JAZZ HOJE Tito Martino



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Transcrição:

JAZZ HOJE Tito Martino No início deste século 21 vemos a Cultura como um todo sendo subjugada pela globalização da Economia; e a Arte sendo nivelada por baixo, para facilitar o consumo e ampliar o comercio. E a maior parte dos meios de divulgação de massa endossando o processo. São os tempos da musica popular descartável, da banalidade indecente dos reality-shows e da aberração dos DJ substituindo as orquestras. A palavra JAZZ, hoje, não significa mais nada. Foi tão abusada em sua aplicação e tão violentada em seu conteúdo que perdeu todo sentido cultural e adquiriu uma conotação principalmente comercial. Pois hoje existe a dança (ou ginástica?) Jazz, o perfume Jazz, um modelo de automóvel Jazz, sem falar no Jazz-Pop, Jazz-Funk, Jazz-Rock, Jazz-Rap, Jazz- Country, Jazz-Bossa e tudo mais que puder vender melhor com a etiqueta Jazz... Puro comércio. Mas então cabe perguntar: e a música JAZZ? O que é hoje? De onde veio? O que mostrou de tão cativante que atraiu a atenção da máquina publicitária a serviço do comércio? Que é feito da cultura do JAZZ? Para responder essas perguntas, o músico erudito e também pistonista de Jazz Winton Marsalis apresentou recentemente um programa televisado onde explicou as Raízes do JAZZ ORIGINAL. Trinta anos antes o maestro Leonard Bernstein já havia feito o mesmo em disco. Também recentemente foi apresentada na televisão a série de 12 programas JAZZ, do diretor norte-americano Ken Burns. Inspirado nestes precedentes, este trabalho tem o mesmo objetivo: fornecer para pessoas inteligentes informações obtidas nas fontes originais, para a ilustração de cada um e para ajudar a preservar a cultura do JAZZ. NEW ORLEANS - BERÇO DO JAZZ Nova Orleans é ainda hoje uma cidade alegre e cosmopolita. Sua população, constituída de todas as cores e sotaques, não esconde a predominância da cultura francesa implantada por seus primeiros colonizadores, que procuravam manter sua cidade fiel ao espirito de Paris. Cultivavam as artes e um sistema de vida alegremente ocioso que persiste até hoje. Antes da Guerra Civil tinham uma Ópera Francesa; falavam o creole, um dialeto francês, e comiam comidas francesas com pitadas de tempêro africano. A colonia italiana deu tambem sua contribuição cultural, o gosto pelas bandas de musica e a boa comida. Os ingleses, irlandeses e africanos deixaram tambem sua marca. Um exemplo de culinária cosmopolita é o jambalaya, uma espécie de paella espanhola com tempero francês e com um toque africano, pois os espanhóis tiveram também seu domínio em New Orleans deixando ali sua marca especialmente no estilo arquitetônico - sobrados com belas grades externas de ferro rendilhado, quintais e pátios internos, às vezes com uma fonte no meio ao modo mourisco. Sua grande população negra teve duas procedências: as fazendas de algodão em volta da cidade e as ilhas do Caribe, principalmente Cuba, locais onde a música e as tradições africanas eram bastante cultivadas. UM JORRO SONORO NO TEMPO na expressão de Mário de Andrade. O JAZZ nasceu em New Orleans, na Louisiania de 1900, à beira do rio Mississippi. Foi nas ruas do French Quarter - Bourbon Street, Rampart Street, Canal Street - que floreceu pela primeira vez o resultado da fusão harmoniosa de duas culturas musicais com substratos bem diferentes, e até antagônicos: a cultura europeia, racional e emocional, trazida pelos colonizadores espanhóis, franceses e ingleses; e a cultura africana, trazida pelos escravos e seus descendentes, intuitiva e sensual. Em New Orleans tudo era feito ao som de musica, desde eleições e piqueniques até paradas e funerais. Até mesmo os barcos de rodas que navegavam no Mississippi aproveitavam o vapor das caldeiras para acionar poderosos órgãos de tubo que inundavam a cidade com um som de gigantesco realejo. Nos primeiros anos do século 20 os primeiros jazzmen (entre eles alguns gênios musicais como Louis Armstrong, Sidney Bechet, Jelly-Roll Morton) foram criando, meio sem saber, uma nova forma de expressão reunindo os elementos musicais que estavam à sua volta: os blues dos violeiros cegos, os cantos de trabalho dos algodoais, os ragtimes dos bailes campestres, as

