RELAÇÃO ENTRE EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO E METABOLISMO DO CÁLCIO 1



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RELAÇÃO ENTRE EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO E METABOLISMO DO CÁLCIO 1 Introdução O cálcio é necessário ao organismo para muitas funções vitais intra e extracelulares, assim como para o suporte esquelético. O cálcio ionizado é necessário para reações enzimáticas, transporte e estabilidade de membranas, coagulação sanguínea, condução nervosa, transmissão neuromuscular, contração muscular, manutenção do tônus da musculatura lisa vascular, secreções hormonais, formação e ressorção óssea, controle do metabolismo hepático do glicogênio, e divisão e crescimento celular. O íon cálcio intracelular (Ca 2+ ) é um dos principais reguladores da resposta celular a muitos agonistas e tem função de mensageiro iônico universal, levando sinais da superfície para o interior da célula. Além disso, a concentração de cálcio ionizado no fluido extracelular regula a função celular em diversos órgãos, incluindo a glândula paratireóide, rins, e células C da tireóide. Controles normais homeostáticos geralmente mantêm a concentração sérica de cálcio dentro de limites bastante estreitos e garantem o fornecimento adequado de cálcio para funções intracelulares. Concentrações séricas anormais de cálcio são de valor diagnóstico e contribuem para o desenvolvimento de lesões e sinais clínicos. Médicos veterinários frequentemente devem interpretar concentrações séricas anormais de cálcio. Grandes alterações ocorrem com frequência, mas pequenos desvios podem ser igualmente importantes, pois fornecem pistas diagnósticas para doenças adjacentes. A magnitude da alteração na concentração sérica de cálcio geralmente não sugere um diagnóstico específico ou a extensão de uma doença. Além disso, uma concentração sérica normal não elimina a possibilidade de haver uma desordem na homeostase do cálcio. Os principais constituintes do osso são o colágeno tipo I na matriz orgânica e hidroxiapatita na matriz inorgânica. O mineral no esqueleto é renovado durante toda a vida animal. O cálcio no osso é renovado 100% ao ano em jovens e cerca de 18% em adultos. Os osteoblastos produzem osso através da secreção de colágeno que forma a matriz que é então, calcificada. Os osteoclastos são responsáveis pela ressorção, erodindo e fagocitando osso. Osteoblastos inativos formam uma membrana na superfície do osso que separa o chamado osso fluido em contato com a hidroxi-apatita, do fluido extracelular dos tecidos 1 Trabalho do aluno FRANCISCO DE OLIVEIRA CONRADO na disciplina TRANSTORNOS METABÓLICOS DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no segundo semestre de 2010. Professor responsável pela disciplina: Félix H. D. González. 1

adjacentes. A rápida regulação do cálcio sérico ocorre através desta área de superfície quiescente. No interior dos canalículos ósseos, os osteócitos estão envolvidos neste processo. Os pequenos cristais de hidroxi-apatita formam uma enorme área no interior do osso, chegando a 200 m 2 /g de osso. Além disso, o osso é relativamente bem vascularizado, permitindo uma rápida mobilização do cálcio ósseo. O equilíbrio ácido-básico apresenta um efeito sobre o metabolismo ósseo, especialmente nas taxas de ressorção e mobilização do cálcio. O mineral ósseo participa nas defesas contra distúrbios ácido-básicos, especialmente durante a acidose metabólica. O papel do osso é importante nessas desordens quando não há alterações perceptíveis na absorção de cálcio em nível intestinal. No organismo dos mamíferos, principalmente três hormônios regulam o metabolismo do cálcio e do osso. O 1,25-dihidroxi-colecalciferol (derivado da vitamina D), promove incremento na absorção do cálcio do intestino e, indiretamente, do osso. O