O Imperialismo do Brasil na Bacia do Prata. Resenha de LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA, A expansão do Brasil e a formação dos Estados na bacia do Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai. Da colonização à Guerra da Tríplice Aliança, 4 ed., Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2012. 320 páginas. MÁRIO MAESTRI (Universidade de Passo Fundo) Em 1979, o jornalista J.J. Chiavenato publicou na prestigiosa Editora Brasiliense reportagem jornalística de viés populista e antiimperialista sobre a guerra contra o Paraguai [1865-1870]. Esse trabalho de divulgação histórica, de enorme sucesso, apoiavase em temas da historiografia revisionista platina em geral ignorados no Brasil. 1 O autor abraçava a tese de guerra desejada pela Inglaterra, havia muito ignorada ou questionada no Prata por seu simplismo. 2 Sem despertar maior discussão, seis anos mais tarde, Luiz Alberto Moniz Bandeira publicou, por pequena editora, O expansionismo brasileiro: o papel do Brasil na Bacia do rio da Prata. Da colonização ao Império. Apesar de lançado em 1985, o livro portava apresentação do autor assinada em fins de 1981. 3 O título do trabalho não fazia referência à guerra contra o Paraguai, apesar de abordar amplamente a questão. O expansionismo brasileiro portava prefácio do embaixador Teixeira Soares, estudioso das relações internacionais, não antipático ao expansionismo criticado pelo autor. Assinava a orelha Enio Silveira [1925-1996], proprietário da Editora Civilização Brasileira, que publicara livros de Moniz Bandeira e sofrera retaliações da ditadura nos anos anteriores. 4 Apenas dez anos mais tarde, com modificações no título que agora portava referência ao 1 Julio José Chiavenatto Genocídio americano: A guerra do Paraguay, Brasiliense, São Paulo, 1986; Silvânia de Queiróz História e historiografia: revisando a obra Genocídio americano: a guerra do Paraguai de J.J. Chiavenato", en Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH, São Paulo, julho 2011. 2 Milciades Peña, La era de Mitre: de Caseros a la Guerra de la Triple Infamia, 3 ed., Fichas, Buenos Aires, 1975, p. 61. 3 Luiz Alberto Moniz Bandeira O Expansionismo Brasileiro: o papel do Brasil na Bacia do Prata. Da colonização ao Império, Philobiblion, Rio de Janeiro, 1985. 4 Id., 13-16. [163]
Paraguai e à guerra, o trabalho foi reapresentado pela Editora da UNB em parceria com a Editora Ensaios, conhecendo a seguir uma reedição. 5 Tese de doutoramento defendida na USP em fins dos anos 1970, em plena ditadura militar, o estudo de Moniz Bandeira constituía marco na historiografia brasileira sobre as relações do Império com as nações da bacia do Prata, em geral, e sobre as razões da guerra da Tríplice Aliança, em particular. Tratava-se do primeiro trabalho revisionista erudito sistemático no Brasil rompendo e superando as explicações nacional-patrióticas apologéticas sobre as origens do conflito. Luiz Alberto Moniz Bandeira defendia explicitamente como tese central de seu trabalho o caráter colonialista e imperialista da ação do Império do Brasil naquela região, razão essencial da agressão à República do Uruguai, em 1864, e da guerra contra o Paraguai, em 1865-70, em aliança com a Argentina unitária e o Uruguai florista. Para ele, o objetivo do Império no Prata fora claramente impor sua hegemonia àquela importante região. Paradoxalmente, esse trabalho referencial foi e segue comumente sendo destacado por sua negação da tese de guerra querida pela Inglaterra, questão de importância marginal no estudo. Em verdade, aquela impugnação decorria naturalmente do complexo quadro dos conflitos descrito pelo autor, resultantes fortemente do impulso imperialista e colonialista do Estado imperial. Raros trabalhos posteriores retomaram e ampliaram substancialmente aquela sensível leitura sobre a essência colonialista e imperialista do agir imperial na época e na região. A escassa repercussão inicial relativa daquele trabalho que foi recentemente reapresentado, em quarta edição, revista e ampliada, com nova modificação no título, pela Editora Civilização Brasileira não se deveu a tratar-se de autor pouco conhecido, lançada por editora de limitado alcance. 