Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Embrapa Clima Temperado. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.



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ISSN 1516-8840 Dezembro, 2010 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Clima Temperado Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Documentos 321 Método de Determinação de Cálcio Iônico no Leite Bovino Maria Edi Rocha Ribeiro Rosângela Silveira Barbosa Vivian Fischer Waldyr Stumpf Junior Luiz Barros Embrapa Clima Temperado Pelotas, RS 2010

Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na: Embrapa Clima Temperado Endereço: BR 392 Km 78 Caixa Postal 403, CEP 96010-971- Pelotas, RS Fone: (53) 3275-8199 Fax: (53) 3275-8219 - 3275-8221 Home page: www.cpact.embrapa.br E-mail: sac@cpact.embrapa.br Comitê de Publicações da Unidade Presidente: Ariano Martins de Magalhães Júnior Secretária- Executiva: Joseane Mary Lopes Garcia Membros: Márcia Vizzotto, Ana Paula Schneid Afonso, Giovani Theisen, Luis Antônio Suita de Castro, Flávio Luiz Carpena Carvalho, Christiane Rodrigues Congro Bertoldi e Regina das Graças Vasconcelos dos Santos Suplentes: Beatriz Marti Emygdio e Isabel Helena Vernetti Azambuja Supervisão editorial: Antônio Luiz Oliveira Heberlê Revisão de texto: Bárbara Chevallier Cosenza Normalização bibliográfica: Fábio Lima Cordeiro Editoração eletrônica e Arte da capa: Sérgio Ilmar Vergara dos Santos Foto da capa: Rosângela Silveira Barbosa 1 a edição 1 a impressão (2010): 30 exemplares Todos os direitos reservados A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei no 9.610). Dados Iinternacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Embrapa Clima Temperado Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino / Maria Edi Rocha Ribeiro... [et al.] Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2010. 18 p. (Embrapa Clima Temperado. Documentos, 321). ISSN 1516-28840 1. Leite Qualidade Armazenamento Ordenha. 2. LINA. I. Ribeiro, Maria Edi Rocha. II. Série. CDD 637.1 Embrapa 2010

Autor Maria Edi Rocha Ribeiro Médica Veterinária, M. Sc., Pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, RS maria.edi@cpact.embrapa.br Rosângela Silveira Barbosa Médica Veterinária, M. Sc., Doutoranda da Universidade Federal de Pelotas. Pelotas/RS rosanbarbosa@yahoo.com.br Vivian Fischer Eng., Agrôn., Drª., Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS vfried@portoweb.com.br Waldyr Stumpf Junior Eng. Agrôn., Dr., pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, RS. waldyr.stumpf@cpact.embrapa.br

Luiz Barros Médico Veterinário, Professor da Faculdade de Veterinária, Montevideo - Uruguai. luisb@adinet.com.uy

Apresentação A qualidade do leite obtido à partir de diferenciados sistemas de produção é um dos indicadores determinantes da eficiência ou do equilíbrio desses sistemas e envolve tanto fatores ligados à genética como fatores ligados ao ambiente, como o manejo dos animais, instalações, alimentação, gestão, entre outros. Muitos fatores interferem na qualidade do leite, representada por sua composição química, física e microbiológica o que determina sua maior ou menor estabilidade. A instabilidade do leite apresenta algumas características peculiares, como acidez titulável normal, ph normal, ser negativo ao teste da fervura e apresentar resultado positivo ao teste do álcool. Este leite foi denominado de LINA leite instável não ácido pela equipe de pesquisadores da Embrapa Clima Temperado e do curso de pós-graduação em zootecnia da Universidade Federal de Pelotas. Vários fatores vêm sendo correlacionados ao LINA, como desequilíbrio nutricional dos animais, extensão do período de lactação, força iônica ou balanço de sais e, em especial, a concentração de cálcio iônico e de fosfatos no leite.

