Inserção Profissional de Pessoas com Deficiência em uma experiência no Brasil e outra em Portugal: Desafios Comuns, Caminhos Diferentes



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Transcrição:

Inserção Profissional de Pessoas com Deficiência em uma experiência no Brasil e outra em Portugal: Desafios Comuns, Caminhos Diferentes Autoria: Melissa Santos Bahia, Paula Chies Schommer Resumo: Em cada país ou contexto social, as práticas de inserção profissional de pessoas com deficiência (PcD) e de promoção da diversidade no trabalho podem ser bastante diferenciadas entre si, influenciadas por inúmeros fatores. Mesmo em contextos semelhantes, são diversos os caminhos possíveis para se aprender e avançar nesse tema. Nesse sentido, objetiva-se neste artigo identificar e analisar, comparativamente, práticas de inserção profissional de PcD em dois contextos diferentes, a partir das experiências de uma empresa no Brasil e outra em Portugal. Para tanto, foram explorados referenciais bibliográficos e documentais, além de explorar o cotidiano das práticas de inserção de PcD nos dois casos. O primeiro é o de uma empresa que atua na Bahia, Brasil, no setor de energia elétrica e possui um programa com o objetivo de inserir PcD no seu quadro de colaboradores. Para a coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas e observação direta, além da análise de documentos. O segundo caso refere-se a uma empresa sediada em Lisboa, Portugal, que atua no setor de varejo/supermercadista e desenvolve política estruturada de integração de PcD no seu quadro de funcionários. Para a coleta de dados foram adotadas observação participante e entrevistas semi-estruturadas. Entre as conclusões, destaca-se que, na Empresa A, que atua no Brasil, o principal mecanismo de indução à inserção profissional de PcD foi a lei de cotas, enquanto que, na Empresa B, em Portugal, o destaque recaiu sobre motivações individuais fundada em valores, embora estejam presentes, em ambos os casos, a visão estratégica do tema, relacionada à responsabilidade social e à promoção de diversidade no trabalho. 1. Introdução A inserção profissional das pessoas com deficiência (PcD) ou seja, a introdução de pessoas com deficiência em ambientes de trabalho compartilhados com as demais pessoas para o exercício de atividades profissionais (CARVALHO-FREITAS, 2007) tem sido concebida e praticada de acordo com diferentes valores e paradigmas ao longo da história, em distintos contextos. No que se refere à inserção de PcD no ambiente de trabalho, de acordo com Aranha (2003), no mundo, de modo geral, prevaleceu por muito tempo a segregação total dessa parcela da população. Na década de 1970, época marcada por práticas de tutela das pessoas com deficiência, prevaleceu o paradigma chamado de assistencialista, em período que ficou conhecido pelo ícone da exclusão social (GIL, 2005), em vários âmbitos da vida em sociedade, inclusive no mundo do trabalho. Já os anos 1980 ficaram caracterizados pela vigência do paradigma da integração. Nesse período, a principal premissa era a da necessidade, quase que exclusiva, da mudança das PcD para se adequarem à sociedade (BAHIA, 2006). A partir dos anos 1990, ganha maior espaço o paradigma da inclusão, no âmbito do qual as práticas de inserção profissional das PcD vêm sendo desenvolvidas com base no princípio de que é a sociedade que deve estar apta a atender às pessoas com deficiência (ARANHA, 2003; WERNECK, 2003 e SASSAKI, 2002). Embora haja diferentes formas de atuar na inserção das Pcd no mundo do trabalho, tais diferenças não são facilmente percebidas, e nem sempre um tipo de prática supera outro. A inserção profissional de PcD e a promoção da diversidade, em termos mais amplos, são desafios complexos, que exigem a articulação da sociedade como um todo. Às empresas privadas, em particular, cabem papéis importantes nesse sentido, tanto no âmbito econômico e produtivo, pela geração de empregos em si, como nos âmbitos político e cultural, pela influência que podem exercer nas práticas sociais. O debate sobre inserção e diversidade no mercado de trabalho está intimamente ligado à discussão em voga nos âmbitos empresariais, políticos e acadêmicos, relativo à responsabilidade social empresarial (RSE). 1

É possível distinguir três correntes de pensamento sobre o comportamento das empresas nos contextos em que se inserem: aquela que associa seu comportamento a regras morais e princípios éticos vigentes em cada época ou lugar; outra que enfatiza a relação de direitos e deveres entre empresas e sociedade, no âmbito do contrato social que firmam entre si; e a terceira, que vem ganhando crescente notoriedade, que considera desafios sociais e ambientais como elementos estratégicos da gestão empresarial, tanto para sua competitividade como para sua sobrevivência (KREITLON, 2004) e para a sustentabilidade em sentido mais amplo. Essas três abordagens podem ser associadas ao papel das empresas na inserção profissional de PcD: seu engajamento com a questão viria de regras morais de cada contexto e/ou de uma consciência ética sobre o é o melhor a ser feito? Ou a empresa adotaria práticas nesse sentido como resposta a pressões formais (inclusive leis) ou informais oriundas de diversos segmentos sociais? Ou, ainda, valorizaria a inserção de PcD porque acredita que isso pode ser vantajoso para sua atuação no âmbito empresarial e para sua sobrevivência no mercado? Seria possível questionar, ainda: haveria comportamentos influenciados, simultaneamente, por mais de um desses motivadores? O mesmo tipo de questão pode ser ampliado para a valorização da diversidade no ambiente organizacional, incluindo PcD, mas também outras minorias ou grupos marginalizados dentro das empresas e na sociedade. O tema da valorização da diversidade vem ganhando crescente espaço na agenda empresarial, normalmente ligada a políticas de gestão de pessoas e RSE e poderiam ser questionadas as razões que levam as empresas a promover esforços deliberados no sentido de aceitar, conviver e valorizar as diferenças. Além de considerar que as empresas são influenciadas pelo meio em que atuam de diversas maneiras e agem de acordo com diferentes motivações, cabe reconhecer que concentram muito poder na atualidade, não apenas do ponto de vista econômico, mas também no sentido de influenciar comportamentos sociais, para além das relações comerciais. Embora a presença da diversidade como prioridade na agenda de responsabilidade social seja cada vez mais perceptível, as ações efetivas para sua promoção encontram-se em estágios incipientes. Lidar com a diversidade, isto é, com diferenças em termos de raça, etnia, sexo e demais características de pessoas que fujam da norma convencional, como as PcD, ainda constitui considerável desafio para as organizações modernas. Segundo publicação sobre diversidade do Instituto Ethos (ETHOS, 2000), se é fácil encontrar no senso comum a aceitação da premissa de que o preconceito deve ser combatido, é complexo converter essa proposição em mudanças efetivas de culturas, comportamentos, hábitos e rotinas no ambiente empresarial. De modo geral, pode-se dizer que a contratação de pessoas vindas de minorias tornou-se uma questão quase inevitável para as empresas na atualidade. Seja por força de lei e de pressões sociais, ou por força de motivadores éticos ou estratégicos, o fato é que as empresas começam a incorporar a diversidade em suas práticas de gestão (ALVES e SILVA- GALEÃO, 2004) e precisam aprender a fazê-lo de modo mais qualificado e efetivo. Em pesquisa realizada por Thomas e Ely (2002), com a finalidade de identificar o grau de acessibilidade e diversidade em organizações privadas nos Estados Unidos, foram sugeridos três níveis de gestão da diversidade: o nível 1, denominado pelos autores de Paradigma de Assimilação, corresponde ao início do processo de contratação de colaboradores que representem a diversidade demográfica local, buscando-se promover empregabilidade para diferentes características de pessoas; no nível 2, Paradigma da Diversificação, estão empresas que, além de garantir representação da diversidade demográfica e promover o direito ao trabalho, começam a perceber com mais clareza diferenças entre pessoas e passam a atribuir valor positivo a tais diferenças; o nível 3, Paradigma da Inclusão Organizacional, representaria o ideal nas práticas gerenciais em uma organização que busca sua participação no processo de construção da sociedade inclusiva uma sociedade para todos (THOMAS e ELY, 2002). 2

