A Construção de proposta de cursos de pós-graduação na perspectiva da Transdisciplinar



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Transcrição:

A Construção de proposta de cursos de pós-graduação na perspectiva da Transdisciplinar Luiza Klein Alonso, Ed. D 1. Os desafios e tendências para a educação nos fazem refletir sobre o modo como a ciência vem sendo produzida, o que nos obriga a identificar duas dimensões, as questões epistemológicas e as de ordem ética. É neste contexto que precisamos nos perguntar se a forma como a ciência vem sendo feita resulta em felicidade para todos, em um mundo mais justo, fraterno e auto sustentável, sem exploração do ser humano e sem destruição dos recursos naturais. Que tipo de mundo nos espera no terceiro milênio? Que tipo de mundo gostaríamos de ter no século XXI? No atual momento há uma insatisfação com os modelos de desenvolvimento criados a partir de pressupostos científicos nas últimas gerações. Certamente, a ciência contribuiu para a diminuição de doenças, da fome e da exploração do ser humano, e continuará tendo um papel de destaque no que se avizinha ser a Sociedade do Conhecimento que já está em construção. A Sociedade emergente vem se manifestando em dois grandes processos interligados: o da globalização e o do acelerado avanço da ciência e da tecnologia. A globalização afeta todos os setores da economia, desde a estrutura produtiva, a organização das empresas até as características do mercado de trabalho, resultando em mudanças que trazem conseqüências importantes para a expectativa de vida, o trabalho e o bem-estar de todos. Para os que trabalham com educação torna-se fundamental perguntar: Até que ponto os atuais sistemas educativos preparam os adolescentes e as crianças para este mundo novo? Estará a juventude preparada para enfrentar estes desafios de maneira criativa e com imaginação, ou simplesmente viverá passivamente a grande transformação e irá se adaptar de alguma maneira ao que está acontecendo? Qual é a responsabilidade da escola e da universidade neste mundo em transformação?. Como estamos nos preparando para o futuro que já começou? É importante lembrar que a globalização não se expressa apenas nas relações econômicas, provocando uma transformação paulatina da nossa visão de mundo, da nossa identidade nacional e da consciência de nos mesmos, questionando a concepção tradicional de estado nacional, de soberania nacional e de quem somos nós. O que acarreta novas perguntas: Que impactos tem estes fenômenos sociais sobre a identidade cultural? Como afetam nossos comportamentos, nossas relações interpessoais? Nossa visão do Outro? O que os sistemas educativos estão fazendo a este respeito? Estarão a altura dos desafios da nova "aldeia mundial" que se está construindo? As oportunidades de educação serão as mesmas para jovens de diferentes grupos étnicos, das mais diversas culturas que convivem no mundo multicultural de nossos dias? Certamente, a globalização não é apenas um monstro, há os que a defendem enquanto oportunidade para romper velhos paradigmas, compartilhar o progresso e o bem estar. Mas, uma globalização que parte do pressuposto de que o crescimento econômico deve ser constante, de que o aumento do produto interno deve ser superado a cada ano, sem levar em consideração os custos sociais, culturais e ambientais precisa ser analisada com cautela. É necessário nos perguntarmos: Que mudanças/transformações precisam ser feitas nos sistemas educativos para que ocorra uma globalização responsável, com consciência social com solidariedade universal, com respeito a Natureza (ou Gaia, na qual nós seres humanos seriamos 1 Doutora em Administração e Planejamento de Programas Sociais pela Universidade de Harvard/ USA 1

