BOLIVIANOS NO BRASIL: PERSPECTIVAS DE UM PROCESSO COMPLEXO E MARCADO PELA EXPLORAÇÃO Renan Fernando de Castro Marcos Jorge Godoy Flamarion Dutra Alves renan_fernando@ig.com.br marcos.jgodoy@yahoo.com.br dutrasm@yahoo.com.br Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Alfenas Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Alfenas Prof. Doutor em Geografia na Universidade Federal de Alfenas INTRODUÇÃO O processo de migrações sempre esteve presente na história da humanidade, desde os povos nômades, até a presente sociedade capitalista. Mesmo sendo um fenômeno antigo, a mobilidade humana ainda é um assunto que não possui um consenso quanto a seus conceitos e teorias, muito pelo contrário, é um campo de grandes enfrentamentos politico e intelectual. Não existe, pois, um corpo uniforme de estudiosos e planejadores a examinar um conjunto de fenômenos consensualmente delimitado. Ocorre, ao contrário, um campo de enfrentamento de posições politicas e metodológicas a respeito da migração. (PÓVOA NETO, 2007, p. 45)
O Brasil, especialmente pós 1970, teve um grande fluxo migratório de brasileiros dirigindo-se para outros países, sobretudo Estados Unidos, decorrente da fragilidade da economia que oscilava permanentemente, e pelas oportunidades de emprego e qualidade de vida existentes nos países europeus e nos Estados Unidos. Entretanto, desde o início do século XXI, com o crescimento da economia brasileira, houve um processo de retorno por parte dos brasileiros que haviam imigrado, e outro fenômeno que cresce a cada ano, o de imigrantes de vários países latino americanos e africanos para o Brasil. Mesmo com as diversas correntes do pensamento geográfico a respeito da migração, algumas constatações se fazem presentes na atualidade. A primeira consiste na grande dificuldade de se mensurar a quantidade de imigrantes residentes no país, fator esse expresso na elevada presença de trabalhadores ilegais no Brasil. As políticas públicas para o setor são influenciadas por esse problema: como planejar e criar políticas voltadas para os imigrantes se não temos conhecimento sobre a quantidade existente no país? Outro aspecto das migrações presente na atualidade é a constante presença da exploração intensa que estes trabalhadores estão sujeitos. Temos uma dicotomia entre os fluxos migratórios com o destino ao Brasil. De um lado encontramos trabalhadores com alta especialização e experiência em seu ramo de atividade, esses são uma minoria e possuem todo o amparo legal que nossa constituição e governo podem oferecer. No outro extremo temos a grande maioria dos imigrantes que trabalham em variados ramos de atividades e são frequentemente colocados em situação degradante nos seus locais de trabalho, e algumas vezes, até podendo chegar à situação semelhante ao trabalho escravo. Os bolivianos presentes cada vez mais em maior número no Brasil são um exemplo claro e objetivo do papel que o migrante cumpre na lógica capitalista. Com jornadas de trabalho intermináveis e sem nenhum direito trabalhista ou acesso a serviços públicos, esse imigrante gera mais lucro para seu respectivo patrão e passa despercebido para o poder público.