Esta publicação tem como objetivos a contextualização do tema, de relevante importância para a cadeia produtiva do leite, bem como discutir os métodos de armazenamento e horários de análises para a determinação do teor de cálcio iônico no leite bovino. Waldyr Stumpf Junior Chefe-Geral Embrapa Clima Temperado

Sumário MÉTODO DE DETERMINAÇÃO DE CÁLCIO IÔNICO NO LEITE BOVINO... 9 INTRODUÇÃO... DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA... 9 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 17 REFERÊNCIAS... 17

Método de Determinação de Cálcio Iônico no Leite Bovino Maria Edi Rocha Ribeiro Rosângela Silveira Barbosa Vivian Fischer Waldyr Stumpf Junior Luiz Barros Introdução O cálcio iônico (Ca ++ ) tem função importante na determinação das propriedades funcionais e físico-químicas das proteínas do leite. A influência do cálcio iônico na estabilidade térmica e nas características superficiais e reológicas das proteínas do leite foi citada por Walstra e Jenness (1984). Com relação aos mecanismos envolvidos na precipitação do leite pelo álcool, Horne e Parker (1981) descrevem que as micelas de caseína, em ph normal (6,6-6,8), apresentam-se negativamente carregadas; essas cargas são fundamentais para sua estabilização em solução. As cargas das micelas são controladas pela quantidade de cálcio ligado e, consequentemente, pelo nível de cálcio livre no sistema. Aumentando o cálcio total, aumenta a quantidade de cálcio ligado e reduzem as cargas negativas das micelas, diminuindo assim a barreira energética para a coagulação. Inversamente, reduzindo o nível de cálcio, aumentam as cargas negativas das micelas, aumentando a repulsão entre elas, dificultando a coagulação. O teor de cálcio ionizado está diretamente relacionado com a positividade da prova do álcool, encontrando-se também variações com relação a

10 Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino outros componentes do leite (BARROS, 2001). Barros et al. (2000), durante dois anos, avaliaram atributos lácteos de vacas, com leite positivo ao teste do álcool, de uma propriedade leiteira, no Uruguai. Determinaram cálcio iônico e ph imediatamente após a ordenha e encontraram diferenças significativas no teor de cálcio iônico (p<0,001) entre leite positivo e negativo na prova do álcool com valores de 0,118±0,030 e 0,103±0,026 (g/l -1 ) (p<0,0004), respectivamente. Concluíram que o cálcio iônico está relacionado positivamente com a prova do álcool e não com o ph natural. LIN et al. (2006) constataram que amostras instáveis ao etanol 75 GL apresentavam níveis de cálcio iônico mais altos do que as amostras estáveis. A estabilidade do etanol apresentou maior relação com a concentração de cálcio iônico do que com estágios de lactação ou valores do ph. Muitos pesquisadores vêm associando a concentração de cálcio iônico com a instabilidade do leite ao teste do álcool (BARROS et al., 1999; CHAVEZ et al., 2004; LIN et al., 2006; TSIOULPAS et al., 2007). A instabilidade foi caracterizada por Ponce e Hernandez (2001) como um conjunto de alterações nas propriedades físico-químicas do leite que apresenta acidez titulável abaixo de 14 ºD, mas não é mastítico e apresenta precipitação positiva no teste do álcool 70 ºGL. Entretanto, a instabilidade do leite possui algumas características regionais, como resultado positivo ao teste do álcool, ausência de acidez titulável elevada (acima de 18 ºD), permanência de ph normal (6,6-6,8) e resultado negativo no teste da fervura. Este tipo de leite foi denominado LINA (Leite Instável Não Ácido), pela equipe de pesquisadores da Embrapa Clima Temperado e Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Este problema vem sendo estudado desde 2002 e atualmente há parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outras unidades da Embrapa (MARQUES et al., 2007; ZANELA et al., 2009; MACHADO, 2010). Segundo Ribeiro et al. (2008), para a maior segurança nos resultados das análises do teste do álcool, acidez titulável em graus dornic, ph e fervura, para diagnóstico do LINA, recomenda-se que as amostras de leite após a coleta sejam acondicionadas em geladeira com frascos destampados, para

Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino 11 a volatilização do gás carbônico, e analisadas em torno de 6 horas após a ordenha. Essas recomendações servem tanto para amostras individuais como para as amostras de tanque de resfriamento. Entretanto, para Barros et al. (1998, 1999) a determinação de cálcio iônico deve ser realizada imediatamente após a ordenha, pois os autores observaram que há diferenças significativas no cálcio iônico do leite, no primeiro estudo, com resultados de 46% mais alto no valor médio das amostras analisadas 8 horas após a ordenha, comparados à medição aos 5 minutos após a ordenha. Em outro estudo, os valores obtidos imediatamente e 8 horas após a ordenha foram respectivamente: 0,0974±0,0148 e 0,1273±0,0087 g/l -1, observando-se um aumento de 30% nas 8 horas, enquanto que manteve-se estável nas 24 horas. Segundo Lin et al. (2003) o cálcio do leite de vaca distribui-se em três fases. Aproximadamente 70% apresentam-se na fase coloidal, associados com fósforo na formação do fosfato de cálcio, ligados às micelas de caseína do leite. Cerca de 20% estão na fase solúvel, formando sais de cálcio; e os 10% restantes, na fase iônica, ou seja, íons de cálcio livre. O equilíbrio entre as três fases de cálcio no leite é muito importante para a estabilidade do leite. Lin et al. (2006) concluíram que o cálcio e outros minerais podem realizar trocas entre as micelas e a fase aquosa para restabelecer o equilíbrio abalado por certos distúrbios, mas elas podem ocorrer muito rapidamente e muitas são reversíveis. Com o objetivo de definir o melhor método de armazenamento e horário de análise para determinação do teor de cálcio iônico no leite bovino, foi realizado um experimento com vinte e seis animais, no Sistema de Pesquisa e Desenvolvimento em Pecuária Leiteira (SISPEL), da Embrapa Clima Temperado DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA Para determinação do cálcio iônico, foi realizado um experimento com 26 animais, no Sistema de Pesquisa e Desenvolvimento em Pecuária Leiteira (SISPEL), da Embrapa Clima Temperado, no período de agosto a setembro de 2005. As vacas foram avaliadas quanto à ocorrência de mastite clínica

12 Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino pelo teste da caneca e mastite subclínica pelo CMT (Califórnia Mastitis Test) durante o período experimental e houve descarte em caso de positividade. As determinações foram realizadas nos seguintes horários de análise: 0, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 24, 48. Após a ordenha, foi coletado leite, individualmente, e armazenado em três formas: primeira (Figura 1) em frasco plástico com tampa de rosca sem vácuo, com leite suficiente para todos horários de dosagem (SVU), sendo aberto a cada horário de medição. A segunda (Figura 2), em 9 frascos plásticos com tampa de rosca sem vácuo, com leite suficiente para apenas uma dosagem (SVI), e a terceira (Figura 3), em 9 tubos com vácuo (CV); para estas duas últimas, cada tubo foi aberto no seu respectivo tempo de medição. O cálcio iônico foi determinado por potenciometria (Barros et al., 1999). O potenciômetro contou com eletrodo de íon seletivo para cálcio e outro eletrodo de referência, da marca Orion, com leitura direta em g L -1. Para a sensibilização dos eletrodos mergulhou-se por no mínimo 4 horas em solução de Ca ++ padronizada (10-2 M ou 100 ppm). Para calibração dos eletrodos utilizaram-se soluções padronizadas, preparadas nas seguintes concentrações, a partir de: 0,1 M Ca = 4 g L -1 Ca; 0,01M Ca = 0,4 g L -1 Ca e 0,001M Ca = 0,04 g L -1 Ca. Em 10mL de cada solução acima foi adicionado 0,2 ml de ISA (ionic strenght adjustor) solução de ajuste iônico de KCl. A técnica para determinação do teor de cálcio iônico no leite bovino consta de: 10mL de leite e 0,2 ml de ISA, homogeneização e, posteriormente, imersão dos eletrodos na amostra (Figura 4). Foto: Rosângela Silveira Barbosa Figura 1. Método de armazenamento: SVU

Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino 13 Foto: Rosângela Silveira Barbosa Figura 2. Método de armazenamento SVI Foto: Rosângela Silveira Barbosa Figura 3. Método de armazenamento: CV Foto: Rosângela Silveira Barbosa Figura 4. Determinação do cálcio iônico em leite bovino.

