O processo criativo e as poéticas digitais apresentação da pesquisa



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Transcrição:

O processo criativo e as poéticas digitais apresentação da pesquisa Daniel Peixoto Ferreira e Gilberto dos Santos Prado Resumo: Neste artigo, apresentamos em linhas gerais a nossa pesquisa sobre as poéticas procedurais, manifestações artísticas cuja expressividade se baseia fundamentalmente na proceduralidade e na autonomia do meio digital (independente do suporte ou da forma de exibição da obra final). Na pesquisa, investigamos como essas práticas criativas específicas, por causa de seu elemento de autorreflexão, podem servir como um olhar sobre o pensamento artístico. Também examinamos o papel fundamental dessa abordagem criativa procedural na consolidação do meio digital como forma expressiva independente. Poéticas procedurais [A]rtistas já não produzem um trabalho, mas o processo que o gera. Bret, 1988 Nas poéticas procedurais, o artista (ou um colaborador sob sua orientação) expressa seu programa operacional na forma de algoritmos (ou outra estratégia de representação procedural), descrevendo as etapas ou instruções necessárias para a execução ou produção de seu trabalho. Assim, a obra produzida existe como (ou deriva de) uma representação em meio digital de uma poética na forma de um processo, comportamento ou máquina de criar, distinguindo-se, dessa forma, de outras estratégias criativas de natureza estática e linear. Figura 1: diagrama representando as etapas fundamentais do processo de metacriação e alguns dos possíveis métodos e práticas associados a ela: a obra final pode ser o produto do algoritmo; o ato de sua execução pode ser apresentado como uma exposição; o processo como um todo (incluindo o ato da programação) pode ser considerado uma performance, como no caso da prática do live coding (no qual o ato da programação do algoritmo acontece simultaneamente à exibição de sua execução); e assim por diante. A criação procedural se baseia fundamentalmente na noção da ideia como processo. Isso traz similaridades com outras formas de arte tradicionais de abordagem similar, como a arte conceitual e a arte declarativa, mas com alguns diferenciais importantes: no meio digital, as possibilidades de materialização das ideias são praticamente ilimitadas (tanto em complexidade quanto no volume de informações envolvidas) e o processo acontece de maneira autônoma. O aspecto procedural, apesar de permear qualquer atividade ou operação realizada em um computador, ainda se trata de um conceito relativamente desconhecido pelo público em geral e pouco explorado como meio de expressão artística, levando a certa confusão conceitual. Por exemplo, há uma tendência de simplificar as poéticas procedurais a determinadas práticas (como a permutacional e a generativa), obras, artistas ou ferramentas específicas (como o Flash ou a linguagem Processing, tratados mais adiante). Também há uma tendência de associar conceitos como emergência, inteligência artificial (e criatividade artificial ) e interatividade com o público às práticas procedurais, embora não sejam indispensáveis a ela trata-se de ocorrências ou manifestações específicas dessa abordagem.

(a) Two Friends with Potted Plant (1991) (b) Aaron, with Decorative Panel (1992) (c) Theo (1992) (d) Standing Figure with Decorated Background (1993) Figura 2: imagens geradas pelo sistema computacional Aaron (Harold Cohen, 1973), que segue o modo de fazer (ou estilo ) de seu criador (a pintura é realizada posteriormente por Cohen). Um olhar sobre o pensamento artístico Para programar, você precisa entender alguma coisa tão bem a ponto de ser capaz de explicá-la a algo tão tapado quanto um computador. Fuller, 2008, p. 10 Pelo fato de exigirem do artista uma postura sistemática e objetiva em relação à criação artística, as práticas procedurais levam a um olhar único sobre a subjetividade e os mecanismos do pensamento humano. Essa abordagem difere das demais formas de conhecimento estático por envolver a representação de processos e comportamentos de maneira dinâmica. A arte difere da ciência no sentido de que o pensamento poético não tem necessariamente um compromisso com o que geralmente se entende como realidade objetiva ; entretanto, ambos compartilham a postura exploratória de lidar com os fenômenos do mundo, em oposição a uma abordagem dominadora (Laurentiz, 1991). Assim, de certa maneira, a arte em meio digital resgata os ideais renascentistas, mas não necessariamente na busca de um realismo no sentido de imitação do mundo, e sim, nas palavras de Julio Plaza, na busca de um realismo conceitual (Machado, 1993, p. 132). O artista digital Yoichiro Kawaguchi chega a afirmar que a diferença entre seu trabalho formas de vida virtuais, que apresentam aparência e comportamento orgânicos e as práticas tradicionais, como o desenho, a pintura e o cinema, é que estas práticas são como voyeurs (isto é, observam as coisas por fora ), enquanto ele se preocupa com o que pulsa no interior (Machado, 1993, p. 142). Tradução: a melhor forma de ler As estratégias procedurais de criação podem ser consideradas um tipo de tradução da mente do artista para sua representação na forma de um algoritmo na memória do computador. Como o ato da tradução exige uma compreensão profunda das linguagens de origem e destino (além, é claro, do conteúdo traduzido), a princípio isso significa que as poéticas procedurais permitiriam uma espécie de reflexão sobre o pensamento artístico do artista. É nessa

