O Grande Ciclo de Ser Mark Taylor Como seres humanos, nossa existência está incrustada num infinito ciclo de experiência constituído por sentir o ambiente, perceber e nos relacionar com o que sentimos, e em nos movermos na direção do mundo como resposta. Esse ciclo profundo - o grande ciclo de ser - cria uma matriz multidimensional na qual recebemos o mundo através de nossos corpos, unimos e integramos essas informações dentro de nossos cérebros, interpretamos ou percebemos a informação, e finalmente movemos nossos corpos em resposta - em fala, ação e expressão para novamente começar o ciclo, sem pausa. Em cada momento de nossas vidas, estamos processando simultaneamente incontáveis bits de informação, relacionando-os uns aos outros, e agindo sobre elas, de modos tanto consciente como inconscientes. No ciclo, respondemos ao que sentimos nos movimentando, e o movimento gera mais sensação. Sensação e movimento são inseparáveis. Esse processo se repete em nós durante todo o tempo, sobrepondo bits de informações em diversos níveis simultaneamente. O modo que escolhemos viver dentro desse ciclo determina quem somos em nossas mentes, nossos corpos e espíritos. Nossas respostas habituais ao jogo do grande ciclo do ser determinam o estado de nossa existência: nosso tom básico de tristeza e alegria, nosso medo, empoderamento ou desempoderamento, nossos hábitos relacionais e o formato de nossos corpos físicos. O modo como manejamos o ciclo (consciente ou inconscientemente) determina em grande parte a capacidade que temos de repadronizar nossos hábitos, de nos manter saudáveis, de respondermos apropriadamente a novas situações, e de nos transformarmos física, mental e emocionalmente. Alguns aspectos da sensação e da resposta são conscientes e outros estão abaixo do nível da atenção consciente. Conscientemente, estou sentado e expressando minhas idéias através do movimento dos meus dedos em um teclado, enquanto meu corpo se ajusta à atração da terra enquanto sento na cadeira, ao mesmo tempo em que tento ignorar o som de uma máquina de cortar grama que vem lá de fora, e ainda assim escuto a música calma dos pássaros nos intervalos. Isso apenas para citar alguns dos processos nos quais estou engajado nesse momento. Agora mais consciência me chega: a beleza da luz do dia em uma planta da casa, a pequena constrição nas minhas costas entre as escápulas, o frio nos meus pés, minha pequena
tensão nos olhos, a satisfação da digestão do almoço em minha barriga, o leve segurar da respiração enquanto eu paro para fazer considerações. E essa lista nem tenta distinguir os milhões de bits de informação que o meu sistema perceptual está processando que eu felizmente ignoro. Sentindo, Percebendo e Movendo intro head Sentir é mecânico, envolvendo a estimulação dos receptores sensórios e nervos. Os nervos sensores são aqueles cuja predominante de fluxo é da periferia de nossos corpos para o sistema nervoso central (o cérebro e coluna vertebral), carregando informações estimuladas por forças no mundo exterior gravidade, luz, ondas de som, movimento do ar, e temperatura entre elas. Essa estimulação pode estar ocorrendo nos olhos, sendo interpretada como visão, no nariz como cheiro, na pele como toque, ou dentro de nossas articulações ou músculos, como propriocepção. Todas essas informações e muitas outras viajam para centros no cérebro através de nossos nervos sensores e se tornam parte de nós em um nível celular. Perceber não é um processo mecânico. É a transformação da informação sensória que chega em nossa única e individual interpretação do ambiente. Percepção diz respeito a nossa relação pessoal com a informação que chega; é como nós nos relacionamos com o que estamos sentindo. A ação de perceber não está limitada ao momento presente. Inclui nossa história, nossas emoções, o que esperamos experienciar no futuro, e nosso estilo pessoal habitual de nos sintonizar com a informação que chega. No ato de perceber criamos o mundo ao nosso redor. Mover é um processo mecânico. É nosso meio de resposta e expressão, de agir no ou sobre o mundo, e de estender a mão. Os nervos motores são aqueles cujo caminho do fluxo predominante é do sistema nervoso central (o cérebro e coluna vertebral) em direção à periferia de nossos corpos. Esse fluxo carrega instruções para nossos músculos e órgãos, organizando mudanças espaciais dentro dos tecidos. Essas instruções permitem aos corpos se moverem através do espaço. Nossos nervos motores portanto permitem as nossas percepções se porem em ação. O termo movendo envolve muitas formas de respostas. Suas manifestações maiores incluem a viagem do corpo através do espaço; a articulação da respiração, boca, e lábios com a vibração
