REVISTA ELETRÔNICA DE TRABALHOS ACADÊMICOS UNIVERSO/GOIÂNIA NO 1 / Nº3 / 2016 SUPLEMENTO FIDELIDADE PARTIDÁRIA DO DETENTOR DE MANDATO ELETIVO NO BRASI

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Transcrição:

FIDELIDADE PARTIDÁRIA DO DETENTOR DE MANDATO ELETIVO NO BRASIL Ana Carolina Domingues Ribeiro 1 Cecilia Aires Pereira Lemes 2 RESUMO Sob a ótica de um Estado Democrático de Direito com alicerces em uma democracia representativa, sobretudo com a perspectiva de que os partidos políticos são instituições importantes para a formação da vontade política, o presente estudo, por método dedutivo qualitativo, se dispõe a analisar a importância da filiação partidária no Brasil à luz do Princípio da Fidelidade Partidária consagrado na Constituição Federal de 1988. Com a relevância ao tema de desfiliação partidária concedida pela promulgação da Emenda Constitucional nº 91 de 18 de fevereiro de 2016, mostra-se apropriado o estudo dos reflexos da referida promulgação quanto ao cenário políticopartidário atual do País. Assim, aborda-se neste trabalho: os aspectos dos partidos políticos e da filiação partidária no ordenamento jurídico brasileiro e sua importância para a democracia brasileira; o equilíbrio parlamentar e o cenário do partido que obteve atos de desfiliação partidária; por fim, as consequências da desfiliação partidária em relação ao exercício da vontade popular. Palavras-chave: democracia representativa; partidos políticos; Princípio da Fidelidade Partidária. ABSTRACT From the perspective of a Democratic State with foundations in a representative democracy, about everthing with the perspective that the political parties are importante institutions to the formation political will, this study, for qualitative deductive method, want to analyze the importance of the party affiliation in Brazil under principle of party loyalty consecrated in the Federal Constitution of 1988. With the relevance granted for the promulgation of the Constitucional Amendment nº 91 of February 18, 2016 to the disaffiliation party theme, shows if appropiate the study about the reflections of the cited promulgation about the current scenario political party in the Country. Like this, we discuss in this work: the aspects of the political parties and of the party affiliation in the brazilian law and its importance to the brazilian democracy; the parliamentary balance and the political scene that had acts of party disaffilation; lastly, the consequences of the disafilation party regarding to the exercise of popular will. 1 Acadêmica do 10º período do Curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira UNIVERSO- Campus Goiânia-GO, Estagiária no Escritório Nelson Wilians Advogados & Associados, e-mail: anakarolr9@gmail.com. Período letivo 2016/1. 2 Possui graduação em Direito pela Universidade Católica de Goiás (2000). É mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG (2006) e especialista em Docência Universitária pela Universidade Católica de Goiás - UCG (2001). Atualmente é professora da disciplina Criminologia do Curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira e orientadora de Trabalhos de Conclusão de Curso. 23

Keywords: representative democracy; political parties; Principle of Party Loyalty. INTRODUÇÃO Este estudo tem o objetivo de analisar a importância, bem como as possíveis causas e consequências decorrentes da desfiliação partidária dos detentores de mandato eletivo no Brasil, tendo em vista a promulgação da Emenda Constitucional nº 91 de 18 de fevereiro de 2016. De fato, os partidos políticos têm demonstrado ao longo da história que são essenciais para a construção e manutenção de uma democracia representativa. Diante da queda do absolutismo monárquico e de uma sociedade sem estrutura organizacional para estabelecer discussões e ideologias representativas, os partidos políticos surgiram como forma de viabilizar o debate entre as diversas correntes doutrinárias e filosóficas existentes no meio social. Com efeito, no Brasil, os partidos políticos são consagrados na Constituição Federal de 1988 e são os principais meios de construção de uma ponte de interlocução entre os anseios dos cidadãos e a formação da vontade do Estado. Neste passo, diante da observação que o modelo de democracia representativa adotado pela Constituição Federal exige como condição de elegibilidade a filiação partidária e que a legislação infraconstitucional, por meio do Código Eleitoral e da Lei nº 9.096/1995, exigem, ainda, a filiação partidária de pelo menos 1 (um) ano antes da data fixada para as eleições, verifica-se que o valor constitucional da fidelidade partidária tem uma relevância maior para o ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com a publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos em 2008, até o dia 30 de dezembro de 2007, o Tribunal Superior do Trabalho recebeu 6.300 pedidos de julgamento de perda de mandato de parlamentares que migraram de partido político após o referido Tribunal se pronunciar sobre a fidelidade partidária por meio da edição da Resolução nº 22.610/2007. Preocupa-se com a relevância do assunto, pois verifica-se que os eleitores, geralmente, votam em candidatos que representam a ideologia dos 24

