF no caso da remessa ao exterior de rendimentos frutos de afretamentos e afins de embarcações. 2. A ALÍQUOTA ZERO DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE ÀS RECEITAS DE AFRETAMENTO E AFINS DE EMBARCAÇÕES MARÍTIMAS O ato de tributar interfere no funcionamento de todos os ramos de atividades, vez que o tributo será embutido no valor total da empreitada, devendo ser levado em consideração em todas as etapas operacionais, especialmente no caso brasileiro onde os tributos são múltiplos e de complexa incidência. Todavia, da mesma forma que a tributação de um setor infere nos custos das atividades que ele abarca, norteando indiretamente seu funcionamento através do planejamento contábil, que deve levar em consideração também o valor dos tributos, a ausência de tributação molda o comportamento de determinados setores, estimulando-os quando necessário para o Estado e importante para a sociedade. Essa mesma ausência de tributação, ainda, é utilizada para evitar que se onere em demasia o contribuinte, como nos casos onde se deduz, por exemplo, da base de cálculo do Imposto de Renda de pessoas físicas, o gasto com educação, eis que este seria um dever do Estado (SCHOUERI, 2011, p. 231). Da mesma forma, se evita onerar em demasia quando se impede a bitributação, a cobrança de um tributo duas vezes, seja internamente (um tributo federal e outro municipal, por exemplo), ou externamente, quando o outro país, em casos de remessa de receita entre o Brasil e aquele, prevê imposto de mesma monta. É neste diapasão que a Lei Federal 9.481, de 13 de agosto de 1997, em seu artigo 1º, estabeleceu que receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou

arrendamentos de embarcações marítimas, terão a alíquota de Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos auferidos no Brasil por residentes ou domiciliados no exterior, reduzida para zero. A tributação sobre a renda é, dos tributos em espécie, como afirma Caliendo (2009, p.302), um dos mais recentes na evolução da matéria, visto que leva em consideração conceitos avançados que são pressupostos para sua cobrança, como a neutralidade fiscal, a renda real e a necessidade de uma contabilidade acurada. Termina, desta forma, por se tornar um dos tributos mais justos, no sentido de que traduz uma ótima operacionalização da capacidade contributiva e do princípio da progressividade (SCHOUERI, 2011, p.356). A incidência de tal princípio no Imposto de Renda, por sinal, não é mera sugestão ou fruto de interpretação da natureza daquele tributo, mas é prevista expressamente na Constituição Pátria, em seu art. 153, 2º, inciso I. O espírito da Lei Federal 9.481,de 13 de agosto de 1997 é, entrementes, duplo, ajustando a incidência do IRRF aos interesses do Estado. Por um lado evitase a desvirtuação da capacidade contributiva presente no Imposto de Renda para operações que visem a saída de receitas auferidas no país por residentes ou domiciliados no exterior, na medida que se impede que a tributação ocorra duas vezes, no Brasil e no país de destino. Por outro, funciona como estímulo ao setor que se vê economizando valor significativo, recebendo a mesma benesse de outras atividades que remetem dinheiro para o exterior, mas que a Receita Federal julgou aptas a desonerar (CAMPOS, 2013, p.38). Ao texto da Lei Federal 9.481, de 13 de agosto de 1997, contudo, coube interpretação que não se sabe ser ou não da intenção do legislador, resumida ao termo embarcação marítima e suas definições. 3. CONCEITO DE EMBARCAÇÃO E DE NAVIO NO DIREITO BRASILEIRO Duas vertentes teóricas divergem acerca do efetivo conceito de navio. Uma considera o navio qualquer construção destinada à navegação, defendendo o conceito de navio em sentido amplo. Em posição divergente, a segunda teoria vincula o conceito à atividade de transporte por via marítima, adotando uma posição mais estrita (MARTINS, 2013, p. 122).