apenas uma minúscula parte), com esperança para as gerações futuras? E, mais: Estamos preparados para realizar estas mudanças e transformações? Quanto ao avanço das ciências e da tecnologia observamos não apenas o acelerado desenvolvimento, mas a rapidez com que as mudanças tecnológicas afetam nossa vida, o nosso cotidiano e a crescente alienação quanto às conseqüências e impactos da tecnologia no nosso dia a dia. Os avanços tecnológicos são tão acelerados que alguns já está defasados quando chegam ao mercado. Por outro lado, as descobertas científicas precisam de um tempo mais longo para poderem ser incorporadas no domínio público e ao corpo de conhecimento que se transmite através do ensino institucionalizado. A ciência que se ensina nos dias de hoje, não será a ciência de amanhã, e ai como faremos? De que servirá para um jovem passar anos em uma instituição que não irá prepará-lo para este novo mundo que já está em formação? Mais que a difusão e a aplicação da ciência, precisamos nos questionar sobre o vazio entre a vanguarda científica e tecnológica e a incorporação dos avanços nos sistemas de ensino. A formação de uma massa crítica necessária para avançar o processo da produção científica é básica na nova ordem social, os países que não produzirem serão meros consumidores de uma ciência e uma tecnologia que talvez não lhes seja a mais adequada. Sabemos, que os avanços da ciência e da tecnologia afetam de maneira direta a determinação de prioridades, a seleção de áreas e temas de trabalho, assim como a distribuição de recursos. Se um dos objetivos da educação é promover o conhecimento científico e suas aplicações nos problemas práticos que vivenciamos, que tipo de ciência se fará nos países em desenvolvimento, ou periféricos? Quem irá se beneficiar destes processos, quem irá controlar o como fazer? Estas duas tendências têm efeitos diversos ao longo dos espaços geográficos e sobre as diferentes populações no mundo, mas não se pode deixar de pensar nos fenômenos que elas estão acelerando, a exclusão social voltou a ganhar proporções dos tempos medievais. O mito de que a globalização, o crescimento econômico constante e os avanços da ciências não trazem por si uma sociedade mais livre, justa, ou níveis de bem estar material e espiritual distribuídos de forma eqüitativa. A desocupação é constante nos países do primeiro mundo, a pobreza extrema dos países do terceiro mundo só faz crescer. A crescente concentração de riqueza em alguns países e em alguns extratos da sociedade não garantem um mínimo de bem estar para a população mundial. Como, então, a educação pode ser um instrumento de mudança neste panorama? Como a educação vai se posicionar? As conseqüências sociais, culturais e psicológicas de toda a violência que está sendo construída e vivida por todos afetam as novas e futuras gerações. Até que ponto nosso conceito de ensino está adaptado para um mundo conflitivo e violento no qual os valores humanos são desconhecidos e desrespeitados continuamente? Como pensar a educação para estes milhões de seres que nascem da violência e se nutrem do desespero. Formulando um proposta para os novos tempos Diante de tantas perguntas, é insensato pensar que a educação irá resolver todos os grandes desafios, velhos e novos, que se apresentam. O desafio para os educadores é pensar em novos processos de formação que ultrapassem a fragmentação e o isolamento do conhecimento, sem desconsiderar sua importância, enfatizando o auto-conhecimento, o hetero-conhecimento e o eco-conhecimento. A intenção é a de ser um espaço de construção e fixação de novos parâmetros epistemológicos e científicos, de encaminhamento de diretrizes éticas e teórico-metodológicas que, simultaneamente, atravessem e superem as escolhas e os modelos vigentes. O desafio é o de 2