partidos políticos pertencentes e que com ele se identifique. Assim, diante da troca de partido político pelo detentor de mandato eletivo, é possível que se crie no eleitor o sentimento de insegurança na relação estabelecida entre o candidato eleito e o eleitor. No âmbito jurídico, muito se discutiu acerca da fidelidade partidária. O Supremo Tribunal Federal julgou várias ações com o mesmo objeto até que o Tribunal Superior Eleitoral editasse a Resolução nº 22.610/2007 que disciplina o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária. Atualmente, vigora no sistema jurídico brasileiro a Emenda Constitucional nº 91 que faculta ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito, sem prejuízo do mandato, nos trinta dias de promulgação da citada emenda. Assim sendo, considerando a realidade político-partidária no Brasil, analisar-se-á no presente estudo os reflexos da desfiliação partidária do candidato eleito quanto a segurança jurídica proveniente das relações entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe; as consequências das migrações inesperadas em relação ao equilíbrio no Parlamento e como as referidas situações repercutem quanto a vontade popular e ao pleno exercício da oposição política; as possíveis causas para a ocorrência da desfiliação partidária e o atual cenário do caráter partidário das vagas, tendo em vista que o vínculo entre o candidato eleito e o partido político se prolonga após a eleição. Desse modo, este estudo consistirá em uma abordagem panorâmica da influência dos partidos políticos para a consecução da soberania popular e a importância do tema da fidelidade partidária para o sistema eleitoral brasileiro. 1 PARTIDOS POLÍTICOS COMO FONTE VIABILIZADORA DA DEMOCRACIA A vida humana consiste em agrupamentos, conforme afirma o autor Paulo Henrique Faria Nunes (2015, p. 20). Desde os primórdios, através de comunidades, os agrupamentos humanos se organizavam. Ocorre que, diante da prevalência do interesse privado em face do interesse particular encontrado naquelas organizações, 25

fez-se necessário a construção de sociedades. No entanto, embora surgido o conceito de bem comum, as sociedades eram desprovidas de estrutura organizacional. Surgiram, portanto, as sociedades políticas, cuja característica é a manutenção da ordem, da paz e do bem-estar social através de um sistema normativo dotado de autoridade ou de poder político. O poder político consiste no poder estatal de atingir a esfera do particular, de forma coercitiva, o obrigando a fazer ou deixar de fazer algo em razão do interesse público. É o verdadeiro jus imperium. Por outro lado, na democracia, o poder político é exercido pelo governante eleito pela vontade do povo que detêm a legitimidade para a escolha de seus representantes. Historicamente, os partidos políticos surgiram após a queda do absolutismo monárquico e foram vistos como solução para a criação de meios de realização da soberania popular, tendo em vista que os regimes políticos democráticos foram reestabelecidos. Após a queda do absolutismo monárquico e diante de uma sociedade com ânsia por um regime democrático que, no entanto, não possuía a sabedoria suficiente para tomar decisões coerentes no plano político, a criação de partidos políticos foi a forma encontrada como meio de viabilizar o debate entre as diversas correntes doutrinárias e filosóficas existentes no meio social. No Brasil, alguns doutrinadores afirmam que o processo de criação de partidos políticos foi de forma lenta. Segundo o autor Jaime Barreiros Neto (2009, p. 120) nos primeiros anos do Império praticamente não existiram partidos políticos. No período imperial, o que havia, na verdade, eram grupos de opinião que se reuniam para discutir política. Com a abdicação de D. Pedro I que surgiram os primeiros partidos políticos no País, pois se iniciou o processo de desconcentração do poder. No período considerado pelos historiadores de República Velha, a maioria dos partidos políticos era de caráter regional. Não havia um número considerável de partidos políticos nacionais. Após a queda da política café com leite e com o surgimento da Era Vargas, foram instituídos novos partidos políticos que, em síntese, eram opositores das ideologias do comunismo e do autoritarismo centralizado. Contudo, embora instituídos partidos políticos na Era Vargas, o Estado Novo (1937) culminou na extinção de todos os partidos políticos brasileiros e, após a promulgação da Constituição de 1946, surgiram em massa no Brasil os partidos políticos com caráter nacional, conforme Jaime Barreiros Neto (2009, p. 145). Em 26