O Brasil segue essa segunda tendência teórica e acolhe a construção de navio como construção flutuante, suscetível a navegar em quaisquer águas. Assim, o navio é caracterizado como veículo de transporte no mar ou em outro espaço aquático (MARTINS, 2013, p. 123). Além disso, a doutrina marítima, em consonância com tendência contemporânea, considera o navio como espécie de embarcação (MARTINS, 2013, p. 123; PAIM, 2011, p. 130). No entanto, nota-se na legislação pátria efetiva diversidade de conceitos e critérios entre essas duas construções. O Código Comercial Brasileiro não traz em seu teor uma definição do que seja navio, bem como não diferencia esse de embarcação. Observam-se imprecisões na referida legislação, uma vez que usa indiscriminadamente as expressões navio, embarcações e barco como sinônimos. Todavia, apesar da confusão trazida pelo Código Comercial, depreendem-se da legislação marítima e da doutrina marítima algumas definições. Em relação à embarcação, a Lei Federal n 9. 537, de 11 de dezembro de 1997, em seu artigo 2, a conceitua como qualquer construção (inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas), sujeita à inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas. Da referida definição, torna-se possível abstrair dois elementos essenciais e exclusivos da embarcação: a coisa composta, isto é, um todo composto de várias partes e de diversos acessórios; e a natureza móvel, embora sujeita às regras jurídicas dos bens imóveis. Além disso, importante ressaltar que a locomoção deve ser necessariamente na água, seja de forma parcialmente imersa, como os navios comuns, ou totalmente imersa, como os submarinos (GIBERTONI, 2005, p. 46). Ainda se encontra definição para embarcação na Lei Federal n 8.374, de 30 de dezembro de 1991, em seu artigo 2, parágrafo 1, o qual considera embarcação veículos destinados ao tráfego marítimo, fluvial ou lacustre, dotados ou não de propulsão própria. Em relação especificamente ao navio, encontra-se sua definição na Lei Federal n 9.966, de 28 de abril de 2000, o qual em seu artigo 2, inciso V, estabelece navio como embarcação de qualquer tipo que opere no ambiente aquático, inclusive hidrofólios, veículos a colchão de ar, submersíveis e outros

engenhos flutuantes. Seguindo essa mesma abordagem de conceito, é o que preconiza o artigo 2, inciso III, do Decreto n 2.870, de 10 de dezembro de 1998. Assim sendo, a partir dos aspectos de embarcação tratados neste tópico, pode-se dizer que navio é toda embarcação de grande porte destinada à navegação marítima, fluvial ou lacustre, dotada ou não de propulsão própria, mas que realize o percurso sobre as águas, transportando para qualquer fim, pessoas e/ou mercadorias (GIBERTONI, 2005, p. 47/48). 4. A NATUREZA JURÍDICA DA PLATAFORMA MARÍTIMA Na legislação pátria, encontra-se definição para plataforma marítima no artigo 2, inciso XIV, da Lei Federal n 9. 537, de 11 de dezembro de 1997, cujo teor estabelece que plataformas são as instalações ou estruturas, fixas ou flutuantes, que permitem o alcance de reservas no fundo do mar, podendo ser usadas em operações de exploração (perfuração de poços para a avaliação da vantagem econômica da produção de petróleo e gás natural) ou de produção (perfuração de poços para a extração de petróleo e gás natural). Como já visto, no direito brasileiro considera-se embarcação toda e qualquer estrutura marítima capaz de se locomover ou de flutuar sobre as águas, e, quando rebocadas, as fixas. Segundo a Lei Federal n 9. 537, de 11 de dezembro de 1997, a Marinha do Brasil, autoridade competente para realizar registro, é também responsável por definir qualquer construção capaz de se locomover na água e que, portanto, precisa ser registrada, sendo, então, considerada como embarcação. Nesse sentido, a Norma de Autoridade Marítima n 1 (Norman I), no seu capítulo n 02, na seção I, é expressa ao reconhecer a plataforma marítima como embarcação e, assim, sujeitas aos trâmites exigidos de inscrição e/ou registro, de acordo com o que se encontra previsto na Lei n 7.652, de 3 de fevereiro de 1988. Nesse diapasão, merece destaque o Recurso Extraordinário nº 76.133, julgado em 13 de setembro 1974 pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em que se discutiu se plataforma autoelevatória para perfuração submarina seria embarcação para efeitos de isenção fiscal de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O STF acolheu o entendimento de que a referida estrutura marítima é uma embarcação, com base no argumento técnico de que o próprio