Em cada país ou contexto social, as práticas de inserção profissional de PcD e de promoção da diversidade no trabalho podem ser bastante diferenciadas entre si, influenciadas por inúmeros fatores. Mesmo em contextos semelhantes, são diversos os caminhos possíveis para se aprender e avançar nesse tema. Considera-se, pois, que o conhecimento sistematizado sobre experiências concretas que vem sendo conduzidas nesse sentido pode contribuir para compartilhar aprendizagem sobre o tema, percebendo-se diferentes motivadores e a variedade de caminhos para a promoção de um objetivo comum, a valorização da diversidade no ambiente de trabalho e na sociedade. Nesse sentido, o presente artigo objetiva identificar e analisar, comparativamente, práticas de inserção profissional de pessoas com deficiência em dois contextos diferentes, a partir das experiências de uma empresa no Brasil e outra em Portugal. Para tanto, são explorados referenciais bibliográficos e documentais a respeito do tema e da trajetória da questão em cada país, além de explorar o cotidiano das práticas de inserção de PcD nos dois casos. Ao explorar contexto, motivações e práticas de duas empresas para promover a inserção de PcD, espera-se ser possível apontar caminhos e também desafios para a inclusão dessas pessoas, tanto no Brasil como em outros países. O primeiro caso estudado foi o de uma empresa que atua na Bahia, Brasil, no setor de energia elétrica e possui um programa implementado com o objetivo de inserir PcD no seu quadro de colaboradores. Para a coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e observação direta, além da análise de documentos. O segundo caso estudado foi o de uma empresa sediada em Lisboa, Portugal, que atua no setor de varejo/supermercado e desenvolve política estruturada de integração de pessoas com deficiência no seu quadro de funcionários. Para a coleta de dados, foram adotadas a observação participante e entrevistas semi-estruturadas. A pesquisa foi realizada entre 2007 e 2008. O trabalho está estruturado em seis etapas: a primeira corresponde a esta introdução, na qual se evidenciam as bases do debate, seus objetivos e questões de partida. A seguir, são apresentados brevemente elementos do contexto da inserção profissional de PcD no Brasil e em Portugal. Na terceira etapa, discute-se os paradigmas de inserção profissional de PcD e o papel das empresas frente à questão. Na etapa seguinte, são descritos procedimentos metodológicos adotados na pesquisa. Na quinta parte do trabalho, as diferentes motivações, estratégias e práticas de inserção profissional de ambas as empresas são apresentadas e analisadas, encerrando-se o trabalho, na sexta etapa, com suas conclusões, baseadas na comparação entre os dois casos. 2.Contexto da inserção profissional de pessoas com deficiência no Brasil e em Portugal Conforme dados da Organização Internacional do trabalho (OIT), cerca de 10% das pessoas do mundo possui algum tipo de deficiência. Isto representa 650 milhões de pessoas, das quais 450 milhões fazem parte da população economicamente ativa (PEA) (OIT, 2007). No Brasil, segundo dados divulgados em 2003 pelo IBGE, relativos ao Censo Demográfico de 2000, dos 24,6 milhões de pessoas com deficiência existentes no País, 15,22 milhões tinham entre 15 e 59 anos, ou seja, estavam em idade de atuar no mercado de trabalho formal. Desse total, 51% (7,8 milhões) estavam empregados, muitos deles em empregos que exigem baixa qualificação e são mal-remunerados (IBGE, 2005). O governo brasileiro tem desempenhado função significativa no que se refere à inserção profissional de PcD. A definição e fiscalização do cumprimento de leis que asseguram direitos a essas pessoas no que diz respeito ao convívio social têm contribuído para a adoção de práticas de diversidade nas organizações. A legislação brasileira conta com um tópico específico para garantir a inserção de PcD no mercado formal de trabalho. Criada em 24-07- 1991, a lei No. 8213, também conhecida como lei de cotas, estabeleceu a reserva de vagas 3

de emprego para PcD (habilitadas) ou acidentados de trabalho beneficiários da Previdência Social (reabilitados). A obrigação vale para empresas com 100 ou mais funcionários e as cotas variam entre 2% e 5% dos postos de trabalho (BRASIL, 1991). Em Portugal, o censo demográfico realizado em 2001 pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) revelou que de uma população total de residentes no país de 10.355.824 de pessoas, cerca de 634.408 possuíam alguma deficiência, ou seja, 6,13% da população. De acordo com o referido censo, entre as PcD acima de 15 anos de idade, cerca de 149.477 tinham como principal meio de vida o trabalho, observando-se que muitas PcD trabalham e recebem outros benefícios que compõem sua renda. Outro dado evidenciado pela pesquisa foi o do índice de desemprego entre as PcD, atingindo 9,5% (INE, 2001). A Constituição da República Portuguesa (CRP) assegura a tutela das pessoas com deficiência, além de versar sobre a promoção e garantia de direitos nos campos da saúde, educação, cultura, lazer e trabalho (GRACE, 2005). Além do disposto na CRP, vale realçar os seguintes instrumentos legais: a) lei nº 38/2004, que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da PcD, visando promover a igualdade de oportunidade dessas pessoas por meio da educação, formação profissional e trabalho, além de induzir a construção de uma sociedade para todos através da eliminação de barreiras; b) lei 118/99, que faz referência à igualdade no trabalho e emprego; c) decreto-lei nº 8/98, o qual estabelece subsídios financeiros de compensação, de eliminação de barreiras arquitetônicas, de adaptação de postos de trabalho e de acolhimento personalizado, além da promoção do emprego protegido e da concessão de prêmio de integração; d) Lei nº 3-B/2000, que prevê a concessão, pela Segurança Social, de uma taxa reduzida para cálculo de contribuições referentes a colaboradores com deficiência (GRACE, 2005). Ressalva-se, pois, a inexistência, no ordenamento jurídico português, de um instrumento legal similar à lei de cotas brasileira, embora haja, como vimos, diversos mecanismos legais de promoção de direitos e de incentivo à inserção profissional. Esse ponto é importante no debate sobre o engajamento das empresas e ao papel de cada ator na promoção da inserção profissional de PcD. Diante das diferentes possibilidades do ponto de vista legal-institucional, quais seriam os instrumentos mais indicados para se avançar e o quando eles dependem do contexto do País ou do setor empresarial? Deve-se estimular papel regular e fiscalizador dos governos ou priorizar os incentivos a novos comportamentos, adotados ou não por empresas e pela sociedade, de modo voluntário? No âmbito intra-organizacional, para além dos elementos institucionais, haveriam razões pessoais ou da cultura organizacional que influenciariam as opções? Essas questões serão retomadas adiante. 3. Paradigmas de Inserção Profissional de Pessoas com Deficiência e o papel das empresas frente à questão Durante muito tempo, as PcD foram vistas como objeto de caridade e filantropia. Por ignorância, preconceito e medo, as sociedades evitavam o contato e bloqueavam o seu trabalho. Apesar de avanços nas últimas décadas, ainda hoje, a persistência de desinformação e inadequação das condições de arquitetura, transporte e comunicação contribuem para que pessoas talentosas e produtivas estejam afastadas do mercado de trabalho. A partir de 1970, as PcD foram reconhecidas como seres com necessidades diferenciadas a serem atendidas pela sociedade, porém marcadas pelo estigma da dificuldade e da impossibilidade. Foi-lhes concedido o direito a serviços de reabilitação, educação e trabalho, sempre em ambientes protegidos, especialmente para elas, o que caracteriza o chamado paradigma do assistencialismo (GIL, 2005). Nos anos seguintes, surgiu o paradigma da integração, caracterizado, principalmente, pela obrigatoriedade de adaptação do indivíduo com deficiência à sociedade. Nos anos 1980, o chamado modelo médico, 4