Nessa perspectiva analítica, os imigrantes seriam as principais vitimas dos efeitos perversos da globalização que, enquanto, por um lado, acirra desigualdades regionais em nível mundial, impulsionando movimentos migratórios de massa nos países que perderam o jogo do desenvolvimento. Por outro lado, impõe a alguns setores econômicos como, por exemplo, o setor de confecções, padrões de competitividade que passam a se sustentar por processos de super exploração da força de trabalho em amplos circuitos de subcontratação. (FREITAS, 2012, p.157) Segundo Patarra e Baeninger (2004) existe a necessidade de uma reavaliação dos fenômenos migratórios, pois com a intensa e continua globalização novas perspectivas surgem e precisam ser analisadas. A globalização traz uma questão contraditória, enquanto se tem o incentivo e livre circulação de capital, bens e mercadorias, o trabalhador não pode cruzar certas fronteiras nacionais, ficando preso em seu país de origem. O projeto liberal em matéria de circulação de capitais e mercadorias, sustentado por grande parte dos Estados centrais, entra em contradição com os severos controles impostos à livre mobilidade dos trabalhadores e à fixação das pessoas nos territórios nacionais desses Estados. (PELLEGRINO, 2003, apud MARTINE, 2005, p. 5) Entre as nacionalidades que migram ao Brasil, os bolivianos merecem destaque. Frequentemente observamos em jornais e revistas reportagens que tratam o assunto, e na grande maioria das vezes tratam de forma negativa. Uma breve analise dos títulos das noticias selecionadas é capaz de revelar a predominância de temáticas que tendem a gerar associações frequentes entre bolivianos e o crime, a informalidade e a contravenção. Tal fato pode ser confirmado pela utilização frequente, nos títulos das notícias, de termos como polícia, traficante, drogas (cocaína), prisão, suspeitos, assassinatos, documentos falsos e etc. todos eles pejorativos e, nesses casos, vinculado à nacionalidade boliviana. (MANETTA, 2012, p.265) Não é de se surpreender que normalmente observamos pessoas atacando com insultos de origem variada os imigrantes latino-americanos. Portanto estes imigrantes sofrem por diversas formas, sejam elas morais ou físicas e que são agravadas pelas diferenças culturais e no idioma que também são um grande empecilho na integração entre bolivianos e brasileiros.
As dificuldades na elaboração de políticas que contribuam para a melhora na vida desses imigrantes se tornam extremamente complexa e difícil de ser realizada, pois muitos interesses vão de desencontro com uma legislação mais humana e justa. Um exemplo claro deste aspecto levantado é a quantidade de dinheiro que certos empresários lucram mantendo os imigrantes na ilegalidade. Sem cumprir compromissos trabalhistas, pagando salários inferiores aos recebidos por trabalhadores brasileiros e obrigando os estrangeiros trabalharem mais horas que o permitido pela legislação, esses empresários veem seus lucros dispararem. Como muito bem coloca Martine (2005) é importante colocarmos como ponto de partida para a elaboração de políticas migratórias a revalorização dos aspectos positivos da migração, e na redução progressivo de seus efeitos negativos. Logicamente não mudaremos a situação dos imigrantes apenas alterando as politicas migratórias, pois o sistema econômico político que vigora encontra necessidade, em certos momentos, dessa mão de obra barata, contudo é um passo importante a reformulação das políticas migratórias e deve ser feito. OBJETIVOS Compreender a legislação brasileira como um dos entraves na elaboração de políticas migratórias que verdadeiramente atenda as reais necessidades dos imigrantes, tendo como foco os bolivianos. Mostrar os principais destinos da imigração boliviana no Brasil, e discutir as condições de trabalho e cotidiano da população. METODOLOGIA Primeiramente é importante ressaltar a dificuldade em identificar os fluxos migratórios, principalmente os que possuem caráter temporário. Dentro desta