quadrilhas dos colonizadores europeus, valsas, mazurcas, habaneras, marchas e canções religiosas domingueiras: tudo isto muito bem temperado com os ritmos das batucadas africanas, que persistiam nos terreiros de vodu (umbanda). Cada um desses elementos musicais tem uma estrutura própria que foi muito bem assimilada pelos precursores. Estas são as RAÍZES DO JAZZ. Ao considerar todas essas riquezas culturais, pode alguem perguntar : - Como é possível querer tocar JAZZ sem conhecê-las bem? E a pergunta tem razão de ser feita. Porque é incrívelmente grande o número de músicos (alguns talentosos) que nem estudaram as gravações originais das Raízes do Jazz nem pesquisaram a sua história e desenvolvimento, mas que afirmam com a maior cara de pau que estão tocando JAZZ... São aqueles a quem os verdadeiros jazzistas chamam de alligators. Eles são comparáveis àquelas pessoas pretensiosas que falam ingreis sem nunca ter estudado nem a gramática inglesa nem a pronúncia correta. CATS OU ALLIGATORS? A verdade é que muitas vêzes o JAZZ foi (e continua sendo...) vítima de um fenômeno de aculturação, e aquela música autêntica, forte e revolucionária dos cats, os verdadeiros jazzistas, foi pasteurizada para atender ao comércio, ou deformada pelos músicos que desconhecem as suas Raízes culturais: os alligators, os crocodilos, músicos displicentes. Aconteceu mesmo de a musica ser distorcida por intérpretes superficiais, ocasionais, oportunistas, com interesse puramente comercial. Nascido da cultura popular, o JAZZ foi transformado em cultura de massa. O resultado foi o Jazz-Rock, Jazz-Funk, Jazz-Cool, Jazz-Country, Jazz-Bossa, Jazz-Rap, Jazz-Axé... Jazz descartável. É muito importante notar que cada uma destas formas novas (mesmo as distorcidas!) é musicalmente válida, pois satisfaz ao seu segmento de público! Toda novidade merece um nome novo. Por isso é que se deveria reservar o nome JAZZ sómente à música nascida naquelas circunstâncias históricas, sociais, geográficas, culturais. Ela é o JAZZ ORIGINAL.Tudo o mais é consequência... Mas o nome JAZZ adquiriu uma conotação muito forte e assim sendo, independentemente de seus conteúdos culturais, passou a ser utilizado como denominação de todo tipo de música improvisada ou musica com um ritmo vagamente americano. Por isso, é discutível do ponto de vista cultural dar o nome Jazz ao resultado de alterações, de omissões, de hibridismos. A confusão foi ainda aumentada pelo grande número de escritores ou mesmo jornalistas, que sem ser músicos nem jazzistas, passaram a pontificar e ditar regras sobre o assunto, por motivos muito variados, sem consultar as fontes, e sem ouvir a opinião dos músicos de Jazz Por outro lado, muitos músicos davam exemplo de honestidade cultural: Miles Davis e Charlie Parker, os geniais criadores do Be-Bop, sempre recusaram-se terminantemente a chamar de Jazz esse novo estilo de musica improvisada que criaram, o Be-Bop, derivada do JAZZ ORIGINAL. Êles conheciam o JAZZ ORIGINAL, que no começo de suas carreiras tocaram muito bem (há gravações que o atestam); simplesmente optaram por criar um genial novo meio de expressão musical ao qual deram um novo nome: be-bop. O JAZZ NO MUNDO DE HOJE É um fato histórico que o JAZZ ORIGINAL desde sua origem no início do século 20, nunca deixou de ser executado por seguidores fiéis que respeitavam as raízes. Alguns, de talento, alcançaram fama e sucesso comercial; por outro lado outros menos talentosos e mesmo alguns amadores despreparados, contribuíram negativamente para a imagem do JAZZ, ao ganhar ocasional evidencia nos meios de comunicação tocando jazz de má qualidade. Hoje contam-se muitas e muitas centenas de conjuntos de JAZZ TRADICIONAL profissionais e amadores, no mundo inteiro (Eslováquia, Hungria, Canadá, Russia, Japão, Argentina, Suiça, Dinamarca, Inglaterra, França, Holanda, itália, etc. etc.) tocando com entusiasmo e sucesso, dentro de suas variadas possibilidades artísticas, o som original de New Orleans como expressão musical da alegria de viver e do prazer de criar livremente, transmitindo emoções e transmutando energias.