14 Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino Após a utilização, os tubos de plástico com tampa foram lavados com água e sabão não iônico, depois permaneceram mergulhados em água deionizada por um período mínimo de 4 horas e, após, secos em estufa de ar forçado, fechados e armazenados para serem reaproveitados, para evitar possível interferência de resíduos de cargas iônicas. Quando possível, sugere-se que se utilizem frascos novos esterilizados. O delineamento experimental adotado para melhor método de armazenamento e horário de análise para determinação do cálcio iônico foi o completamente casualizado em parcelas divididas no tempo, onde cada animal representou uma repetição dentro de cada horário. Foi atribuída a variável método de armazenamento (três níveis) às parcelas e hora de análise do teor de cálcio iônico (9 níveis), e às subparcelas, com oito repetições cada. Os dados foram analisados pelo programa estatístico - SAS (2001), sendo submetidos à análise de variância, considerando-se os efeitos de método, hora e interação método*hora; a comparação das médias foi realizada segundo o teste DMS de Fischer em nível de 5% de significância, para a comparação dos métodos dentro de cada horário e análise de regressão a fim de verificar o efeito simples do horário dentro de cada método de armazenamento. Com relação ao efeito do horário de análise dentro de cada método de armazenamento, observou-se diferença significativa somente no método de armazenamento SVU. O leite armazenado pelo método SVU apresentou os maiores teores de cálcio iônico na maioria dos horários de análise, diferindo significativamente dos demais métodos, exceto nas 8 h e 48 pósordenha. Esses resultados indicam a possibilidade de maior exposição do leite armazenado pelo método SVU com o ar, podendo ter modificação na distribuição das cargas positivas e negativas (Tabela 1).

Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino 15 Tabela 1. Teores médios de cálcio iônico nos métodos de armazenamento em cada horário de análise após ordenha no SISPEL, da Embrapa Clima Temperado de agosto a setembro de 2005. MÉTODO DE HORÁRIO DE ANÁLISE ARMAZENAMENTO 0 2 4 6 CV 0,0833 b 0,0846 b 0,0934 b 0,0716 c SVI 0,0803 b 0,0862 b 0,0948 b 0,0972 b SVU 0,1023 a 0,1076 a 0,1142 a 0,1255 a 10 12 24 48 CV 0,0863 b 0,0668 c 0,0956 b 0,0968 b SVI 0,0991 b 0,0992 b 0,1099 b 0,1035 b SVU 0,1236 a 0,1195 a 0,1446 a 0,1625 b 1 Médias seguidas da mesma letra, nas colunas, não diferiram significativamente (DMS Fischer ± > 0,005). Comparando os métodos CV e SVI, verificou-se que o leite armazenado pelo método CV apresentou os menores valores numéricos de cálcio iônico em praticamente todos os horários de análise, exceto no horário medido logo após a ordenha. Isso sugere que, no caso do SVI, mesmo sendo aberto somente no momento de realização de análise, na coleta e armazenamento do leite, o frasco, ao ser fechado, pode ter ficado com ar por dentro o que pode ter ocasionado trocas iônicas. Entretanto, os valores médios do cálcio iônico do método CV diferiram estatisticamente do SVI apenas nas 6h e 12 após a ordenha. A variação significativa (P = 0,0445 e P = 0,0146) atribuível ao tempo de armazenamento, para os métodos CV e SVI, é eminentemente cúbica e quadrática, respectivamente. Entretanto, observa-se uma variação linear no método SVU, indicando que, à medida que o tempo de armazenamento pós-ordenha progrediu, o nível de cálcio iônico aumentou significativamente (P < 0,0001). A variação do teor de cálcio iônico em função dos horários de análise foi representada pelas equações y= 0,09 0,0025 h + 0,00017 h 2 0,00000239 h 3, y = 0,083 + 0,002 h 0,000031 h 2 e y = 0,11 + 0,0011 h, respectivamente, para os métodos CV, SVI, SVU.