perspectiva, o seguinte trabalho buscou trabalhar tanto com dados quantitativos como qualitativos. A partir de uma pesquisa exploratória bibliográfica, se verificou as principais vertentes de pensamento a respeito das migrações internacionais e sua projeção. Tendo este primeiro passo realizado, foi feito um levantamento de dados secundários, principalmente com origem no IBGE a fim de cruzar a teoria com os dados a respeito do tema, por fim, demonstrando os principais destinos dos imigrantes bolivianos no Brasil, sua quantidade e influência da legislação brasileira nesses deslocamentos populacionais. RESULTADOS PRELIMINARES O Brasil é um país com extensão continental, e boa parte de nosso território faz fronteira com a Bolívia. Essa proximidade, além de outros fatores, fez o fluxo de pessoas entre esses países vizinhos aumentar com o passar das décadas. No lado brasileiro temos na fronteira os Estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; já no lado Boliviano os departamentos (Estados) Pando, Beni e Santa Cruz de La Sierra. Mapa 1 Zona de Fronteira Brasil Bolívia
Fonte: IBGE (Orgs. RIBEIRO, SILVA e BORGES) Como podemos observar a fronteira entre Brasil é extensa e facilita a entrada de Bolivianos no Brasil e vice e versa. Contudo a maior concentração de bolivianos encontra-se na metrópole Paulista, São Paulo. Vários são os motivos que justificam essa grande concentração de bolivianos na região, contudo a grande parte desses motivos baseia-se em equívocos e desinformação. Muitos chegam ao Brasil com a promessa de uma vida diferente de seu país de origem. Especificamente a Bolívia, atualmente passa por um processo de relativa
melhora em seus índices de desigualdades, principalmente após o atual presidente Evo Morales chegar ao poder. Mesmo com essa melhora, o país ainda é marcado pela pobreza, desemprego e conflitos entre grandes latifundiários e a população pobre, sendo a maior parte dela composta por indígenas. São Paulo então surge como uma metrópole capaz de atrair imigrantes de diversas partes do mundo. Tendo um mercado de trabalho dinâmico em todos seus extremos, a cidade de São Paulo e sua região metropolitana consegue atrair mão de obra qualificada e também mão de obra não qualificada. Portanto, podemos considerar São Paulo e sua região metropolitana, como o principal destino dos imigrantes bolivianos, principalmente pelo dinamismo de sua economia. Logo em seguida temos uma grande concentração de imigrantes bolivianos nas zonas fronteiriças, como Corumbá e Guajará- Mirim. Essa concentração se explica pela proximidade entre as localizações e também pelo lado brasileiro oferecer uma maior concentração de serviços básicos, como saúde, educação e saneamento básico. Apesar do volume limitado de imigrantes bolivianos que tem o Brasil como destino, esse tem sido um contingente cada vez mais presente no contexto urbano e metropolitano nacional, incentivando processos de crescimento populacional e de intensificação da mobilidade em localidades fronteiriças. (MANETTA, 2012, p. 258) A tabela a seguir nos mostra as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro como o grande destino de imigrantes bolivianos, conjuntamente com cidades fronteiriças de Corumbá de Guajará- Mirim. TABELA 1 - DISTRIBUIÇÃO DOS IMIGRANTES NASCIDOS NA BOLÍVIA BRASIL 2000 LOCAL DE RESIDÊNCIA PAÍS DE NASCIMENTO Microrregiões Brasil Bolívia RM de São Paulo 8.679 Baixo Pantanal 1.179 Rio de Janeiro 1.219
Guajará-Mirim 1.436 Total 12.513 Fonte: FIBGE, Censo demográfico de 2000 Outras cidades brasileiras também recebem quantidades significativas de imigrantes, como Rio Branco, Porto Velho, Guarulhos e Belo Horizonte. Mas como foi dito anteriormente, corresponde pouco ao número exato de imigrantes bolivianos presentes no Brasil, nos restando apenas estimativas imprecisas, como colocam Cacciamali e Azevedo (2006, p.130): A comunidade boliviana na cidade de São Paulo pode reunir até 100 mil pessoas pelas estimativas da Pastoral dos Migrantes Latinoamericanos, embora o consulado da cidade de São Paulo reconheça a existência de 50 a 70 mil imigrantes clandestinos. Outro dado de grande interesse são as atividades exercidas pelos imigrantes bolivianos no Brasil. Segundo o IBGE a grande maioria dos bolivianos trabalham na indústria de transformação, seguido pelo comércio. Lugares como o Bom Retiro e Brás em São Paulo são conhecidos por abrigar milhares de bolivianos e peruanos que trabalham principalmente na confecção de roupas, exemplos não faltam de notícias envolvendo a super exploração desses trabalhadores em fábricas improvisadas sem o mínimo de condições para a realização de um trabalho digno. Nesse contexto de acumulação flexível, (Harvey, 1993), os bolivianos passaram a ser incorporados como trabalhadores temporários sem nenhuma forma de regulamentação trabalhista, tornando-se vulneráveis, seja pelo fato de parte deles estar indocumentada no país, seja por não ter um contrato de trabalho regulamentado. (SILVA, 2012, p. 21) TABELA 2 IMIGRANTES INTERNACIONAIS SEGUNDO OCUPAÇÃO (POPULAÇÃO COM MAIS DE 14 ANOS DE IDADE) BRASIL 1990 2000 País de Agricultura Indústria de Construção Comércio Intermediação Educação Outros Nascimento e Pesca Transformação Financeira serviços