paratormônio (PTH) mobiliza o cálcio do osso e aumenta a excreção renal de fosfato. A calcitonina inibe a ressorção óssea. Utilizados farmacologicamente, estes hormônios são capazes de induzir distúrbios ácidobásicos. A administração de calcitonina e o excesso de vitamina D podem levar a alcalose metabólica. Alcaloses A administração de agentes alcalinos pode resultar no desenvolvimento de hipocalcemia. Um caso de hipocalcemia sintomática foi descrito em um gato intoxicado por salicilato tratado com bicarbonato de sódio. O paciente apresentou fasciculação muscular progressiva durante a infusão de bicarbonato de sódio, e a concentração sérica de cálcio estava diminuída. Uma única dose de bicarbonato de sódio a 4 meq/l em felinos resulta em uma diminuição máxima de cálcio ionizado dez minutos após a infusão, mantendo-se abaixo do menor valor de referência durante aproximadamente três horas. Parte da diminuição do cálcio ionizado foi atribuída à diluição e parte ao aumento no ph sérico, mas principalmente como resultado de fatores não identificados. Resultados semelhantes foram encontrados também em cães após infusão de bicarbonato de sódio. Espasmos musculares foram observados em raras ocasiões durante o logo após a infusão de soluções de bicarbonato de sódio em gatos com obstrução uretral e em cães e gatos com insuficiência renal, aparentemente devido a diminuições na concentração sérica de cálcio ionizado. A alcalose metabólica causa um influxo do cálcio para o osso, mas o efeito não é tão evidente quanto o efeito oposto que ocorre durante a acidose metabólica. Além disso, a alcalose 2

metabólica resulta em hipocalciúria e, portanto, em retenção de cálcio, enquanto não ocorre alteração na absorção de cálcio no intestino. In vitro, leves e severas alcaloses metabólicas causaram uma diminuição progressiva no efluxo de cálcio do osso, sendo este inversamente proporcional ao ph. Em diversos estudos clínicos, a alcalose metabólica induziu diminuição da ressorção óssea e elevação na formação do osso. A alcalose metabólica diminui o efluxo de cálcio do osso através da estimulação dos osteoblastos e supressão dos osteoclastos. A alcalose é capaz de alterar a função de ambas as células de maneira similar ou pode modificar a função de um tipo celular que então altera a função do outro. Estes mecanismos ainda não foram completamente elucidados. A alcalose causa uma diminuição na liberação da enzima osteoclástica β-glicuronidase, que tem um papel importante na ressorção óssea. Além disso, a síntese de colágeno pelo osteoblasto é induzida pela alcalose. Há uma correlação inversa entre os efeitos da alcalose metabólica na atividade das enzimas osteoclásticas e a síntese osteoblástica de colágeno. No processo de ressorção, os osteoclastos secretam prótons entre si e o osso. Para prevenir alcalose intracelular, os osteoclastos devem excretar o bicarbonato gerado para cada íon hidrogênio secretado. Durante a alcalose metabólica, a elevada concentração de bicarbonato no fluido extracelular pode suprimir a secreção osteoclática de íons hidrogênio. Se a atividade osteoclástica é inibida pela calcitonina, o influxo e o efluxo de cálcio são ainda, apesar de em menor grau, correlacionados com a concentração de bicarbonato. Isto indica que as alterações na concentração de bicarbonato podem também apresentar um efeito não mediado por osteoclastos no osso. Prevenção da Febre do Leite alterando o equilíbrio ácido-básico A febre do leite ou hipocalcemia é uma desordem severa do periparto caracterizada por concentrações diminuídas de cálcio sérico em vacas leiteiras multíparas de alta produção, causada por uma drenagem massiva do cálcio sanguíneo para a glândula mamária para composição do leite no princípio da lactação. Vacas com febre do leite podem sofrer diminuição na produção leiteira, redução na ingesta e depressão da ruminação, além de elevação no risco de doenças associadas, tais como distocia, retenção de placenta, cetose, metrite, torção de abomaso e mastite. Muitas estratégias clássicas de prevenção como dietas pobres em cálcio no pré-parto e a administração de paratormônio, vitamina D, e tratamentos incluindo inflação da glândula mamária com ar e borogluconato de cálcio intravenoso não têm sido utilizadas rotineiramente na prática devido à dificuldade com formulações de dietas, dosagens corretas e tempo 3

