o FINANCIAMENTO DE LONGO PRAZO E O PROJETO DE RECONSTRUÇÃO



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Transcrição:

o FINANCIAMENTO DE LONGO PRAZO E O PROJETO DE RECONSTRUÇÃO Antônio Ernani /Martins Lima* 1 - Introdução Este artigo dedica-se ao exame da evolução e das características do crédito de longo prazo a investimentos no Brasil, bem como faz juízo crítico sobre as propostas relativas ao assunto, conforme contidas no Projeto de Reconstrução Nacional. A abordagem do tema será feita, em primeiro lugar, através da análise das características que marcaram o comportamento recente, principalmente na década de 80, das fontes de recursos e das instituições de crédito de longo prazo, ainda sob a égide reguladora do modelo de substituição de importações. Em segundo lugar, considerando o esgotamento do modelo e tendo em vista a crise fiscal do Estado e as restrições crescentes experimentadas pelas fontes de poupança na economia nacional, analisar-se-ão as propostas de reordenamento do financiamento de longo prazo no Brasil, conforme explicitadas no Projeto de Reconstrução Nacional. 2 - O financiamento de longo prazo no modelo de substituição A política econômica de longo prazo que regulou o processo de desenvolvimento econômico brasileiro desde 1930 até o início da década de oitenta derivou-se de modelo baseado na substituição de importações, cujos objetivos se assentaram na rápida industrialização e na redução da dependência externa da economia nacional em relação a bens de consumo, a bens de capital e a insumos básicos. A característica básica desse modelo foi o papel dinâmico de estímulo e de participação direta desempenhado pelo Estado brasileiro na produção empresarial e na infra-estrutura econômica. Economista do BADESUL e Professor da UNISINOS.

Dentre ós estímulos diretamente propiciados ou regulados pelo Estado no âmbito do citado modelo, destaca-se o financiamento de longo prazo a investimentos privados e públicos na produção e na infra-estrutura econômica. A questão do finaciamento consiste na mobilização de poupanças essencialmente necessárias para, soba forma de capital e de crédito, garantirem a execução financeira de projetos econômicos de investimento. Para os fins deste artigo, serão tratados dois aspectos básicos do financiamento de longo prazo. O primeiro corresponde à composição e à evolução das suas fontes de recursos financeiros, e o segundo refere-se às características e ao comportamento das instituições bancárias que o exercem. 2.1 - Fontes de recursos financeiros Os recursos financeiros que tradicionalmente respaldaram o financiamento de longo prazo no Brasil originaram-se principalmente não de poupanças voluntárias, mas de poupanças compulsórias, como o FGTS e o PIS-PASEP, de poupanças do Governo, expressas nos dispêndios de capital previstos nos orçamentos da União e dos estados, bem como de poupanças captadas junto aos mercados financeiros nacional e internacional, inclusive aqueles representados por Instituições financeiras multilaterais, como o BIRD e o BID. O somatório dessas fontes, acrescidas do reinvestimento de lucros gerados pelo capital previamente acumulado, mais o fluxo positivo de investimentos diretos propiciados pelo capital industrial externo permitiram a manutenção de taxas de formação bruta de capital fixo no Brasil de até 25% do PIB ao longo da década de 70. A primeira crise do petróleo, em 1973, que desequilibrou a balança comercial brasileira, fortemente dependente do petróleo importado, determinou que o fluxo de capitais externos comprometidos com o Brasil passasse a ser preponderantemente creditício, utilizado para completar a industrialização, mas também, em grande parte, para cobrir o "déficit" comercial e, posteriormente, para refinanciar os próprios juros decorrentes do estoque da dívida que o País passou a acumular contra o resto do Mundo. Os resultados foram, por um lado, a continuidade do ritmo de crescimento da economia brasileira, ainda que desacelerado em relação