das cordas vocais para criar a fala; a posição dos membros para criar gestos comunicativos; e a modelação dos músculos faciais para comunicar expressão. Manifestações menos visíveis incluem o fluxo de cargas eletroquímicas, através dos neurônios no cérebro que criam o pensamento consciente, mudanças na química dos órgãos e glândulas para produzir emoções que viajam pelas vias sanguíneas, e alterações no fluxo de nosso campo de energia (chamado deus, respiração, chi, prana e outros termos dependendo da sua tradição). Lembre que a palavra emoção é derivada do Latin significando mover para fora. O Loop sensório-motor O loop sensório-motor é o modelo tradicional neuro-psicológico no qual a fase de entrada inclui tanto as informações sensórias quanto perceptuais e a fase de saída inclui o planejamento e execução da atividade motora em resposta ao estímulo. Como um precursor de nosso entendimento do grande círculo do ser (being), o loop sensório-motor fornece um entendimento de que mover e sentir são inseparavelmente ligados, que qualquer movimento cria uma experiência sensória, e que a experiência sensória estimula o movimento. O que se segue é um esboço simples do loop sensório-motor: Input Sensório Interpretação Perceptual Planejamento Motor Resposta Motora Feedback Sensório Interpretação Perceptual Input Sensório é a estimulação dos receptores sensórios e nervos. Interpretação Perceptual é a integração pessoal particular daquela percepção no cérebro, e como a pessoa se relaciona ao estímulo. O Planejamento Motor é a iniciação da resposta do cérebro ao estímulo, antes que o movimento ocorra. A Resposta Motora é o fluxo de informação até o músculo e a ação ou inibição resultante daquela ação. O feedback Sensório é o relato da periferia confirmando a ocorrência da ação intencionada, e entregando informação sobre o que aconteceu durante a ação. Interpretação Perceptual, a avaliação e interpretação da ação pela pessoa. A Ação Perceptual e o Ciclo de resposta intro head No seu livro Sensing, Feeling and Action, Bonnie Bainbridge Cohen propõe
duas fases adicionais ao loop sensório-motor. Suas adições ressaltam que há um aspecto motor do sentir e um aspecto sensório da motorização. Ao reconhecer estes aspectos temos acesso a mais modos de intervir nesse ciclo, resultando em mais opções para iniciar mudanças transformativas. Ela também ressalta que o modelo tradicional do loop trata apenas dos cinco sentidos de toque, cheiro, audição e visão. Ele negligencia as percepções da experiência músculo-esquelética (cinestesia e propriocepção) assim como a informação sensória dos sistemas nervosos entérico (visceral) e cardíaco (coração), os quais participam igualmente na formação de nossa visão de mundo. Cohen propõe duas adições importantes para o ciclo: o reconhecimento do papel das expectativas pré-concebidas em determinar a afinação de nossos sentidos, e o papel do foco motor pré-sensório como um ato motor dentro de nossa moldura perceptual. A versão revisada de Cohen do loop sensório-motor se parece com isso: Expectativas pré-concebidas Foco Motor pré-sensório Input sensório Interpretação Perceptual Planejamento-Motor Resposta Motora Feedback Sensório Interpretação Perceptual A corporificação desses dois aspectos adicionais do ciclo muda radicalmente nosso entendimento de nós mesmos e do mundo. A abertura para a consciência das expectativas préconcebidas e foco pré-motor dentro de nós mesmos, nos dá uma vasta gama de opções para nos engajarmos com o ambiente, opções que podem estar fechadas para nós se nós repetirmos interminavelmente a oscilação entre sentir e mover sem o fôlego profundo da autoconsciência. Expectativas Pré-concebidas subhead Expectativas pré-concebidas são os resíduos de experiência que nossos corpos tratam como realidade. Realidade, como nós a experienciamos é construída não dos objetos ou seres reais que emitem luz, calor ou som, mas de nossas interpretações dos reflexos energéticos daqueles objetos ou pessoas. Em outras palavras, a realidade que experienciamos não é construída dos fótons que atingem nossas retinas ou das ondas de pressão que atingem nossos tímpanos, mas de nossas interpretações desses fenômenos. Armazenamos um padrão de resposta para esses fenômenos em nossos cérebros, como memória e, especialmente com repetição dos estímulos, esperamos que esses fenômenos sejam consistentes com aquilo que experienciamos antes.