necessário. Estratégias mais recentes envolvendo o uso do propionato de cálcio, e suplementação com Zeolito A também foram experimentadas. Contudo, ainda estão sob estudo. Observa-se que o fornecimento de uma mistura de sais de cloreto e sulfato no período seco pode reduzir a ocorrência de febre do leite. A diferença cátion-ânion dietética (DCAD) refere-se à predominância dos principais ânions (Cl - e S - 2 ) sobre os cátions (Na + e K + ) na dieta. O principal benefício na redução da DCAD no pré-parto seria a diminuição da incidência da febre do leite. Dietas com baixa DCAD, mas não com suplementação concomitante de cálcio, resultaram em melhor homeostase do cálcio no periparto e melhora no estado geral de saúde das vacas quando comparada com dietas com alta DCAD. Os rins podem eficientemente eliminar o excesso de ânions da corrente sanguínea, portanto a adição de sais aniônicos na dieta induzem uma redução no ph urinário. Isto é associado a uma relativamente pequena diminuição no ph sanguíneo e uma queda limitada na concentração de HCO - 3 sanguínea, caracterizando uma leve acidose metabólica. Vacas alimentadas com dietas com DCAD positivas apresentaram concentrações diminuídas de cálcio na composição do colostro, sugerindo uma redução da perda de cálcio para o leite, provavelmente causada pela hipocalcemia. O armazenamento de cálcio no período préparto na glândula mamária contribui para o desenvolvimento da febre do leite. Acredita-se que o aumento no cálcio sanguíneo resultante da alimentação com dietas com DCAD negativas não seja armazenado apenas na glândula mamária, e que o cálcio secretado na composição do colostro possa estar disponível também por ressorção óssea. O osso é principalmente composto de cálcio, e o cálcio presente no colostro é transferido a partir do cálcio sanguíneo. A presença de acidose metabólica pode suprimir a formação óssea e elevar a ressorção através da estimulação da atividade de osteoclastos, ou estimulação da ATPase-vacuolar-H + para dissolução de hidroxi-apatita para liberação do cálcio do osso. Uma dieta acidogênica melhora a absorção de cálcio no intestino através de um mecanismo de transporte ativo. A dificuldade de avaliação de indicadores de ressorção óssea tais como hidroxiprolina plasmática, piridinolina, desoxipiridinolina, e telopeptídeos tipo colágeno, e a falta de indicadores de absorção de cálcio intestinal, tais como PTH plasmático e vitamina D limitam a possibilidade de interpretação há homeostase do cálcio em diversas situações. Acidoses e composição iônica do osso Em humanos e outros mamíferos, a acidose metabólica crônica aumenta a excreção urinária de cálcio, secundária a redução direta da reabsorção tubular renal de cálcio, sem incremento na sua absorção intestinal, resultando em um balanço líquido negativo. Como a grande maioria do cálcio no organismo está localizado nos depósitos minerais do osso, um 4

