LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO: PERSPECTIVAS E RETROCESSOS



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Transcrição:

LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO: PERSPECTIVAS E RETROCESSOS Tudo quanto o espírito inventivo do homem criou nos últimos cem anos, poderia assegurar-nos uma vida despreocupada e feliz se o progresso em matéria de organização tivesse caminhado a par do progresso técnico. Mas, assim, tudo quanto se conseguiu à custa de muito esforço, lembra, nas mãos da nossa geração, uma lâmina de barbear na mão duma criança de três anos (Albert Einstein) Atualmente, tramitam no Brasil três propostas de alteração legislativa sobre o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente causadores de degradação ao meio ambiente. Dois projetos de lei tramitam, em regime de urgência, no Congresso Nacional, um na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Federal Luciano Zica 1, e outro no Senado Federal, de autoria do Senador Romero Jucá, cujo relator é o Senador Blairo Maggi 2. No Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA tramita o processo administrativo nº 02000.001845/2015-32, objetivando a alteração das Resoluções nº 01/1986 e nº 237/1997, as quais regulamentam o procedimento de licenciamento ambiental no país. O licenciamento ambiental é procedimento administrativo por meio do qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos naturais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso 3. Trata-se de uma garantia social estabelecida na Constituição Federal em favor das presentes e futuras gerações, assegurandolhes o uso e o gozo do meio ambiente equilibrado, bem de uso comum, a fim de que se permita a todos uma vida humana com dignidade. O agente licenciador é um órgão do Poder Executivo (Federal, Estadual ou Municipal), integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente 4. De outro lado, o empreendedor é aquele de deseja licenciar uma determinada atividade potencialmente causadora de danos ambientais, podendo ser uma pessoa física ou jurídica, esta última pública ou privada. Entre os polos desta relação de licenciamento existem as pessoas físicas (população em geral) e os 1 Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n.º 3729/2004; 2 Projeto de Lei do Senado Federal n.º 654/2015; 3 Art. 1º da Resolução Conama 237/1997; 4 No âmbito federal, este órgão é o IBAMA;

entes direta ou indiretamente afetados pelo empreendimento que se pretende licenciar (entes federativos, unidades de conservação, comunidade científica, povos e comunidades tradicionais etc.). Hoje, o documento base com que o órgão ambiental analisa a viabilidade de um determinado empreendimento é o estudo de impacto ambiental (EIA), elaborado pelo interessado a partir de um termo de referência expedido pela agência licenciadora. Com isso, inicia-se o procedimento escalonado de análise da viabilidade ambiental do empreendimento e sua localização (licença prévia), das etapas de instalação e seus danos (licença de instalação) e da operação propriamente dita (licença de operação). Tal sistema permite o conhecimento do empreendimento proposto, a verificação de sua viabilidade e localização e direciona a mitigação os danos desde a instalação até a operação. Durante todo o procedimento administrativo de licenciamento é possível a participação popular, por meio de audiências públicas a serem necessariamente realizadas, como condição de validade da licença ambiental 5. Na sistemática atual, é possível prevenir ações geradoras de danos já conhecidos pelo atual estado da ciência e inibir outras cujos danos sejam desconhecidos, mas previsíveis (princípios da prevenção e da precaução). Permite-se, ainda, a análise das características de cumulatividade e de sinergia entre empreendimentos colocalizados em uma determinada região e os danos por eles gerados, contrapondo-os com a capacidade de suporte dos recursos naturais desta mesma localidade, com evidente objetivo de assegurar a manutenção do equilíbrio dos processos ecossistêmicos 6. Em todo o processo de licenciamento é assegurado o direito à informação ambiental qualificada, bem como a participação popular previamente à emissão das respectivas licenças. Trata-se de requisito de validade da licença ambiental, cujo escopo é a educação ambiental em todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente, conforme entendimento pacificado nos tribunais superiores 7. 5 Arts. 8º, 9º e 10 da Resolução CONAMA nº 237/1997; 6 Arts. 5º e 6º da Resolução CONAMA nº 01/1986; 7 V.g. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. LICENÇA AMBIENTAL. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. Em matéria de meio ambiente vigora o princípio da precaução que, em situação como a dos autos, recomenda a realização de audiências públicas com a participação da população local. Agravo regimental não provido.(agrg na SLS 1.552/BA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/05/2012, DJe 06/06/2012);

O vigente procedimento administrativo de licenciamento ambiental é desdobramento direto da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei Federal nº 6.938/1981, que tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, assegurando, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses de segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Por conseguinte, como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, o licenciamento ambiental deve, inexoravelmente, visar à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, à divulgação de dados e informações ambientais, à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico, à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à preservação e restauração dos recursos ambientais, buscando a sua utilização racional e disponibilidade permanente, além da imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados 8. Em síntese, no atual modelo de licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, as ações governamentais devem buscar a manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, garantindo-se o uso coletivo, a racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar, bem como o planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais 9. Contudo, os projetos de alteração legislativa antes mencionados 10, embora com regulamentações distintas, trazem grandes retrocessos para a proteção do meio ambiente, se comparado ao sistema vigente, violando cabalmente Princípios estabelecidos na Política Nacional do Meio Ambiente 11, na Constituição Federal de 1988 12 e em Convenções e Tratados internacionais de Direitos Humanos de que o Brasil e signatário 13. Fundamentalmente, as três proposições se assemelham nos seguintes pontos ao buscarem regulamentar: (a) prazos exíguos e peremptórios para análises técnicas de alta complexidade; (b) possibilidade de supressão de fases do procedimento de licenciamento, mesmo para 8 Art. 4º, inciso I, da Lei Federal nº 6.938/1981; 9 Art. 2º da Lei Federal nº 6.938/1981; 10 Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n.º 3729/2004, Projeto de Lei do Senado Federal n.º 654/2015, Processo administrativo CONAMA nº 02000.001845/2015-32; 11 Lei Federal nº 6.938/1981; 12 Art. 225, 1º, inciso I e IV; 13 Conferência Mundial do Clima, em Paris, na França, no final do ano de 2015 (COP 21);

