BAS CÂMARAS DA CAPITANIA E COMARCA DE ILHÉUS E A ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DO CONCELHO (SÉCULOS XVIII E XIX).



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Transcrição:

BAS CÂMARAS DA CAPITANIA E COMARCA DE ILHÉUS E A ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DO CONCELHO (SÉCULOS XVIII E XIX). BORGES, Dagson José Email: dagsonborges@hotmail.com As câmaras municipais são consideradas elementos de continuidade entre o reino e suas possessões no ultramar. Estas funcionavam ao mesmo tempo como executoras da política metropolitana e como espaço de negociação política local. As câmaras foram elementos fundamentais na representação dos interesses dos colonos. Os cargos camarários era uma forma de status social e de obtenção de privilégio. O acesso a os cargos de governança surgem como objeto de disputa dos grupos mais influentes das localidades. Porém, essas disputas não devem ser entendidas como medida centralizadora por parte da metrópole. O que estava em jogo eram os privilégios e emolumentos que se poderia obter com o ofício. Fundamentado no conceito de economia do bem comum, pode-se aventar que o domínio político local, através da ocupação de cargos no Conselho (câmara), colocava o indivíduo numa situação privilegiada para fazer uso dos recursos do conselho que se constituíam, em tese, em patrimônio público ou comum. Como desdobramento desta situação, a concessão do uso de tais recursos pode ter sido usada como moeda de troca na composição de clientelas no nível local. É clássica no estudo das câmaras administrativas do império português no ultramar, a afirmação de Charles Boxer segundo o qual: Entre as instituições características do império marítimo português, e que ajudaram a manter unidas suas diversas colônias, havia o senado da câmara e as irmandades de caridade e confrarias laicas (...). A Câmara e a casa de misericórdia podem ser descritas, com algum exagero, como os pilares gêmeos da sociedade colonial portuguesa do Maranhão até Macau. Elas garantiam uma continuidade que os governadores, os bispos e os magistrados transitórios não podiam assegurar (...). um estudo comparativo de seu desenvolvimento e de suas funções mostrará como portugueses reagiram ás diferentes condições sociais que encontraram na África, Ásia e na America, e em que medida conseguiram transplantar essas instituições metropolitanas para meios exóticos e adaptá-las com êxito. ( BOXER.2002 p.286) As Câmaras ultramarinas representaram a unidade e a continuidade do império sobre suas colônias. Porém, vale salientar que não se trata de uma mera transposição do aparato institucional português para suas colônias no ultramar; muitas vezes as

municipalidades de cada região apresentavam problemas específicos, provocando uma política diferenciada e, conseqüentemente, uma nova forma de administração local. Cabia ao senado da câmara cuidar do bem estar da República. Cuidando da conservação dos serviços básicos prestados a população. Abastecimento de gêneros alimentícios e de água era um dos principais serviços para a população (GOUVÊIA, 1998). Em relação ao comércio era dever da câmara, definir preços e fiscalizar as condições dos alimentos. Segundo Fragoso, as ações da Câmara podiam: alcançar também o comércio ultramarino, como o frete e o preço do açúcar; ou seja, na pratica, ela intervinha no chamado pacto colonial. Como cabeça da República, ainda distribuía monopólios na economia regional, como o trapiche do açúcar e o açougue público: o primeiro cuidava do peso e da exportação do açúcar da capitania; e o segundo era responsável pelo abate da carne de vaca consumida pelo povo (FRAGOSO, 2003 p.4). Em virtude da dificuldade da coroa na manutenção e defesa de suas colônias, as despesas militares e de ordem administrativa ficavam, em boa parte a cargo dos próprios colonos. Segundo Bicalho cabe a eles administrar, através das câmaras, o pagamento de impostos perenes e temporários lançados pela metrópole em ocasiões especiais, impor taxas ocasionais, arrendar contratos, arrecadar contribuições voluntárias etc. Alem disso, cabia também àqueles moradores arcar quase que inteiramente com os custos da defesa, recaindo sobre suas rendas ou sobre as rendas arrecadadas pelas câmaras. (BICALHO, 1998). Com todas essas atribuições as câmaras atendiam aos modelos metropolitanos, no sentindo de zelar pela segurança da população contra ataques inimigos. As câmaras coloniais, além de administrar os tributos impostos pelo reino, também cabia a criação de novos impostos, principalmente para cobrir gastos com defesa. Em período de crise ou de necessidade imediata as câmaras da cidade se reuniam para estabelecer preços, impostos, doações, reparo de obras, etc.. Além disso, uma câmera podia enviar recursos para outra cidade que se encontrava em estado critico. O fato de essas câmaras terem o privilégio de poder instituir impostos em tempos de crise; criou um precedente na política fiscal ao possibilitar as câmaras um direito apenas dos reis (BICALHO, 1998). Nesse sentido as Câmaras adquirem grande autonomia tanto na fiscalidade, quanto na defesa. Os Cargos públicos davam grandes possibilidades de seus membros interferirem na vida da cidade, desde economia até a justiça. Esses cargos além de oferecer prestígio

