POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ESPORTE E LAZER: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA DE DIRIGIR O CARRO



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Transcrição:

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ESPORTE E LAZER: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA DE DIRIGIR O CARRO Nei Alberto Salles Filho Universidade Estadual de Ponta Grossa Grupo de Pesquisa Esporte, Lazer e Sociedade Resumo Este artigo estabelece reflexões sobre políticas públicas para o esporte e lazer em função do argumento da relação continuidade/descontinuidade de programas e projetos. Aponta para a necessidade de pautar ações em relação ao esporte e lazer no aspecto de características centrais das políticas públicas: gratuidade, prestação de serviço de qualidade e prioridade para grupos vulneráveis nos aspectos econômico e social. Palavras-chave: Lazer, Esporte, Políticas Públicas. Abstract: This article establishes reflections about public politics for the sport and leisure in function of argument of the relationship continuity/discontinuity of programs and projects. It appears for the need of ruling actions in relation to the sport and leisure in the aspect of central characteristics of the public politics: gratuitousness, rendering of quality service and priority for vulnerable groups in the economical and social aspects. Keywords: Leisure, Sport, Public Politics. A metáfora de dirigir o carro é usada com freqüência quando se pretende relacionar ações duradouras. A lógica é simples na medida em que também é profunda. Quando estamos dirigindo um carro temos sempre o objetivo final, que é chegar bem a algum lugar, com segurança, eficácia, enfim, chegar sem problemas. Porém, para atingir o objetivo de chegar, precisamos nos concentrar nas ações do presente, ou seja, dominar com qualidade os procedimentos, troca de marcha, aceleração, enfim, estar conscientes de todo o processo. Como parte desse dirigir o carro existe outra dimensão fundamental que é estar atento ao que está atrás, através do retrovisor, simbolizando as coisas que estão passando, mas que não podemos esquecer e prestar atenção. Guardados os limites e múltiplas interpretações dessa metáfora, nossa intenção é fazer um paralelo de dirigir o carro com as políticas públicas, particularmente no âmbito do esporte e lazer. Isso nos sugere pensar as possibilidades e limites de continuidade/descontinuidade de ações, o que compromete sobremaneira a qualidade da política social. Voltando à metáfora e comparando, podemos afirmar que ela tem uma lógica que agrega futuro-presente-passado na mesma ação. Podemos dizer que o futuro (o caminho a se chegar), no caso das políticas públicas, são justamente as metas, fins, objetivos do governo. Aqui cabe a primeira ressalva, será que os objetivos estão relacionados a um bom caminho (se pensarmos no carro)? Existe a descrição clara de um plano de governo na área de esporte e lazer? Ele é fruto de discussão e participação dos entes relacionados à área ou é uma proposta

milagrosa definida por alguns e imposta à toda a população. Afinal é uma política pública que pretende chegar a algum lugar com segurança e eficácia, ou pretende apenas ficar na estrada da promessa, de ações superficiais, o que é muito comum no esporte e lazer. Uma pista para balizar essa estrada está expressa na Constituição de 1988, quando no artigo 217, ao tratar do deporto entre outras questões apresenta: Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, [...] II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; [...] 3º O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social. Considerados como direitos sociais pela Constituição cidadã de 1988, esporte e lazer, especialmente em relação à promoção prioritária do deporto educacional, ainda parecem longe de encontrar um caminho mais positivo na inclusão de maior parte da população que mais requer a atenção púbica. Em que pesem os processos positivos desde a Constituição, temos uma situação que fortalece essa preocupação, que é a criação do Ministério do Esporte (ME), no início do Governo Lula (2003). A criação do Ministério valoriza o esporte e o lazer como áreas de preocupação do governo federal em relação ao fortalecimento da estrutura e da organização de sistemas e políticas contínuas. Uma das ações do ME, foi a realização da I Conferência Nacional do Esporte (2004), precedida pelas respectivas conferências municipais, regionais e estaduais. Esse movimento, que reuniu milhares de pessoas em toda a rede, foi um marco na possibilidade de congregar todos os envolvidos no processo de esporte e lazer nacional (entidades profissionais, instituições de ensino, entidades de administração esportiva, atletas, ONGs, OCIPs, usuários, demais agentes sociais de lazer e esporte, além dos entes federativos). Da conferência surgiram dimensões para orientar o caminho a ser construído nos próximos anos para a área. Muitos desses aspectos serão ampliados e definidos durante a II Conferência (maio de 2006). Retornando à questão chave da Conferência Nacional do Esporte: [...] assegurar e facilitar o acesso de todos às atividades esportivas e de lazer, sejam por trabalhadores e trabalhadoras qualificados, como parte do compromisso do governo de reverter o quadro de injustiças, exclusão e vulnerabilidade social que aflige a maioria da população brasileira. Leva em conta, para isso, que o esporte e lazer são direitos sociais e, por isso, interessam à sociedade, devendo ser tratados como questões de Estado, ao qual cabe promover sua democratização, colaborando para a construção da cidadania. (2004, p.09)