16 Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino Possivelmente essa variação linear observada no método SVU seja devida ao maior contato do leite com o ar e a consequente troca entre as formas químicas do cálcio: ionizável, coloidal e solúvel. O método SVU proporciona maior exposição ao ar, pela vedação menos eficiente do frasco e por sua abertura em todos os horários de análise. CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluiu-se que o método de armazenamento e o horário de análise influenciam os níveis do cálcio iônico do leite bovino. Na impossibilidade de realizar análise imediatamente após a ordenha, sugere-se a utilização de tubos com vácuo ou frascos com tampas bem fechadas. REFERÊNCIAS BARROS, L.; DENIS, N.; GONZÁLEZ, A.; NÚÑEZ, A. Ionic calcium related to alcohol test in milk. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON PRODUCTION DISEASES IN FARM ANIMALS, 10., 1998, Utrecht. Proceedings Utrecht, Netherlands 1998. BARROS, L.; DENIS, N., GONZÁLEZ, O.; GALAIN, C. Prueba del alcohol en leche y relación con calcio iónico. Práticas Veterinárias, Florida, Uruguay, v. 2, n. 9, p.13-15, 1999. BARROS, L.; GONZÁLEZ, O.; GALAIN, D.; GONZÁLEZ, P.; TORRES, E.; DENIS, N.; NÚÑEZ, A. Variaciones de la leche y prueba del alcohol. In: CONGRESSO MUNDIAL DE BUIATRIA, 21., 2000, Punta del Este, Uruguay. Anais Punta del Este, Uruguay: [s.n.], 2000. BARROS,L. Transtornos metabólicos que afetam a qualidade do leite. In: GONZÁLEZ, F. H. D.; DÜRR, J. W.; FONTANELI, R. S. Uso do leite para monitorar a nutrição e o metabolismo de vacas leiteiras. Porto Alegre, RS: UFRGS, 2001. p. 46-60.

Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino 17 CHAVEZ, M.S.; NEGRI, L.M.; TAVERNA, M.A.;CUATRÍN, A. Bovine milk composition parameters affecting the ethanol stability. The Journal of Dairy Research, London, v. 71, n. 2, p. 201-206, may 2004. HORNE, D. S.; PARKER, T. G. Factors affecting the ethanol stability of bovine milk: II. The origin of the ph transition. The Journal of Dairy Research, London, v. 48, n., p. 273, 1981. LIN, M. J.; LEWIS, M. J.; GRANDISON, A. G. Effect of ph on the calcium movement in milk between colloidal and ionic phases. In.: WORLD CONFERENCE ON ANIMAL PRODUCTION, 9., 2003, Porto Alegre. Proceedings Porto Alegre: UFRGS, 2003. LIN, M. J.; LEWIS, M. J.; GRANDISON, A. G. Measurement of ionic calcium in milk. International Journal of Dairy Technology, Malden, MA, v. 59, n. 3, p. 192-199, aug. 2006. MACHADO, S. C. Fatores que afetam a estabilidade térmica do leite bovino. 2010. 132 f. Tese (Doutorado em Zootecnia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Agronomia, Porto Alegre, RS. MARQUES, L. T.; ZANELA, M. B.; RIBEIRO, M. E. R.; STUMPF, W. JR.; FISCHER, V. Ocorrência do leite instável ao álcool 76% e não ácido (lina) e efeito sobre os aspectos físico-químicos do leite. Revista Brasileira de Agrociência, Pelotas, v. 13, n.1, p. 91-97, 2007. PONCE, P.; HERNÁNDEZ, R. Propriedades físico-químicas do leite e sua associação com transtornos metabólicos e alterações na glândula mamária. In: GONZÁLEZ, F. H. D.; DÜRR, J. W.; FONTANELI, R. S. Uso do leite para monitorar a nutrição e o metabolismo de vacas leiteiras. Porto Alegre, RS: UFRGS, 2001. p. 61-72. RIBEIRO, M. E. R.; MARQUES, L. T.; ZANELA, M. B.; STUMPF JÚNIOR, W.; FISCHER, V. Nova Metodologia para verificação do Leite Instável Não Ácido (LINA). Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2008. 4p. (Embrapa Clima Temperado. Comunicado Técnico, 203).

18 Método de determinação de cálcio iônico no leite bovino TSIOULPAS, A.; LEWIS, M. J.; GRANDISON, A. S. Effect of minerals on casein micelle stability of cows milk. The Journal of Dairy Research, London, v. 74, n. 1, p. 167 173, feb. 2007. WALSTRA, P.; JENNESS, R. Química y física lactológica. Zaragoza: Ed. Acribia, 1984. 422p. ZANELA, M. B.; RIBEIRO, M. E. R.; FISCHER, V.; GOMES, J. F.; STUMPF JÚNIOR, W. Ocorrência do leite instável não ácido no noroeste do Rio Grande do Sul. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, v. 61, n. 4, p. 1009-1013, ago. 2009.