dentro do paradigma da integração, lastreava o modo de ver, aceitar e conviver com aquelas pessoas que possuíam alguma deficiência (BAHIA, 2006). A partir da década de 1990, o paradigma da inclusão social vem ganhando espaço. Surge, a partir deste paradigma, o modelo social, enfatizando que os problemas das PcD "não estão tanto nelas tanto quanto estão na sociedade" (SASSAKI, 1997: 47). Assim, a sociedade é chamada a ver que ela cria problemas e barreiras para as PcD, causando-lhes incapacidades ou desvantagens no desempenho de papéis sociais. O paradigma da inclusão traz a idéia de propiciar maior nível de autonomia e independência às pessoas com deficiência, em ambientes menos restritivos. Os avanços não são homogêneos nas diferentes partes do mundo, mas de modo geral, a questão vem se comportando de acordo com esses paradigmas, e a tendência à inclusividade é reforçada pela maior integração entre países, em vários âmbitos. 3.1 As empresas e sua atuação na inserção profissional das pessoas com deficiência O cenário de aceleradas mudanças que caracteriza o ambiente empresarial e social na atualidade impõe às empresas novos desafios e demandas. A consolidação de avanços em vários campos na política, na economia, na ciência e na tecnologia, vieram acompanhados da percepção crescente de paradoxos e desafios nos campos social, econômico e ambiental, gerando a necessidade de rediscutir posturas e responsabilidades de cada ator social e repensar o próprio conceito de desenvolvimento. Um dos temas que ganha espaço nesse contexto é o da promoção da diversidade nas organizações, no âmbito do processo de construção de uma sociedade inclusiva (BAHIA e SCHOMMER, 2009). É certo que a construção de uma sociedade que reconheça, valorize, conviva e aproveite sua própria diversidade é algo complexo, processual, construído coletivamente por cidadãos, instituições, governos e comunidades, como uma responsabilidade social compartilhada. As empresas, como partícipes desse processo, devem assumir tarefas específicas de valorização da diversidade, relacionadas aos papéis que desempenham na vida das coletividades (ETHOS, 2000). Ao se discutir as responsabilidades que devem caber às empresas na atualidade, uma das quais gera significativas cobranças é sua dedicação e investimento no combate ao preconceito e à discriminação, criando oportunidades de trabalho e renda a pessoas tradicionalmente excluídas. Acompanhando tendência mais geral relativa ao papel das empresas na sociedade, o combate à discriminação deixa de ser encarado como algo que as mesmas devem fazer por dever moral ou por motivação filantrópica (abordagem da ética empresarial ou normativa da RSE), ou que devem cumprir como resposta a uma lei ou regra estabelecida pela sociedade (abordagem contratual), mas algo que deve estar incorporado às suas estratégias de gestão (abordagem estratégica) (KREITLON, 2004), contribuindo tanto para sua competitividade como para a sustentabilidade da própria organização e da sociedade como um todo (BAHIA, SCHOMMER e SANTOS, 2008). Tal tendência não se verifica de modo homogêneo entre setores empresariais e entre países, e possivelmente a ênfase estratégica não substitua a necessidade de leis, incentivos e pressões sociais, o que será discutido adiante, junto ao debate sobre os casos. Nesse sentido, certas organizações têm investido em ações de atração, manutenção e incentivo a uma mão-de-obra mais diversificada. Também estão tornando-se mais inclusivas, criando ambientes de trabalho receptivos a trabalhadores tradicionalmente discriminados, estigmatizados ou marginalizados. A empresa inclusiva, segundo Sassaki (2002), é aquela que não exclui funcionários ou candidatos a emprego em razão de qualquer atributo individual do tipo: nacionalidade, naturalidade, gênero, cor, deficiência, compleição anatômica, idade e outros. Numa empresa inclusiva, todos os empregados, com ou sem esses atributos individuais, trabalham juntos e a acessibilidade é construída em seis dimensões (Quadro 1), 5