1964 instaurou-se o regime militar no Brasil e o sistema de partidos políticos se tornou bipartidário, Jaime Barreiros Neto. Ao mesmo passo, com o enfraquecimento do regime militar, em 1985 editou-se a Emenda Constitucional nº 25 que previa, dentre outras garantias, o pluralismo partidário. Assim sendo, o País retornou ao pluripartidarismo, cujo sistema é mantido até os dias atuais pela Constituição Federal de 1988, Jaime Barreiros Neto (2009, p.164). Atualmente, os partidos políticos estão dispostos no Capítulo IV do Título II da Constituição Federal que prevê um conjunto de normas que objetivam disciplinar a liberdade política do cidadão, o exercício da soberania popular e a moralidade do processo político. Logo após, no Capítulo V do mesmo título, a Carta Constitucional dispõe acerca dos partidos políticos, tendo em vista que a referida instituição é essencial ao desenvolvimento da democracia contemporânea, conforme defesa de Jaime Barreiros Neto (2009, p. 81): Independentemente dos conceitos dos ilustres autores citados, podemos definir o partido político como uma instituição essencial ao desenvolvimento e à consolidação da soberania popular, aglutinadora de ideais e instrumentalizadora do debate democrático entre as mais diversas correntes políticas existentes nas sociedades pluralistas. São os partidos políticos indispensáveis canais de interlocução entre os diferentes segmentos sociais, sem os quais a democracia moderna é inviabilizada. Assim sendo, nota-se a importância dos partidos políticos para a efetivação da democracia, sobretudo dada a sua essencialidade, pois no Brasil é vedada a candidatura avulsa, cuja característica torna o partido político instrumento de despersonalização das disputas partidárias. Os princípios fundamentais estampados no artigo 1º da Constituição Federal denotam a busca do Estado Brasileiro pela efetivação de valores sociais através de uma sociedade fraterna, justa e democrática e dispõe acerca da forma de governo adotado no Brasil, cujo modelo é o republicano. Ao mesmo passo, nota-se que a República Federativa do Brasil adota o modelo de democracia representativa a qual o poder do povo se exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos. Neste aspecto, verifica-se a importância dos partidos políticos para a democracia brasileira, tendo em vista que é por intermédio dos partidos políticos que a supremacia popular é exercida e que o povo governa, conforme José Afonso da Silva (2005, p.408): 27

Uma das consequências da função representativa dos partidos é que o exercício do mandato político, que o povo outorga a seus representantes, faz-se por intermédio deles, que, desse modo, estão de permeio entre o povo e o governo, mas não no sentido de simples intermediários entre dois polos opostos ou alheios entre si, mas como um instrumento por meio do qual o povo governa. Dir-se-ia em tese, ao menos que o povo participa do poder por meio dos partidos políticos. Por outro lado, a cidadania e o pluralismo partidário são princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme prevê a lei maior. Depreende-se, portanto, que o sistema jurídico brasileiro adota uma democracia pluralista que demanda uma maior participação do povo nas questões fundamentais do Estado. Dalmo de Abreu Dallari (2001, p.89) afirma que a participação política é uma necessidade da natureza humana e que para que haja organização é necessário que exista uma ordem, na qual as pessoas possam viver e conviver. No mesmo sentido, o pluralismo político consiste na viabilização da coexistência pacífica de representantes das diversas ideologias existentes no meio social, conforme Jaime Barreiros Neto (2009, 319): Exercem os partidos políticos funções primordiais à consecução da democracia, que transcendem, em muito, a mera função eleitoral. Os partidos políticos, na contemporaneidade, devem ser observados sob uma concepção orgânica, e não pura e simplesmente sob a ótica tradicional, fundada no século XIX. Os partidos políticos, portanto, são fundamentais para a interlocução entre os diferentes segmentos existentes nas sociedades pluralistas, sobretudo no Brasil. Assim sendo, à democracia brasileira moderna os partidos políticos são instrumentos basilares, sobretudo para a consecução dos princípios fundamentais esboçados na Constituição Federal de 1988. 2 PRINCÍPIO DA FIDELIDADE PARTIDÁRIA Embora a temática quanto à fidelidade partidária tenha sido introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional nº 01 de 1969 que previa a perda do mandato diante de ato de indisciplina partidária, a referida emenda fora extinta através da promulgação da Emenda Constitucional nº 25 de 1985. 28