Considerando as questões levantadas podemos questionar se na realidade brasileira atual, algum governo, seja em que esfera for, pode supor objetivos diferentes dos apresentados pela conferência nacional? Partidos políticos, grupos regionais ou locais, estão sintonizados nas questões de pano de fundo social presentes no esporte e lazer? Ou desenvolvem suas ações sem se dar conta desses condicionantes. Nesse ponto entramos na segunda parte da metáfora, que é dominar os elementos para seguir bem na estrada. O que entendemos como trocar marcha, acelerar, fazer curvas, etc, são as dimensões ligadas à gestão do processo e ao conhecimento histórico produzido na área de esporte e lazer. Até que ponto as pessoas responsáveis pela gestão do esporte e lazer nas cidades, tem conhecimento, preparo e domínio de: aspectos sociais relevantes para o fomento, implantação e implementação de políticas para a área? Continuando, esses gestores conhecem minimamente os processos de planejamento estratégico, estabelecimento de metas, consolidação de políticas e socialização de resultados? Na esfera mais particular, os gestores conseguem viabilizar a formação contínua dos recursos humanos, elemento fundamental para a prática das políticas públicas? Além disso, conhecem as possibilidades de financiamento para área, discutem suas ações de maneira intersetorial, potencializando recursos da administração, reforçando cada vez mais o esporte e lazer na agenda das cidades? Aqui vale ressaltar o exposto na conferência nacional do esporte como princípios do Sistema Nacional do Esporte e Lazer, estabelecidos pela Conferência Nacional do Esporte: O projeto histórico de sociedade comprometido com a reversão do quadro de injustiça, exclusão e vulnerabilidade sócia ao qual se submete grande parcela de nossa sociedade; O reconhecimento do esporte e lazer como direitos sociais; A inclusão social compreendida como garantia do acesso aos direitos sociais de esporte e lazer a todos os segmentos, sem nenhuma forma de discriminação, seja de classe, etnia, religião, gênero, nível sócio-econômico, faixa etária e condição de necessidade especial de qualquer espécie; A gestão democrática e participativa, com ênfase na transparência no gerenciamento dos recursos. (2004, p.19) Ressaltamos que não obstante a Conferência Nacional do Esporte tenha sido realizada no Governo Lula, ela explicita de maneira clara todo o percurso desenvolvido no esporte e lazer no Brasil durante os governos anteriores. Isso dá legitimidade ao processo, e, de certa forma, garante a continuidade das ações independente de grupos ou partidos que se alternam nos governos federal, como nos estaduais e municipais. Um exemplo desse fenômeno é o Sistema Único de Saúde (SUS), que embora ainda possua inúmeros problemas sérios em seu funcionamento, tem sido desenvolvido há mais de quinze anos, mantendo continuidade e

aperfeiçoamento independente de governos com orientações político-ideológicas divergentes. Ainda pensando na metáfora e no momento presente (dirigindo com atenção), ou seja, nas competências dos gestores, são apontadas em as diretrizes para o esporte e lazer estabelecidas pela Conferência Nacional do Esporte: Política esportiva e de lazer descentralizada; gestão participativa; acesso universal; controle social da gestão pública; desenvolvimento da nação, integração étnica, racial, sócio-econômica, religiosa, gênero e de pessoas com deficiência e com necessidade especial de qualquer natureza, desenvolvimento humano e promoção da inclusão social. (2004, p.20) As diretrizes estabelecidas aprofundam os princípios, enfatizando que os gestores do esporte e lazer, nas esferas federal, estadual e municipal, sejam protagonistas de ações eficazes para cada vez mais reforçar o papel do esporte e lazer como elementos privilegiados de desenvolvimento humano. Como estamos argumentando, muitas vezes as políticas públicas são percebidas pelo senso comum como obras mirabolantes de políticos e não como um processo de ampliação e manutenção de direitos sociais. Obviamente entendemos que as políticas sociais brasileiras ainda carecem de muito trabalho e tempo para ficarem mais articuladas e gerarem efetivamente cidadania participativa. Porém, ao mesmo tempo, reconhecemos que é na discussão, debate e ações de todos os segmentos envolvidos num pacto social, onde temos a possibilidade de avançar. Reforçamos que as políticas públicas surgem da prática social e das necessidades humanas, por isso a importância fundamental de se observar os documentos oficiais. Fechando o raciocínio em relação as competência de gestores do esporte e lazer, enfatizamos os objetivos que devem nortear as ações atuais no esporte e lazer, estabelecidas pela Conferência Nacional do Esporte: Promover a cidadania esportiva e de lazer, na sua dimensão científica, política e tecnológica, com ênfase nas pesquisas referendadas socialmente; Garantir a democratização e a universalização do acesso ao esporte e lazer, na perspectiva da melhoria da qualidade de vida da população brasileira; Implementar a descentralização da gestão das políticas públicas de esporte e lazer; Detectar e desenvolver talentos esportivos em potencial e aprimorar o desempenho de atletas e paraatletas de rendimento; Fomentar a prática do esporte educacional e de participação, para toda a população, e o fortalecimento da identidade cultural esportiva a partir de políticas e ações integradas a outros segmentos. (2004, p.20)