envolvendo ambientes internos e externos, nos quais pessoas com e sem deficiência possam circular e conviver (BAHIA, 2006; SASSAKI, 2005). Dimensões Sem barreiras Arquitetônica Ambientais e físicas Comunicacional Comunicação oral, escrita, virtual e interpessoal Metodológica Métodos e técnicas de trabalho Instrumental Instrumentos e utensílios de trabalho Programática Invisíveis, embutidas nas normas da empresa Atitudinal Atitudes e comportamentos Quadro 1 Dimensões das medidas de acessibilidade para a empresa inclusiva Fonte: Adaptado de Sassaki (2005) Para além das medidas possíveis em cada uma dessas dimensões, as empresas estão vivendo um processo de transformação de suas práticas de gestão. Elaborar e implementar programas de diversidade retrata, entre outros avanços, uma reflexão quanto ao tratamento dispensado aos colaboradores que repercute em mudança de atitude dos profissionais da organização e pode ter efeitos mais amplos. Heinski (2004) ressalta, todavia, que a gestão da diversidade não é um pacote com soluções prontas que resolve a discriminação e o preconceito, e sim um processo em que as pessoas aprendem a interagir com as diferenças. Deste modo, as organizações devem contratar, manter e promover PcD, reconhecendo sua potencialidade e dando-lhes condições de desenvolvimento profissional, aprendendo com seus erros e acertos, envolvendo diferentes segmentos sociais na busca por melhores práticas e compartilhando aprendizagem com outros. Podem ir além das fronteiras internas, atuando junto aos seus parceiros e à comunidade e entidades do governo, contribuindo para mudanças de cultura e comportamento (ETHOS, 2002). Essa idéia está de acordo com uma visão de que as empresas não se limitam a um papel econômico na sociedade, mas também político e social. Podem utilizar sua capacidade de geração de conhecimentos e mobilização de recursos para promover aprendizagem e mudanças de comportamentos sociais, tanto internamente, na sua cadeia de valor, bem como na sociedade, de modo geral (BAHIA, 2009). Nesta direção, o tema da diversidade tem ganhado amplitude na área de estudos organizacionais, em geral (CARVALHO-FREITAS, 2007; PEREIRA e HANASHIRO, 2008). Todavia, essas ações ainda se encontram em estágios diferenciados. Thomas e Ely (2002) estipularam três níveis de gestão da diversidade a partir de pesquisa feita nos Estados Unidos com diversas organizações, visando identificar o grau de acessibilidade e diversidade. O Nível 1, denominado Paradigma de Assimilação, dá início ao processo de contratação de colaboradores que representem a diversidade demográfica de certo recorte local ou territorial, promovendo trabalho e emprego para as diferentes características de pessoas. Tal paradigma orienta-se pelo ideal de justiça social de igualdade de oportunidades. De acordo com os pesquisadores, empresas motivadas apenas pelo cumprimento da lei tendem a estacionar o processo neste patamar, sem usufruir de benefícios potenciais advindos da diversidade das formas de trabalho dessas pessoas. No Nível 2 Paradigma da Diversificação estão empresas que, além da garantir a representação da diversidade demográfica e promover o direito ao trabalho, começam a perceber de modo mais sensível e detalhado as diferenças entre as pessoas e a atribuir valor positivo a elas. Este segundo estágio pode ter como efeito certa restrição ao desenvolvimento desses profissionais, ao se combinar a diversidade dos colaboradores com nichos de mercado, direcionados para produtos e serviços voltados a seus pares na comunidade. Por exemplo, colaboradores com deficiência atendendo a PcD que buscam os serviços da empresa. 6

O Nível 3 Paradigma da Inclusão Organizacional representa para os autores o ideal nas práticas gerenciais em uma organização que busca participação efetiva no processo de construção da sociedade inclusiva, ou seja, uma sociedade para todos. As empresas que alcançam o Nível 3 tendem a compreender e incorporar em seus processos gerenciais as diferentes perspectivas e a cultura de cada colaborador, aproveitando o potencial de criatividade e inovação permitidos pela convivência e articulação dessas diferentes características. A diversidade seria contribuiria, pois, para tornar a empresa mais flexível, criativa, aberta a novas possibilidades e mais integrada com a diversidade da sociedade. Os processos de aprendizagem, mudança e inovação seriam enriquecidos e tenderiam a gerar melhores resultados, tanto em termos sociais como econômicos, influenciando a sustentabilidade da organização. Apesar do propagado crescimento dessa visão, as empresas ainda evidenciam índices elevados de resistência para contratação de profissionais com alguma deficiência. Segundo Nambu (2003), isso se deve, principalmente, à ausência de informações e a percepções equivocadas arraigadas na sociedade. Por exemplo, a idéia de corpo deficiente vinculada à de corpo improdutivo (HEINSKI, 2004). Entretanto, pode-se dizer que a sociedade está realizando esforços para construir um contexto que reconheça, respeite e acolha com dignidade a diversidade que a constitui. O processo é complexo e demorado, pois implica na mudança de pensamentos e atitudes sociais e na inserção de adaptações objetivas que atendam as necessidades específicas e peculiares de todos (FEBRABAN, 2006b). 4. Aspectos metodológicos da pesquisa Partindo da intenção de explorar o cotidiano de duas empresas no que tange às práticas de inserção de PcD, analisando limites e caminhos para avanços nessa área, foi realizado um estudo comparativo, de caráter qualitativo, por meio do método do estudo de caso. Dois casos foram estudados. O primeiro, em 2007, em Salvador-BA, Brasil, em empresa do setor de energia elétrica que, em 2005, criou um Programa cujo objetivo é a inserção de PcD no seu quadro de colaboradores. Adotou-se como instrumento de coleta de dados entrevistas semiestruturadas com dezesseis gestores e colaboradores com e sem deficiência da empresa. Foi utilizada observação direta para verificar condições de acessibilidade arquitetônica e realizada pesquisa documental, buscando conhecer objetivos, estrutura e práticas da organização. O segundo, em 2008, em Lisboa, Portugal, em um Grupo varejista que, desde 2001, desenvolve política de integração de PcD em seus quadros. Para a coleta de dados foi utilizada observação participante, vivenciando durante um mês o cotidiano da organização, com o conhecimento dos demais colaboradores a respeito da atividade que estava ocorrendo. Realizaram-se, também, entrevistas semi-estruturadas com vinte gestores e colaboradores com e sem deficiência da empresa. Outra fonte de investigação foram documentos da organização, além de conversas informais nos instantes de intervalo do expediente. A escolha dessas organizações deu-se por meio de seleção por conveniência ou nãoprobabilística (LAKATOS e MARCONI, 1986), influenciada, sobretudo, pelo fato de serem empresas com políticas/programa estruturados para inserção de PcD, os quais são divulgados amplamente, assim como é de conhecimento público seu engajamento no movimento da RSE. Ademais, tratam-se de empresas reconhecidas nos territórios em que atuam, tanto por seu porte e como por sua relevância no cenário sócio-econômico. A partir do referencial teórico e dos dados de ambos os casos, foram definidas oito categorias de análise, as quais delinearam o estudo comparativo, a saber: 1. acessibilidade; 2. processo seletivo; 3. convivência com as PcD; 4. facilidades e dificuldades na inserção profissional de PcD; 5. motivações e benefícios com a inserção de PcD; 6. saúde e segurança do trabalhador; 7. relacionamento com outros atores; 8. significado do trabalho para as PcD. 7