ao período 1970-74, e, por.outro, o acúmulodeuma dívida externa que hoje beira os US$ 140 bilhões de dólares. Em 1982, o excessivo risco de crédito representado pela dívida externa determinou a interrupção, pelos bancos internacionais, do fluxo de recursos dirigido ao Brasil, passando o País, desde então, a ser um exportador líquido de capitais. As posteriores moratórias e sucessivas renegociações da dívida externa vêm, desde 1983, isolando a economia brasileira em relação aos fluxos internacionais de crédito e de capital, com exceção apenas do BIRD e do BID, ainda que em volumes limitados. A própria crise do modelo econômico nacional e seus reflexos na inflação e na dinâmica de crescimento do País encarregaram-se de restringir a entrada decapitai de risco no Brasil, ao longo da década de 80. Restou à economia brasileira articular o financiamento de longo prazo aos seus investimentos, basicamente, apenas com a sua própria poupança nacipnal, tanto a compulsória quanto a voluntária, observando-se que parte substancial desta última, entretanto, foi imobilizada no financiamento da dívida interna, cuja reciclagem de curto prazo passou a exigir o pagamento de taxas de juros cada vez maiores, as quais, somadas à espiral inflacionária, tornaram impossível o uso, ainda que marginal, do mercado financeiro doméstico como fonte de recursos para crédito sequer de um mês, quanto mais de cinco ou de 10 anos, como requerem investimentos de média e de longa maturações. Acrescente-se que, por várias razões, a principal destas a instabilidade econômica e financeira do País, inexiste no Brasil, até a presente data, o hábito de se captarem poupanças privadas voluntárias a curto prazo para fins de aplicações a longo prazo ("borrow short - lend long"), como é comumente feito nos mercados financeiros regidos pela Prime (Nova Iorque) ou pela Libor (Londres). No que se refere aos investimentos públicos, a crise fiscal da União e dos estados encarregou-se de reduzir no mínimo a execução de Investimentos com fontes de recursos em orçamentos deficitários, cobertos por um imposto inflacionário cada vez mais pesado. O financiamento de longo prazo no Brasil ficou, assim, restrito, no final da década de 80, praticamente ao crédito respaldado em poupanças compulsórias, sendo que apenas parte destas são direcionadas para apoiar investimentos produtivos na economia.

A conseqüência foi e continua sendo a queda da taxa de formação bruta de capital fixo no País para níveis inferiores a 17% do PIB, níveis estes absolutamente incompatíveis com as necessidades de investimento do Brasil. 2.2-Instituições bancárias A reforma bancária e financeira de 1964/65 constituiu-se em importante marco histórico, ao reorganizar o sistema financeiro nacional, dotando o País de um conjunto de instituições capacitadas para o exercício das funçbes de intermediação creditícia e de capitais de risco. Uma das características básicas dessa reforma foi a segmentação dos mercadas financeiros, como o de crédito comercial, o de capitais, o de crédito imobiliário, o de crédito ao consumo e o de crédito a investimentos, em cada um dos quais também atuavam instituições especializadas, como corretoras, bancos comerciais, sociedades imobiliárias, financeiras, bancos de investimento e bancos dè desenvolvimento. As instituições e segmentos financeiros de longo prazo previstos na reforma corresponderam às sociedades corretoras e às bolsas de valores, em relação ao mercado de capitais; ao extinto BNH e às sociedades imobiliárias, quanto ao crédito habitacional; e ao BNDES e aos bancos de desenvolvimento e de investimento, no que se refere ao crédito de longo prazo a investimentos na produção. O mercado de capitais e suas instituições vêm, ao longo de sua existência, esbarrando em problemas de confiabilidade e na falta de hábito da poupança em inversões de capital de risco, sustentando precipuamente as suas operações nos denominados investidores institucionais, tais como as fundações de seguridade, que devem aplicar compulsoriamente em ações uma parte do seu patrimônio. No que se refere ao financiamento habitacional, à extinção do BNH, cujas atribuições foram absorvidas pela CEF, seguiu-se o desaparecimento das sociedades imobiliárias, a maior parte das quais substituídas pelas carteiras de crédito imobiliário nos hoje denominados bancos múltiplos, cuja capacidade de gerar novos financiamentos ainda se encontra obstaculizada pelos subsídios passados concedidos aos mutuários.