Tribunal da Marinha reconhecia a qualidade de embarcação a tal tipo de plataforma marítima em documentos expedidos por tal órgão. Com efeito, a consagração pela doutrina da qualificação das plataformas marítimas como embarcações não exclui o fato de que possam ser inseridas em outras categorias mais específicas, tais como navios e ilhas artificiais. A plataforma marítima de exploração, além de embarcação pode ser considerada também como navio, uma vez que desenvolve a navegação com frequência, pois desloca-se sobre os mares para alcançar o poço que será prospectado e perfurado com a finalidade de colher informações sobre a viabilidade econômica, não sendo possível afasta-la de tal classificação devido ao fato desse tipo de plataforma ficar estacionada por um período de tempo (PAIM, 2011, p. 192). No entanto, o mesmo não pode ser dito das plataformas marítimas de produção, uma vez que são instaladas em lugares já pesquisados pelas plataformas de exploração e considerados aptos para a fase de produção, assim, geralmente são plataformas marítimas fixas que ficam estacionadas sobre o local de produção enquanto houver petróleo e gás natural a ser produzido, o que pode levar de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos, desempenhando a navegação mínima ou inexistente, na maioria das vezes apenas restrita aos momentos de instalação e remoção. Todavia, é bastante plausível qualificar a plataforma de produção como instalação ou ilhas artificiais, isto é, estruturas fixas construídas artificialmente sobre os mares, compreendendo instalações propriamente ditas e outras estruturas que não sejam ilhas naturais nem navios (PAIM, 2011, p. 193). Assim sendo, apesar de não existir uma definição legal única e impositiva sobre a qualificação da plataforma marítima, quer no âmbito internacional ou nacional, enquanto ocorrer essa lacuna, diante das análises e teorias acerca do tema ora estudado, entende-se ser mais acertado a possibilidade de considerar plataforma marítima de exploração como navio, e a plataforma de produção como ilha artificial, em consonância com o escólio de Maria Augusta Paim. 5. ANÁLISE DO LITÍGIO ENTRE A RECEITA FEDERAL E A PETROBRAS No Brasil, a questão da natureza jurídica das plataformas tem sido constantemente suscitada na esfera tributária, envolvendo controvérsias

concernentes à incidência ou isenção de tributos, em especial, o polêmico caso entre a Receita Federal e a Petrobras. Em 2003, a Receita Federal lavrou Auto de Infração de Imposto de Renda Retido na Fonte contra a empresa Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras), exigindo-se o recolhimento de crédito tributário no valor total de R$ 93.022.814,54, sendo: R$ 36.173.392,37, a título de imposto de renda retido na fonte, R$ 29.719.377,98, de juros de mora (calculados até 31/01/2003) e R$ 27.130.044,19 de multa de ofício (75%), a título de imposto de renda retido na fonte. A referida autuação decorreu da falta de recolhimento pela Petrobras do Imposto de Renda Retido na Fonte incidente sobre os rendimentos de aluguéis pagos ou creditados de plataformas marítimas para prospecção, exploração e produção de petróleo para residentes ou domiciliados no exterior, relativos ao período de fevereiro a dezembro de 1998. À época, o artigo 743 do já extinto Decreto 1.041, de 11 de janeiro de 1994 (revogado pelo Decreto n 3000, de 26 de março de 1999), determinava que fosse retido o imposto sobre proventos de qualquer natureza pagos por fonte situada no país a residentes no exterior, atribuindo, ainda, o artigo 791 à fonte pagadora a responsabilidade pela retenção. Com efeito, entendeu a Receita Federal que o conceito de embarcações abrangeria apenas estruturas destinadas ao transporte de pessoas e/ou cargas sobre ou sob a água, e como as plataformas marítimas não teriam a destinação de navegar ou transportar, não poderiam ser enquadradas na categoria de embarcação, e sendo assim, não poderiam ser privilegiadas pelo artigo 1, inciso I, da Lei Federal 9. 481, de 13 de agosto de 1997, que, como já explicitado em tópico anterior, concede a isenção de imposto de renda para os fretes, afretamentos, arrendamentos ou aluguéis de embarcações marítimas. Não conformada com o entendimento da Receita Federal, a Petrobras ajuizou recurso administrativo voluntário de n 139.827 perante o Conselho de Contribuintes, pleiteando a nulidade do auto de autuação. Argumentou a empresa que a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro 1997, inclui na definição de embarcação as plataformas marítimas, e que pelo direito brasileiro as plataformas marítimas são obrigadas a cumprir várias exigências legais aplicáveis a embarcações e até mesmo a navios, tais como o registro no Tribunal Marítimo. Suscitou também que embarcação deveria ser analisada como gênero amplo e não exaustivo, do qual navio e plataforma são