5. As empresas estudadas e seus programas de inserção profissional de pessoas com deficiência 5.1 Breve caracterização das empresas pesquisadas A primeira empresa pesquisada, aqui denominada Empresa A, atua no estado brasileiro da Bahia, com sede na sua capital, Salvador. Atua no setor de energia elétrica e conta com 2.644 colaboradores próprios e 8.766 terceiros. Nos últimos anos, a companhia tem se engajado crescentemente na incorporação da RSE na gestão do negócio, definindo-a como uma das suas quatro macro-diretrizes corporativas, e adotando uma série de iniciativas nesse sentido. Desde 2005, a Empresa A instituiu um Programa que tem como objetivo inserir PcD no seu quadro de colaboradores. No período em que a pesquisa foi realizada, em 2007, a empresa tinha 74 PcD contratadas (Pesquisa documental e entrevistas). A iniciativa de implantação do Programa surgiu da necessidade de adequação à lei de cotas e do entendimento de que esta ação faz parte da função social da empresa, uma vez que o Programa insere-se na macro-estratégia de RSE. O Programa contempla práticas desenvolvidas nas áreas de processo seletivo, treinamento, contratação e pós-contratação. A empresa conta com um plano de acessibilidade, objetivando efetuar adaptações nas unidades e postos de trabalho e na estrutura física. Prioritariamente, essas ações foram realizadas nas agências de serviços (Pesquisa documental e entrevistas). A segunda empresa pesquisada, aqui denominada Empresa B, está sediada em Lisboa, Portugal. Atua no setor do varejo, na área supermercadista, e conta com 7.000 colaboradores. A empresa possui um programa estruturado de RSE e conta, inclusive, com o certificado SA 8.000, norma internacional definida e auditada pelo organismo certificador SGS ICS, que permite a verificação do funcionamento do sistema de gestão da responsabilidade social numa empresa, sobretudo nos aspectos relacionados ao trabalho. A Empresa B desenvolve, desde 2001, uma Política de Integração de Pessoas com Deficiência em seus quadros, que tem como objetivo a preparação e integração dessas pessoas no mercado de trabalho. Tal Política foi iniciada a partir do entendimento, por algumas pessoas na empresa, de que as PcD têm direito ao trabalho e, em seguida, ampliada como fruto da política de RSE desenvolvida na empresa. Em 2008, ano de realização desta pesquisa, a Empresa B possuía 67 colaboradores com deficiência contratados (Pesquisa documental e entrevistas). Para 2010, a meta é chegar a 100 colaboradores completamente integrados. Para tanto, definiu-se como diretriz na área de recrutamento e seleção a contratação de 3 a 5 colaboradores com algum tipo de deficiência para cada loja da Companhia. A Empresa B promove, ainda, oportunidades para estágios na empresa para PcD, em parceria com organizações da sociedade civil. 5.2 Apresentação e análise comparativa dos dados em oito categorias São aqui apresentados dados de cada uma das empresas, em oito categorias, o que permite comparar algumas de suas práticas, embora se considere que diferenças entre as empresas pesquisadas e seus contextos de atuação vão muito além do que se pode analisar aqui, evidenciando o caráter parcial e não-exaustivo dessa comparação. a) Acessibilidade No tópico acessibilidade, verificou-se atuação diferenciada entre as empresas. A Empresa A desenvolve ações voltadas exclusivamente para aspectos arquitetônicos, constatação esta advinda da observação direta, da fala dos entrevistados e das ações elencadas no projeto de acessibilidade da empresa. Já a Empresa B evidencia atuação ampliada, pois foram constatados elementos que propiciam condições de trabalho para colaboradores com deficiência não só do ponto de vista arquitetônico, como metodológico, instrumental, comunicacional e atitudinal. Realidades que evidenciam, respectivamente, um equívoco e uma atuação que vai ao encontro do conceito de acessibilidade, que desde os anos 1990, além 8

do aspecto arquitetônico, observa elementos comunicacionais, metodológicos, instrumentais, programáticos e atitudinais (SASSAKI, 2005), conforme demonstrado no quadro a seguir. Empresa A Construção de rampas de acesso e instalação de corrimãos; Substituição de mobiliários; Construção de cantina acessível. Empresa B Construção de lojas acessíveis; instalação de plataforma para transporte de cadeira de rodas nas lojas; rampas de acesso e corrimãos; banheiros adaptados; uso do Braille para adaptar instrumentos de trabalho; utilização de software leitor de telas específico para as pessoas com deficiência visual; desenvolvimento de sistemas de computadores acessíveis; confecção de mapa do hipermercado com marcas e texturas diferentes, objetivando o reconhecimento do espaço por parte dos colaboradores cegos; trabalho de ensinamento de posturas profissionais com o colaborador que possui Síndrome de Down; rótulos com descrição em braile nos produtos de fabricação própria. Quadro 2 - Ações de Acessibilidade nas empresas pesquisadas Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados coletados b) Processo seletivo Com relação ao processo seletivo, identificou-se, em certa medida, atuação similar entre as duas empresas. Ambas desenvolvem seus processos seletivos para admissão de PcD seguindo o padrão tradicional: abertura de vaga, recrutamento e seleção e entrevista com o gestor da área (entrevistas). Outro ponto de convergência constatado foi o baixo índice de demissão das PcD. Entretanto, há algumas diferenças nas práticas empreendidas nesta área. Por meio das entrevistas, só foi possível identificar pessoas com deficiência física na Empresa A. Segundo o analista de RH responsável pela execução do Programa, a identificação dos tipos de deficiência presentes na empresa vai de encontro às políticas de não discriminação da organização. Já na Empresa B foram encontradas pessoas com diversos tipos de deficiência: física, visual, auditiva e intelectual. O quadro abaixo retrata, resumidamente, as ações desenvolvidas por cada uma delas no âmbito do processo seletivo. Empresa A Empresa B Abertura de vagas, recrutamento e seleção, Abertura de vagas, recrutamento e seleção, entrevista com o gestor da área; flexibilização entrevista com o gestor da área; presença de em alguns requisitos necessários pessoas com deficiência física, visual, (escolaridade e restrição no CPF) ao ingresso na Companhia; presença primordial, de auditiva e intelectual; ascensão profissional de PcD na empresa; parcerias com diversas pessoas com deficiência física; baixo índice organizações da sociedade civil; baixo índice de demissão das PcD; não há estagiários e de demissão das PcD; presença de jovens aprendizes com deficiência; estagiários com deficiência; treinamentos treinamentos ocorrem para todos os ocorrem para todos os colaboradores, com colaboradores, com ou sem deficiência. ou sem deficiência. Quadro 3 - Ações no âmbito do processo seletivo Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados coletados c) Convivência com as PcD Para conhecer como a convivência com as PcD ocorre, foram feitas as seguintes perguntas aos entrevistados em ambas as empresas: você recebeu algum treinamento para lidar com as PcD? Como é o relacionamento entre gestores e PcD? Como é o relacionamento entre os colaboradores com e sem deficiência? 9

