A Construção da Cidadania e o Direito no Brasil do oitocentos



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Transcrição:

A Construção da Cidadania e o Direito no Brasil do oitocentos Bruna Guimarães Silva * Objetivamos neste estudo enunciar uma reflexão sobre a relação entre o Direito e a cidadania no cerne da formação do estado imperial durante o século XIX, principalmente durante o segundo quartel, momento em que ha um esforço de fazer o desenho institucional do aparato burocrático que funcionará por todo Império. Contudo, não se pretende em tal análise focar a discussão na formação do Estado Imperial pósindependente, mas, por outro lado, elucidar pontos que caracterizam os meios pelos quais vão se definindo os caminhos para o conhecimento e classificação no período histórico mencionado. A dimensão apontada pela historiografia recente sobre o Oitocentos abarca uma gama distinta e variável de temas e objetos que ampliam os limites de conhecimento e abrem o leque para a discussão de diferentes questões referentes à História do Brasil no que diz respeito a ideia de cidadania e Direito. As análises e estudos nos remetem diretamente a complexidade social e política da sociedade brasileira deste período não se restringindo a interpretações que pretendiam demonstrar uma natural verticalidade da sociedade, herdada do período colonial, mas apontam para possibilidades de interpretações e leituras das relações e das redes entre os diferentes e reconhecidos elementos sociais. O reconhecimento destas possibilidades amplia a busca de questões que ultrapassam o sentido historiográfico descritivo e apontam para a necessidade de estabelecer reflexões que levam em conta também o reconhecimento do esforço conceitual e metodológico do trabalho e do estudo das fontes. O reconhecimento da heterogeneidade social do período revela os limites que balizam o que passa a ser considerado cidadania no oitocentos e a definição de quem é o cidadão. Maria Odila Leite da Silva Dias comentando sobre a questão da cidadania e a constituição do Estado em seu trabalho A Revolução Francesa e o Brasil: sociedade e cidadania destacou os diferentes contornos da realidade que se estabeleceu quando comparada ao período colonial 1. * Bruna Guimarães Silva é Doutoranda em História na Universidade Federal Fluminense UFF. 1 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A Revolução Francesa e o Brasil: sociedade e cidadania. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 1

Durante o Império construiu-se o lugar de um poder central. Havia a pretensão de se constituir um projeto de unidade nacional e, por isso, emergia a necessidade de conciliação de direitos civis e políticos, privilegiando os projetos das elites dirigentes. Avançamos na discussão e esbarramos na difícil contextualização teórica a respeito da cidadania no Brasil do período. Partindo de autores estrangeiros e das experiências históricas de outras nações, os postulados e enunciações demonstram a radical diferença social quando tentado um esforço comparativo com o Brasil do século XIX. Exemplificaremos essa realidade com o conceito de cidadania discutido por T. H. Marshall 2. Este autor propõe uma divisão tripartite da cidadania: civil, política e social. O elemento civil correspondia aos direitos necessários à liberdade individual (liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça). O político representava a participação no exercício do poder político, seja como eleitor ou participação nas instituições. O social relacionava-se diretamente ao bem-estar econômico e à segurança, ao direito de participar na herança social. Cabe ressaltar que cada um dos elementos enumerados e sumariamente descritos relacionam-se, segundo o autor, aos séculos XVIII, XIX e XX, respectivamente. No que diz respeito ao Brasil no século XIX, a participação política definia a noção de cidadania, consolidando a ordem social brasileira. No Brasil deste período, temos uma sociedade marcadamente caracterizada pela heterogeneidade de seu tecido social, mas constituída de forma absolutamente diferente da sociedade inglesa. Se já não se tem uma sociedade polarizada entre senhores e escravos, diga-se os brancos e os negros, começava a ganhar visibilidade elementos que ocupavam um espaço intermediário, como pardos e brancos livres e pobres. Essa realidade social pode ser observada na análise empreendida por Hebe de Mattos 3 no texto Racialização e cidadania no Império do Brasil, que, entre outras questões, discute a relação entre cidadania e escravidão. No mencionado texto, ela COGGIOLA, Osvaldo (org.). A revolução francesa e seu impacto na América Latina. São Paulo: Edusp, 1990. 2 MARSHAL, T. H. Cidadania e Classe Social In. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1967. 3 MATTOS, Hebe. Racialização e cidadania no Império do Brasil. In: José Murilo de Carvalho e Lucia Bastos Pereira das Neves (orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 2