projetos que envolvam atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente; (c) possibilidade de dispensa de documentos técnicos essenciais (EIA/RIMA, inclusive, mesmo para atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental) e limitação na fixação de condicionantes nas licenças ambientais; (d) tratamento insuficiente para o tema da cumulatividade e sinergia de impactos para uma dada região, permitindo que vários projetos similares sejam analisados separadamente, ignorando-se o conjunto dos impactos negativos; (e) excessiva ampliação da discricionariedade do órgão licenciador na dispensa de etapas e exigências de estudos técnicos; e (f) reduzida participação e interferência de demais órgãos técnicos, sociedade civil e comunidade científica no procedimento de licenciamento, tudo em comparação à disciplina atual da matéria, hoje determinada pelas Resoluções CONAMA 01/86 e 237/1997. No caso da proposta em trâmite no CONAMA, estão previstas, ainda, as modalidades de (a) licenciamento por adesão e compromisso 14, no qual o proponente apenas adere a critérios e condições pré-estabelecidas, sem qualquer análise das peculiaridades do caso concreto e (b) licenciamento por registro 15, de caráter declaratório, no qual o empreendedor insere em meio eletrônico os dados e informações relativos ao empreendimento, somente disso resultando a emissão da licença. Com a proposta, eventuais omissões, inverdades ou ausência de dados específicos do caso concreto que venham a provocar danos ambientais seriam resolvidas por meio de multas administrativas e pela reparação posterior do dano. Neste ponto, a proposta reflete a sistematização da violação aos princípios da precaução e da prevenção. Antes que se atribua ao rito do licenciamento a demora na expedição das licenças e autorizações ambientais, é importante registrar que, em boa parte dos casos, o entrave para uma solução mais célere decorre de conflitos sociais e demandas judiciais fundamentadas exatamente na inobservância de cautelas em relação aos bens socioambientais, muitas vezes em total afronta à legislação e às próprias informações técnicas produzidas pelo órgão licenciador ou, ainda, por importantes setores da comunidade científica, da sociedade civil ou dos conhecimentos tradicionais. Um processo legitimamente democrático - com participação informada e considerada por certo terá menores chances de ser questionado e ver seu curso interrompido. Este cenário permite um planejamento mais seguro pelo empreendedor e um licenciamento responsável e participativo pelo Estado. A partir das alterações propostas, nem 14 Arts. 8º e 32/35 da proposta CONAMA (processo nº 02000.001845-32); 15 Arts. 9º e 36/37 da proposta CONAMA (processo nº 02000.001845-32);

a celeridade, nem a segurança serão alcançadas. Os riscos econômicos e ambientais se incrementarão e as consequências, algumas já experimentadas, serão irreversíveis. Uma breve análise nas propostas não evidencia qualquer aprimoramento do licenciamento. Ao contrário, permite concluir pela condução ao aniquilamento desse importante instrumento de segurança ambiental, anuindo com o incremento do risco de um sem número de desastres ambientais com graves consequências não apenas sociais, mas também econômicas. A verdade reside no fato de que interesses políticos e econômicos estratégicos muitas vezes legítimos têm se sobrepostos a também legítimos interesses à segurança quanto à qualidade de vida das presente e futuras gerações. As alterações propostas ao processo de licenciamento, ao invés de buscar maior compatibilidade entre estes grupos de interesses, permite ainda maior sobreposição de uns aos outros, em especial ao buscar, mesmo sob o custo do alto risco ambiental, celeridade ao licenciamento de empreendimentos que, pela própria natureza, demandam cautelas em razão dos riscos que podem trazer. Ademais, a linha de conduta contida nas propostas de alteração legislativa em comento é contrária aos princípios e compromissos assumidos pelo Brasil na Conferência Mundial do Clima, em Paris, na França, no final do ano de 2015 (COP 21), sendo também contrária à razoabilidade e proporcionalidade previstas para os atos do Poder Público, além de inconsistente ante ao internacionalmente reconhecido princípio do desenvolvimento econômico sustentável, em suas matrizes econômicas, sociais e ambientais, previsto em vários dispositivos da Constituição Federal e em inúmeros tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Acima de tudo, não apenas o conteúdo, mas principalmente a forma e o caráter de urgência que revestem essas alterações propostas exigem um olhar atento e uma atitude participativa de todo o Estado Brasileiro, seja dos órgãos públicos, em especial daqueles que têm por missão constitucional a defesa do meio ambiente e dos direitos da pessoa humana, seja da comunidade científica, cujo conhecimento exerce papel fundamental na busca pela segurança técnico-científica, seja, principalmente, da sociedade em geral, representada nas suas mais diferentes formas, em movimentos ou comunidades, associações ou cidadãos individualmente considerados. Portanto, no momento em que a sociedade contemporânea e grande parte das nações desenvolvidas discutem, em fóruns e encontros

internacionais, como frear o processo civilizatório baseado no consumo irrefletido, predatório e insustentável dos recursos naturais planetários, é inconcebível que o Brasil, referência em legislação ambiental, discipline seu processo de licenciamento para empreendimentos impactantes, tanto do ponto de vista social como ambiental, fundado em uma premissa claramente equivocada de que sua agilidade deve ser buscada com sacrifício aos princípios da prevenção e precaução, da participação democrática e da supremacia do interesse público sobre o particular.