perspectiva, da tradução como a maneira mais atenta de ler (Campos, 1967), que se baseia essa reflexão sobre o pensamento artístico a partir da abordagem procedural à criação. A busca de similaridades e correspondências entre diferentes linguagens, além de lançar um novo olhar sobre a coisa traduzida, permite uma reflexão profunda a respeito da estrutura, das características e das leis internas desses sistemas. Pode-se argumentar que uma abordagem sistemática de investigação não é compatível com a natureza essencialmente subjetiva do pensamento artístico e da criatividade. Por outro lado, sabemos que o processo inverso é possível, isto é, a materialização da intenção poética na forma de elementos objetivos, como palavras (na poesia) e traços (no desenho). Haroldo de Campos explica que a criação poética pode ser objeto de análise racional, de abordagem metódica (uma abordagem que não exclui, de modo algum, a intuição sensível, a descrição fenomenológica, antes se completa por elas) (Campos, 1967, p. 34). O meio digital como forma expressiva Se a arte computacional ainda espera pelo seu Matisse, provavelmente é devido ao fato de que os artistas ainda não dominaram as técnicas das imagens digitais ou, para ser mais explícito, a programação e o conhecimento sobre os computadores. Bret, 1988 Por causa da natureza essencialmente experimental e explorativa do pensamento artístico, a princípio, qualquer meio e linguagem pode servir de base e substância à expressão poética desde a pedra e o barro, passando pela tinta, a palavra e as máquinas mecânicas, até as máquinas digitais. Entretanto, isso não significa que toda manifestação artística explora de maneira plena o potencial expressivo do meio através do qual é produzida. O uso expressivo de um meio se dá quando a poética de determinada obra ou produção artística se baseia em aspectos e características que lhe são fundamentais, exclusivas ou predominantes. O computador e as mídias digitais em geral ainda são um meio novo, principalmente no contexto da expressão artística. Apesar da fértil produção criativa e do inegável valor artístico das obras produzidas digitalmente, o potencial expressivo próprio desse meio ainda está relativamente inexplorado, principalmente se comparado a outras formas e linguagens, como a pintura, a fotografia e o cinema. Figura 3: Façade (Procedural Arts, 2005) exemplo de narrativa procedural. Figura 4: debris (farbrausch, 2007) exemplo de uma demo, prática que envolve um emprego sofisticado da proceduralidade do meio digital como forma de expressão criativa. Figura 5: Braid (Jonathan Blow, 2008) expressividade contida na mecânica de jogo. Alfabetização procedural O computador está cada vez mais presente na arte e nas atividades criativas em geral, bem como