Contudo, a Constituição Federal de 1988 tratou do tema novamente por meio do artigo 17, 1º que prevê o princípio da fidelidade partidária e estabelece o direito, dentre outros, de os partidos políticos estabelecerem, por intermédio de seus estatutos, normas de disciplina e fidelidade partidária. Nota-se, portanto, que a Carta Constitucional não fez previsão de sanções diante de atos que não observam o princípio da fidelidade partidária. Além da disposição constitucional acerca do princípio da fidelidade, a Lei de Organização Político-Partidária (Lei nº. 9.096/1995) dispõe quanto ao referido princípio no artigo 15, V, que o Estatuto do Partido deve conter normas quanto a fidelidade e disciplina partidárias, processo para apuração das infrações e aplicação das penalidades, assegurado amplo direito de defesa e no artigo 26 que perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude de proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito. Muito se discutiu acerca do princípio da fidelidade especialmente quanto ao aspecto da perda do mandato do detentor de mandato eletivo diante da prática de desfiliação partidária. O referido princípio preceitua que o ato de se filiar a um partido político consiste na adesão dos posicionamentos ideológicos da agremiação e na aquisição de direitos e deveres perante o partido. Cumpre citar Said Farhart (1996, p.423): Fidelidade partidária consiste na adesão intelectual do membro do partido filiado ou representante eleito, no Governo, no Congresso, nas assembleias legislativas estaduais ou nas câmaras municipais às filosofias do partido, sua concepção de sociedade e dos métodos, caminhos e meios para realizar suas ideias a esse respeito. Trata-se a fidelidade partidária como garantia fundamental da vontade do eleitor, do modelo de representação popular, do equilíbrio do Parlamento e da manutenção de um sistema ético, conforme Marcelo Novelino (2009, p. 517): O caráter partidário das vagas é extraído da norma constitucional que prevê o sistema proporcional (CF, art. 45), no qual a vinculação entre candidato e partido político se prolonga após a eleição, sendo que o ato de infidelidade, seja ao partido político, seja ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um desvio ético-político, representa, quando não precedido de uma justa razão, uma inadmissível ofensa ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder. Além de causar surpresa no corpo eleitoral e nas agremiações partidária de origem, privando-as da representatividade conquistada nas 29

urnas, migrações inesperadas acabam por acarretar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento. Ressalta-se que o termo fidelidade partidária não pode ser confundido com disciplina partidária, pois este guarda relação com obediência ou desobediência às decisões aprovadas pela organização política. Ou seja, a disciplina partidária exige dos filiados ao partido político o respeito aos seus princípios e objetivos. Por sua vez, a infidelidade partidária é considerada como o ato do político filiado de atentar contra as orientações das suas agremiações ou de mudar para outras legendas. Plácido e Silva (1991, p. 123) conceitua o ato de infidelidade partidária como o ato político que não respeita as diretrizes partidárias da sua agremiação ou abandona o partido sem justificativa. O tema fidelidade partidária é centro de debates e denota importância para o sistema jurídico brasileiro considerando-se a importância do partido político a partir do momento em que o ordenamento exige à sua vinculação para a disputa de eleições no Brasil e o seu papel de representante de ideologias sócio-políticas da sociedade. Considerando que a Constituição Federal determina a filiação a um partido político como condição de elegibilidade e que a representação popular ocorre por meio do sistema eleitoral proporcional, verifica-se que o valor constitucional da fidelidade partidária tem uma maior densidade, segundo disciplina Gilmar Mendes (2014, p. 681): Se considerarmos a exigência de filiação partidária como condição de elegibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em vista que o modelo eleitoral proporcional adotado para as eleições parlamentares parece certo que a permanência do parlamentar na legenda pela qual foi eleito torna-se condição imprescindível para a manutenção do próprio mandato. Atualmente, quanto ao tema em debate, vigem duas normas jurídicas específicas que tratam da perda do mandato do detentor de mandato eletivo que comete ato de infidelidade partidária perante o seu respectivo partido: a Resolução nº. 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral e a Emenda Constitucional nº 91 de 18 de fevereiro de 2016. A Resolução nº 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral disciplina o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária. A resolução citada dispõe que o partido político pode requerer perante a 30