demostra a emergência da categoria pardo como elemento presente e atuante do contexto social oitocentista. Essa categoria caracterizava-se por ser composta por indivíduos de ascendência africana dissociados da experiência da escravidão por algumas gerações. No âmbito do equilíbrio de forças que sustentava a sociedade colonial em seu dualismo patente, ou seja, senhor e escravo, na sociedade oitocentista brasileira, o pardo passa a ser observado como um elemento novo na sociedade e/ou perigoso. Essa concepção pode ser vista de certa forma em análises historiográficas dos anos de 1980, como o trabalho O Tempo Saquarema de Ilmar de Mattos 4 especialmente no capitulo Luzias e Saquaremas: Liberdades e Hierarquias quando na discussão apresentada, baseada nas idéias e correntes filosóficas liberais do século XIX, delineia três esferas que passam a representar os espaços dos atores sociais que compõem a sociedade do momento. São elas: o mundo do Governo, do Trabalho e da Desordem. O que perpassa essas três esferas que aparentemente poderia representar uma oposição entre ordem e desordem, na verdade se tangencia no complexo mosaico social imperial. Outro prisma de mudança desse mesmo mosaico social pode ser observado no capítulo Os Partidos Políticos Imperiais: Composição e Ideologia, de José Murilo 5, no qual podemos perceber, a partir dos gráficos apresentados pelo autor, a inserção de elementos urbanos também na sociedade política, redimensionando as relações e construções das redes decisórias. Esta mudança fica mais evidente quando o autor apresenta o quadro partidário da década de 1860. As mudanças sociais observadas nos estudos mencionados ficam progressivamente mais evidentes ao longo do Império, principalmente na sua segunda metade. Aliada a essas mudanças sociais e políticas ocorre a construção e a reestruturação de um corpo legislativo brasileiro. Neste contexto, segundo Andreas Slemian 6, no texto À nação independente, um novo ordenamento jurídico: a criação dos Códigos e do Processo Penal na primeira década do Império do Brasil, no que se 4 MATTOS, Ilmar R. de. "Luzias e Saquaremas: Liberdades e Hierarquias". In: O Tempo saquarema. São Paulo: HUCITEC, 1987. 5 CARVALHO, José Murilo. "Os Partidos Políticos Imperiais: composição e ideologia". In: A Construção da Ordem, Rio de Janeiro: Vértice, 1988. 6 SLEIMAN, A. À nação independente, um novo ordenamento jurídico: a criação dos Códigos Criminal e do Processo Penal na primeira década do Império do Brasil. In. RIBEIRO, G. S. Brasileiros e cidadãos: modernidade política 1822-1830. São Paulo: Alameda, 2008. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 3

