II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 23 Listas Vermelhas e Estratégias de Conservação: a atuação do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora) com as espécies da Flora ameaçadas de extinção Eline Matos Martins & Gustavo Martinelli Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão 915. Jardim Botânico. Rio de Janeiro/RJ. 22.460-030 eline@cncflora.net gmartine@jbrj.gov.br Introdução O Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), criado em 2008, é uma iniciativa do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, originalmente estabelecida no âmbito do PROBIO II, com financiamento do Fundo Ambiental Global (Global Environmental Fund GEF). O CNCFlora tem o objetivo de coordenar os esforços nacionais para a conservação das espécies da Flora brasileira, subsidiando o Ministério do Meio Ambiente (MMA) com informações técnico-científicas, de modo a respaldar políticas públicas e decisões governamentais relacionadas à conservação da diversidade de espécies da nossa Flora. Os objetivos e metas do CNCFlora foram planejados de acordo com as metas globais da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), especialmente com aquelas estabelecidas pela Estratégia Global para Conservação de Plantas (GSPC) e com a Política Nacional de Biodiversidade, buscando a articulação e integração das iniciativas existentes e de novas abordagens para a conservação da Flora. O CNCFlora vem atuando, principalmente, em cinco metas da GSPC 2012, meta 1, lista online das espécies da Flora do Brasil; meta 2, avaliar o risco de extinção de toda a Flora conhecida; meta 7, 75% das espécies de plantas ameaçadas conservadas in situ; meta 8, 75% das espécies de plantas ameaçadas conservadas em coleções ex situ; meta 15, capacitação de profissionais em conservação de plantas e meta 16, estabelecimento de redes de conservação de plantas. Estas metas estão em consonância com a demanda legal que o MMA atribuiu ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro JBRJ, por meio da Instrução Normativa nº06/2008 (MMA 2008), na qual foi instituído que para todas as espécies consideradas como ameaçadas de extinção deverão ser desenvolvidos planos de ação, elaborados e implementados sob a coordenação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio e do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
24 MARTINS & MARTINELLI: LISTAS VERMELHAS DE FLORA JBRJ e com a participação de órgãos governamentais, da comunidade científica e da sociedade civil organizada, em prazo máximo de cinco anos, com vistas à futura retirada de espécies da lista. Ainda, no referido instrumento, determina-se que a lista de espécies ameaçadas de extinção deve ser revisada periodicamente. Desta forma, no presente capítulo, apresentaremos o andamento das atividades no âmbito do CNCFlora referentes à avaliação do risco de extinção de espécies e elaboração de estratégias de conservação para espécies ameaçadas e uma síntese da nova abordagem do CNCFlora em relação a estas ferramentas de conservação. Lista Vermelha da Flora do Brasil e a atuação do CNCFlora. As listas vermelhas de espécies são importantes ferramentas para conservação, comumente usadas para quatro fins, priorizar alocação de recursos financeiros para a recuperação de espécies; guiar a implantação de áreas protegidas; restringir a exploração de espécies e seus habitats e relatar o estado em que se encontra o meio ambiente (Possingham et al. 2002). Além disso, estas listas podem também ser utilizadas para educação ambiental, geração de novas informações, como indicador do progresso de medidas de conservação e, principalmente, como uma oportunidade para compilar e disseminar dados sobre espécies ameaçadas (Collar 1996). As categorias de ameaça das listas vermelhas devem fornecer uma avaliação científica e objetiva da probabilidade de uma espécie se extinguir em dado tempo, caso a circunstância em que a espécie encontra-se permaneça (Mace & Lande 1991). O sistema de avaliação de risco de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) é composto de critérios quantitativos que permitem uma avaliação robusta e cientificamente embasada. As categorias e critérios da IUCN foram desenvolvidos com os objetivos de fornecer um sistema que possa ser aplicado consistentemente por diferentes pessoas, aumentar a objetividade na avaliação de diferentes fatores que aumentam o risco de extinção, facilitar a comparação entre as avaliações de uma espécie ou de diferentes espécies e fornecer um melhor entendimento de como estas foram classificadas (IUCN 2001). Por permitir uma comparação do risco de extinção entre espécies, este sistema proporciona também um estabelecimento global de prioridades de conservação de espécies para as tomadas de decisão sobre o investimento de fundos internacionais para a conservação (Arroyo 2009).
