Desafios da Saúde Pública nas Fronteiras do Brasil: a Experiência do Projeto SIS Fronteiras no Pará



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Transcrição:

Desafios da Saúde Pública nas Fronteiras do Brasil: a Experiência do Projeto SIS Fronteiras no Pará TAVARES, Aderli Góes Assistente Social do Hospital Universitário João de Barros Barreto, é coordenadora do Projeto SIS Fronteiras/UFPA. Mestre em Antropologia Social CARDOSO, Denise Machado - Professora de Antropologia da Universidade Federal do Pará e Diretora da Faculdade de Ciências Sociais. Mestre em Antropologia Social e Doutora em Desenvolvimento sócio-ambiental ASSIS, Eneida Correa de - Professora de Antropologia da Universidade Federal do Pará, coordenadora do projeto PRODOCÊNCIA na Faculdade de Ciências Sociais e projeto de pesquisa sobre parlamentares indígenas na Amazônia. Mestre em Antropologia Social e Doutora em Ciência Política SOUZA, Thaíze Bianca Figueiredo de - Graduanda de Ciências Sociais. Bolsista de Iniciação Científica no Laboratório de Antropologia BRITO, Leonardo - Graduando de Enfermagem. Bolsista de Iniciação Científica no Hospital Universitário João de Barros Barreto Resumo O projeto Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteiras) foi instituído pelo Ministério da Saúde para identificar as potencialidades e deficiências estruturais do Sistema Único de Saúde existente nos municípios fronteiriços. Esse Ministério estabeleceu parcerias com as Universidades Federais para possibilitar a troca de saberes entre pesquisadores e a população dos municípios pesquisados. Em sua primeira etapa, foi elaborado diagnóstico que contempla os aspectos assistenciais, pedagógicos, epidemiológicos, sanitários e ambientais da saúde pública nos municípios fronteiriços. O objetivo deste trabalho é analisar as ações decorrentes desta parceria entre Ministério da Saúde e Universidade Federal do Pará. Precisamente, são investigadas as etapas de pesquisa de dados primários na sede do município de Almeirim, nas suas vilas e distritos, e em áreas de Terras Indígenas. Os eixos centrais desta pesquisa realizadas ao longo do ano de 2007 foram a gestão, a assistência e vigilância. A investigação enfatizou a coleta de dados primários, com ênfase na abordagem antropológica. As evidências da pesquisa de campo indicam que, em Almeirim, os desafios na realização desse projeto de integração são: as características territoriais das áreas fronteiriças, as particularidades ambientais e culturais da região, a extensão territorial e as realidades dos grupos étnicos indígenas. As parcerias criadas entre diferentes níveis de governo contribuirão para implementação de políticas de saúde mais adequadas às realidades locais dos municípios fronteiriços.

Desafios da Saúde Pública nas Fronteiras do Brasil: a Experiência do Projeto SIS Fronteiras no Pará 1. Introdução O projeto Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS Fronteiras) 1 foi instituído pelo Ministério da Saúde para identificar as potencialidades e deficiências estruturais do Sistema Único de Saúde existente nos municípios fronteiriços. Em sua implementação, esse Ministério estabeleceu parcerias com as Universidades Federais para possibilitar a troca de saberes entre pesquisadores e a população dos municípios pesquisados. Em sua primeira etapa, foi elaborado diagnóstico que contempla os aspectos assistenciais, pedagógicos, epidemiológicos, sanitários e ambientais da saúde pública nos municípios fronteiriços. Posteriormente, pretende-se viabilizar, a partir do SIS Fronteiras, a criação de uma rede de cooperação entre países vizinhos para melhorar a qualidade dos serviços prestados à população. No estado do Pará, esse projeto foi implantado em Almeirim, Óbidos e Oriximiná, por apresentarem o perfil geopolítico deste projeto. O objetivo deste trabalho é analisar as ações decorrentes desta parceria entre Ministério da Saúde e Universidade Federal do Pará. Precisamente, são investigadas as etapas de pesquisa de dados primários no município de Almeirim realizadas ao longo do ano de 2007. Cardoso (2006) assim apresenta o município de Almeirim: Localizado no noroeste do Estado do Pará, Almeirim pertence à Mesoregião do Baixo Amazonas, cujos limites são ao Norte a Guiana Francesa, à Leste o Estado Amapá, ao Sul os municípios de Porto de Moz, Prainha e Gurupá e a Oeste os municípios de Monte Alegre e Óbidos 2. O mesmo apresenta um Clima Equatorial super-úmido, com vegetação caracterizada pela presença de florestas equatoriais latifoliadas e grande diversidade de florestas densas. O relevo apresenta predominância de terrenos planos, seguidos de ondulados e montanhosos e cachoeiras. Hidrografia marcada pelo rio Amazonas, cuja sede do município ali se encontra, e por seus afluentes Paru e Jari. Há ainda inúmeros igarapés e furos entrecortando toda a região. Em termos da história local, Cardoso (2006) registrou que a formação histórico-cultural de Almeirim recebeu influência direta do processo de colonização portuguesa na região amazônica. A referência à figura do empresário e político José Júlio de Andrade é importante na história recente do município de Almeirim, pois foi a partir de seus empreendimentos que se lançaram as bases do que viria a se configurar nos anos de 1970 o Grande Projeto Jari. A implantação deste Grande Projeto ocorreu de acordo com o contexto de sua época, a saber: um momento da história brasileira marcada por um governo militar e ditatorial que buscava, dentre 1, O Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras SIS Fronteiras é um projeto de responsabilidade da Diretoria de Programas DP, Secretaria Executiva SE, Ministério da Saúde MS, destinado a integrar as ações e os serviços de saúde nas regiões fronteiriças. 2 As coordenadas geográficas da sede municipal são 1 31' 50'' latitude sul e 52 34' 40'' longitude oe ste.