Justiça Eleitoral a perda do cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. Em síntese, o Supremo Tribunal Federal, através de julgamentos de mandados de segurança, e o Tribunal Superior Eleitoral, por meio de Resolução, firmaram teses a favor da perda do mandato de candidato em decorrência de desfiliação partidária. No entanto, aplica-se a tese firmada pelos Tribunais apenas para cargos eletivos de sistema de votação proporcional, ou seja, para vereadores e deputados. Por outro lado, recentemente promulgou-se a Emenda Constitucional nº 91 que faculta ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito, sem prejuízo do mandato, nos trinta dias de sua promulgação. Verifica-se, portanto, que a EC nº 91 cria uma janela para mudança de partidos sem sanções aos detentores de mandato eletivo e mitiga a aplicação do princípio da fidelidade partidária, cujo preceito é condição imprescindível para a candidatura de interessados. 2.1 A importância da fidelidade partidária para a democracia brasileira Tem-se visto nos últimos anos grandes movimentações entre partidos políticos, sobretudo quanto ao aspecto de infidelidade partidária. De acordo com Carlos Ranulfo Melo, em média, cerca de 29% dos deputados federais eleitos mudaram de partidos nas cinco legislaturas no período de 1983 a 2003. Além disso, segundo estudos do Instituto de Estudos Socioeconômicos realizados em 2008, até o dia 30 de dezembro de 2007, a Justiça Especializada Eleitoral havia recebido cerca de 6.300 pedidos de julgamento de perda de mandato de parlamentares que migraram de partido político após a edição da Resolução nº 22.610/2007 do Tribunal Superior do Trabalho. Para que a estrutura política no Brasil se concretize é necessária a conciliação da vontade do eleitorado com a organização política os Partidos Políticos. Assim sendo, verifica-se há três binômios essenciais para a manutenção da democracia brasileira e de uma sociedade justa: Partido-eleito, eleitor-eleito e eleitor-partido. Analisando-se o binômio Partido-eleito, percebe-se que para que ocorra a manutenção dessa relação é necessária a observância da fidelidade partidária, 31

tendo em vista que o vínculo entre o candidato eleito e o partido político se prolonga após a eleição. Ocorre que, o que se percebe é uma grande troca de partidos o que demonstra um flagrante desrespeito à vontade popular e ao resultado das urnas, cujos aspectos afetam diretamente a democracia brasileira contemporânea, conforme Jaime Barreiros Neto (2009, p. 320): A fidelidade partidária é um elemento essencial à consolidação do Estado Democrático de Direito, pois indispensável à consecução e à elevação da soberania popular. Sem fidelidade partidária, a cidadania é tomada de assalto, uma vez que as práticas inescrupulosas do fisiologismo e do escambo político se consolidam, enfraquecendo os partidos políticos e violentando a vontade popular, sacramentada no fundamento estatal do pluralismo político e no direito de sufrágio. Por outro lado, quanto ao aspecto eleitor-eleito, quando ocorre a troca de partido político por ato de infidelidade partidária do detentor de mandato eletivo, é possível que se criem no eleitor os sentimentos de insegurança e de ausência de credibilidade pelas instituições, pois os candidatos recebem os seus mandatos tanto dos eleitores como dos partidos políticos. Embora o atual sistema político busque a despersonalização na disputa partidária através da filiação partidária prévia como requisito para disputa de cargo eletivo nas eleições, uma parcela dos eleitores ainda escolhem seus representantes por motivos de características pessoais que os tornem aptos ao exercício do mandato eletivo. Assim sendo, verifica-se que o binômio eleitor-eleito pode também ser afetado pelo ato de infidelidade partidária do detentor de mandato eletivo e ter reflexos na democracia brasileira, pois o candidato eleito deve respeitar os votos recebidos e, sobretudo, a legitimidade do povo e a relação de confiança que é estabelecida entre os eleitores e os elegidos. A existência do binômio eleitor-partido só é possível dada ao caráter partidário das vagas no País. Ou seja, para que ocorram eleições é necessária a existência de partidos políticos para intermediarem a votação no candidato de escolha do eleitor. Além disso, o sistema de votação proporcional (voto de legenda) reforça a relação existente entre o eleitor e o Partido, pois através desse sistema o cidadão pode não apenas manifestar o voto em um candidato específico, mas, também, o desejo de qualquer candidato filiado àquela legenda possa exercer a função política. 32