balanço negativo implica na depleção do mineral no osso. Estudos in vivo demonstraram que a acidose metabólica, induzida por cloreto de amônia (NH 4 Cl), leva a uma perda mineral óssea. Um modelo in vitro de acidose metabólica, produzida por um decremento na concentração média de bicarbonato (HCO 3 ), induz um efluxo intenso de cálcio em culturas celulares de ratos, enquanto a alcalose metabólica induz um influxo do cálcio para o osso. Durante curtos espaços de tempo (três horas) em cultura, o efluxo de cálcio induzido pela acidose parece ser causado pela dissolução mineral óssea fisioquímica. Contudo, após longos períodos (24 horas), o efluxo de cálcio do osso parece ser causado por uma ressorção óssea mediada por células. A acidose metabólica leva a um aumento na atividade da β glicuronidase nos osteoclastos e uma diminuição na síntese do colágeno pelos osteoblastos. Além disso, a acidose inibe a estimulação de alguns, mas não todos, genes de resposta imediata e inibe reversivelmente a expressão de certos genes de matriz extracelular. Durante a acidose tanto in vitro como in vivo, o osso parece tamponar alguns dos prótons adicionais, resultando em uma elevação no ph médio ou sistêmico, respectivamente. O balanço negativo do cálcio pode refletir um tamponamento dos prótons pelo osso. Durante a acidose metabólica crônica que ocorre na insuficiência renal crônica, o ph sanguíneo pode se manter estável, apesar de reduzido, independente da retenção progressiva de prótons, sugerindo uma disponibilidade de grandes depósitos de prótons tampão. Considerando esta grande massa de prótons tampão em potencial, o osso torna-se um local óbvio de tamponamento durante a acidose metabólica. Utilizando modelos in vitro, foi demonstrado que, em resposta a acidose metabólica, mas não respiratória, ocorre um influxo de prótons no osso mineral, tamponando a concentração média e prótons. Examinando alterações na composição iônica óssea durante acidose metabólica tornou possível entender como o osso ameniza elevações na acidez sistêmica. Foi observado que o tamponamento agudo in vitro não é causado por uma simples dissolução dos minerais do osso. Para cada 16-21 neq de influxo de prótons para o osso, ocorre 1 neq de efluxo de cálcio. As concentrações de sódio, potássio, fosfato e bicarbonato são consistentes com a hipótese de que o osso tampone prótons concomitantemente através de diversos mecanismos. Um mecanismo possível para o tamponamento de prótons é a troca dos mesmos por sódio ou potássio. O osso é rico nesses minerais, e o sódio é livremente intercambiável com o fluido adjacente. O osso contém inúmeros íons orgânicos que possuem sítios negativos fixos que são normalmente ligados ao sódio e ao potássio, podendo trocá-los por prótons durante situações de acidose. Esta tomada de prótons pelo osso durante acidose metabólica diminuiria a gravidade da acidez sistêmica. Outro possível mecanismo para o tamponamento de prótons realizado pelo osso durante a acidose metabólica é o consumo do CO 2-3 ósseo. O osso contém 4 6 % de CO 2-3, indicando 5

que aproximadamente um em quatro ou cinco fosfatos é substituído por CO 2-2- 3. CO 3 não somente substitui fosfatos, mas pode também se ligar a sítios aniônicos monovalentes e a uma locação instável que ocorre principalmente em precipitados de formação rápida. Alguns estudos 2- demonstraram a perda de CO 3 ósseo in vitro e in vivo após diversos dias de acidose metabólica, mas não durante a acidose respiratória. Ainda existe outro mecanismo possível para o tamponamento ósseo durante acidose metabólica, a protonação de fosfato ósseo. A acidose metabólica crônica leva a um aumento na excreção urinária de fosfatos, sugerindo consumo de fosfato ósseo e excreção de complexos iônicos como acidez titulável. Quanto menor o ph urinário, maior a protonação de fosfatos, e maior a quantidade de ácidos excretados por mol de fósforo. A duração da acidose metabólica parece ter efeito substancial nas alterações minerais no osso. Estudos in vitro demonstraram que a resposta óssea para acidoses de curta duração é físico-química, enquanto que de longa duração é mediada por células. Alguns autores descreveram elevação na