6 Em 1985, Luiz Alberto Muniz Bandeira era autor reconhecido por sua produção historiográfica, com diversos estudos e dois títulos historiográficos de amplo sucesso lançados pela Civilização Brasileira. A TRAJETÓRIA DO AUTOR Luiz Alberto de Vianna Muniz Bandeira nasceu em Salvador, na Bahia, em 1935, mudandose jovem para o Rio de Janeiro, onde se formou em direito. Em fevereiro de 1961, participou da fundação da Organização Revolucionária Marxista Política Operária [POLOP], pequeno grupo político de forte viés leninista, luxemburguista e trotskista, ao 5 Luiz Alberto Moniz Bandeira O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai: Da Colonização à Guerra da Tríplice Aliança, 2 ed., Ensaios-EdUnB, São Paulo-Brasília, 1995. 6 Id. A expansão do Brasil e a formação dos Estados na bacia do Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai. Da colonização à Guerra da Tríplice Aliança. 4 ed., Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2012. [164]
lado de outros importantes intelectuais marxistas Rui Mauro Marini, Octávio Ianni, Paul Singer, etc. Em oposição ao colaboracionismo pecebista, a POLOP propunha programa socialista para o Brasil, defendido por Moniz Bandeira em O Caminho da Revolução Brasileira, de 1962. Anteriormente, escrevera outros ensaios, entre eles, livro de poesia Ode a Cuba, também publicado em Havana. 7 Após o golpe de 1964, Moniz Bandeira refugiou-se no Uruguai e de retorno ao Brasil, em 1965, foi preso, em 1969 e 1973. Em 1967, no contexto da reativação da luta antiditatorial, publicara, em parceria, pela Civilização Brasileira, o trabalho historiográfico marxista O Ano Vermelho: A Revolução Russa e seus reflexos no Brasil, de ampla edição e recepção, com reapresentação em 1980. 8 Em 1973, lançara Presença dos Estados Unidos no Brasil: dois séculos de história. Com o autor ainda preso pela ditadura, o trabalho obteve forte sucesso de público. 9 No contexto da redemocratização controlada, Moniz Bandeira participou da fundação do PDT e da primeira administração brizolista do Rio de Janeiro, sem abandonar o ensino universitário e a pesquisa historiográfica. Com bolsa da Fundação Ford e de outros centros financiadores, preparou a referida tese de doutoramento sobre a política externa do Brasil no século 19, com destaque para a conjuntura que resultou na guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai. Mais tarde, aposentado, Moniz Bandeira radicou-se na Alemanha, em 1996, onde prosseguiu as investigações historiográficas, com destaque para as relações internacionais do Brasil e a história contemporânea, em artigos, ensaios e livros de crescente repercussão, constituindo-se referência nacional nos temas em questão. Em 1995, reivindicou e obteve da casa real portuguesa o direito ao uso do título de barão de São Marcos. NOVA EDIÇÃO, NOVO TÍTULO Passados quatorze anos da terceira reapresentação, esse clássico historiográfico acaba de conhecer uma quarta edição, revista e ampliada, com caderno de ilustrações, pela Civilização Brasileira, com modificação do título para A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai. Da colonização à guerra da Tríplice Aliança. 7 Luiz Alberto Moniz Bandeira O Caminho da Revolução Brasileira, Melso, Rio de Janeiro, 1963. 8 Luiz Alberto Moniz Bandeira; Clóvis Melo; A.T. Andrade O Ano Vermelho: A Revolução Russa e seus Reflexos no Brasil. Pref. Nelson Wercneck Sodre, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967. 9 Luiz Alberto Moniz Bandeira Presença dos Estados Unidos no Brasil: Dois Séculos de História, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1973. [165]