outras coisas a ocupação da Amazônia através de sua exploração econômica com apoio do capital internacional. A pesquisa foi desenvolvida através de ações interdisciplinares com ênfase na abordagem antropológica. A proposta de estudo sobre gestão, atendimento e vigilância em saúde no município de Almeirim demanda conhecimento sobre vários aspectos das realidades deste município. Tradicionalmente, têm-se abordado a política de saúde de forma isolada e restrita às especificidades da mesma, não se dando conta das suas amplas inter-relações com fatores que transcendem o universo particular da atenção à saúde (PEREIRA, 1996). Ao se limitar o contorno do objeto saúde, perde-se a dimensão de globalidade, como também seus determinantes econômicos e políticos. A metodologia interdisciplinar assinala uma tentativa de busca do saber unificado para preservar a integridade do pensamento e o restabelecimento de uma ordem perdida (FAZENDA, 1991). Desse modo, exige-se um domínio de diversas disciplinas ao abordar a questão da saúde pública em Almeirim, uma abordagem que só é possível a partir de uma proposta metodológica interdisciplinar. A investigação enfatizou a coleta de dados primários em pesquisa de campo realizada na sede do município de Almeirim, nas suas vilas e distritos e em áreas de Terras Indígenas. Os dados foram coletados durante a aplicação dos formulários FORMSUS 3 junto ao gestor, usuário do sistema de saúde local e a população em geral. A coleta in loco contou com a participação de integrantes de equipe de pesquisadores dos municípios supervisionados por membros do SIS Fronteiras/UFPA. Um dos principais destaques desta pesquisa se refere à situação das populações indígenas, pois além de estarem na área fronteiriça, são estas pessoas as que mais se ressentem com problemas ligados aos serviços de saúde. Além disso, destaca-se a gestão e assistência e, notadamente, a vigilância em saúde no município de Almeirim. 2. O Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras SIS Fronteiras O Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS Fronteiras) foi instituído através da Portaria MS nº. 1.120, de 06 de julho de 2005 4, Este documento enfatiza como meta do projeto a consolidação e expansão da atuação do Ministério da Saúde em áreas de fronteiras 5. Propõe, 3 Formulário elaborado sob a supervisão do Ministério da Saúde e aplicado em todos os municípios fronteiriços. 4 A mesma Portaria estabelece três fases para execução do Projeto: 1) Fase I - Diagnóstico e Plano Operacional; 2) Fase II - Qualificação da gestão, serviços e ações; e implementação da rede de saúde nos municípios fronteiriços; e 3) Fase III Implantação dos serviços e ações nos municípios fronteiriços. 5 No final do século XIX, a faixa de fronteira brasileira foi definida como área geográfica com regime jurídico particular pela lei nº. 601, de 18 de setembro de 1890, que reservou uma faixa de dez léguas, correspondente a 66 km, ao longo do limite do território nacional.