Para estas indagações, obtiveram-se respostas similares nas duas organizações: não houve nenhum preparo dos gestores e colaboradores para a convivência com as PcD, dúvidas e receios se fizeram presentes no início desta relação, mas apesar disto, este relacionamento ocorre de maneira saudável, profissional e cordial. A ausência de preparação dos gestores e colaboradores para trabalharem com PcD evidencia a inexistência de ações de sensibilização, objetivando tirar dúvidas, desmistificar idéias pré-concebidas e transmitir informações a respeito das potencialidades e limitações das PcD. Para os gestores entrevistados nas duas empresas, direta e indiretamente ligados às PcD, foi feito o seguinte questionamento: Você observou mudanças na empresa após a implantação do programa de inserção de Pessoas com Deficiência?. Na Empresa A, dos 10 entrevistados, 3 afirmaram não terem percebido qualquer mudança; 2 disseram que notaram mudanças no relacionamento; 1 apontou a construção de rampas; e 4 indicaram o despertar de um processo de conscientização interna. (...) Digamos assim: caiu a ficha, revelou um dos entrevistados. Já na Empresa B, as respostas foram unânimes: sim, houve mudanças. Houve mudanças na estrutura física do Grupo, nas relações humanas, no jeito de trabalhar (...) a presença das PcD nos ensina muito, sobretudo, a valorizar a vida e as oportunidades (...) (Diretor de Recursos Humanos da Empresa B). d) Facilidades e dificuldades na inserção profissional de PcD Quando interpelados sobre as facilidades e dificuldades na inserção das PcD, os gestores da Empresa A e da Empresa B, direta e indiretamente ligados a essas pessoas, deram respostas semelhantes, conforme quadro a seguir. Facilidades Empresa A Compromisso da alta direção; flexibilidade nas exigências do profissional. Empresa B Compromisso da alta direção; pessoas dispostas para trabalhar Dificuldades Baixa qualificação das PcD; dificuldade de acesso à educação, formação e informação; acessibilidade da empresa. Baixo nível de formação das PcD; ausência de formação dos gestores e colaboradores para melhor lidar com essas pessoas. Quadro 4 Facilidades e dificuldades na inserção profissional de PcD nas duas empresas Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados coletados As respostas acerca das facilidades e dificuldades para a contratação de PcD confirmam o exposto por diversos estudos realizados que abordaram essa questão (FEBRABAN, 2006a; SASSAKI, 2002; CARVALHO-FREITAS, 2007; BATISTA, 2004; GRACE, 2005). e) Motivações e benefícios com a inserção de PcD A motivação para a contratação de PcD e os benefícios oriundos com esta contratação também foram pesquisados. Neste item, foi observada divergência nas respostas, conforme informações dispostas no quadro a seguir. Empresa A Empresa B 10

Motivações Benefícios Legislação (necessidade de cumprir a lei de cotas); Política de responsabilidade social empresarial Pessoas comprometidas; ganhos de imagem Quadro 5 Motivações e benefícios da contratação de PcD Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados coletados Amor à causa; consciência social; engajamento nas ações de RSE; crença no potencial das PcD Incentivos governamentais; Imagem organizacional; Trabalhar com profissionais comprometidos As respostas evidenciam que os principais motivos que levaram a Empresa A a contratar PcD foram a necessidade de cumprimento da lei de cotas e o alinhamento com a diretriz da RSE. No tópico benefícios com a contratação de PcD, a grande maioria dos entrevistados citou os ganhos de imagem. Já na Empresa B, as respostas revelam que os principais motivos que impulsionaram a contratação de PcD foram a consciência social, que partiu de alguns indivíduos na organização, juntamente com a crença no potencial dessas pessoas, além do alinhamento com a política de RSE. Destaca-se a pessoa que atualmente ocupa a posição de diretor de recursos humanos da Empresa B, que era gerente de uma loja quando se motivou a iniciar ações de inserção de PcD, influenciado por sua trajetória pessoal, por valores e pela percepção de que a empresa poderia fazer mais por essas pessoas do que apoiá-las financeiramente por meio de doações de caráter filantrópico. Já os incentivos governamentais figuram no rol dos benefícios adquiridos com a contratação de PcD. Contudo, há que se valorizar os elementos imagem organizacional e trabalhar com profissionais comprometidos, pois estes também apareceram com bastante ênfase na fala dos entrevistados. Realidade em consonância com o contexto de Portugal (GRACE, 2005). Nota-se que a atuação da Empresa A é motivada, sobretudo, por elementos da abordagem contratual da RSE, mas há também evidências da abordagem estratégica. Na Empresa B, há motivações fundamentadas na abordagem ética/normativa e outras típicas da abordagem estratégica (SCHOMMER e ROCHA, 2007), ponto analisado nas conclusões. f) Saúde e segurança do trabalhador Verificou-se que na Empresa A, a Gestão de Saúde e Segurança (GSS) tem função importante na execução do Programa de inserção de PcD, tendo em vista serem os profissionais desta área médico do trabalho e engenheiro de segurança do trabalho os responsáveis pelo enquadramento da deficiência e garantia da segurança do trabalhador no exercício da atividade profissional, respectivamente. Notou-se a presença tanto da médica quanto do engenheiro de segurança da Companhia no momento de análise dos postos de trabalho. (...) Participamos, segurança e saúde ocupacional, no início para definirmos quais postos poderiam ser ocupados por PcD (...) (Gestor GSS). Identificou-se a presença de um ergonomista responsável por fazer visitas constantes aos postos de trabalho, objetivando verificar e, se for o caso, promover contínuas adequações de modo a garantir saudáveis condições de trabalho para todos os colaboradores, com ou sem deficiência. A adoção dos princípios da ergonomia para a adaptação dos postos de trabalho é algo muito positivo no processo de inclusão de PcD no mercado de trabalho (AGÊNCIA EUROPÉIA, 2005). As ações de higiene e segurança, nomenclatura portuguesa para saúde e segurança do trabalhador, também se fizeram presentes no elenco de práticas empreendidas para a inserção das PcD na Empresa B. Temos a equipa de higiene e segurança que ajudou na parte de rotas, roteiros, utilização de instrumentos de trabalho... (Gerente de Recursos Humanos de uma loja da Empresa B). 11