Ao mesmo tempo, multiplicaram-se as variantes, adaptações, modernizações. Em muitos casos documentados, músicos com muita técnica instrumental mas com menor talento para o Jazz, quiseram copiar, mas simplesmente não conseguiram assimilar a sintaxe revolucionária dos inovadores Sidney Bechet, Jelly Roll Morton, Louis Armstrong e outros criadores, que eram demais geniais. O resultado foi um novo tipo de dixieland tocado com muito exibicionismo instrumental, mas pouco conteúdo artístico: bons exemplos disso são os conjuntos de Al Hirt, os Dukes of Dixieland, Firehouse Five plus Two, e que tocam com partituras. Basta comparar as suas versões de um tema com as respectivas versões do mesmo tema tocado por Bechet, Armstrong, Kid Ory. Em outros casos, músicos criativos contornaram suas próprias limitações introduzindo simplificações e adaptações e dando assim origem a novos estilos de Jazz Tradicional, ainda ligados às raízes mas ligeiramente modificados na sintaxe. É o caso por exemplo do chamado estilo Chicago, estilo São Francisco, Pee Wee Russell, Lu Watters, etc. Alguns perceberam a possibilidade de, sem se afastar demasiado das Raízes, ampliar a massa sonora duplicando ou quadruplicando os instrumentos, o que exigiu disciplinar as interpretações através de partituras para orquestra mesmo às custas de limitar a liberdade de improvisação coletiva. É o caso de Duke Ellington, Fletcher Henderson, Count Basie. Outros ainda por razões de gosto pessoal ou afinidade psicológica adotaram da sintaxe original apenas o que lhes agradava, abandonando o resto e introduzindo grandes modificações como por exemplo harmonias dissonantes, ritmos sofisticados, interpretação fria, técnica instrumental acrobática, etc. (West Coast, Be-Bop, Stan Kenton, etc.) Alguns cantores populares (Bing Crosby, Frank Sinatra), viram o lado comercial e promoveram a fusão de formas de musica popular com certos elementos característicos do Jazz: e ainda, certos musicos de Jazz adotaram interpretações estéticamente conciliadoras com o gosto do público mais consumidor (Bobby Hackett, Benny Goodman, Tommy Dorsey, Nat Cole, etc.). A variedade de formas derivadas do JAZZ ORIGINAL DE NEW ORLEANS não surpreende, apenas comprova a diversidade e a criatividade humana; surpreendente é que paralelamente a isso tudo o JAZZ TRADICIONAL teve tanta vitalidade para sobreviver íntegro e reter seu atrativo universal. Muitas formas novas surgiram e desapareceram com alta rotatividade; o JAZZ ORIGINAL por sua vez, depois de 100 anos, tem provado e comprovado que não é musica descartável. Isso se deve em parte à peculiar sintaxe musical criada pelos principais precursores, os quais, como afirmamos e pode ser comprovado pelas gravações originais, possuiam um talento musical fora do comum. Uma análise musical extremamente competente e completa pode ser encontrada na obra do Professor e Regente erudito Gunther Schuller, Early Jazz, publicada no Brasil pela editora Cultrix com o nome de O Velho Jazz. Schuller é compositor e intérprete de Jazz Moderno, o que valoriza ainda mais sua análise do Jazz Tradicional. CRIAÇÃO E MUDANÇA A criação dessa nova sintaxe musical, que costumo denominar as regras do jogo do JAZZ ORIGINAL só poderia ter acontecido numa cidade como essa, naquelas circunstâncias especiais, em New Orleans da virada do século. O resultado foi tão notável que influenciou os rumos de toda a musica ocidental, popular e clássica. É famoso o comentário do maestro Ernest Ansermet, em 1922, escrevendo sobre uma interpretação de Sidney Bechet: - êste é o novo caminho da música ocidental. Por isso que, ao lado dos novos caminhos que foram surgindo, o JAZZ ORIGINAL merece também ser preservado e cultivado assim do jeito como nasceu. Esta é a conclusão de Winton Marsalis e de Leonard Bernstein. É uma herança cultural que não podemos perder. Como o Chorinho autêntico, o Flamenco Andaluz, o Tango original e a musica de Mozart.