ir além das disciplinas, como forma de pensamento e de abordagem metodológica, comprometido com a geração de soluções adequadas e compatíveis com as necessidades humanas e sociais. O objetivo é o de redimensionar as relações do ser humano com o ambiente e com as forças que o constituem, em todos os seus níveis de realidade em que a complexidade os determina e ao mesmo tempo lhes é endógena, agregando explicações e justificativas a partir dos múltiplos olhares dos investigadores com o intuito de criar novas e inesperadas compressões consorciadas com intervenções fecundas e comprometidas com uma ética fundamentada na justiça social, na solidariedade e na não violência. O pressuposto inicial é o de que a história do ser humano é caracterizada por um permanente movimento de pensamento e de pesquisa que opera sobre questões particulares advindas de diversos horizontes, como, a relação entre o indivíduo, a sociedade e o ambiente; a dinâmica e a transformação dos diferentes processos cognitivos e simbólicos que promovem a saúde pessoal e coletiva; as construções e reconstruções da subjetividade; as representações sociais e os sistemas mentais que operam na criatividade, no desenvolvimento do trabalho e da tecnologia. Tal reconhecimento firmava a necessidade de se aprofundar a contribuição para o desenvolvimento do saber e da práxis a partir da interseção entre as diferentes áreas do conhecimento científico, favorecendo a produção transdisciplinar. A discussão sobre Transdisciplinaridade (TD) iniciada por Jean Piaget em 1972 abriu um novo horizonte ao definir a TD pelo respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e além de toda disciplina, buscando a unidade do conhecimento e tendo como finalidade a compreensão do mundo atual, conforme o a Carta da Transdisciplinaridade assinada pelos participantes do Congresso de Locarno, realizado em 1997 com apoio da UNESCO. Certamente, a definição exige um novo olhar, menos normativo e fragmentado, e mais integrado. A proposta não se limita apenas a ser uma resposta as limitações das diferentes áreas da ciência, isoladamente; mas a de articular à percepção da existência de certos fenômenos que não podem ser adequadamente abordados por uma só disciplina. São os fenômenos que emergem de uma ordem de indeterminação entre o social, o pessoal e o ambiental e que não se prestam a uma observação fragmentada, rápida e abstrata dos diferentes níveis da realidade. Pressupostos Teóricos O entendimento dos pressupostos teóricos de propostas que visem programas de pósgraduação na perspectiva da transdisciplinaridade exige um olhar crítico sobre o modo como a ciência vem sendo produzida. Olhar que identifica dois grandes problemas, epistemológicos e éticos, intimamente ligados, que resultaram em um modo mutilador e fragmentário de conhecer utilizado pela ciência e que vem demonstrando ser incapaz de atingir a complexidade da realidade. Comprometido com a criação de alternativas, esta proposta tem como preocupação a ética e sua relação com o conhecimento produzido e compartilhado, equilibrando-se na interface entre a teoria da complexidade como metodologia e os valores humanos como referência ética. É certo que a forma como produzimos conhecimento resultou em desenvolvimento científico e tecnológico. No entanto, prevalecem questões sobre a legitimidade ética de tal desenvolvimento. Problemas graves e urgentes que têm se tornado mais evidentes a cada dia. Problemas que, por estarem relacionados ao cerne do nosso modelo de representação do mundo, o atomismo, e do nosso modelo de explicação e atuação no mundo, o método 3

científico, não podem ser tratados superficialmente e merecem profunda reflexão. Problemas que não se dobram a soluções, mas que exigem que ultrapassemos esta idéia e nos lancemos ao novo, com a mente livre de preconceitos. É neste contexto, neste esforço de ultrapassagem, que se insere a teoria da complexidade que, juntamente com a ética nos valores humanos, representam os pressupostos teóricos e principais fundamentos desta proposta.. Mas quais são problemas de ordem epistemológica? Apenas a título de situar nossas preocupações e questionamentos, esboçaremos os aspectos mais gerais de alguns deles. Um problema fundamental com o método axiomático foi melhor compreendido após Kurt Gödel demonstrar seu famoso Teorema da Incompletude. Em 1931, Gödel provou que existem sentenças verdadeiras da aritmética que, simplesmente, não podem ser demonstradas pelo método axiomático, e que, portanto, o método axiomático não é adequado para explicar todas as sentenças aritméticas. Com o Teorema de Gödel aprendemos que é um erro acreditar que, de alguns conceitos básicos e algumas proposições evidentes sobre eles, conseguimos explicar tudo o que diz respeito a estes conceitos além de nos fazer pensar sobre o ideal de objetividade do conhecimento científico. Em outros estudos, como o das relações de incerteza de Heisenberg, o observador perturba a coisa observada. Probabilidade e incerteza não são mais encaradas apenas como limitações dos nossos procedimentos de medição, tendo o papel meramente epistemológico dado pela teoria dos erros. Quando a teoria da relatividade de Einstein uniu numa mesma entidade - o espaço-tempo quadridimensional - os conceitos até então heterogêneos de espaço e tempo e, mais de cem anos depois de Kant, proferiu mais um ataque à objetividade do conceito de tempo: corpos com velocidades diferentes possuem tempos diferentes. Todos estes problemas apenas superficialmente apontados aqui, e muitos outros que têm surgido nas mais diversas áreas do conhecimento, não são simples problemas científicos. Atacam questões que dizem respeito ao cerne dos nossos modelos de representação e explicação do mundo, exigindo novas reflexões e aprendizagens. É importante que tomemos consciência de que juntamente com os benefícios, a ciência carrega traços negativos que, apesar de bastante evidentes, não costumam ser identificados como características intrínsecas do nosso modo de fazer ciência. Dentre estes, um importante aspecto a se considerar diz respeito à divisão disciplinar do conhecimento, que é fruto do nosso modo de explicação científica. O método cartesiano, modelado no método axiomático, tem por conseqüência o fechamento do conhecimento em teorias. Quando dividimos a realidade em busca das idéias claras e distintas para, a partir destas, reconstruir e explicar o objeto, tendemos a explicar objetos semelhantes através das mesmas idéias iniciais, e objetos muito diferentes através de idéias iniciais diferentes. Ou seja, temos a tendência de construir teorias diversas, disciplinas diversas. Mas, quanto mais sabemos sobre o mundo, mais complexas se tornam nossas teorias e explicações, e mais se torna necessário separar e compartimentar a realidade em teorias e disciplinas inteligíveis, porém distintas. Acontece que vivemos uma verdadeira explosão de especialidades e disciplinas. Para se ter uma idéia, em 1987, já estavam catalogadas 8.530 diferentes áreas de conhecimento, sobre as quais se desenvolviam pesquisas. 2 Este número deve, hoje, ser ainda maior. Em busca da exatidão e formalização, em prol das vantagens da 2 Cf. Crane & Small (1992), p. 197. 4