e poder, proporcionavam ganhos pecuniários a seus titulares. Ao lado dos salários pagos pela Fazenda Real, as cartas-patentes dos oficiais e dos ministros do rei previam gratificações sob diversas rubricas, como emolumentos e propinas (FRAGOSO, 2003 p.4). Em virtude desses benefícios, o acesso aos cargos das câmaras torna-se, objeto de disputas entre os grupos economicamente influentes nas localidades. Nesse contexto, as câmaras municipais se tornam um veiculo de nobilitação, de obtenção de privilégios e, sobretudo, de negociação com a coroa (BICALHO, 2005 p.29). O corpo administrativo das câmaras seguia dentro do possível a estrutura do reino, de os cargos concelhos deveriam ser preenchidos pela nobreza da terra. Entretanto isso não significa dizer que todos os membros das câmaras municipais eram nobres segundo a concepção de nobreza do antigo regime. A nobreza que se configura nas colônias é formada por aqueles que, mesmo por nascimento humilde, conquistam por suas atitudes honrosas para com o rei e o império, títulos de nobreza. Forja-se nos trópicos um novo conceito de nobreza, diferente da nobreza de sangue e herdada dos antepassados. Capistrano de Abreu enfatiza que a chamada nobreza que se constitui na colônia estava longe dos modelos europeus do antigo regime. Estes eram a grande massa da nação, sem direitos pessoais, apenas defendidos seus filhos por pessoas morais a que se acostavam, lavradores, mecânicos, mercadores (...). E desmerecendo o papel das câmaras administrativas o autor afirma que os de mor qualidade chamavam-se homens bons, e reuniam-se em câmaras municipais, órgãos de administração local, cuja importância, então e sempre somenos, nunca pesou decisivamente em lances momentosos, nem no reino, nem aqui (ABREU, 1976, p.15). Por mais que o império português tenha se constituído sobre bases comerciais, os cargos de governança deveriam ser dentro do possível preenchido pela nobreza da terra. Nesse sentido, existia por parte da coroa um grande preocupação de que os cargos de governança fossem ocupados pelas elites locais. As intervenções legislativas da coroa, desde o século XVII, principalmente de seus magistrados, serviam para garantir os ofícios de vereação e ordenanças aos principais da terra. De acordo com o alvará régio de 12 de novembro de 1611(...) os eleitores deveriam ser selecionados entre os mais nobres e da governança da terra (BICALHO 2001 p.371). Mas nem sempre a coroa conseguia compor suas câmaras de acordo com esta legislação. Essas medidas de certa forma davam respaldo às oligarquias locais de excluir do corpo administrativo das câmaras, pessoas consideradas impróprias para os cargos de