O livro porta o prefácio do embaixador Álvaro Teixeira Soares à primeira edição; Prólogo de J.C. Herken Krauer; o prefácio do autor quando da segunda edição e uma sua breve nota de apresentação à presente edição, onde são também expostas as razões não muito óbvias para a modificação do título de expansionismo para expansão do Brasil. À nova edição, nas páginas finais do livro, foi agregado breve apêndice sobre D. João VI e a construção do Estado brasileiro. Com ampliações dos argumentos, das notas e da bibliografia, o livro mantém a estrutura e o desenvolvimento gerais da primeira edição, com onze capítulos e uma conclusão. Lamentavelmente, abandonou-se na quarta edição a opção da segunda, de apresentação, no pé da página, das notas, deslocadas para o final dos capítulos. Essa opção mercadológica dificulta leitura em profundidade de trabalho que mantém a estrutura de tese de doutoramento, com abundantes, longas e elucidativas notas. Em três breves primeiros capítulos, Moniz Bandeira defende a existência de impulso expansionista lusitano em direção à bacia do Prata, na procura da conquista de Buenos Aires, desde os primeiros tempos da colonização, como antecedentes dos empreendimentos idênticos no relativo à região, após 1808 e 1822. Uma introdução que enriquece a discussão, ainda que tenda a fusionar objetivos e causas comumente diversos daqueles movimentos, nos seus mais de três séculos. Na quarta edição, não houve atualização da bibliografia que apoiou a apresentação geral do quadro introdutório original. Muitos trabalhos utilizados foram superados pela expansão das investigações ensejadas sobretudo pela proliferação dos centros de pósgraduação. Atualização que permitiria sanar facilmente não poucos hiatos sobre a ação dos bandeirantes, a estrutura das missões, a organização das sociedades aldeãs guaranis, a ocupação e organização do extremo-sul do Brasil, etc. 10 O VENCEDOR DE MONTE CASEROS Nos três capítulos seguintes, Moniz Bandeira aborda a crise da independência no Prata, o projeto joanino de fundação de Império na América, a insurreição artiguista e a invasão e ocupação da Banda Oriental pelos luso-brasileiros. Na discussão da gênese do Uruguai independente, destaca a herança maldita que constitui para a república oriental o domínio do norte do país por criadores rio-grandenses escravistas, dependentes da livre transferência dos gados para as charqueadas do Rio Grande do Sul. O autor analisa a crise e contradições das províncias do vice-reinado do rio da Prata, após a Revolução de Maio, em 1810. Destaca a luta das classes mercantis de Buenos Aires para a restauração do monopólio político e econômico anterior e a oposição das províncias à 10 Id. A expansão do Brasil, ob.cit. pp. 39 et seq. [166]
restauração da submissão semi-colonial. Como habitual na historiografia platina, vê a oposição provincial a Buenos Aires como resistência pré-capitalista à penetração capitalista, ainda que a hegemonia do capital mercantil portenho não ensejasse produção capitalista autóctone, mas consolidação das estruturas pré-capitalistas e semi-coloniais. 11 Moniz Bandeira serve-se igualmente da discussão da ascensão e da queda de Juan Manuel de Rosas para apresentar com sensibilidade as razões profundas das dissensões da bacia do Prata. Para tal, apoia-se em muito rica revisão de autores sobretudo argentinos, uruguaios e paraguaios que eram, quando da conclusão de sua tese, e, paradoxalmente, continuam sendo, ainda em boa parte, semi-desconhecidos da historiografia brasileira. Entre os autores discutidos encontram-se Arturo Bray, Blas Garay, Carlos Pastore, Gregorio Benites, Jorge Abelardo Ramos, José Pedro Barrán, Juan Bautista Alberdi, Juan Carlos Garavaglia, Lucia Sala Touron, Nélson de la Torre, Sanchez Quell. Entre as obras utilizadas encontra-se o magnífico trabalho de Raul de Andrada e Silva, sobre o Paraguai francista, publicado em 1978, e comumente semi-olvidado pela historiografia brasileira. 