espécies, assim como diversos outros tipos de estruturas marítimas; e por fim, levantou o precedente do STF, o Recurso Extraordinário nº 76.133, julgado em 13 de setembro 1974, o qual a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal se pronunciava acerca da qualificação de plataforma autoelevatória como embarcação para fins de isenção de IPI. No entanto, a 6 Câmara do 1 Conselho de Contribuintes, em acordão de n 106-14.431, negou provimento ao recurso administrativo da Petrobras, e ratificando o entendimento da Receita Federal, argumentou que no conceito de embarcação figuram aquelas que se prestam para o transporte de pessoas ou cargas, enquanto que as plataformas são instalações ou estruturas marítimas para as atividades relacionadas com a pesquisa, exploração e explotação de recursos petrolíferos, sendo desta categoria as plataformas arrendadas/alugadas pela Petrobras. E acerca do RE 76.133, de 1974, do STF, apresentado pela empresa, a autoridade julgadora considerou inaplicável, porque no presente caso a tributação é no âmbito do imposto de renda retido na fonte; e aquela decisão baseou-se na legislação vigente à época, já modificada desde 1989. Tal entendimento foi criticado pela doutrina, pois a decisão da Receita Federal desrespeitou a distinção conceitual entre embarcação e navio, aplicando equivocadamente o conceito de navio para embarcação, uma vez que embarcação é gênero, enquanto que navio é espécie dessa (PAIM, 2011, p. 138; MARTINS, 2013, p. 153), e inseriu um indesejável componente de insegurança jurídica na negociação e operacionalização de afretamentos, causando um desarrazoado impacto tributário que afetou a atividade de produção offshore, o qual depende do afretamento de plataforma. No entanto, esgotada a questão perante a esfera administrativa, o feito acabou sendo levado à apreciação do poder judiciário, através de ação anulatória de n 0007040-83.2008.4.02.5101, ajuizada perante a 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a qual decidiu por declarar inexigível o crédito tributário requerido pela Receita Federal, desonerando-se a Petrobras do referido pagamento. Em 29 de maio de 2012, em apelação n 2008.51.01.007040-8, ajuizada pela União, a 3ª Turma Especializada do Tribunal Federal da 2ª Região confirmou a decisão de primeiro grau, reconhecendo o enquadramento das plataformas móveis no conceito de embarcação, sob o fundamento de que apenas a destinação para o transporte de pessoas ou cargas não constitui elemento essencial pra classificação.

Em adição, buscando suspender a execução da cobrança do crédito tributário em questão pela Receita Federal, a Petrobras ajuizou medida cautelar perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) de n 21.159, vindo a obter, em decisão monocrática do relator, decisão favorável a sua pretensão. Além disso, importante ressaltar que em 2013, em Recurso Especial de n 1. 341.077, o qual tinha como recorrente a Fazenda Nacional, e como recorrido a empresa Sedco Forex Perfurações Marítimas Ltda, o STJ entendeu por considerar plataforma marítima como embarcação e garantiu a isenção do Imposto de Importação (IPI) às importações de peças e componentes de reposição, reparo e manutenção necessárias ao funcionamento de plataformas petrolíferas. 6. CONCLUSÃO A definição de embarcação marítima é, como visto, doutrinariamente bem fundamentada, e engloba a plataforma marítima sem maiores desenlaces. No quesito abarcado pela Lei Federal 9.481, de 13 de agosto de 1997, contudo, a Receita Federal levou essa fundamentação por terra ao questionar a incidência da alíquota zero às rendas remetidas pela Petrobras ao exterior, derivadas do arrendamento de plataformas marítimas. Observa-se que, diferentemente da esfera administrativa, contudo, há uma tendência no Poder Judiciário Brasileiro em enquadrar a plataforma marítima como embarcação, em consonância com o que é defendido pela doutrina marítima, ocasionando a que na esfera tributária, ela assim também seja considerada. No entanto, apesar disso, torna-se imprescindível tendo em vista o crescimento da indústria do petróleo no Brasil nos últimos anos devido ao Pré-Sal, uma regulamentação jurídica que forneça com precisão o tratamento jurídico adequado para as plataformas petrolíferas offshore, a fim de evitar insegurança jurídica e futuros transtornos. Assim, de modo a evitar lacunas na legislação pátria, entende-se necessário como solução mais apropriada uma mudança no texto do artigo 1, inciso I, da Lei Federal 9. 481, de 13 de agosto de 1997, para que o referido ato normativo especifique de forma clara as construções navais que se enquadram no conceito de embarcação e que devam ser privilegiadas pela isenção fiscal.