governança. Como comerciantes, pessoas impuras de sangue, pessoas mecânicas, cristão-novos. Ate mesmo a interferência de funcionários da coroa nas eleições do concelho provocava conflito entre a nobreza local e os representantes do poder central (BICALHO, 1998). Analisando a Câmara do Rio de Janeiro, Bicalho demonstra que, não raro, houve grandes conflitos entre emergentes comerciantes (impróprios para cargos de governança) e a tradicional nobreza da terra, por cargos na administração. A autora enumera que as elites locais faziam queixas freqüentes à coroa, sempre que a ordem político administrativa da cidade era perturbada. Essa reação acontecia com a intromissão de comerciantes ou pessoas ilegíveis nos cargos de administração. O principal argumento utilizado pela nobreza da terra para ratificar sua posição nos cargos administrativos baseava-se: no argumento de que a categoria de principais da terra ou de homens principais, como se autodenominavam, ligava-se não apenas a qualidades inatas como a ascendência familiar ou a pureza de sangue -, ou mesmo adquiridas por via econômica e política o ser senhor de terras e escravos e ter acesso às funções concelhias mas incorporava ainda os méritos provenientes da conquista, povoamento e defesa da colônia (BICALHO 1998). Estes alegavam que como sendo descendes dos antigos conquistadores daquela capitania, homens que com sangue desbravam e defenderam em nome da coroa, como mártires e heróis na colonização da America. Tinham por direito a legitimidade dos cargos de governança. Essas reivindicações estão dentro da própria lógica do antigo regime. O sistema de mercês, cujas origens remontam às guerras de Reconquista, terras e privilégios como recompensa de serviços prestados, não era uma prática restrita a Portugal, tendo-se disseminando pelo império (FRAGOSO; 2000 p.68). Isso reforçava o caráter corporativo da monarquia Portuguesa. A concessão de postos na administração do ultramar não era um privilégio exclusivo dos membros da aristocracia. antigos soldados ou pessoas de origem social não-nobre podiam receber igualmente cargos e ofícios nas conquistas como forma de remuneração de seus préstimos ao rei (FRAGOSO; 2000 p.69). Com essas benesses os fidalgos almejavam o enriquecimento com tais funções no governo. Os comerciantes das principais cidades marítimas da colônia, embora fizesse durante os séculos XVII e XVIII grandes contribuição pecuniária para com a metrópole; eram rechaçados pela nobreza da terra dos postos da governança. Estes alegavam que os

comerciantes não possuíam os requisitos de fidalguia necessários para os cargos administrativos. Porém, estes homens de comércio se utilizavam de várias vias para se inserir nos moldes administrativos do antigo regime. Para isso desenvolviam estratégias de enobrecimento, quer se casando-se com as filhas da nobreza da terra, quer ingressando na carreira militar e mesmo eclesiástica e ainda nas irmandades e confrarias religiosas ( BICALHO, 1998). Além disso, com o intuito de receber honras e mercês por parte da coroa os homens de negócio faziam investimentos em obras públicas e na defesa das cidades. Em troca de tais serviços não raro demandavam á coroa recompensas em status como era pratica institucionalizada no antigo regime (BICALHO, 1998). Hespanha adverte que essa economia do bem comum era uma pratica nas monarquias européias. Onde o rei concede mercês em troca de serviços prestados. Essa economia de favores pode ser vista como uma forma da coroa em controlar as representações na sociedade e delimitar hierarquias; onde o rei tem o monopólio de graduar e qualificar como desejar. Provocando conflitos e competições entre os vassalos. (BICALHO 1998). Esses confrontos pelos postos administrativos e pela cidadania no antigo regime, só reforçam e legitimam o papel da coroa no monopólio da concessão para os ofícios de governança. Fragoso aponta que a compra de terras por parte de comerciantes foi outra estratégia comum de enobrecimento. Muitos abandonavam o comércio para se constituírem em rendista urbanos ou senhores de engenhos. Apesar de o comércio ser muito mais lucrativo, o que estava em jogo era o status nos códigos estamentais da sociedade. Analisando a formação da elite senhorial do rio de janeiro, Fragoso afirma que membros dessa elite, descendiam de pessoas ligadas a esfera da administração pública. Seus descendentes em sua maioria eram provedores da fazenda, escrivães da alfândega, capitães-de-infantaria ou governadores. O autor afirma que mais da metade dos senhores de engenhos do rio de janeiro do século XVII, eram funcionários da coroa. Aqueles senhores de engenho que não possuíam nem parentesco de linhagem com funcionários do reino e nem possuíam cargos administrativos, não conseguiram manter suas fortunas por mais de três gerações. (FRAGOSO, p.57). O núcleo da primeira elite senhorial do Rio é gerado por um conjunto de pessoas que são, simultaneamente, conquistadores, homens do rei e representantes do povo.