Os objetivos estabelecidos para a construção de um Sistema Nacional de Esporte e Lazer (SNEL) apontam para pontos relevantes. Além do que já foi observado durante o texto, apontamos para outras dimensões como a ratificação do que vem sendo discutido já há algum tempo que é a organização do esporte nacional em três dimensões: rendimento, educacional e de participação. Outra questão a ser enfatizada é a necessidade de articular ações intersetoriais. As ações intersetoriais se caracterizam por reduzir custos e evitar duplicar ações de governo com características próximas. No caso do esporte e lazer, inúmeros setores possuem essas características como: saúde, educação, cultura, turismo, assistência social, entre outras. Isso reforça a questão já levantada no texto de que o esporte e lazer são elementos privilegiados de políticas públicas (particularmente municipais) através do aspecto da qualidade de vida que pode ser gerada pelas suas práticas. O terceiro aspecto da metáfora é olhar o retrovisor. Isso, em políticas públicas, significa não abrir mão de projetos e programas que tenham obtido resultados positivos. Mas o que vemos, ainda hoje, são administrações, especialmente municipais, que simplesmente acabam com projetos anteriores, sem argumentos razoáveis, unicamente motivados pelo acabar com o que foi feito pelo anterior. Esse fenômeno ocorre tanto em municípios pequenos, como de médio e grande porte. Esse processo é considerado talvez o mais prejudicial para as políticas públicas, pois a cada quatro anos corre-se o risco de tentar reinventar a roda, prejudicando ações contínuas para quem mais depende delas. Porém, essa noção de não continuidade de ações foi apontada no início do texto como a contradição descontinuidade/continuidade, pois muitas vezes na passagem de uma administração para outra, mudam-se os nomes dos projetos e seus objetivos, metas, etc. Mas na prática, muitas vezes, os agentes diretos dos projetos são os mesmos (recursos humanos das secretarias de esporte e lazer), que muitas vezes mantém um certo grau de continuidade na forma de operacionalização dos projetos e programas. A contradição apontada traz questões: a primeira é que esse processo, independente dos avanços e recuos, ainda fica nas mãos da administração pública. A segunda questão é que se todos os projetos são tão adequados, porque ainda se padece tanto de políticas consistentes para esporte e lazer? A terceira e talvez definitiva, porque esporte e lazer, em que pesem tantos argumentos positivos nos discursos e na justificativa dos projetos e programas, ainda ocupam um lugar periférico, ou pior, mínimo, no quadro das políticas sociais? Como pista para reflexão apontamos para algo que ainda não aparece muito nos retrovisores, que é a experiência de participação popular, parcerias mais profundas com instituições de ensino superior, debate com demais agentes sociais do esporte e lazer. Enfim, o que falta ver no retrovisor são coisas que precisamos fortalecer, a participação cidadã nos rumos referentes ao esporte e lazer! E isso somente se concretiza com administrações públicas realmente comprometidas com seu papel de emancipação em relação ao cidadão. E isso não é premissa de um partido político ou outro, mas de quem realmente faz das políticas públicas, instrumentos de cidadania plena!

Referencial Bibliográfico BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1990, 168p. I CONFERÊNCIA NACIONAL DO ESPORTE (Brasil). Esporte, Lazer e Desenvolvimento Humano: documento final. Brasília: Ministério do Esporte, 2004.