g) Relacionamento com outros atores Quanto à interlocução com outros atores envolvidos na inserção profissional de PcD na sociedade, ao longo do período de desenvolvimento do Programa na Empresa A, houve interações pontuais com a SRTE (antiga Delegacia Regional do Trabalho), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego responsável pela fiscalização da lei de cotas. Segundo os gestores entrevistados, o relacionamento da Empresa com este órgão é cordial e, essencialmente, jurídico. Inferiu-se, a partir das entrevistas realizadas, que o contato entre a Empresa A e a SRTE ocorreu somente no momento da notificação pelo não cumprimento da lei de cotas e na assinatura do TAC, em março de 2005. Já com as organizações da sociedade civil que trabalham com as questões da deficiência, a Empresa A estabeleceu relação um pouco mais freqüente, porém não menos pontual. Foram entrevistados cinco representantes de associações baianas que realizam trabalho na área da inserção profissional de PcD e, quatro deles revelaram ter sido contatados pela empresa para fins de recrutamento das PcD. Afirmaram, ainda, que nos anos de 2005 e 2006 foram contatados com maior freqüência. Declarações que corroboram as falas dos gestores entrevistados na Companhia. (...) no início do Programa contatamos 10 instituições com foco em deficientes (...) hoje já temos nosso banco de dados, então esse contato já não é mais tão freqüente (...) (Gestor do GDP). No que diz respeito às parcerias firmadas no espectro da Política de Integração de PcD da Empresa B, foi possível acompanhar, durante o período de observação participante, a assinatura de protocolo entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional, órgão governamental português, e a Empresa B, protocolo esse que visa estabelecer para as empresas objetivos e metas para maior inserção de PcD no mundo do trabalho; e, para o Estado, maior apoio nos serviços neste âmbito. O relacionamento da empresa com organizações da sociedade civil, embora coeso, ainda apresenta hiatos. A partir da fala de diversos entrevistados, ficou evidente a importante presença dessas instituições no momento do recrutamento das PcD e, em determinadas lojas, no acompanhamento dessas pessoas no desempenho de suas atividades profissionais. Porém, verificou-se a premência de uma relação mais contínua e sólida do ponto de vista de questões técnicas, como sensibilização ou capacitação em curso de Libras, por exemplo. Em geral, pode-se dizer que a Empresa B estabelece relação com diversos stakeholders envolvidos no processo de inclusão de PcD no mercado de trabalho. Seja com o governo, por meio de protocolos; seja com as organizações sociais, através de parcerias no campo do recrutamento dessas pessoas; e com outras empresas, pela via da troca de experiências e informações acerca de suas práticas nesta área. h) Significado do trabalho para as PcD Por fim, colaboradores que possuem deficiência da Empresa A e da Empresa B foram indagados sobre qual o significado de estarem empregados. As respostas foram unânimes. Todos afirmaram a possibilidade de demonstrar suas capacidades e de se sentirem úteis. Ressaltaram a importância do trabalho na conquista da autonomia e independência. Vale a ressalva de que os depoimentos acerca do significado de estar empregados, seja no Brasil ou em Portugal, vão ao encontro do que é posto pela literatura: trabalho como meio para garantia de inclusão (HEINSKI, 2004; AMARAL, 1994; ANACHE, 1997; SHAKESPEARE, 1977), o que reforça a importância de se debater práticas que promovam o avanço da inserção profissional de PcD e de pessoas com diferentes características relativas à diversidade. 6. Conclusões Buscou-se, neste artigo, abordar o tema da inserção profissional de pessoas com deficiência, sob o lócus primordial das ações desenvolvidas por duas empresas privadas, uma 12

no Brasil, outra em Portugal. Tendo como suporte analítico o referencial teórico utilizado e os dados dos estudos de caso realizados, bem como o confronto entre eles, foi possível constatar que: apesar de a efetiva inclusão de PcD no mundo do trabalho constituir um único desafio, os caminhos e estratégias adotadas pelas organizações pesquisadas são diferenciados e se justificam, entre outros aspectos, por elementos do contexto social, cultural, institucional, político no qual cada uma delas está inserida. Os resultados indicam que, em ambas as empresas, as práticas em prol da inserção profissional das PcD revelam avanços, porém há espaço para ir muito além, tanto na qualidade das práticas quanto na quantidade de pessoas inseridas. A Empresa A ainda não cumpre a cota de PcD em seus quadros, definida pela legislação brasileira. A Empresa B não está sujeita a cotas, possui práticas consideradas avançadas em termos de acessibilidade e de responsabilidade social, porém o número de PcD em seus quadros ainda é reduzido em relação ao total de empregados. Em relação aos paradigmas de ação em prol da inserção, as empresas pesquisadas estão em estágios diferenciados. Na Empresa A percebeu-se ausência de ações assistencialistas (GIL, 2005), identificando-se a presença de um misto de ações integradoras (WERNECK, 2003) e inclusivistas (SASSAKI, 1997). Também se observou na Empresa A que, embora haja práticas de valorização da diversidade, não foi identificada a existência de programa nessa área, para além da inserção de PcD. Em seus relatórios de sustentabilidade/balanço social e ambiental há informações sobre presença de negros, mulheres e pessoas com deficiência no quadro de colaboradores, mas os índices não fazem parte de um programa maior de diversidade. Isso permite afirmar que a Empresa A encontra-se entre os níveis 1, Paradigma de Assimilação, e 2, Paradigma da Diversificação, da gestão da diversidade (THOMAS e ELY, 2002). Já na Empresa B, apesar de não haver registro formal, percebeu-se a existência de conduta empresarial altamente favorável à diversidade. A presença de práticas que valorizam aspectos de gênero, etnia, nacionalidade, faixa etária, orientação sexual, além da deficiência, confirmam um modelo de gestão pautado, entre outros alicerces, na valorização da diversidade. Nesta direção, foi identificado que a Empresa B está posicionada entre os níveis 2, Paradigma da Diversificação e 3, Paradigma da Inclusão da gestão da diversidade (THOMAS e ELY, 2002). Particularmente na Política de Integração de PcD verificou-se em larga medida práticas inclusivistas (SASSAKI, 1997; WERNECK, 2003), com inexistência de ações assistencialistas (GIL, 2005) e resquícios do Paradigma da Integração (BAHIA, 2006). Verificou-se que os motivos que levam as empresas a contratarem pessoas com deficiência são diferentes e podem ser influenciados por diversos fatores. Na Empresa A, ficou evidente a prevalência da motivação contratual, pautada por obrigações legais, embora se constate existência da motivação estratégica, tendo em vista que a RSE compõe uma das macro-estratégias de gestão da empresa. Na Empresa B, por sua vez, são motivações baseadas em valores, juntamente com visão estratégica, que influenciam ações de inserção de PcD. A liderança de um gestor, e a repercussão das primeiras iniciativas dele na empresa como um todo, mostram como a ética do indivíduo e a ética empresarial (SCHOMMER e ROCHA, 2007) podem não ser distantes uma da outra e influenciar-se mutuamente, mesmo em uma grande empresa, como a Empresa B. Constatou-se que, na prática, diferentes motivações podem ser complementares, não antagônicas e modificar-se ao longo do tempo. Os casos mostram que nem tudo no universo empresarial é baseado em cálculo utilitário de custos e conseqüências, que muitas estratégias não são planejadas a priori e que a maneira como um problema é abordado se constrói ao caminhar, baseado na sensibilidade das pessoas, nas relações com outros atores e seus mecanismos de diálogo e de pressão. Mostram, ainda, que as próprias pessoas com deficiência contribuem para a construção de soluções, sobretudo quando se abre oportunidade para tal. 13