II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 25 Desta forma, o CNCFlora adotou para a avaliação de risco de extinção da Flora do Brasil os critérios e categorias da IUCN (2001) e reavaliou o risco de extinção de cerca de 4.600 espécies da Flora que já tinham sido consideradas ameaçadas em alguma lista anterior, seja estadual (São Paulo (SMA 2004), Minas Gerais (COPAM 2008), Espírito Santo (Simonelli & Fraga 2007), Paraná (SEMA/GTZ 1995), Santa Catarina (Klein 1990), Rio Grande do Sul (CONSEMA 2002) e Pará (COEMA 2007), nacional (listas vermelhas publicadas em 1968, 1992 e 2008) ou internacional (lista vermelha da IUCN atualizada até 2010). Para avaliar o risco de extinção destas espécies de uma forma dinâmica, o CNCFlora desenvolveu um sistema de informação (SISFlora) estruturado em dois módulos, I. Análise de dados e II. Avaliação do risco de extinção. Neste sistema, por meio de uma interface Web, cerca de 70 especialistas botânicos puderam inserir informações bibliográficas e de georeferência e, ainda, validar as informações já compiladas e analisadas pela equipe do CNCFlora. O resultado deste esforço conjunto é o primeiro Livro Vermelho da Flora do Brasil que está em fase de publicação. Além do Livro Vermelho da Flora do Brasil, o desenvolvimento do SISFlora representou um avanço na conservação da Flora do Brasil, já que hoje dispomos de uma base de dados sobre as espécies avaliadas e que será ampliada para avaliarmos toda a Flora do Brasil. Desta forma, pretendemos alcançar a meta 2 da GSPC, avaliar o risco de extinção de toda a Flora conhecida do Brasil, e mantermos uma rede de especialistas para a conservação da Flora (meta 16/GSPC). Estratégia de Conservação para Espécies Ameaçadas de Extinção. A avaliação do risco de extinção e a elaboração da lista de espécies ameaçadas de extinção deve ser a primeira etapa do processo de conservação, porém é essencial a continuidade deste para garantir uma efetiva conservação e uma futura retirada de espécies da lista ou a mudança para uma categoria de menor risco de extinção. Documentos elaborados no intuito de planejar ações de conservação para conter ou reverter o declínio populacional das espécies e que vise à saída de espécies da lista de ameaçadas de extinção devem ser a próxima etapa, após a obtenção de uma lista consistente (Martins 2013). Este documento é conceituado aqui como Estratégia de Conservação. A estratégia de conservação deve conter uma compilação da melhor informação disponível sobre a espécie, contemplando minimamente informações taxonômicas, biológicas e ecológicas, as ameaças incidentes, os objetivos e metas e as ações para conservação da espécie (IUCN/SSC 2008; NMFS 2004; Environment Canada 2003). A
26 MARTINS & MARTINELLI: LISTAS VERMELHAS DE FLORA estratégia, além de ser uma ferramenta essencial para conservação, ainda proporciona uma compilação e organização sobre o conhecimento da espécie e, em decorrência da sua implantação, outros avanços podem ser obtidos como redescoberta de espécies, geração ou atualização de informações sobre espécies, arrecadação de fundos e aumento da consciência ambiental entre os envolvidos na estratégia de conservação (Bottrill et al. 2011). No Brasil, a demanda por ações de conservação para a Flora ameaçada, consolidadas em planos e regulamentadas pelo governo, só foi explicitada oficialmente por mecanismos legais pela IN6/2008 (MMA 2008). Desta forma, o Brasil possui, atualmente, somente dois planos de ação oficiais publicados para a Flora, o Plano de Ação Nacional para Conservação das Cactaceae (Silva et al. 2011a) e o Plano de Ação Nacional para a Conservação das Sempre-vivas (Silva et al. 2011b). Estes planos juntos envolvem somente 11% da atual Flora ameaçada de extinção em relação à lista de espécies ameaçadas vigente no país (anexo I, MMA 2008). O CNCFlora tem como desafio elaborar estratégias de conservação para todas as espécies da Flora consideradas ameaçadas de extinção. O recorte inicial de atuação abrangerá espécies Criticamente em Perigo endêmicas do bioma Cerrado. Utilizando estas espécies como programa piloto, o CNCFlora está desenvolvendo o módulo III no SISFlora para subsidiar o planejamento e monitoramento de ações de conservação para as espécies ameaçadas de extinção e permitir a integração, via sistema, de diversos atores envolvidos na elaboração e monitoramento das ações. Com esta nova abordagem, aliado a um arcabouço teórico baseado em diretrizes de elaboração, implementação e monitoramento já testados internacionalmente (IUCN/SSC 2008; NMFS 2004; Environment Canada 2003, Driver et al. 2009), pretendemos alcançar a conservação in situ de 75% das espécies de plantas ameaçadas de extinção (meta 7/GSPC). Referências Bibliográficas Arroyo T.P.F.; Olson M.E.; Garcia-Mendoza A. & Solano E. 2009. A GIS-Based Comparison of the Mexican National and IUCN Methods for Determining Extinction Risk. Conservation Biology 23(5): 1156 1166. Bottrill M.C.; Walsh J.C.; Watson J.E.M.; Joseph L.N.; Ortega-Argueta A. & Possingham H.P. 2011. Does recovery planning improve the status of threatened species? Biological Conservation 144 (5): 1595-1601.