Os bancos de investimento, privados, não desempenharam, em sua maioria, o papel que lhes foi atribuído de crédito de longo prazo, preferindo atuar em operações mais rentáveis de cdrto prazo, como o financiamento de capital de giro, ou na área de negócios, onde se destaca o "underwritlng" de ações, caracterizando ainda as suas operações de longo prazo por forte seletlvidade de empresas e de projetos. Adicionalmente, a partir de 1987, a maioria, dos bancos de investimento passou a ser incorporada à estrutura de bancos múltiplos, cuja constituição foi autorizada pelo Banco Central naquele ano. Os bancos múltiplos, por sua vez, mesmo os públicos, ainda que em menor grau, por terem a sua base de negócios e de comando assentada na carteira comercial, tendem a relegar ao segundo plano o financiamento de longo prazo, especialmente o crédito a Investimentos, reproduzindo- -se, assim, o mesmo tipo de cenário Institucional que existia antes da reforma^bancária e financeira de 1964/65. Por fim, coube aos bancos de desenvolvimento. Inclusive por serem públicos, assumirem de forma destacada o papel de operadores de crédito de longo prazo a Investimentos privados e estatais, destinados à acumulação de capital produtivo e à.infra-estrutura., Entretanto a crise fiscal do Estado, associada ao aprofundamento da recessão da economia, vem, nos últimos anos, afetando sobremaneira a saúde financeira e a estabilidade institucional dos bancos de desenvolvimento, determinando, inclusive, a liquidação de alguns e a incorporação de outros como carteiras nos bancos múltiplos estaduais. Os bancos estaduais de desenvolvimento que se mantiveram, e mesmo aqueles que passaram a operar como carteira, experimentam, ainda, restrições crescentes de fontes de recursos, as quais, no plano interno, se concentram, hoje no Sistema BNDES, o qual vem, adicionalmente, impondo fortes limitações a novas operações de repasse de recursos a esses seus agentes, tendo em vista critérios de avaliação de risco de crédito recentemente postos em vigor. Aliás, a problemática referente às fontes de recursos dos bancos de desenvolvimento, em particular, é muito semelhante ao descrito mais genericamente, neste artigo, sobre o financiamento de longo prazo como um todo. Em síntese, as principais instituições responsáveis, até a presente data, pela alocação de crédito de longo prazo a investimentos

produtivos no Brasil, que são os bancos de desenvolvimento, entraram em crise junto com o esgotamento do próprio modelo de substituição de importações, no âmbito do qual foram concebidos. Depreende-se do exposto que existe um hiato institucional presente no crédito de longo prazo, na medida em que as instituições públicas e privadas habilitadas a operá-lo, na qualidade de agentes do sistema BNDES, ou não o consideram prioritário, como os bancos múltiplos, principalmente os privados, ou, atualmente, não dispõem de limites, sequer mínimos, como os bancos de desenvolvimento, que são públicos. Portanto, a persistir a situação, resta aguardar-se que o crédito de longo prazo assuma a importância que até agora nunca teve nas instituições privadas, ou que o Governo Federal reconheça o papel fundamental que os bancos públicos, sejam de desenvolvimento, sejam mesmo múltiplos com carteira de desenvolvimento, ainda deverão desempenhar no Brasil dos anos 90. 3 - O financiamento de iongo prazo no projeto de reconstrução o projeto de reconstrução propõe um novo modelo de ajuste e de crescimento da economia brasileira, centrado no que denomina da sua reestruturação competitiva, com o objetivo de, através da estabilização, da modernização e da maior produtividade da estrutura econômica construída no modelo anterior, promover a integração da economia do Brasil com a economia internacional. O fator dinâmico do modelo passa a ser o capital e a iniciativa privada, cabendo ao Estado prover, inclusive, também com o setor empresarial, as Infra-estruturas econômica, tecnológica e educacional necessárias à reestruturação competitiva das empresas. O projeto de reconstrução trata o financiamento de longo prazo da seguinte forma, no âmbito do proposto modelo: - mercado de capitais - propõe, além de medidas de desregulamentação, medidas de fomento e reativação do mercado de capitais como instrumento de captação de recursos de longo prazo dirigidos à capitalização das empresas e à democratização da sua propriedade;