Os postos de governança, além proporcionarem de prestigio social, colocava o individuo numa posição privilegia na utilização dos recursos da Cidade. Fragoso cita o caso do capitão de uma das fortalezas da baia de Guanabara, que recebia emolumentos por cada nau que passava defronte à sua guarnição (FRAGOSO, 1996 p. 72). A ocupação desses cargos permitiu a formação e manutenção de fortunas. Estes postos se tornaram um meio do qual as elites poderão manter e ampliar rendas. Bicalho afirma que: Uma pessoa que tivesse sido nomeada para o posto de governador de Angola detendo, com isso, a possibilidade de retirar escravos de Luanda sem pagar impostos possuía evidentemente maiores condições de auferir lucros do que um simples traficante. (...) quando um membro da nobreza da terra do Rio de Janeiro recebia de sua câmara o monopólio de explorar o açougue público ou a balança do açúcar. Estes privilégios possibilitavam, aos escolhidos, chances econômicas superiores a de outros negociantes coloniais de carne ou de açúcar (BICALHO, 2000 p. 72). Estes membros da nobreza ocupavam postos administrativos estratégicos na defesa de seus interesses. Nesse sentido os cargos do senado câmaras seria um campo de grande disputa, não pelos ordenados pagos pelo estado, mas sim pelo que se podia retirar do público. Segundo Dias, pelo menos no inicio da colonização os cargos camarários da capitania de ilhéus eram vistos como martírios e um obstáculo econômico por parte dos colonos. Entanto, possuir um cargo na câmara era objeto de disputa por parte dos colonos, nem tanto pelos salários pagos, mas pelas vantagens que um cargo camarário poderia render. tanto que, em 26 de fevereiro de 1725, o governador Vasco Fernandes César de Meneses teve que intervir junto à câmara de Camamu, ordenando que os oficiais eleitos para o cargo que já haviam servido no ano anterior fossem depostos, conforme regiam as Ordenações, e para as respectivas vagas fossem eleitas pessoas sem impedimentos. (DIAS, 2005, p.94) Algumas fontes da capitania e comarca de ilhéus elucidam bem esse panorama das câmaras e a configuração das elites locais. Em 1719, queixa-se o povo de Camamu a administração colonial, sobre a proibição e grande repressão da câmara da dita cidade na extração da casca de mangue, casca esta utilizada na fabricação de couro e sola. Em resposta o conde do vimeiro na Bahia ordena ao capitão mor da vila de Camamu que não mais proíba a extração da casca por parte dos moradores. o justo requerimento de lhes deixar tirar casca de mangue para os cortumes que são preciosos para a fabrica dos couros e sola de que necessita esta cidade e toda esta capitania (DHBN,LXXII, p.117). As queixas do povo de Camamu se prolongam por anos sempre com o parecer favorável