II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 27 COEMA 2007. Resolução nº 54 de 24/10/2007. Conselho Estadual de Meio Ambiente, Pará. Collar N.J. 1996. The reasons for Red Data Books. Oryx 30: 121 130. CONSEMA nº 42.099 de 31/12/2002, Decreto estadual. Lista Final das Espécies da Flora Ameaçadas RS. Conselho Estadual do Meio Ambiente, Rio Grande do Sul. COPAM nº 367 de 15/12/2008. Lista das Espécies Ameaçadas de Extinção da Flora do Estado de Minas Gerais. Conselho Estadual de Política Ambiental, Minas Gerais. 48p. Driver, M.; Raimondo, D.; Maze, K.; Pfab, M. F. & Helme, N.A. 2009. Applications of the Red List for conservation practitioners. In: Raimondo, D., Von Staden, L., Foden, W., Victor, J.E., Helme, N.A., Turner, R.C., Kamundi, D.A. & Manyama, P.A (eds.). Red List of South Africa Plants. Strelitzia 25. South Africa National Biodiversity Institute-SANBI, Pretoria. Environment Canada 2003. Species at Risk Act, a Guide. National Library of Canada: 26p. GSPC (Global Strategy for Plant Conservation). 2012. Global Strategy for Plant Conservation. Botanic Gardens Conservation International, Richmond, Inglaterra. 38p. IUCN (International Union for Conservation of Nature and Natural Resources). 2001. The International Union for Conservation of Nature and Natural Resources. Guidelines for Application of IUCN Red List Criteria at Regional levels: Version 3.0. IUCN/SSC (International Union for Conservation of Nature and Natural Resources/Species Survival Commission). 2008. Strategic Planning for Species Conservation: A Handbook. Version 1.0. Gland, Suíça: IUCN Species Survival Commission. 104p. Klein 1990. Espécies raras ou ameaçadas de extinção do estado de Santa Catarina. IBGE, Diretoria de Geociências, Santa Catarina. Mace G.M. & Lande, R. 1991. Assessing extinction threats: towards a re IUCN threatned species categories. Conservation Biology 5: 148 157. evaluation of Martins E.M. 2013. Conservação de Ocotea catharinensis, O. odorifera e O. porosa: espécies de Lauraceae ameaçadas de extinção. Tese (Doutorado). Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro/Escola Nacional de Botânica Tropical. 154p. MMA (Ministério do Meio Ambiente). 2008. Instrução Normativa n 6 de 23/09/2008. 55p. NMFS (National Marine Fisheries Service). 2004. Interim Endangered and Threatened Species Recovery Planning Guidance. Version 1.2. Disponível em: http://www.nmfs.noaa.gov/pr/pdfs/recovery/guidance.pdf. Acesso em 15 jun 2010. Possingham, H. P.; Andelman, S. J.; Burgman, M. A.; Medellin, R. A.; Master, L. L. & Keith, D. A. 2002. Limits to the use of threatened species lists. Trends in Ecology and Evolution 17: 503-507.
28 MARTINS & MARTINELLI: LISTAS VERMELHAS DE FLORA SEMA/GTZ (Secretaria de Estado do Meio Ambiente/Deutsche Gessellschaft fur Technische Zusammenarbeit). 1995 Lista Vermelha de Plantas Ameaçadas de Extinção no Estado do Paraná. Curitiba, 139p. Silva, S. R. et al. (Org). 2011b. Plano de Ação Nacional para Conservação das Semprevivas. Série Espécies Ameaçadas n 38. Brasília, DF: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Silva, S. R.; Zappi, D.; Taylor, N.; Machado, M. (Org). 2011a. Plano de Ação Nacional para Conservação das Cactáceas. Série Espécies Ameaçadas nº 24. Brasília, DF: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Simonelli, M. & Fraga, C.N. (org.) 2007. Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção no Estado do Espírito Santo. IPEMA, Vitória. SMA 2004. Resolução nº 48 de 22/09/2004. Secretaria de Estado do Meio Ambiente, São Paulo.