Em ambos os casos, observa-se que facilidades e dificuldades para a inserção de pessoas com deficiência no trabalho residem em aspectos subjetivos e técnico-operacionais. No campo das subjetividades, destaca-se o compromisso da alta direção. Na área técnicaoperacional sublinham-se a inacessibilidade dos ambientes organizacionais e baixa qualificação das PcD. Com relação aos benefícios advindos a partir das contratações de PcD, notou-se diferenças entre as duas empresas. Enquanto que na Empresa A giram em torno de argumentos oriundos do movimento da RSE e da valorização da diversidade, na Empresa B estes são atribuídos, primordialmente, aos incentivos governamentais. Situação que revela consonância com os contextos em que as organizações estão inseridas. Identificou-se que o elemento acessibilidade é distintamente abordado nas experiências pesquisadas. Enquanto a Empresa A evidenciou uma atuação voltada à dimensão arquitetônica, a Empresa B demonstrou atuação ampliada, uma vez que empreende ações contemplando aspectos metodológicos, instrumentais e comunicacionais, além dos arquitetônicos, como comumente é feito (CARVALHO-FREITAS, 2007). A ausência de preparo de gestores e colaboradores para conviver com as PcD foi um limite apontado nas práticas empreendidas em ambos os casos. Nambu (2003) sublinha a importância das ações de sensibilização, buscando desconstruir mitos e combater a ausência de informações ou seus equívocos sobre a capacidade laborativa das PcD. Às empresas compete, primordialmente, uma ressignificação acerca das PcD e seus potenciais de trabalho, além da necessidade da aprendizagem e internalização dos conceitos, ferramentas e recursos tecnológicos concebidos para a empregabilidade desse segmento da população. O processo seletivo envolvendo PcD realizado nas duas empresas investigadas apresenta avanços no que concerne às práticas em direção ao postulado do modelo social da deficiência (SASSAKI, 1997). A flexibilização de determinados pré-requisitos para ingressar na Empresa A e a presença de pessoas com todos os tipos de deficiência na Empresa B são alguns desses avanços. Todavia, ressalta-se a necessidade de formação específica dos profissionais que conduzem estes processos, pois segundo entrevistados das duas Companhias, não há. Percebeu-se que as normas de SST, em certa medida, são utilizadas como mais um recurso a propiciar a inserção profissional das PcD nas duas empresas. Prática que corrobora com o que preconiza a Agência Européia (2005). O relacionamento com outros atores foi contemplado de maneira diferenciada pelas duas empresas. Certo isolamento da Empresa A e a articulação da Empresa B denotam tal diferença. Cabe aqui o resgate da importância da atuação dos stakeholders envolvidos no processo da inserção profissional de PcD, uma vez que a maneira com que cada um deles, apresenta, defende, negocia e impõe seus interesses influencia e é influenciada por expectativas pessoais e por contextos sociais, que se transformam ao longo do tempo, como evidenciado por meio dos Paradigmas. Os principais resultados da pesquisa demonstram que a inclusão profissional de pessoas com deficiência é um processo que requer ações estruturadas e planejadas capazes de criar um movimento que não acontece naturalmente. Tanto por seus limites como por seus potenciais, a inserção profissional de PcD, e mais amplamente a diversidade no trabalho, são desafios que mostram a necessidade de combinar: por um lado, o incentivo ao engajamento voluntário das empresas em certos temas complexos e sua capacidade de inovar e transformar-se, seja por razões humanitárias ou estratégicas; com mecanismos de incentivo, controle e punição sobre elas, por outro. Estado e sociedade devem definir marcos regulatórios e explicitar expectativas quanto ao que esperam seja cumprido pelas empresas, em cada época e lugar. Os vários atores envolvidos com a questão devem interagir em prol de seus objetivos comuns, exercendo seu papel específico e contribuindo/pressionando/instigando para que os demais cumpram seus próprios papéis, de acordo com sua identidade, suas competências, seus recursos. 14

Portugal e Brasil optaram por marcos regulatórios um tanto diferentes, principalmente quanto à obrigatoriedade (simbolizada na lei de cotas) de percentual de PcD em empresas com mais de 100 empregados, no Brasil, enquanto Portugal prioriza sistemas de incentivo às empresas que contratam PcD. Como visto, na empresa A, que atua no Brasil, o principal mecanismo de indução à inserção profissional de PcD foi a lei de cotas, enquanto que, na Empresa B, em Portugal, o destaque recaiu sobre motivações de cunho individual fundadas em valores, embora estejam presentes, em ambos os casos, a visão estratégica do tema, relacionada à responsabilidade social e sustentabilidade. Cada sistema tem seus ônus e bônus, mas no caso brasileiro, parece necessário, por ora, manter mecanismos mais impositivos, combinados com incentivo, debate e aprendizagem sobre o assunto. A relação entre maior controle/imposição pelo Estado e maior liberdade às empresas e à sociedade na busca de soluções para problemas coletivos se aplica ao debate sobre RSE, de modo geral, algo que pode ser aprofundado em estudos futuros. As discussões apresentadas neste trabalho não se esgotam em si e as análises em relação aos casos e os contextos de Brasil e Portugal quanto ao tema não pretendem ser exaustivas. Espera-se, todavia, que sejam consideradas como contribuição ao avanço das práticas em direção à efetiva inclusão profissional das pessoas com deficiência. 7. Referências ALVES, M.A.; SILVA-GALEÃO, L.G. A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas, São Paulo: FGV, 44 (3), 20-9, maio/set. 2004. AMARAL, A. L. Mercado de trabalho e deficiência. Revista Brasileira de Educação Especial. Piracicaba, 1(2), 127-36, 1994. ANACHE, A.A. O deficiente e o mercado de trabalho: concessão ou conquista? Integração, Brasília, 7 (18), 4-8, 1997. AGÊNCIA EUROPÉIA PARA A SEGURANÇA E A SAÚDE NO TRABALHO. Garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores com deficiência. Facts, edição 53. Disponível em: http://agency.osha.eu.int/publications/factsheets/53/pt/index.htm>. Acesso em: 24 jan. 2005. ARANHA, M. Trabalho e Emprego: Instrumento de construção da Identidade pessoal e Social. São Paulo: SORRI-BRASIL; Brasília: CORDE, 2003. BAHIA, M. Responsabilidade social e diversidade nas organizações: contratando pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2006. BAHIA, M.S.; SCHOMMER, P.C.; SANTOS, E.M. Papéis e Práticas Empresariais para a Inserção Profissional de Pessoas com Deficiência: Reflexões a partir de uma experiência. Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração. 32. Anais... Rio de Janeiro, EnANPAD, 2008. Cd-rom. BAHIA, S. M.; SCHOMMER, P. C. Inserção Profissional de Pessoas com Deficiência nas Empresas: responsabilidades, práticas e caminhos. III Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social (ENAPEGS): Petrolina-PE/Juazeiro-BA, 2009. BAHIA, M. Perspectivas para Inserção Profissional de Pessoas com Deficiência: Análise de uma Experiência em Curso na Bahia. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Desenvolvimento e Gestão Social da Escola de Administração da Universidade Federal da BVahia: Salvador, 2009. BATISTA, C.A.M. Inclusão: construção na diversidade. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2004. BRASIL. Lei nº 8.213 de 24/07/91. Disponível em: <http://www.saci.org.br>. Acesso em: 27/10/2002. CARVALHO-FREITAS, N. Análise da Inserção e Gestão do Trabalho de Pessoas com Deficiência: um Estudo de Caso. Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 31. Anais... Rio de Janeiro: EnANPAD, 2007. Cd-rom. 15

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