- fundos de aplicações financeiras parte dos fundos de aplicações financeiras criados pelo Plano Collor II será destinada obrigatoriamente à captação de recursos e à posterior aplicação destes no crédito de longo prazo a projetos de investimento privados, desde que enquadrados no Programa de Competitividade Industrial; - financiamento público - estabelece diretrizes de eficiência, de competitividade e de produtividade para o acesso de projetos de investimento privados e públicos ao apoio financeiro de longo prazo do Sistema BNDES, bem como cita o Banco do Brasil como instituição voltada ao crédito agrícola e de capital de giro a pequenas e médias empresas; - financiamento imobiliário propõe a instituição de um fundo de investimento imobiliário como instrumento adicional de captação de poupanças interna e externa, o qual virá juntar-se à parcela do FGTS e das cadernetas de poupança como fonte de recursos para o financiamento de projetos na área. Considerando a exposição elaborada na primeira parte deste artigo, a única proposta do projeto de reconstrução que poderá, eventualmente, contribuir para reverter, a curto prazo, parte do quadro antes traçado de deterioração da disponibilidade de fontes de poupança para o financiamento de longo prazo corresponde aos fundos de aplicações financeiras. Isto porque, ainda que se reconheça que não será possível desenvolver um capitalismo democrático no Brasil sem um mercado de capitais forte e confiável, certamente o alcance dessa aspiração ainda tem um longo caminho pela frente, até tornar-se fonte significativa para o financiamento não bancário de projetos empresariais. Quanto à proposta de financiamento público, esta significa apenas, na prática, mudança nas políticas operacionais do Sistema BNDES, sem quaisquer outras considerações sobre acréscimo de fontes ou sobre instituições capacitadas a distribuir os repasses desse sistema. No que se refere ao fundo de Investimento imobiliário, este provavelmente virá competir com os demais instrumentos já existentes de captação de poupança para financiamento de novos imóveis, bem como a sua proposta abertura para a captação cie poupanças externas poderá levar ainda multo tempo para ser significativa. Portanto, destaca-se, basicamente, o avanço representado pela proposta de obrigatoriedade de parte dos recursos (10%) captados pelos

novos fundos de aplicações financeiras serem aplicados, através da emissão de Títulos de Desenvolvimento Econômico (TDE), no financiamento de projetos produtivos privados, o que significa, de fato, um tipo de poupança compulsória, reforçando, assim, essa tradicional forma de mobilização de recursos para o crédito de longo prazo no Brasil. Por outro lado, essa nova fonte de recursos também parece significar um passo saudável em direção à gradual introdução, no Brasil, do hábito de captar-se poupança voluntária de curto prazo para fins de aplicação no longo prazo, a exemplo do que ocorre no mercado financeiro internacional, o que somente poderá ser feito quando o País também tiver preços estáveis a longo prazo. A questão institucional não é mencionada, depreendendo-se apenas, nas entrelinhas do projeto, que a sua opção política por uma economia com dinâmica preponderantemente liberal e privada estende-se às instituições financeiras, o que significaria, no mínimo, inconsistência com a experiência histórica do comportamento daquelas instituições em relação ao crédito de longo prazo no Brasil. 4 - Conclusão Ao propor que parte dos recursos dos fundos de aplicações financeiras sejam dirigidos, obrigatoriamente, para o longo prazo, o Projeto de Reconstrução Nacional reconhece, de fato, que as poupanças compulsórias, típicas do modelo de substituição, deverão continuar a ser o principal sustentáculo do crédito e do financiamento de longo prazo como um todo do País, nos próximos anos e no âmbito do novo modelo de reestruturação competitiva. Logo, há que se incentivar o alargamento da faixa de poupança interna capaz de ser utilizada no crédito a investimentos, estratégia esta que está claramente exposta no projeto, através do fundo de aplicações financeiras. Por outro lado, a omissão quanto a referências, com exceção do BNDES e do Banco do Brasil, sobre o papel das demais instituições financeiras públicas, principalmente estaduais, no financiamento de longo prazo significa a recusa do Governo Federal em ainda reconhecer qualquer importância futura nas funções dos bancos estaduais, múltiplos ou de desenvolvimento, no âmbito da lógica liberal que inspira o Projeto de Reconstrução Nacional.