Com tal medida, serão evitadas novas autuações fiscais por parte da Receita Federal, e a indústria do petróleo não ficará a mercê do entendimento do poder judiciário brasileiro, sazonal e inconstante. 7. REFERÊNCIAS -ARLOTA, Alexandre Sales Cabral; CARDOSO, Camila Mendes Vianna. A natureza jurídica das plataformas marítimas petrolíferas: um estudo da indústria offshore. Revista Brasileira de Direito do Petróleo, Gás e Energia, Rio de Janeiro, v. 4, p.25-36, 2013. -BRASIL. Decreto n 2.870, de 10 de dezembro de 1998. Promulga a Convenção Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperação em Caso de Poluição por Óleo, assinada em Londres, em 30 de novembro de 1990. -. Decreto n 1. 041, de 11 de janeiro de 1994 (revogado pelo Decreto n 300, de 26 de março de 1999). Aprova o regulamento para cobrança e fiscalização do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. -. Lei Federal n 7. 652, de 3 de fevereiro de 1988. Dispõe sobre o registro da Propriedade Marítima e dá outras providências. -. Lei Federal n 8.374, de 30 de dezembro de 1991. Dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por embarcações ou por sua carga e dá outras providências. -. Lei Federal nº9.481, de 13 de agosto de 1997. Dispõe sobre a incidência de imposto de renda na fonte sobre rendimentos de beneficiários residentes ou domiciliados no exterior, e dá outras providências. -. Lei Federal n 9.547, de 11 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. -. Lei Federal n 9.666, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. -. Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais. Recurso Administrativo Voluntário n 139.827. Acordão n 106-14.431. Relator: Luiz Antonio de Paula.

Recorrente: Petróleo Brasileiro S.A. Recorrido: 1ª Turma da Delegacia da Receita Federal. Distrito Federal, 24 de fevereiro de 2005. -. 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Ação Anulatória de Autuação Fiscal n 200851010070408. Juiz Federal Theophilo Antonio Miguel Filho. Autor: Petróleo Brasileiro S.A. Réu: União Federal/Fazenda nacional. Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2009. -. Tribunal Regional Federal (2ª Região). Apelação Cível n 2008.51.01.007040-8. Relator(a): Desembargadora Federal Salete Maccaloz. Apelante: União Federal/Fazenda Nacional. Apelado: Petróleo Brasileiro S.A. Rio de Janeiro, 29 de maio de 2012. -. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar n 21.159. Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Requerente: Petróleo Brasileiro S.A. Requerido: União Federal/Fazenda Nacional. Distrito Federal, 14 de junho de 2013. -. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n 1.341.077. Relator: Ministro Mauro Cambpell Marques. Recorrente: União Federal/Fazenda Nacional. Recorrido: Sedco Forex Perfurações Marítimas Ltda. Distrito Federal, 16 de abril de 2013. -. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n 76. 133. Relator: Min. Antônio Neder. Recorrente: Companhia Brasileira de Navegação. Recorrido: Empresa Petróleo Brasileiro S.A. Distrito Federal, 13 de setembro 1974. -COSTA, Maria D Assunção. Comentários à Lei do Petróleo. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. -CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. -CAMPOS, Juliana Cândido. Plataforma marítima: espécie de embarcação para fins de imposto de renda retido na fonte. Revista Brasileira de Direito do Petróleo, Gás e Energia, Rio de Janeiro, v. 4, p.37-56, 2013. -GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. -MARINHA DO BRASIL. Norma de autoridade marítima NORMAN 01, de 2005. Disponível em: <https://www3.dpc.mar.mil.br/normam/n_01/normam01.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2015. -MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. 4ª ed. São Paulo: Manole, 2013. v. I.

-PAIM, Maria Augusta. O petróleo no mar: o regime das plataformas marítimas petrolíferas no Direito Internacional. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. -SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.