12 Moniz Bandeira aponta a queda de Juan Manuel de Rosas, após a batalha de Monte Caseros, em 1852, como um primeiro momento conclusivo da construção da hegemonia do Estado imperial sobre o Prata. Defenestramento do senhor de Buenos Aires para o qual o governo imperial trabalhara ativamente, aproximando-se do governo do Paraguai e, sobretudo, apoiando a dissidência de Justo José de Urquiza [1801-1870], chefe federalista e senhor da província de Entre Ríos. Detalha igualmente a redução da República do Uruguai à situação de semi-protetorado imperial, permitida pela derrota de Juan Manuel de Rosas [1793-1877], e de seu aliado oriental Manuel Oribe [1792-1857]. Refere-se ao fracasso da expedição militar naval imperial subseqüente, em 1854-5, contra a República do Paraguai, para liberação plena da navegação no rio homônimo e concessões substanciais na demarcação das fronteiras, ricas em ervais, fundamental mercadoria na pauta comercial do Prata. 13 ESTADO IMPERIALISTA 11 Mário Maestri, Círculo de Ferro. Milcíades Peña e o capitalismo pastoril argentino, en Socialismo o Barbárie. Revista Internacional en la Web, Buenos Aires, 2012, http://www.socialismo-obarbarie.org/historias/100620_milciadespenia.htm; Mário Maestri, Júlio Quevedo Santos (Org.) Peões, vaqueiros & cativos campeiros: estudos sobre a economia pastoril no Brasil, vol. 3, EdiUPF, Passo Fundo, 2010, p. 92-146. 12 Raul Andrada E Silva [1905-1991] Ensaio sobre a Ditadura do Paraguai: [1814-1840], Coleção Museu Paulista, São Paulo, 1978. [Série ensaios, 3]. 13 Fabiano Barcellos Teixeira A primeira guerra do Paraguai: a expedição naval imperial ao Paraguai de 1854-1855, Méritos, Passo Fundo, 2012. [167]
A partir da visão gramsciana de hegemonia, Moniz Bandeira define o Império do Brasil, naquele então, como a única nação sul-americana com vontade e condições geográficas, demográficas, econômicas, políticas de projetar a vontade social de suas classes dominantes sobre os vizinhos, através da guerra vitoriosa que, não raro, dispensava a necessidade de combater. É explicito e não usa panos quentes ao definir que, no Prata, o Império não procurara manter equilíbrio, mas impor sua hegemonia. 14 Moniz Bandeira explicita o sentido da definição como colonial e, sobretudo, imperialista da ação do Império no Prata. Compreende a categoria imperialismo no sentido proposto por V.I. Lenin, não ao se referir às nações capitalistas industrializadas e ao capital financeiro, mas ao qualificar a ação de poderosos Estados pré-capitalistas e, até mesmo, anteriores ao advento do capitalismo, como Roma, que também se apoiava na escravatura como o Brasil. Uma capacidade e disposição colonialista e imperialista já esboçada pelo Estado lusitano. Na expansão hegemônica lusitana, luso-brasileira e imperial, Moniz Bandeira enfatiza a impulsão mercantilista para o controle das grandes vias comerciais e dos mercados. Visão de forte cunho circulacionista que privilegia o comércio em detrimento da produção e aborda sem maior detença as dinâmicas sócio-produtivas estruturais. O autor vê no mercantilismo a principal força propulsora da conquista de territórios. 15 Mesmo referindo-se amiúde à categoria modo de produção, o autor não avança no relativo ao Brasil além do registro de modo de produção, assentado no trabalho escravo, na exploração extensiva da terra, no latifúndio e no mercantilismo. 16 Ótica analítica que leva à superestimação do interesse lusitano no domínio pleno dos tributários do rio da Prata rio Paraná e rio Paraguai, sobretudo, antes da potenciação da navegação dos mesmos pelos barcos a vapor, já no período imperial. Nesse contexto geral, Moniz Bandeira propõe que o Estado imperial seria continuidade sem rupturas do Estado lusitano. Abraçando a tese da historiografia tradicional, apresenta a independência do Brasil como obra nascida da transferência da família real e da ação clarividente joanina, concluída por dom Pedro. A unidade nacional em torno de poder monárquico, centralista e autoritário, como defesa da ordem escravista, não é vislumbrada pelo autor. Uma definição mais precisa da formação social escravista brasileira enriqueceria a compreensão do próprio caráter imperialista do Império do Brasil e de seu retrocesso, após alcançar zênite. Efetivamente, a conclusão da guerra contra o Paraguai como o cerre de todo um ciclo histórico na evolução do Estado brasileiro, verdadeiro ápice de sua 14 Luiz Alberto Moniz Bandeira A expansão do Brasil..., ob.cit. pp. 199 et seq. 15 Id.ib. p. 75. 16 Loc.cit. [168]