coletivos Bolívia 4,68 50,75 3,7 9,44 2,87 2,2 4,63 Europa 2,57 17,37 1,98 15,69 14,59 15,78 9,14 Fonte: FIBGE, Censo Demográfico 2000 A tabela 2 nos deixa claro, mesmo com certas deformações, as diferenças entre as atividades que europeus e bolivianos desempenham no Brasil, e podemos considerar que os bolivianos representam a América do Sul, no que se refere ao desenvolvimento social e econômico, com algumas poucas exceções. O setor industrial é a que emprega o maior número de bolivianos, com destaque para o setor de confecções, seguido pelo comércio. Vale a pena a ressaltar as péssimas condições de trabalho desses imigrantes, e que muitos estão sujeitos a exploração por seus próprios conterrâneos. Silva (2012) nos mostra essa situação quando escreve a ação inescrupulosa de outros bolivianos que se tornam intermediários entre os patrões e os costureiros (as). Agora entraremos em um último ponto e que gera grandes debates na academia e na sociedade civil de forma geral, a lei que regulamenta a migração no país. A lei que regulamenta o setor, lei N 6.815, de 19 de agosto de 1980 foi elaborada em plena ditadura militar e prioriza a defesa nacional, a defesa do território. Portanto esta lei não atende as necessidades dos imigrantes, servindo apenas para colaborar e legitimar os preconceitos e exploração com os imigrantes. O governo brasileiro, percebendo a ineficiência da lei de migração e também após a pressão de setores organizados da sociedade, propõe o projeto de Lei N 5655/2009, que entre outros pontos trata a questão da migração a partir de uma perspectiva mais humana. Acreditamos ser importante o aprimoramento da legislação brasileira a respeito das migrações, assim como em outros setores da sociedade, contudo é visível as diferenças no que se encontra nas leis, e o que se encontra na realidade, no dia a dia do trabalhador, seja ele estrangeiro ou não. O judiciário, assim como outros setores, age na
grande maioria das vezes, de acordo com os interesses econômicos e dos grandes grupos e corporações que exercem influência e poder sobre o judiciário. Nos resta, intelectuais, academia, sociedade civil organizada, sindicatos, lutar para que haja avanço nas questões migratórios, confiando apenas em nossas forças para alterar essa realidade existente, tendo sempre em perspectiva que todos os homens do globo merecem viver bem e com dignidade, independente de sua nacionalidade ou origem, independente das fronteiras criadas pelos homens, fronteiras essas que já causaram incontáveis catástrofes humanas no decorrer da história. BIBLIOGRAFIA BRASIL, Ministério do trabalho e emprego. Perfil Migratório do Brasil 2009. Disponível em: < http://www.mte.gov.br/trab_estrang/perfil_migratorio_2009.pdf> Acesso em 02 de Junho de 2014. CACCIAMALI, Maria Cristina; AZEVEDO Flávio Antonio Gomes de. Entre o Tráfico Humano e a Opção da Mobilidade Social: os Imigrantes Bolivianos na Cidade de São Paulo. Cadernos PROLAM. Ano 5,v.1, 2006. p.129-143. FREITAS, Patrícia Tavares. Imigração boliviana para São Paulo e setor de confecção uma apreciação. In BAENINGER, Rosana (org). Imigração boliviana no Brasil. São Paulo: NEPO, 2012. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: SIDRA. 2014. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/> Acesso em: 10 Junho. 2014. MARTINE, George. A globalização Inacabada: Imigrações internacionais e pobreza no século XXI. São Paulo em Perspectiva. V. 19, n 3, 2005. P. 3-22. MANETTA, Alex. Bolivianos no Brasil e o discurso da mídia jornalística uma apreciação. In BAENINGER, Rosana (org). Imigração boliviana no Brasil. São Paulo: NEPO, 2012.
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