No mesmo sentido, a relação eleitor-partido se respalda nas funções dos partidos políticos de contribuírem para a formação da consciência política dos cidadãos brasileiros, de mediarem a vontade do povo e do Estado para a formação da vontade política e de representarem as diversas ideologias existentes na sociedade, conforme afirma Jaime Barreiros Neto (2009, p. 320): O eleitor, ao votar em um candidato filiado a um partido político, não está apenas escolhendo um indivíduo para que exerça um cargo eletivo, mas sim está aderindo a uma ideologia, a uma linha de pensamento político, que deverá ser aquela seguida pelo partido. Portanto, um deputado, um vereador ou um senador, não deveria ser considerado o dono do seu mandato, pois este pertence ao partido que o elegeu, e aos seus eleitores. Diante dos fatores expostos, verifica-se a relevância do binômio eleitor- Partido e a importância da observância do princípio da fidelidade partidária pelo detentor de mandato eletivo, pois é importante para a democracia brasileira que os partidos políticos não percam a sua essência, tendo em vista que por meio destes o Estado Democrático de Direito se conforma e o regime da democracia representativa floresce. 3 POSSÍVEIS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO ATO DE INFIDELIDADE PARTIDÁRIA Uma das principais causas para a ocorrência de desfiliação partidária é o conflito de natureza ideológico-programática ou até mesmo de natureza pessoal existente entre os parlamentares com os seus respectivos partidos. A referida causa guarda relação intrínseca com a finalidade primordial dos partidos políticos: representar a sociedade ideologicamente. Neste passo, há de se ressaltar que quando um membro se filia à agremiação partidária, aceita e concorda, em tese, com os princípios, valores e objetivos do partido. Assim sendo, quando ocorrem divergências quanto a estes aspectos, resta ao detentor de mandato eletivo a desfiliação do partido. Por outro lado, outro motivo que enseja a troca de partido político pelo o candidato eleito é o desejo de sucesso para construção de uma carreira política e perpetuação do poder. 33