Nada impede de transformar, modificar, ampliar, aprofundar: este é o caminho do conhecimento e da arte, é o destino do espírito humano. Mas culturalmente falando tudo que é novo se soma ao antigo e não substitui nem apaga as conquistas anteriores. Shostakovich não é Mozart moderno... E um não exclui o outro. Conhecer um e outro no devido contexto, é questão de informação e cultura. Quanto a apreciar, bom, aí já é uma questão de gosto... A SINTAXE MUSICAL DO JAZZ DE NEW ORLEANS O JAZZ ORIGINAL pode ser comparado ao jogo de XADREZ: tem regras rígidas que ninguém pensa em modificar. Seria insensato alguém pensar em alterar alguma regra do Xadrez só porque é muito antiga ou porque não a compreende, ou porque quer tornar o jogo mais popular. Não é porque a música barroca é antiga que não pode mais ser apreciada. Pois então, o JAZZ ORIGINAL é exatamente assim: tem suas próprias regras de execução e de criação, e conhecê-las é também uma questão de informação e cultura. Aqui estão as regras do jogo para tocar com autenticidade o JAZZ ORIGINAL. São o produto de uma criação coletiva expontânea e da fusão de duas culturas contrastantes:. Material temático extraído do folclore afro-americano (blues, spirituals, ragtimes, worksongs, brass-bands, canções espanholas, francesas e inglesas do início do século 20). ausência total de partituras durante as interpretações.. Harmonização canônica, exatamente como preconizada e utilizada por J.P. Rameau e por J.S. Bach, mas aplicada com muita simplicidade.. Blue-notes (certas notas da escala musical alteradas de um quarto de tom).. Timbre de voz humana nos instrumentos de sopro, incluindo um vibrato semelhante ao usado pelos grandes cantores líricos.. Compasso quaternário com contratempos sincopados.. Reforço dos tempos 2º e 4º do compasso quaternário.. O swing ( que é o perfume do ritmo).. A improvisação individual - e principalmente a endiabrada :. Improvisação coletiva, que é uma das suas características mais distintivas.. Interpretação hot, quer dizer, quente e emotiva.. Preferência absoluta por instrumentos acusticos (não eletrônicos nem amplificados). É claro que ninguém é obrigado a adotar estas regras... Só quem quiser, quem for cativado pela magia do JAZZ ORIGINAL e quer tocar em toda sua força e pureza. Sem utilizar estas regras, ou modificando-as, um bom instrumentista pode criar boa música e inventar efeitos sonoros; mas certamente não está tocando o JAZZ ORIGINAL.Poderá mesmo exercer o dom da criatividade e desenvolver uma nova sintaxe musical com novas referencias, novo material rítmico e harmônico, novas regras do jogo... Mas será realmente um grande equívoco cultural chamar de JAZZ ao resultado dessas invenções... Da mesma forma alguém poderia criar um novo jogo a partir do Xadrez, com regras diferentes e revolucionárias.certamente o novo jogo não seria chamado Xadrez. Por outro lado, usando somente as regras básicas da sintaxe original, um bom jazzista pode criar, como no Xadrez, jogadas musicais emocionantes, combinações novas e criativas, numa variedade infinita, como num caleidoscópio, que certamente podem transmitir emoção e prazer estético.

Mas o ato de tocar o JAZZ ORIGINAL vai mais longe que jogar XADREZ. Concilia uma alegre tristeza com uma triste alegria. Harmoniza culturas de origens opostas. Equilibra musicalmente razão, percepção sensual, emoção e intuição (As quatro portas psíquicas de C.G. Jung). O JAZZ ORIGINAL encerra, como toda música, a dualidade do Apolíneo e do Dionisíaco, ( o ideal do Belo e o ideal do Prazer) mas na sua simplicidade realiza, cada vez que é recriado, uma Alquimia meio mágica, que transforma tanto o intérprete como o ouvinte. Dig it, Cat? Tito Martino MAIO 2010 TITO MARTINO, clarinetista e saxofonista de jazz desde 1958, é também engenheiro eletricista Politécnico. Em 1963 criou um conjunto de Jazz Tradicional, do qual foi o líder até 1983 e com o qual gravou 6 LP s. Viajou duas vezes com seu conjunto aos Estados Unidos, onde tocou com pioneiros do jazz e visitou os locais históricos onde o jazz nasceu. Em 1975 seu conjunto foi considerado o melhor grupo estrangeiro no Festival Internacional de Jazz em New Orleans. Tocou profissionalmente em concertos e festivais em New Orleans, New York, Washington, Chicago, Saint Louis, Miami, e na Suíça, Holanda, Espanha, França, Alemanha e Inglaterra. Teve seu trabalho reconhecido e elogiado com fotos no New York Times, no Washington Post e na revista especializada Down Beat. Em 1974 criou e dirigiu a primeira casa de Jazz no Brasil, o OPUS 2004. Gravou mais 2 LP s na Europa e, ao regressar para o Brasil, depois de mais de 10 anos de ausência, gravou o CD JAZZ FIREWORKS com o quinteto, que deu origem ao atual conjunto. Produziu e apresentou na Rádio Cultura FM a série de programas JAZZ CONNECTION. Site: www.titomartinojazzband.com.br Contato: titomartino@gmail.com