refere aos integrantes do corpo legislativo, utilizava-se o sentido mais moderno do conceito de lei, ou seja, entendiam, naquela época, que ela era capaz de transformar a realidade. A formação do Estado nacional pressupunha repensar sobre as antigas instituições do período colonial, reformulando-as sempre que necessário. A modernização do corpo jurídico foi uma discussão que perpassou todo Primeiro Reinado como sendo elemento importante para dar legitimidade interna ao novo Estado. A construção de um ordenamento jurídico moderno fazia com que as antigas colônias marcassem seu espaço de autonomia como iguais frente às suas antigas metrópoles. No caso brasileiro, aqui objeto de análise nas primeiras décadas do século XIX, a grande dificuldade do legislador era conciliar o novo instrumental concebido a partir da leitura de autores como Benthan, Sieyes e Hobbes e o esforço de manutenção da ordem senhorial, legada do período colonial. A tentativa de permanência dessa ordem senhorial está presente na Constituição de 1824, que eleva o proprietário de terras ao status de cidadão ativo, com o direito de votar e ser votado. A cidadania, assim, foi condicionada a um critério censitário, mas que estava de acordo como essa sociedade política que se compreendia através de critérios restritivos de participação. Um outro exemplo válido para marcar a contradição entre a modernidade legislativa e as necessidades de estabelecimento da conformação social de uma nação independente está na promulgação do Código Criminal de 1830. Este instrumento jurídico tinha por objetivo abolir institutos do Antigo Regime considerados impróprios para uma nação que pretendia estar em par de igualdade com as nações européias. Neste sentido, utilizavam formas menos violentas para punir os tipos elencados. No entanto, em 1835, quando o poder senhorial se viu ameaçado por revoltas escravas foi aprovada, de modo célere, uma lei que abria mão de todo procedimento do Código de Processo Criminal de 1832 para permitir a execução sumária dos escravos que tentassem contra seus senhores, este episódio foi muito bem trabalhado por João Luís Ribeiro no texto No meio das galinhas as baratas não tem razão. Apesar da tentativa de manutenção da ordem senhorial por meio do corpo jurídico/legal como foi discutida, por outro lado, uma brecha de participação vem sendo apresentada por historiadores que hoje estudam e utilizam as fontes jurídicas. Essa apropriação já pode ser percebida mesmo no Primeiro Reinado, conforme trabalhos Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 4

recentes que utilizam fontes legais e processos judiciais sob as categorias de análise da História Social, Política e Econômica. Dentre esses novos trabalhos pode ser destacado a recém publicada tese de doutoramento de Vantuil Pereira 7 intitulada Petições: liberdades civis e políticas na consolidação dos direitos do cidadão no Império do Brasil (1822-1831). O trabalho mencionado tem como característica a análise das petições apresentadas ao soberano congresso. A importância desta pesquisa foi demonstrar a existência de um espaço de participação política dos mais variados elementos do tecido social, abarcando barões e até prisioneiros. Destacamos também, o trabalho de Sidney Chalhoub 8, em sua obra Visões de Liberdade. O diferencial da análise empreendida nesta obra é considerar como objeto de estudo processos de escravos que ajuizaram ações contra seus senhores, indo de encontro à afirmações, estudos e análises historiográficas tradicionais. Considerando que esses casos se concentram no Segundo Reinado, afirmamos que a legislação que possibilitou a ocorrência destas ações foi estruturada nos debates legislativos anteriores ao período regencial. Com isso, não se afirma historicamente que o parlamentar em algum momento pretendeu abrir esse espaço de relação do contingente escravo com o Estado, mas ele foi possível devido às mudanças ocorridas na sociedade ao longo do séc XIX Ressaltamos que a idéia de cidadania no século XIX no Brasil é um conceito que está sendo revisado por uma nova historiografia, assim, este conceito não pode ser pensado sem levar em conta a complexidade da sociedade imperial articulada com a necessidade de estruturação de um aparato jurídico. Bibliografia BARBOSA, Silvana Mota. A shinge monárquica: o poder moderador e a política imperial. Campinas: Tese de Doutorado. UNICAMP, 2001. Leitura: Das origens do Poder Moderador. CABRAL, Manuel Villaverde. O exercício da cidadania política em perspectiva histórica (Portugal e Brasil) In Revista Brasileira de Ciências Sociais. 18, nº. 51, fevereiro 2003. 7 PEREIRA, Vantuil. Ao Soberano Congresso petições, requerimentos, representaçòes e queixas à Câmara dos Deputados e ao Senado Liberdade, direitos civis e cidadania na formação do Estado Imperial Brasileiro. Niterói, Tese de Doutorado, 2008. 8 Chalhoub, Sidney. Visoes de liberdade: uma historia das ultimas décadas da escravidão na Corte. P. imprenta: São Paulo. Companhia das Letras, 1990. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 5

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