Ocorre que, em não raras vezes, os parlamentares almejam a reeleição e, como forma de viabilizar as chances de uma nova candidatura se realizar, a migração partidária é vista como circunstância benéfica. Portanto, outra principal causa para que ocorra a desfiliação partidária é o interesse estritamente individual do detentor de cargo político de continuar a exercer a referida função. De outra sorte, a principal consequência prevista pelos doutrinadores diante de ato de infidelidade partidária é a crise de representatividade. Os parlamentares quando trocam de partido promovem um afastamento entre a vontade do eleitor expressa nas urnas e sua representação política. Assim sendo, haveria uma crise de representatividade, pois é o eleitor quem determina a distribuição dos cargos eletivos, tendo em vista que, no sistema eleitoral brasileiro, o voto do eleitor é de caráter partidário e pessoal ao mesmo tempo. A segurança é um dos alicerces da própria sociedade, sobretudo em uma sociedade política é necessária a presença da segurança jurídica para a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. Embora o princípio da segurança jurídica não esteja expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, este valor está intimamente interligado com a concepção de um Estado Democrático de Direito. Contudo, quando o detentor de mandato eletivo se desfilia de seu partido, ocorre uma instabilidade na relação entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe. Assim sendo, o ato de infidelidade partidária demonstra as falhas do ordenamento jurídico brasileiro ao ponto de não haver legislação que trata de forma plena acerca da matéria de fidelidade partidária e que permite que estes cenários de desestabilização político-partidária ocorram e afetem a segurança jurídica políticoinstitucional. Com efeito, acerca da ausência de legislação que trata do assunto, Jaime Barreiros Neto (2009, p. 215) critica o ordenamento jurídico brasileiro: A realidade, no entanto, é que nossa legislação eleitoral favorece a prática de infidelidade partidária, uma vez que não dispõe de mecanismos suficientemente eficazes para combatê-la. Não existe uma norma heterônoma infraconstitucional que puna a infidelidade partidária com a perda do mandato eletivo do infrator. Ademais, além de dar ensejo a uma crise de representatividade e causar uma instabilidade na relação entre candidato eleito e eleitor, as migrações partidárias inesperadas podem acarretar um desequilíbrio no Parlamento, tendo em 34

vista que as bancadas representantes e defensoras de certos setores da sociedade se vêm diante de um enfraquecimento de números de filiados e consequentemente de simpatizantes dos ideais da agremiação. E, por outro lado, ocorre o fortalecimento de demais bancadas do Parlamento de forma a afetar o pleno exercício da oposição política. Em 18 de fevereiro de 2016 o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 91, cuja preceito faculta ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito, nos trinta dias seguintes a referida promulgação, sem prejuízo do mandato. Portanto, até o dia 19/03/2016 os candidatos eleitos teriam o prazo para a desfiliação partidária sem possibilidade da perda do mandato eletivo. Neste sentido, a Emenda Constitucional nº 91 possui a natureza jurídica de autorização constitucional em caráter temporário para a desfiliação do partido político pelo qual o parlamentar foi eleito. O princípio da fidelidade partidária, já debatido em tópico específico deste trabalho, se mostra importante para a democracia contemporânea, pois é através deste que os partidos políticos se fortalecem e a democracia cresce. No entanto, a promulgação da Emenda Constitucional nº 91 parece ser uma afronta ao princípio da fidelidade, tendo em vista que além de permitir a desfiliação partidária, no prazo de 30 dias, sem justa razão, como estabelece a Resolução nº 22.610/2007, garante ao detentor de cargo político a segurança de não perder o mandato. Assim sendo, a consequência da promulgação de Emenda Constitucional que não estabelece a perca de mandato diante de ato de desfiliação partidária é a afronta ao princípio da fidelidade partidária e o surgimento de precedente legislativo, mesmo que temporário, para que novas normas constitucionais e infraconstitucionais legislem no mesmo sentido e prejudiquem o fortalecimento dos partidos políticos. 35

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os reflexos da promulgação da Emenda Constitucional nº 91, as consequências das migrações inesperadas em relação ao equilíbrio no parlamento, a repercussão do ato de infidelidade partidária quanto a vontade popular e o pleno exercício da oposição política e o atual cenário do caráter partidário das vagas foram os problemas abordados na presente pesquisa científica. Diante disso, verificou-se que a democracia é o regime político mais justo e igualitário, pois a legitimidade reside na autoridade e vontade do povo, conforme prevê o artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal de 1988. De outra sorte, os partidos políticos são importantes para que a democracia seja efetivada, tendo em vista que no Brasil é vedada a candidatura avulsa e que as agremiações políticas são instrumentos de despersonalização das disputas partidárias o que caracteriza o sistema eleitoral de votação brasileiro de partidário com resquícios de pessoalidade. No mesmo sentido, a função representativa dos partidos políticos é importante para a democracia brasileira porque por seu intermédio a supremacia popular é exercida e o povo governa. Ou seja, por meio dos partidos políticos, o povo participa do poder. Ademais, os partidos políticos são fundamentais para propugnarem e representarem as diversas ideologias e segmentos existentes na sociedade e estabelecerem os debates de ideias como forma de efetivar a participação política dos cidadãos. Quanto ao princípio da fidelidade partidária, percebeu-se que a garantia fundamental de cumprimento da vontade do eleitor se respalda neste, pois o ato de desfiliação partidária e as migrações inesperadas de partidos políticos desrespeitam o resultado das urnas. Neste aspecto, verifica-se a relevância do tema fidelidade partidária quando a Carta Constitucional determina, como condição de elegibilidade, a filiação a partido político e a adoção de sistema eleitoral proporcional para as eleições parlamentares. No âmbito jurídico, muito se discutiu acerca do princípio da fidelidade partidária através de julgamentos de Mandados de Segurança pelo Supremo 36