divisão de trabalho que o desenvolvimento disciplinar da ciência propiciou, chegamos a este absurdo de fragmentação e hiperespecialização que nos impede de refletir a ciência e nos deixa às portas de um neo-obscurantismo, muito bem apontado por Edgar Morin. Assim, juntamente com o progresso inédito dos conhecimentos científicos, temos o progresso múltiplo da ignorância, e juntamente com a ampliação dos poderes da ciência, existe a impotência dos cientistas com respeito a esses mesmos poderes. A ciência carrega consigo o lado "bom" e o lado "mau". Não é possível acreditar, ingenuamente, que as conseqüências nocivas da ciência são devidas apenas ao mau uso político das informações e dos produtos tecnológicos desta. O lado "mau" da ciência é, sim, parte intrínseca da própria ciência e de seu modo de conhecer e manipular a realidade. O modelo axiomático, que leva à idéia da separabilidade, de que devemos recortar o real para, a partir de noções claras e distintas, obter o conhecimento como uma reconstrução, produziu a superespecialização e nos leva ao paradoxo do neo-obscurantismo. Quanto aos aspectos éticos, ao longo do século XX, a razão e a ciência foram eleitas como os principais instrumentos de transformação do mundo e do ser humano. A crença da modernidade era a de que os avanços da ciência e da tecnologia, a fome, o desemprego, o analfabetismo e as doenças infecto-contagiosas que dizimavam populações inteiras seriam resolvidas. Mas, isto não aconteceu apesar do extraordinário acúmulo de conhecimentos nos dias de hoje. Atualmente, convivemos com possibilidades de grandes riscos que afetam toda a humanidade, desde a guerra nuclear, passando pelas mudanças na divisão do trabalho a globalização que aumenta o desemprego ao baratear certos produtos em determinados países enquanto outros param de produzir porque sai mais barato importar, até as contínuas intervenções no meio ambiente que provocam a poluição da água e do solo, diminuem a quantidade de espécies vegetais e provocam alterações climáticas. A questão dos dias atuais não é mais como obter conhecimento, mas sim o que fazer com o conhecimento adquirido. Buscando uma identidade própria a partir dos pressupostos que orientam sua criação, a prática transdisciplinar, esta proposta entende que a construção da identidade epistemológica procurará ser um modo de conhecimento que implique em uma nova maneira de ser, em que o importante é restituir ao sujeito sua integridade e criar um novo sistema de reflexão e ação. A atitude diante do saber é a da busca contínua em cada disciplina em uma rede de associações entre todas as disciplinas de modo que o conhecimento possa ser compartilhado por todos e contribuir para um mundo melhor. A Proposta do Mestrado. A pesquisa e sua relação com o mundo real, portanto, a práxis, serão as principais atividades geradoras de conhecimento e de conectividade do conhecimento. Em síntese, os principais objetivos, são: Instrumentalizar professores-pesquisadores, de diferentes áreas do conhecimento, para uma prática científica conjunta e renovadora, que priorize a busca de respostas efetivas para os graves problemas de nossa sociedade. Promover a formação de uma mentalidade aberta ao trânsito entre os diversos saberes e disciplinas, de forma a estimular novas relações com a aquisição, produção e aplicação do conhecimento, e. Contribuir para a construção de uma nova identidade acadêmica, através da divulgação de parâmetros e diretrizes éticas e teórico-metodológicas, calcadas nos valores humanos e na teoria da complexidade. 5

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