da administração, esta respondia as queixas com duras reclamações ao capitão mor da vila de Camamu. Em 14 de julho de 1832 na vila de ilhéus, a administração cria uma comissão encarregada de examinar as contas do procurador do concelho e observa que pessoas estão em débito com a câmara. e questiona porque o procurador do concelho não tem efetuado a cobrança por tais débitos. Em resposta a câmara envia um requerimento em nome do vereador Vasconcelos onde tenta explicar as razões da não cobrança das dívidas. requeiro que esta câmara procedendo a sem exame em todos os livros antigos do seu arquivo, passe a fazer uma descrição do que achar pertencente ao concelho desta Villa, com explicação dos terrenos de que padece duvida e que se acham complicados com terrenos particulares, talvez por falta de explicação em alguns termos, que seja esta remetida ao Exmo. Concelho Geral da Província para sua decisão, sendo este meu requerimento lançado na Acta de hoje (BARROS, 1933, p.14) É importante observar que a não cobrança das taxas de arrendamento se dar por uma não Definição dos espaços, onde terrenos particulares se confundem com os bens do concelho. Nesse quadro já se observa que muitos particulares usufruíam dos bens do concelho sem pagar por tais arrendamentos. Segundo Borges de Barros, os espaços públicos da comarca de ilhéus se encontravam em poder de pessoas poderosas na região, que usufruíam sem pagamento de contrato; tanto que em 1830, o administrador Pedro Reinol do engenho novo (Almada), queixa-se a administração, sobre João Batista Floresta, poderoso senhor da região, que arbitrariamente proibiu que se tirasse pedra de fazer cal de uma lagoa; porém este não possuía título algum que lhe dê direito sobre a mesma lagoa, que tem ate o presente servido de logradouro público (BARROS, 1933). Um outro caso elucida bem a ação da nobreza da terra de ilhéus nos domínio dos bens públicos. Em 1853, a câmara de ilhéus reclama ao presidente da província sobre a usurpação da fonte pública Gamelleira por parte de Domingos Antônio Bezerra. Questiona os vereadores da câmara que o dito Bezerra impedindo o ingresso a fonte e proibindo a utilização de suas águas. Segundos os vereadores, a câmara sempre conservou-a limpa para maior comodidade pública. No dia 10 de junho de 1853 a ação da câmara foi enérgica, acompanhada de muitos moradores a câmara consegue a retomada da fonte, intimando domingos bezerra para não mais impedir o acesso. (BARROS, 1933, p.22)

O quadro acima nos da uma idéia de como se configurava o poder local na capitania e posterior comarca de ilhéus. Pode-se afirma que não ocorria uma definição muito nítida entre espaços públicos e privados. Que pelo fato de muitos cargos administrativos do senado da câmara não serem remunerados, seus membros usufruíam de sua posição privilegiada na utilização dos bens do concelhos. Utilização essa muitas vezes isenta do pagamento necessário. Observa-se também como as elites locais exerciam sua influência, tanto na utilização arbitraria dos bens públicos como na formação de clientela local. REFERÊNCIAS ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de história colonial (1500-1800). Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu,, F. Briguiet e Cia., 1934. 254 p. BOXER, C. R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. BICALHO, M. F. B.; FRAGOSO, J. ; GOUVÊA, M. F. S.. Uma leitura do Brasil colonial: bases da materialidade e da governabilidade no Império.. Penélope, Lisboa, v. 23, p. 67-88, 2000. BARROS, Francisco Borges de. Memória sobre o município de Ilhéus. 3. ed Ilhéus: Editus, 2004. 163p. DIAS, Marcelo Henrique; CARRARA, Ângelo Alves. Um lugar na história: a capitania e comarca de Ilhéus antes do cacau. Ilhéus (BA): Editus, 322p. PRADO JR., C. Formação do Brasil contemporâneo (Colônia). 23. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 9. ed São Paulo: Globo, 1981. FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2001. FRAGOSO, João Luis. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2. ed., rev. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. CAMPOS, João da Silva. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 2006. GOUVEIA, Maria de Fátima Silva. Redes de poder na América Portuguesa: o caso dos homens bons do Rio de Janeiro, 1790-1822. Revista Brasileira de História, São Paulo, 18 (36): 1998, 297-330. HESPANHA, A. M. As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal, séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994.

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