Tribunal Federal e, atualmente, vigem no ordenamento jurídico brasileiro a Resolução nº 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral que disciplina o processo de perda de cargo eletivo diante de ato de desfiliação partidária e a Emenda Constitucional nº 91 que autoriza temporariamente a desfiliação do partido sem prejuízo do mandato. Para a democracia brasileira, analisando-se a estrutura política do País, verificou-se que o princípio da fidelidade partidária afeta os três binômios da organização política: Partido-eleito, eleitor-eleito e eleitor-partido. Assim sendo, notou-se que a fidelidade partidária é relevante para o binômio Partido-eleito, pois o vínculo entre o candidato eleito e o partido político se prolonga após a eleição; para o aspecto eleitor-eleito, pois é necessária a manutenção da segurança e credibilidade nas instituições pelos eleitores; para a relação eleitor-partido, pois o sistema de votação proporcional reforça esta relação e os partidos contribuem para a formação da consciência política dos cidadãos brasileiros. Diante dos números de migrações partidárias apresentadas na pesquisa, analisou-se as possíveis causas do ato de infidelidade partidária. Averiguou-se que existem duas causas principais para a ocorrência da desfiliação partidária: o conflito de natureza ideológico-programática ou de natureza pessoal existente entre os parlamentares e os partidos e o interesse estritamente individual do detentor de cargo político de perpetuar no poder. A causa de natureza ideológico-programática ou pessoal para a migração partidária possui razão e é motivo plausível para a desfiliação partidária, pois ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo e, muito menos, associar-se ou manter-se associado, conforme prevê o texto Constitucional. No entanto, analisando-se a plausibilidade das possíveis causas para a ocorrência da desfiliação partidária, não é forçoso concluir que a causa de caráter estritamente individual com a finalidade de perpetuação no poder e manutenção do cargo político foge aos conceitos de moralidade e inidoneidade que os agentes públicos e políticos devem manter para com a coisa pública e para com o povo. Para que o País se desenvolva politicamente é necessário que os agentes políticos abandonem o sentimento de posse dos cargos políticos, tendo em vista que esses pertencem ao povo que os exercem por meio da soberania popular e que a governança de um Estado não é para a finalidade de consecução de 37

interesses pessoais, pelo o contrário, é para gerir o bem comum do povo e representar a vontade popular. Por outro lado, apurou-se as principais consequências do ato de infidelidade partidária: a instauração de crise de representatividade, pois são os eleitores que determinam as distribuição dos cargos eletivos; o estabelecimento de insegurança jurídica na relação entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe; e, por fim, a instalação de desequilíbrio no Parlamento diante do enfraquecimento dos partidos que tenham políticos desfiliados. Outrossim, a promulgação da Emenda Constitucional nº 91 que faculta ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito, por prazo determinado, sem prejuízo do mandato, afronta o princípio da fidelidade partidária e possibilita que legislações futuras normatizem o tema de forma a não prever sanção da perda do mandato. Assim sendo, a existência da Emenda Constitucional no ordenamento jurídico brasileiro cria um cenário político instável tanto para os eleitores quanto para os partidos políticos, tendo em vista que a insegurança jurídica causada nas referidas relações representam uma verdadeira crise institucional para o Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 7 ed. São Paulo: Editora Método. 2011. ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral. 10 ed. Bahia: Editora Juspodivm. 2016. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. BRASIL, Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre os partidos políticos, regulamenta os artigos 17 e 14, 3º, inciso V, da Constituição Federal. Brasília: Congresso Nacional, 1995. CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Bahia: Editora Juspodivm. 2013. 38

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