DISCURSO DE PATRONO (Pronunciado na sede social do Jockey Club na formatura de Eng. Eletr., dia 08/08/95) Antes de mais, minha gratidão e alegria por ser o Patrono desta turma. Uma das turmas mais queridas que já tive. Aqui, fui professor da maioria. Meu muito obrigado pela escolha. Qualquer professor sente-se não somente honrado, mas altamente gratificado com tal escolha. Este meu discurso quer ser otimista. Voces se formam em engenharia elétrica, um dos cursos mais difíceis, segundo alguns o mais difícil, não somente na PUC, mas em muitas, e nas melhores Universidades. Começo citando as palavras de Herbert Hoover, ex Presidente dos Estados Unidos a respeito da profissão de engenheiro. Palavras de Herbert Hoover, 31º Presidente dos Estados Unidos: "É uma grande profissão. O fascínio ao ver o fruto da imaginação emergir, com o uso da ciência, para se transformar em um projeto. Daí, sua realização em pedra, metal ou energia. E isto produz empregos, casas, [artefatos], aumenta o padrão de vida e acrescenta conforto ao dia a dia. Este é o privilégio do engenheiro. O passivo do engenheiro, comparado a outras profissões é que o fruto do seu trabalho está aberto a todos, todos o podem ver... Ele não pode enterrar seus erros nos túmulos, como os médicos, ele não pode argumentar que o erro foi do juiz, como os advogados, ele não pode, como os arquitetos, cobrir suas falhas com árvores, ele não pode, como os políticos, atribuir seus fracassos aos oponentes e esperar que o povo os esquecerá. O engenheiro não pode simplesmente negar que errou. Se o fruto do seu trabalho não der certo, ele está condenado. Por outro lado, ao contrário dos médicos, ele não passa sua vida entre os fracos, ao contrário do soldado, seu objetivo não é a destruição e ao contrário dos advogados, sua vida não consiste em contendas. Ao engenheiro, cabe a tarefa de cobrir os ossos da ciência com vida, conforto e esperança. Não há dúvida que com o passar dos anos, as pessoas vão esquecendo o que o engenheiro fez, se é que alguma vez o souberam. Ou então algum político põe o próprio nome na obra, ou então ela é creditada a outro que usou recursos de terceiros... Mas o engenheiro olha para o enorme bem que resultou de sua atividade, com a satisfação que poucos profissionais conhecem. E o veredicto de seus pares é tudo que ele deseja em termos de reconhecimento". I) Reformulação dos cursos de engenharia 1
Nos últimos anos tenho participado de numero sempre decrescente, ou quase isto, de formandos em engenharia elétrica, um fato extremamente preocupante, pois todos sabemos a importância da engenharia elétrica, nas suas várias especialidades, para o desenvolvimento de um país. Creio que se pode afirmar com toda probabilidade que um número pequeno de engenheiros elétricos de um país ou de uma região é sinal de fraco desempenho da economia do país ou da região. Mas temos um complicador adicional a este respeito e é o fato da mudança do perfil de engenheiros que a sociedade moderna está a exigir. Os currículos dos cursos de engenharia, em geral, e da eng. Elétrica, de modo especial, estão defasados. É forçoso reconhecer que um progresso tecnológico em velocidade alucinante obrigaria os currículos dos cursos de engenharia a se ajustarem continuamente. Creio que este é um dos maiores desafios das faculdades de engenharia no mundo inteiro. Não se pode ingenuamente pensar que se trata de descobrir qual deva ser o perfil do engenheiro do século XXI, ou, pior ainda, do engenheiro do 3º Milênio. Como se, ao entrarmos no próximo século, acabaria a aceleração do progresso tecnológico! Falar em perfil do engenheiro do próximo século ou, pior ainda, do engenheiro do 3º Milênio não passa de uma expressão de retórica de baixo nível, sem correspondência com a realidade. Porque a realidade certíssima, da qual somos todos testemunhas, é a aceleração vertiginosa do progresso tecnológico, ou seja, a velocidade deste progresso não somente aumenta, mas a própria taxa de variação da velocidade está aumentando. Neste contexto, é absolutamente ridículo falar em perfil do engenheiro. do século XXI, muito mais do 3º milênio. Para se ter uma idéia da velocidade deste progresso, estima-se que daqui a 10 anos, metade dos objetos que estaremos usando ainda não estão inventados!!! Isto tudo é dito como uma espécie de pedido de desculpas que fazemos aos alunos que ora se formam, extensivo aos que se formarão no futuro: desculpem-nos, a nós professores, por mantermos um currículo sob diversos aspectos tão desatualizado. Desatualizado não somente na sua estrutura, mas também nas ementas das disciplinas. Há maneira de sanar radicalmente este mal? Creio que não! Se meu pessimismo neste aspecto pode ser deprimente, por outro lado exime-nos a nós, professores, de maior culpa. Mas creio que infelizmente é assim mesmo. Os professores não somos super-homens intelectuais e o progresso é rápido demais para que possamos manter sistematicamente atualizados todos os currículos. Nenhuma Faculdade de Engenharia, nem o MIT, nem Stanford o conseguem. Tudo que é dito a respeito do curso de engenharia é dito, mutatis mutandis, para qualquer curso superior da atualidade. Ou seja, o progresso é extremamente rápido em todos os setores. Mas creio que se pode dizer tranquilamente que é mais rápido 2