excreção de cálcio pelos rins de ovinos em acidose independente se de origem metabólica ou respiratória. Este dado difere dos descritos para animais monogástricos, em que apenas a acidose metabólica induz hipercalciúria em homens, ratos e cães. A hipercalciúria é atribuída a uma diminuição na reabsorção tubular renal de cálcio. Aparentemente este efeito ocorre através de processos tubulares independentes da ação de hormônios usualmente associados com o metabolismo do cálcio, pois a hipercalciúria foi descrita em ratos acidóticos tireo-paratireoidectomizados. Relação do ph e paratormônio (PTH) Alguns estudos demonstraram que a acidose metabólica, mas não respiratória, induz elevação nos níveis de PTH, apesar de haver aumento na concentração de cálcio ionizado no sangue. Porém, os efeitos deste aumento no cálcio ionizado não foram determinados. Em concentrações normais de cálcio ionizado, ambas as acidoses, metabólica e respiratória, estimularam a secreção de PTH, e durante hipocalcemia, a acidose metabólica melhora a resposta máxima ao PTH. Na acidose respiratória aguda, os valores de PTH também aumentaram em cães, quando a concentração de cálcio ionizada foi controlada com infusão de EDTA. A quantidade de EDTA necessária para manter uma concentração normal de cálcio ionizado foi maior na acidose metabólica do que na acidose respiratória. A necessidade de infundir EDTA na acidose para manter a concentração normal de cálcio ionizado é devida a elevação decorrente da acidose e do aumento no efluxo ósseo. Além disso, também parece ocorrer diminuição na ligação do cálcio com a albumina. Em uma mesma faixa de ph, a acidose metabólica produz alterações mais significativas na concentração de cálcio ionizado no sangue, provavelmente devido a um maior efeito no 6

efluxo de cálcio ósseo. Também, a resposta máxima do PTH à hipocalcemia durante a acidose metabólica aguda foi aproximadamente o dobro quando comparada com cães em acidose respiratória em um estudo. Em resumo, ambas as acidoses -metabólica e respiratória- elevam a secreção de PTH quando as concentrações de cálcio ionizado e magnésio plasmáticas são mantidas em níveis normais. Entretanto, durante hipocalcemia, apenas a acidose metabólica elevou a resposta ao PTH. Durante a acidose metabólica, a elevação na secreção do PTH foi correlacionada com uma diminuição no ph e no bicarbonato plasmático, mas na acidose respiratória o aumento nos níveis de PTH foi correlacionado apenas com alterações de ph. Durante a acidose metabólica, não só a meia-vida do PTH encontra-se elevada com também sua taxa de secreção. Concluindo, ambas as acidoses -metabólica e respiratória- elevam a secreção de PTH independentemente das alterações nos valores de cálcio ionizado e magnésio plasmáticos. A acidose metabólica aumenta o efluxo ósseo de cálcio mais do que a acidose respiratória, a acidose metabólica atua como um estimulador da secreção de PTH por incrementar a resposta máxima do PTH a hipocalcemia. Porém, este mecanismo ainda não foi elucidado. A alcalose respiratória aguda é frequentemente encontrada em desordens clínicas como pneumonia, sepse, e insuficiência hepática. As condições clínicas em que a alcalose metabólica se desenvolve incluem vômito e diurese excessiva. Em algumas dessas desordens, pacientes criticamente debilitados podem necessitar tratamento intensivo. Em tais pacientes, hipocalcemia e baixos valores de PTH são frequentemente encontrados. Outra situação em que há influência da alcalose metabólica na secreção de PTH e no metabolismo do cálcio, é durante a chamada vaga alcalina pós-prandial, que se desenvolve regular e intermitentemente em animais de produção. Ambas as alcalose -metabólica e respiratória- diminuem drasticamente os valores de PTH. Esta diminuição não é causada por redução na meia-vida do PTH, nem