Resistência e dominação na relação psicanalítica 1



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Transcrição:

1 Estados Gerais da Psicanálise: Segundo Encontro Mundial, Rio de Janeiro 2003 Resistência e dominação na relação psicanalítica 1 Maria Izabel Oliveira Szpacenkopf izaszpa@uol.com.br Psicanalista, Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos Membro do Espace Analytique de Paris RESUMO: Este trabalho apresenta a positividade da resistência como sinal de liberdade entre as instâncias conflitantes, ou pelo menos na criação de um espaço que facilite o exercício das relações estratégicas na relação psicanalítica. Além disso, é destacada a importância da relação que o psicanalista estabelece com a teoria usada por ele, sendo preferível a posição de resistência, muito mais criativa, do que a aquela em prevalece a de dominação. A Psicanálise, desde Freud sempre esteve às voltas com a questão da resistência. Melhor dizendo, a resistência, assim como a transferência é fundamento da Psicanálise. Desde antes mesmo da descoberta e teorização da transferência, mesmo nos tratamentos desenvolvidos na base da hipnose, a presença da resistência foi verificada como a força que impediria até mesmo a sugestão. Com a nova técnica introduzida por Freud a resistência manifestava-se como defesa, impedindo que o recalque fosse suspenso dificultando que a situação anterior, traumática e dolorosa, pudesse ser revelada. Os conceitos de: transferência, resistência, energia psíquica, libido, pulsões, instâncias psíquicas formadoras do aparelho psíquico, recalque, podem ser caracterizados como relações de forças; relações de forças antagônicas ou pelo menos que se exercem por funções opostas, que marcam e forjam conflitos responsáveis por sofrimento. 1 Publicado em Figures de la Psychanalyse, L inconnue de la SublimationVol. 7, Éditions Éres, Paris, Nov/2002.

2 O poder do processo primário, do princípio do prazer que clama pela realização do desejo e que procura fazer valer o alcance de seu objetivo por descarga direta, não tolera a interrupção deste projeto. O princípio de realidade entrando poderosamente mostra que o processo primário não pode ter acesso de forma tão livre quanto seria o objetivo de sua força e faz valer exigências outras que precisam ser atendidas. Então, os conceitos energia, forças e recalque dizem respeito à relação de forças e a confrontos encontrados na esfera intrapsíquica. Foucault destaca como condição para a existência de relações de poder, a de que as duas partes aí envolvidas gozem de uma certa liberdade. Se um dos dois estiver completamente à disposição do outro e se tornar sua coisa, um objeto sobre o qual se pode exercer uma violência infinita e ilimitada, aí não haveria relações de poder. É preciso então para se exercer uma relação de poder, que exista sempre dos dois lados uma certa forma de liberdade... Isto quer dizer que nas relações de poder existe forçosamente possibilidade de resistência, pois se não houvesse possibilidade de resistência de resistência violenta, de fuga, de ardil, de estratégias que invertam a situação não existiria relações de poder. 2 Para Foucault, resistência é sinal de liberdade, de não enrijecimento e de que a fixidez imposta por uma força não é tão grande. A resistência é prova de que existe espaço para intervenções, oscilações, inversões, ou seja, mudanças numa relação de poder. Por outro lado, Foucault faz uma distinção entre relação de poder e estados de dominação: Em numerosos casos, as relações de poder estão fixadas de tal forma que elas são perpetuamente dessimétricas e que a margem de liberdade está extremamente limitada. 3 E continuando: Nestes casos de dominação econômica, social, institucional ou sexual o problema é, com efeito, saber aonde vai se formar a resistência. 4 O presente trabalho propõe, sob a vertente do enfoque clínico, considerar a resistência como prova da relação de forças de poder, necessárias e indispensáveis, atuando dentro do indivíduo, e também como sinal de alguma liberdade nos dois pólos conflitantes, o que realimenta esperanças no tratamento analítico. Lembremos, ainda 2 - Foucault, Michel - L éthique du souci de soi comme pratique de la liberté, in Dits et Écrits, Vol. IV, p. 720. 3 - Idem. 4 - Ibid., p. 721.