no curso do qual, principalmente, advém o rapidíssimo progresso dos outros setores, a saber, a tecnologia. Pascal, que gostava de paradoxos, disse uma vez: "É impossível que Deus exista. E é impossível que Deus não exista". Será que não há solução para o problema que ora tratamos? É o caso de dizer igualmente: é impossível que haja solução, é impossível que não haja solução. Ou seja, tem que haver solução. Qual a solução? Crio que nenhuma das pessoas que estão refletindo sobre este problema têm certeza de que a solução que propõem seja a certa. Há muitos debates e muitas trocas de idéias atualmente sobre este difícil e decisivo problema. Quem encontrar a melhor solução, sairá na frente nesta corrida decisiva para a atualização permanente dos cursos de engenharia. Pois se trata precisamente disto, a saber, atualização permanente dos cursos de engenharia; não se trata, diga-se mais uma vez, de saber qual o perfil do engenheiro do próximo século, que isto, como vimos, não faz sentido. A solução passa certamente: i) por uma sólida formação científica nos cursos de engenharia ii) por uma utilização inteligente, ampla e generalizada dos recursos de informática (Insisto no inteligente, porque todos somos testemunhas que esta máquina incrível, o computador, é extremamente desperdiçada, sub-utilizada que é, com um tremendo onus de tempo, usualmente. É frequente ver as pessoas se tornarem quase escravas desta máquina.) O difícil parece ser o equilíbrio nestas coisas, e aliás este não é um desafio recente dos cursos de engenharia, só que atualmente é muito mais agudo, em função da velocidade do progresso tecnológico. Ao dizermos que a solução passa pelas duas coisas acima, não queremos de forma alguma ser exaustivos, claro. O difícil é pontualizar as coisas, estabelecer em que medida cada uma destas características deve ser implementada. Aí, precisamente, reside todo o desafio. II) Recuperação econômica do Estado e do País Nós todos estamos ouvindo dizer ultimamente: o nosso tão sofrido e tão querido Estado está se recuperando, isto é, já iniciou o processo de recuperação, depois de um "longo e tenebroso inverno". A transferência da capital da República em 1960 para Brasília foi um desastre para o Rio de Janeiro. O Rio dos anos 50, que vários de nós aqui presentes conhecemos, estava certamente bem perto daquilo que se poderia chamar de uma das melhores cidades do mundo para se viver. Dizer que a transferência da capital para Brasília foi um desastre para o Rio é o mínimo, creio que se pode afirmar com pouca margem de dúvida que foi uma notável insensatez, uma pseudo-solução para o desenvolvimento do hinterland 3
nacional, como se houvesse mágicas no desenvolvimento econômico de uma nação, como se fosse possível desenvolver um país ou região por algum expediente que não seja o aumento de produção. A transferência da capital para Brasília é responsável por quatro flagelos que assolaram desde então nosso país, a saber, o inchaço no funcionalismo público, idem nas estatais e as mordomias tanto do serviço público como das estatais. O inchaço no funcionalismo público e nas estatais é por demais óbvio. Basta lembrar que, apesar de a capital ter sido transferida para Brasília, a cidade do Rio de Janeiro ainda tem mais funcionários públicos que a capital federal, passados 35 anos da mudança da capital. Quanto às mordomias, todos os que aqui morávamos antes de 1960, somos testemunhas de um estilo muito mais austero no alto funcionalismo público de então. A mudança da capital implicou a transferência de funcionários públicos e estes não se dispunham a ir a não ser com uma série de vantagens, como moradia, passagens de avião, gratificações salariais, etc., o que era compreensível, pois Brasília era então, literalmente, um "deserto". Iniciavam-se então as altas mordomias, predecessoras dos marajás do serviço público. E daí para a corrupção generalizada é um passo. Não há um dia, atualmente, que não se fica sabendo de "mais uma" em termos de corrupção. Já estamos cansados de ler nos jornais, ouvir no rádio, ver/ouvir na TV, diariamente, notícias de corrupção no nosso país. Dizia eu, ao início, que este queria ser um discurso otimista. E assim há de ser. Um amigo meu, grande pesquisador australiano, me disse certa vez que a transferência da capital na Austrália, de Sidney para Camberra provocou um desarranjo geral, bem parecido com o que ocorreu aqui depois de 1960, que durou uns 20 anos. (Diga-se de passagem que lá a transferência fazia muito mais sentido, a nova capital se situava entre as duas principais cidades do país, Sidney e Melbourne). Ao que parece, a dose aqui foi pior, pois já lá se vão 35 anos. Mas creio que já há vários indícios que dias melhores estão chegando. Corruptos estão sendo efetivamente punidos e há um clamor geral contra as mordomias, parece que o país começa a entrar nos eixos. Quanto a nós no Estado do Rio de Janeiro, as perspectivas futuras parecem ainda melhores, pois se fala de investimentos pesados que poderão, diz-se, fazer com que o Rio até ultrapasse São Paulo na renda per capita. Não se trata, é claro, de ficarmos com vaidades de ser primeiro ou segundo ou terceiro, mas não podemos deixar de nos alegrarmos intensamente com a perspectiva de ver minorado o sofrimento do nosso povo e no caso de nós, professores, sabermos que está chegando ao fim, se Deus quiser, a condição triste destes últimos anos de vermos nossos alunos, alguns deles excelentes, se formarem e terem depois enorme dificuldade em conseguir emprego, tendo que se contentar, muitas vezes, com o sub-emprego. Queira Deus que estejamos no caminho certo para que esta se transforme numa grande nação, onde reinem a justiça e a prosperidade. 4
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