Nossas expectativas pré-concebidas são úteis, porque nos permitem acessar muito rapidamente experiência prévia e fazer julgamentos sobre o que podemos esperar no presente ou num futuro próximo. Mas as expectativas pré-concebidas também podem nos limitar. Se elas se forçarem para o plano de frente em nosso processo de percepção, podem nos impedir de experienciar, saborear e testar plenamente a gama sensorial plena no momento. Isso pode resultar num entendimento limitado ou avaliação incorreta da situação, objeto, ou relação. Expectativas pré-concebidas são como macros num computador. Eu visualizo um livro e penso oh, é um livro sem considerar e sentir a enorme acumulação de detalhes que sublinham o que um livro realmente deve ser: moléculas de várias substâncias arranjadas como papel, com manchas de tinta, presas em um monte por cola ou linha, com todos os passos dados para arranjar as partículas da tinta numa ordem que eventualmente irá fazer sentido para mim. Eu não necessariamente acesso isso com cuidado suficiente para confirmar minha expectativa. Que surpresa se minha resposta automática a esse estímulo visual livro não for precisa: ele pode ser esvaziado para ser uma caixa de doces, ou uma caixa de metal feita para parecer com um livro, ou facsímile de madeira, feito para servir como apoio de livros na estante. Se podemos estar errados sobre algo tão comum como um livro imagine o quão fácil é interpretar errado pistas bem mais sutis, assim como o estranhamento que você sente ao encontrar um estranho cujo cabelo (que você nota inconscientemente) tem a mesma cor vermelha do cachorro que o mordeu quando você tinha dois anos. É fácil ver que a realidade como a interpretamos não é a mesma realidade que é experimentada por outros. Barra lateral: Expectativas pré-concebidas Eu vejo uma amiga se aproximando- eu espero um sorriso porque nosso último telefonema terminou com um tom de piada. Quando ela se aproxima vejo o sorriso esperado. Eu brinco com ela. Demoro alguns segundos para entender que aquele sorriso é na verdade, um engano. Ela está em prantos chorando por causa de uma tragédia que ocorreu com sua família logo após o nosso telefonema, da qual eu não tinha conhecimento. Era minha expectativa pré-concebida que ela iria me cumprimentar com um sorriso, então foi isso o que vi. Foco Motor Pré-sensório Subhead O Foco Motor Pré-sensório é o ato motor dentro de nossos cérebros de se sintonizar a canais específicos de informação sensorial que chega. Da vasta quantidade de informação entrando em nossos sistemas a qualquer momento, nossas expectativas pré-concebidas nos levam a nos sintonizarmos a bits muito específicos de informação. Que nos possibilitam focar em uma tarefa imediata, e não nos desviarmos por bits estranhos de informação que podem se intrometer. Uma
pessoa autista pode não ser capaz de organizar e limitar a entrada sensória de informação, e assim se torna facilmente sobrecarregada pela complexidade de informação visual, auditiva, olfatória e cinestésica entrando seu sistema. Essa é uma limitação na fase do foco pré-motor. A vantagem de utilizar nosso foco pré-sensório é a habilidade de estreitar nossa visão e responder rápida e precisamente ao ambiente. A desvantagem pode ser que damos atenção a somente um conjunto de estímulos sensórios por situação, e ignoramos outros importantes bits de informação, porque não tínhamos nos sintonizado ou aberto para aqueles canais. A dificuldade que você sente com a mulher que tem os cabelos que inconscientemente lhe lembram o cachorro que lhe mordeu quando criança pode manter você afastado da possibilidade de a conhecer, e ela poderia ter sido um importante contato profissional. Nós podemos pensar sobre a largura de banda sensorial que empregamos para a percepção. Se limitamos nosso testar sensório do ambiente para uma largura de banda estreita, nós iremos receber apenas o que esperamos receber naquela amplitude estreita, ignorando as possibilidades no ambiente que existem nas outras porções de uma banda larga. Se abrirmos nosso testar sensorial do ambiente para incluir a banda larga, nossas opções perceptuais aumentam dramaticamente e podemos achar opções de respostas diferentes ou novas conforme nos movemos para a fase motora. Percebemos aquilo que focamos e daí respondemos. O que, e como respondemos, é colorido por como percebemos. Barra Lateral: Banda Larga Sensória Um exemplo simples de aumentar a banda sensória está em como eu encontro alguém. Quando conheço alguém pela primeira vez, posso focar meramente na cor da sua pele para fazer um julgamento e gerar uma resposta a ela. Frenquentemente é onde paramos. O que acontece se conscientemente eu abrir a banda larga para incluir outros atributos como vestimenta, qualidades de movimento, e expressão facial? Isso torna minha experiência sobre eles mais rica e detalhada. Posso ouvir o tom de voz e a escolha das palavras que eles usam para mais informação. Através da experiência de apertar as mãos ou outro contato físico posso adicionar uma impressão da textura da pele deles e da experiência proprioceptiva de sua pegada. Finalmente, posso escutar as respostas do meu coração e vísceras conforme entro em uma relação, me dando um sentido mais profundo de como posso responder, e mover em direção a, ou me afastar deles.
O Motor na Sensação e a Sensório na Motorização subhead Com mais refinamento do grande ciclo de ser fica claro que entre a fase da resposta motora e o input sensório resultante, nós nos sintonizamos para os aspectos de motorização que esperamos experimentar, de modo que mais uma vez manifestamos um foco motor num estímulo particular. Nós, portanto, temos outro exemplo de foco motor pré-sensorial. Com essa adição, o ciclo agora fica assim: Expectativas pré-concebidas Foco Motor Pré-sensório Input Sensório Interpretação Perceptual Planejamento Motor Resposta Motora Foco Motor Pré-sensório Feedback Sensório Interpretação Perceptual Esse modelo apresenta uma afirmação completa de como há um aspecto sensório no nosso mover e um aspecto motor no nosso sentir. Aquilo que inicialmente parece uma escolha binária (fluxo sensório para dentro e fluxo motor para fora) se mostra bem mais complexo. Tradução: Victor Rios, com colaboração de Rodrigo Palma e Marila Velloso Nota do tradutor = a palavra "awareness" tem o significado de percepção, ciência, consciência. Eu usei no texto a palavra em português que mais se encaixava no trecho em questão.