Reconhecido por sua extensa dedicação no trabalho da difusão do espiritismo, inclusive fora do país, Miguel de Jesus Sardano é também conhecido por ter iniciado o que hoje é a maior feira do livro espírita do Brasil. Todo mês de abril, passam pelas dependências da Instituição Assistencial Amélia Rodrigues, obra que ele fundou em Santo André há 27 anos, cerca de 4 mil pessoas, que levam para casa 40 mil livros em dois dias de evento. No último megafeirão, Miguel Sardano concedeu esta entrevista ao Correio Fraterno, onde expõe o seu ponto de vista sobre o assunto bastante recorrente nas rodas espíritas: a venda do livro espírita juntamente com obras espiritualistas e de autoajuda. Nesta feira, este ano, percebe-se que há novas editoras, novas propostas. Qual a influência disso tudo para o movimento espírita? Temos notado a cada dia uma expansão, uma variedade muito grande. As próprias editoras estão com uma maior abertura e hoje fica muito difícil estabelecer uma espécie de índex no movimento espírita como havia antigamente. Não era uma censura, mas uma seleção. Temos aqui em Santo André, por exemplo, uma feira de livros genuinamente espíritas. Há uma equipe de pelo menos vinte pessoas que passa o ano inteiro lendo livros para ver se há alguma coisa antiespírita e está cada vez mais restrita, porque o leitor diz: "mas eu queria tal livro, porque foi citado lá no seminário..." 1 / 6
Foi assim que começou esse movimento? Tudo começou assim. As pessoas começaram a encomendar livros que eram citados em palestras. E hoje tudo está muito eclético. O senhor acha que a vinda dessas novas editoras, com obras espiritualistas, pode atrapalhar a divulgação do espiritismo? As pessoas que não estejam bem enfronhadas com a doutrina, não participam de casas espíritas efetivamente, não fazem parte de cursos é possível que façam confusão. Mas ficou muito difícil comercialmente para todos os segmentos do mercado. A Aliança Espírita Evangélica, a Federação Espírita, as distribuidoras Mundo Maior, Boa Nova, Candeia, todas estão trabalhando conosco nessa sequência espiritualista e autoajuda. O caso da umbanda é um caso à parte, porque eles estão querendo mostrar mais aquilo que não é umbanda. Estão muito preocupados, porque estão confundindo umbanda com magia, com adivinhação, etc. Mas e a pureza doutrinária, como fica? Nós pensamos muito nisso, na questão da pureza doutrinária, que hoje não dá mais para segurar. E isso está também nos programas de rádio, de TV... Fazemos a divulgação, até porque tratam-se de obras edificantes, todavia, somos cautelosos no sentido de não patrocinar qualquer tipo de distorção que venha a confundir o leitor. A divulgação do espiritismo e a pureza doutrinária sempre serão nossas principais preocupações. Por que o senhor acha que deve haver essa abertura no mercado? O comercial vai pesar mais que o editorial? Existe essa preocupação também, de que haja muita comercialização, mas outro fator é a sobrevivência das editoras, que está sendo muito difícil, porque elas vivem do faturamento, das vendas, da procura dos títulos... 2 / 6
Se não for assim, o que o senhor acha que vai acontecer com as editoras? Vai ter uma restrição muito grande e poucas editoras vão sobreviver. Agora existem aquelas que tradicionalmente, como a FEB e a USE, por exemplo, que não editam uma obra que não seja genuinamente espírita... Mas elas estão dentro do papel delas... Não é que não podem, mas é que ficam dentro dos seus estatutos, que não permitem. Não há como proibir a pessoa de fazer sua escolha de acordo com os seus interesses, mas há a responsabilidade que recai sobre nós, como espíritas, de oferecermos obras que possam comprometer o seu entendimento. 3 / 6
Muitas pessoas sugeriram que eu separasse na feira a ala espírita, a ala espiritualista, a ala de autoajuda e outros, diversos. Aqui tem os livros do padre Melo, dois livros do papa, livro de culinária, de meditação... Mas aí como fazer? Vamos limitar a participação das editoras. Nós é que teríamos de dizer a elas, esse pode, esse não pode. É difícil. Estamos com essa saia-justa... Como o movimento espírita tem visto isso ultimamente? Quase não se fala nada. Porque as feiras estão todas assim, aderindo ao segmento espiritualista e autoajuda. Senão, não sobrevivem. Como o senhor, como espírita, analisa essa situação? Cada vez mais está se transferindo para que cada pessoa tenha seu próprio discernimento. Porque tivemos no passado, por exemplo, o Herculano Pires, o Ary Lex, que combatiam muito essa coisa e defendiam a pureza doutrinária, mas eram outros tempos... Hoje, por exemplo, a Suely [Caldas Schubert] faz pesquisa e nesse novo livro dela Os poderes da mente cita quarenta autores. As pessoas começam a querer também esses livros e aí vão comprar um aqui, outro acolá... E não são os espíritas que vão fazer parar? Não. Alguma força que está por trás de tudo isso, com tantos títulos de espiritualidade. Por exemplo, o fenômeno Zíbia Gasparetto; muita gente tem restrições, mas eu conheço centenas de pessoas que se tornaram espíritas lendo seus romances. Ela fala de reencarnação e, se a pessoa quiser aprofundar, começa a perguntar, a fazer parte de um curso, a comprar livros. Fica muito difícil restringir. Há quem defenda que essa divulgação misturada é um 'movimento das trevas', 4 / 6
justamente para confundir e atrasar o progresso sobre as verdades espirituais. Eu nunca pensei nesse lado... Mas o Kardec abordou, o rótulo não é muito importante. Eu acho que a humanidade não vai se tornar espírita. Agora, como as ideias espíritas estão estruturadas na verdade, vão prevalecer. Como o senhor vê essa feira daqui a cinco anos, por exemplo? Vejo que haverá cada vez mais uma expansão maior. E sobre esses livros não espíritas? Eu mesmo estou lendo para conhecer melhor o assunto e saber responder por exemplo: no espiritismo o que é um orixá? Eu respondo que são os diversos níveis espirituais, mas não são outros seres alienados... Eles têm que explicar o seu histórico, da escravidão, do candomblé, da imposição do catolicismo, da adaptação com o sincretismo. Isso tudo tem uma longa história que pode ser contada. Por que não? Como é montar a estrutura de uma feira como esta? Muita gente pergunta e não se tem ideia do gasto que temos com aluguel de equipamentos, segurança. E por que tem tanto desconto? Porque a editora aqui vende independentemente da distribuidora e da livraria, com desconto maior ao cliente. O lucro que chega para nós é pequeno Temos 10% brutos de tudo o que é vendido. Desses 10, tiramos todas as despesas e restam 4 ou 5%. 5 / 6
Seria realmente mais pela divulgação... Sim. Não teria outro sentido. Publicado no jornal Correio Fraterno - edição 451 - maio/junho 2013 6 / 6