nas demais esferas da sociedade, mas a abordagem procedural ainda se localiza predominantemente em áreas mais técnicas, como na engenharia e na computação gráfica. Além disso, a maior parte dos usuários não lida diretamente com o conteúdo procedural, a não ser como meio de acesso a conteúdo de natureza estática, como fotos, músicas, textos e planilhas. A autora Janet Murray, ao examinar a criação procedural sob o ponto de vista da narrativa, expressa a necessidade de identificar as estratégias expressivas que só poderiam ocorrer nesse meio (Murray, 2003). Estaria na capacidade que o computador tem de executar regras e leis, isto é, seu aspecto procedural, o potencial para o desenvolvimento de uma narrativa propriamente digital. Esse novo tipo de narrativa não apenas seria quantitativamente diferente das formas atuais (por exemplo, oferecendo múltiplos enredos alternativos) mas haveria também uma mudança qualitativa (isto é, um abandono das estratégias narrativas lineares tradicionais). Passaram-se cerca de duas décadas desde a invenção do primeiro computador até que os artistas tivessem amplo acesso a essa tecnologia, com a chegada dos computadores pessoais na década de 1970 até então, a arte computacional via-se limitada a alguns poucos artistas e cientistas. Porém, poucos desses artistas eram de fato programadores empregavam o computador de maneira estática, como emulação ou expansão de técnicas e métodos de criação tradicionais, no uso de aplicativos gráficos como o Photoshop (Adobe) para desenhar e pintar e na utilização de processadores de texto como o Word (Microsoft) pelos escritores. Seriam necessárias mais algumas décadas até que o emprego verdadeiramente expressivo desse meio, isto é, a utilização de sua proceduralidade, pudesse ser explorado. Uma das primeiras contribuições que ajudaram a popularizar o emprego procedural do computador em grande escala foi o aplicativo de edição multimídia Flash (Adobe), com sua linguagem de scripting nativa, a Actionscript. Porém, a verdadeira revolução começou nos anos 2000, a partir da popularização de projetos como Processing (Ben Fry e Casey Reas, 2001), uma linguagem voltada para artistas visuais, didática e relativamente acessível a leigos em programação de computadores. Aproveitar ao máximo os benefícios representacionais do computador exige autoria proceduralmente fluente, isto é, artistas e escritores capazes de pensar sobre e trabalhar dentro de sistemas computacionais (Mateas; Stern, 2005, p. 1). Da mesma forma, o público gradualmente tem se familiarizado com o tipo de fruição compatível com as poéticas procedurais, abrindo-se a esse tipo de experiência e, assim, estimulando os artistas a explorar mais frequentemente (e mais a fundo) essas estratégias expressivas. Considerações finais Neste artigo, apresentamos de maneira sucinta alguns dos principais conceitos abordados em nossa pesquisa. No texto completo da dissertação, também examinamos individualmente as duas principais entidades envolvidas nas práticas criativas em meio digital a Mente Criativa do artista e a Máquina Digital (ou computador), a interação entre ambas pode ser vista como g est o h u man o d ep o si t ad o, fi xad o, q u e se t o r n o u est er eo t i p i a e p o d er d e repetição (Simondon, 1969 apud Santos, 1994, p. 48) 9 e como essas ferramentas refletem, reproduzem, dão seguimento e expandem-se sobre a natureza inerentemente formalizadora da mente humana. Também propomos uma Metodologia de Análise sobre as práticas criativas em meio digital (a qual adotamos na pesquisa), a partir da consideração das diferentes Influências e Contribuições dos diversos elementos e participantes envolvidos no processo criativo, e de uma classificação de Camadas de Influência (Ferreira; Prado, 2009). 10

Referências BRET, Michel. Procedural art with computer graphics technology. Reprodução on-line de artigo, 1988. CAMPOS, Haroldo de. Da tradução como criação e como crítica. In: Metalinguagem: ensaios de teoria e crítica literária. Petrópolis: Vozes, 1967. p. 21-38. FERREIRA, Daniel; PRADO, Gilberto dos Santos. O processo criativo em meios digitais: uma metodologia de análise. In: Anais do XVIII Encontro Nacional da Anpap. Salvador, 2009. FULLER, Matthew (Ed.). Software studies: a lexicon. Software Studies. Massachusetts: The MIT Press, 2008. ITAÚ CULTURAL. Primeira edição de 1997. LAURENTIZ, Paulo. A holarquia do pensamento artístico. Campinas: Editora da Unicamp, 1991. MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 1993. MATEAS, Michael; STERN, Andrew. Procedural authorship: a case-study of the interactive drama façade. In: Digital arts and culture: digital experience: design, aesthetics, practice (DAC 2005). Copenhague, 2005. MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. Editora Unesp, 2003. SANTOS, Laymert. O homem e a máquina. Revista Imagens. Campinas: Editora da Unicamp, dez. 1994. (3): p. 46-49. <http://www-inrev.univ-paris8.fr/extras/michel-bret/cours/bret/art/1988/procedural_art.htm>. Originalmente publicado em Leonardo, v. 21, n. 1, p. 3-9.