3 que a manifestação da resistência pode apresentar-se também na relação transferencial. Assim sendo, a presença de resistência fala a favor da relação de poder, distinta da relação de dominação, e caracterizada pela presença de algum quantum de liberdade entre as instâncias conflitantes e de um espaço, ou pelo menos da criação de um espaço, que facilite o exercício de relações estratégicas. Do ponto de vista da clínica, as resistências oferecem um enriquecimento à relação transferencial, se tomadas como um indício de que algo foi movimentado, mesmo que o momento tenha sido caracterizado por um acirramento de defesas. Se há resistência é sinal de crise no chamado equilíbrio, seja das relações intrapsíquicas, seja na relação transferencial. Não raro é pelo aproveitamento de crises que podemos questionar pontos fundamentais na vida de cada um. Pela leitura que articula as relações de poder, o analista pode tomar a questão da resistência como sinal de uso de liberdade, de espaço, de movimento, indicativo de possibilidades de mudanças. Destacamos ainda a importância da transferência do analista em relação à teoria usada por ele. Dizemos usada, mesmo sabendo que se isto é o desejável nem sempre é o encontrado. Esta relação, não raro é da ordem de um submetimento aos códigos e saberes tomados como garantia de vivência acalmada por uma pretensa plenitude. É mais comum a relação entre o psicanalista e os saberes de que lança mão serem da ordem de uma escravidão e de um submetimento a uma dominação, tendo como contrapartida um abrir mão permanente daquilo que ainda não é sabido e nem conhecido. Desta forma, o psicanalista não se arrisca, confia num sentido já dado e, portanto descarta o novo; deixa de usar a teoria e passa a ser usado por ela. Lembramos a referência de Winnicott que considera como uma etapa avançada do desenvolvimento do sujeito, sua capacidade de usar o objeto que sobrevivera aos ataques destrutivos dirigidos a ele. Usar o objeto que sobreviveu significa que este objeto passou a fazer parte da realidade, ou seja, por ter sobrevivido aos ataques destrutivos desferidos contra ele, o objeto começa a existir fora da órbita onipotente do sujeito - o objeto foi criado.

4 A palavra destruição é necessária, não por causa do impulso do bebê a destruir, mas devido à suscetibilidade do objeto a não sobreviver, o que também significa mudança de qualidade, de atitude. 5 Assim, se a relação do analista com a teoria é de submetimento, esta teoria para ele ainda é considerada tão frágil que não pode ser analisada, criticada, questionada, esmiuçada, do tipo enquanto estou te amando, estou permanentemente te destruindo na fantasia (inconsciente). 6 O medo da não sobrevivência da teoria se cola ao medo maior de não sobrevivência do profissional. Resultado: fica impedida a liberdade de usar a teoria de forma criativa e a relação estabelecida é a de dominação, no sentido de Foucault, onde a questão resistência está excluída. O desejável é que exista na relação transferencial do analista à teoria, um mínimo de possibilidade de resistência enquanto sinal de presença da liberdade e de possibilidade do exercício de criatividade. Freud, em sua época, já considerava fundamental que os novos analistas passassem pelo processo psicanalítico. O argumento era de que desta forma estariam experimentando um método em descoberta e varrendo as barreiras que impediriam um acesso mais facilitado ao inconsciente. Sem dúvida esta exigência se devia também ao fato de que a experiência de uma análise não está e não pode estar fundamentalmente a cargo de um saber teórico que supostamente dê conta de tudo ou de quase tudo. A subjetividade lança mão de vários posicionamentos, exigências, confrontamentos, tensões, relações de poder e de saber. Dar conta do inconsciente, da multiplicidade de sujeitos e das marcas presentes na formação do eu implicaria que a teoria tivesse uma abrangência totalizante, o que nenhuma tem. Assim sendo, como a tal da completude também não é encontrada na teoria, quais as conseqüências possíveis diante da possibilidade do psicanalista estar dominado e protegido por uma escuta acorrentada aos princípios teóricos que foram criados como uma forma de pensamento ou mesmo de entendimento do indivíduo? Se os princípios teóricos acabam sendo adotados como a formatação única e confortável para escutar e entender o que se passa no mundo e no mundo de cada um, 5 - Winnicott,W.D. O Uso do objeto, ino Brincar &a realidade, 1975,p. 129 6 - Ibid., p. 126.