pelo desenvolvimento de hipernatremia. A alcalose respiratória aguda, apesar de induzir hipofosfatemia, causa redução nos valores de PTH antes mesmo de alterar os valores de fosfato plasmático. Além disso, a resposta máxima do PTH à hipocalcemia também encontra-se diminuída em animais alcalóticos. Em um estudo sobre alcalose respiratória aguda em humanos nos quais o ph sanguíneo elevou-se até 7,48 os valores de PTH foram reduzidos concomitantemente com os valores de fosfato. Em um estudo controlado com cães, foi observado que a diminuição nos valores de PTH ocorre anteriormente à diminuição na concentração plasmática de fosfato. Assim, aparentemente as alterações no ph durante a alcalose respiratória diminuem a secreção de PTH de forma independente. Esta diminuição ocorre de forma mais rápida e de maior magnitude durante a alcalose respiratória do que metabólica, apesar de alterações similares no ph 7

extracelular. Uma possível explicação seria a de que a alcalose intracelular ocorreria mais rapidamente na alcalose respiratória devida a uma movimentação mais veloz do dióxido de carbono para o meio intracelular do que o bicarbonato. Além disso, a hipernatremia pode ser responsável pela diminuição mais lenta dos valores de PTH durante a alcalose metabólica. Durante a hipocalcemia, a resposta ao PTH foi prolongada em animais alcalóticos quando comparada com animais controle. Portanto, aparentemente a acidose -respiratória e metabólicaincrementa a secreção de PTH, enquanto que a alcalose -metabólica e respiratória aguda- reduz sua secreção. Além disso, estudos em cães sugerem que, para um mesmo grau de alteração do ph sanguíneo, acidose e alcalose metabólicas afetam a concentração de cálcio ionizado de forma mais evidente do que a alcalose e acidose respiratórias. Apesar do efeito específico da alcalose metabólica no osso, sua supressão da secreção do PTH pode apresentar um efeito separado. Em um estudo in vitro, foi demonstrado que, para qualquer ph específico, o PTH eleva o fluxo de cálcio do osso. Portanto, é provável que ambos os efeitos -direto no osso e de diminuição do PTH durante a alcalose metabólica-, contribuam para promover a deposição pós-prandial de cálcio nos ossos. Além disso, a vaga alcalina pósprandial durante um período em que o cálcio intestinal está sendo transportado para a corrente sanguínea deve resultar em uma maior concentração de complexo cálcio-bicarbonato. Referências bibliográficas BUSHINSKY, D.A., CHABALA, J.A., GAVRILOV K.L., LEVI-SETTI, R. Effects of in vivo metabolic acidosis on midcortical bone ion composition. American Journal of Renal Physiology, v. 277, p. 813-819, 1999. DELCLARO, G.R., ZANETTI, M.A.,CORREA, L.B., NETTO, A.S., PAIVA, F.A., SALLES, M.S.V. Balanço cátion-aniônico da dieta no metabolismo de cálcio em ovinos. Ciência Rural, v. 36:1, p. 222-228, 2006. GONZÁLEZ, F.H.D., SILVA, S.C. Introdução à bioquímica clínica veterinária. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2ª edição, 2006, 364 p. LOPEZ, I., AGUILERA-TEJERO, E., FELSENFELD, A.J., ESTEPA, J.C., RODRIGUEZ, M. Direct effect of acute metabolic and respiratory acidosis on parathyroid hormone secretion in the dog. Journal of Bone and Mineral Research, v. 17:9, p. 1691-1700, 2002. LOPEZ, I., RODRIGUEZ, M., FELSENFELD, A.J., ESTEPA, J.C., AGUILERA-TEJERO, E. Direct suppressive effect of acute metabolic and respiratory alkalosis on parathyroid hormone secretion in the dog. Journal of Bone and Mineral Research, v.18:8, p; 1478-1485, 2003. SCHENK, P.A., CHEW, D.J., NAGODE, L.A., ROSOL, T.J. Disorders of calcium: hypercalcemia and hypocalcemia. In: DiBARTOLA, S.P. Fluid, Electrolyte, and Acid- Base Disorders in Small Animal Practice. Missouri (EUA): Saunders, 3ª edição, 2006, cap. 6, p. 122-194. 8

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