política colonial e imperialista na bacia do Prata, conclusiva do autor, em seu trabalho fundamental. 17 constitui importante constatação Nos anos seguintes ao final da guerra da Tríplice Aliança, a hegemonia sobretudo política do Império no Prata seria efetivamente deslocada pelo imperialismo essencialmente econômico de algumas poucas potências imperialista industrializadas, devido precisamente ao handicap negativo posto pela produção e relações escravistas hegemônicas no Brasil e o atraso na industrialização que elas determinaram. Se a escravidão fora vetor de potência e unidade ao Estado imperial, mostrava-se então determinação de fragilidade e atraso. 18 A ampla análise da documentação diplomática, consultada nos arquivos argentinos, brasileiros, espanhóis, estadunidenses, franceses, ingleses, paraguaios e uruguaios, é certamente outro ponto alto desse magnífico trabalho. Até então, jamais a historiografia brasileira discutira a ação do Estado imperial no Prata, em forma sintética, a partir de tão vastas, diversas e ricas fontes arquivais, manejadas com rigor e discernimento. Riqueza e ênfase documental que talvez tenha contribuído para discussão menos sólida das bases materiais e sociais das formações americanas em questão. LOPIZMO NEGATIVO, LOPIZMO POSITIVO Os dois capítulos conclusivos são dedicados em boa parte às razões do conflito entre a República do Paraguai e o Império do Brasil, no contexto da procura da extensão e do uso da hegemonia que o segundo Estado já gozava na região. Moniz Bandeira destaca com pertinência a importância na época da disputa pelo Império dos ervais em territórios do atual Mato Grosso, propondo sem papas na língua que esses campos cabiam indiscutivelmente em grande parte àquele país. Também no relativo ao Paraguai, realiza-se esboço apenas aproximativo da formação social do país, que abraça algumas vezes propostas caricaturais positivas e negativas sobre aquela realidade regime estatal restringido praticamente à déspota, apoiado em rede de delatores; economia e sociedade determinada discricionariamente pelo chefe supremo; país super armado e militarizado; população super-abundante; primeira nação sulamericana a possuir ferrovia. 19 Na quarta edição, mantém-se a desqualificação sumária original de Francisco Solano López. Apoiado não raro em legendas ideológicas, ele é definido como militar, diplomata e político inepto e vaidoso, fixado na glória pessoal e na entronização como imperador do Paraguai [sic], buscando pretexto para intervir contra o Império. Realidade que sugere, 17 Id. A expansão do Brasil..., ob.cit. p. 257. 18 Loc.cit. 19 Id.ib. pp. 227 et seq. [169]
mesmo obliquamente, o mariscal como responsável pelo conflito, proposta própria às narrativas apologéticas da Tríplice Aliança, retomadas a seguir pela historiografia tradicional. Em referências conclusivas a questões já fora dos objetivos de seu trabalho, Moniz Bandeira elide explicação mesmo sumária, por além das legendas, dos motivos da longa e inesperada duração da guerra, motivada pela resistência da população sobretudo camponesa à invasão aliancista e pela incapacidade do Estado pré-nacional imperial, que o autor avalia muito positivamente, de enfrentar um conflito de tal dimensão. Por além do papel histórico desempenhado por Solano López, a concepção de uma sua determinação demiúrgica do confronto, tanto pelas interpretações do lopizmo negativo como pela do lopizmo positivo, tem tradicionalmente servido para encobrir e embaralhar a compreensão das razões e determinações profundas que levaram e embalaram o conflito de 1865-70. Razões e determinações sobre as origens reais daquele embate que Moniz Bandeira iluminou em forma singularmente magistral e pioneira, em 1985, no que se refere à historiografia brasileira, produzindo trabalho de leitura incontornável para os estudiosos da história da formação social brasileira. [170]