5 que espaço para a liberdade e para a criação poderão ser oferecidos na relação transferencial? Se assim é, se a relação de transferência à teoria caracterizar-se pela dominação, revelando a crença e a devoção aí implicadas, fica nela excluída a parcialidade que toda teoria comporta, o questionamento que a prática clínica imperiosamente fará ressurgir e, principalmente a sobrevivência do conjunto teórico e de seu uso criativo. Além disso, o outro pólo da relação psicanalítica, o chamado analisando, será escutado e encarado como a manifestação encarnada da teoria, destituído de sua potencialidade criativa, e pertencendo a uma relação transferencial acorrentada a um contrato de dominação sobre o qual nem foi consultado. Se assim é, onde o psicanalista vai colocar a sua surpresa, o inédito ou o indecidível que com certeza surgirão em sua prática? Onde fica a criação, elemento fundamental no exercício de quem pratica a psicanálise? Com a timidez do processo criativo, onde fica a liberdade do analista para o acolhimento do mal estar? É justamente pela idealização das relações, onde se aspira um equilíbrio constante entre as forças e a eliminação de conflitos, que o resultado alcançado não raro é da ordem da estagnação, do apaziguamento das paixões, ódios e violência, do empobrecimento da criatividade por conta de um submetimento às regras e aos códigos que parecem garantir a continuação pacificada da vida ou seja, um equilíbrio da ordem da morte. A eliminação do excesso, a aceitação indiscutível das proibições, das censuras e dos interditos, a imposição oriunda de saberes internalizados, são tentativas de dominar a angústia que um desequilíbrio fatalmente faria chegar e que congelam a tentação de transgressão. A transgressão tem a ver com uma certa consciência do quanto de precariedade a chamada plenitude é revestida. A transgressão concerne ao limite, limite de ilusão e de sombra. Ao mesmo tempo em que o atravessa, não tanto para simplesmente derrubá-lo, ela o institui. A transgressão é um movimento que pode nos aproximar do criativo e do inovador, do que precisa desamarrar-se do conhecido para fazer aparecer o que ainda não pôde ser pensado ou mesmo que foi pensado, mas recusado.

6 Transgressão auxilia a avaliar e demarcar novas fronteiras e a descobrir novos territórios. Nada é negativo na transgressão. Ela afirma o ser limitado, ela afirma o ilimitado que ela salta abrindo-o pela primeira vez à existência. Mas podemos dizer que esta afirmação não tem nada de positivo: nenhum conteúdo pode ligála, pois, por definição, nenhum limite pode retê-la. Talvez ela não seja outra coisa a não ser a afirmação de partilha. Precisaria ainda aliviar esta palavra de tudo que possa lembrar o gesto do corte ou o estabelecimento de uma separação ou a medida de um afastamento e deixar nela (partilha) o que pode designar o ser da diferença. 7 Eliminando a transgressão como forma de ultrapassagem, como possibilidade de existir e principalmente de criar fora dos padrões preconizados, elimina-se também a condição indispensável para fazer valer a capacidade criativa. Sem a criação, ficam eliminadas as perspectivas de intervenções da psicanálise, do psicanalista, ficam prejudicados a escuta, o falar, a escrita e fundamentalmente o estilo, tudo que envolve a descoberta do sofrimento e da dor em si mesmo e no outro. BIBLIOGRAFIA Freud, Sigmund - Análise Terminável e Interminável, E.S.B., Vol XXIII, Imago, Rio de Janeiro Foucault, Michel Preface à la transgression, in Dits et Écrits Vol. I, Gallimard, Paris, 1994. Éthique du souci de soi comme pratique de la liberte, et Écrits, Vol. IV, Gallimard, Paris, 1994. Winnicott, D.W. O Uso do Objeto, in O Brincar e a Realidade, Imago, 1975. 7 - Foucault, Michel Préface à la transgression in Dits et Écrits, Vol. I, Gallimard, Paris, 1994.