ainda, a avaliação das ações compartilhadas na área de saúde no âmbito das fronteiras; o desenvolvimento de um sistema de informação como suporte para um sistema de cooperação; e a mobilização de gestores das áreas de fronteiras para definição e implementação de um sistema de cooperação em rede. O SIS Fronteiras é um projeto que visa dar continuidade a estratégia de integração dos países da América do Sul, sendo uma resposta política à demanda pactuada entre os gestores de saúde federal, estadual e municipal para atenuar os problemas de saúde pública nas fronteiras. Consequentemente, a implantação deste projeto pode vir a ser o início da organização dos sistemas locais de saúde. Dentre os princípios deste projeto se destaca aquele que visa priorizar ações necessárias para o cumprimento dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), a saber: a integralidade, a hierarquização, a universalidade, a equidade, a descentralização, o controle social e a regionalização. Apesar do Ministério da Saúde dispor de políticas públicas de saúde para toda a população brasileira, há grande dificuldade em alcançar e integrar estas ações. Uma destas dificuldades se deve a intensa circulação das populações residentes nas fronteiras. De acordo com Relatório do Projeto SIS Fronteiras (2007), Essa movimentação se deve, dentre outros fatores, à procura por melhor oferta de serviços de saúde. Mas, se já é possível afirmar isso em relação aos municípios do sul e centro oeste do Brasil, o mesmo não ocorre ainda em relação à região norte. As fronteiras geopolíticas nem sempre coincidem com as fronteiras culturais, sanitárias e epidemiológicas. E, quando há fortes pressões para que os sistemas de saúde dos municípios fronteiriços 6 dêem suporte às populações que vivem além destas fronteiras, é praticamente inviável obedecer estes princípios e garantir o acesso e o direito à saúde. Diante disso, evidenciou-se que há necessidade de se ter um diagnóstico da situação de saúde para além dos limites da fronteira geopolítica brasileira, estimulando o planejamento e a coordenação de ações e acordos bilaterais ou multilaterais entre os países que compartilham fronteiras entre si. E, em relação às áreas limítrofes do norte do Brasil, muito ainda precisa ser pesquisado a esse respeito, e o projeto SIS Fronteiras é uma das propostas de investigação das realidades ali presentes. Na década de 1930, esta área foi sucessivamente ampliada para 100 km e depois para 150 km. Hoje os principais instrumentos legais que definem e regulamentam a ocupação da faixa de fronteira. 6 Os municípios fronteiriços caracterizam-se por estarem localizados até 10 Km da linha de fronteira, ao longo dos 15.719 Km de fronteira terrestre brasileira. Essa área abrange 11estados e 121 municípios, reúne aproximadamente três milhões de habitantes e faz fronteira com dez países da América do Sul: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai (Relatório, 2007).

3. A pesquisa de campo e o projeto SIS Fronteiras A estrutura da pesquisa Projeto SIS Fronteiras sobre a saúde nos municípios fronteiriços obedeceu a subdivisão em três eixos: gestão, atenção e vigilância. Esta subdivisão teve o caráter apenas organizativo dos resultados, pois eles mantêm interfaces, visto que, o sistema de saúde é complexo e interligado. A pesquisa do SIS Fronteiras adotou perguntas referentes ao Programa Saúde da Família (PSF), ao Posto de Saúde e/ou UBS, o Hospital e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). A coleta de dados primários na sede do município, vilas e distritos foi realizada em maio de 2007, por vinte pesquisadores de campo, supervisionados por um supervisor local e pela coordenação da equipe da UFPA 7. Privilegiou-se a pesquisa em domicílio devido à possibilidade de verificação da demanda e do acesso aos serviços de saúde, mesmo em localidades afastadas da concentração dos serviços de saúde. Os dados qualitativos foram coletados a partir da aplicação dos formulários que incluíam questões abertas e na área indígena com entrevistas com informantes chaves. Na área indígena foram aplicados apenas 14 questionários em razão da ausência das famílias devido à comunicação deficitária sobre a chegada da equipe. Além disso, algumas famílias permanecem em Macapá para tratamento de saúde, e, devido a irregularidade do avião da Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), aquelas que foram realizar tratamento dentário (extração de dente), estavam há meses ausentes 8. A pesquisa levantou informações quantitativas e qualitativas para subsidiar a identificação das peculiaridades do município, no que diz respeito a seus contextos social demográfico, epidemiológico, ambiental e sanitário. A delimitação da pesquisa seguiu amostra aleatória definida em função do total de domicílios, segundo, estimativas do IBGE de modo a contemplar as zonas rural e urbana. A população-alvo da pesquisa foi identificada com base nos princípios do SUS, prioritariamente, o que diz respeito à gestão, que destacam atores envolvidos no processo, entre eles: o gestor municipal, os profissionais de saúde e os usuários. A etapa da pesquisa na área indígena O Trabalho de campo na área indígena ocorreu na aldeia Bona. Para concretização da viagem a esta aldeia, foram solicitadas informações e autorização junto à Administração Regional 7 Os dados secundários desta pesquisa foram coletados tomando os indicadores duma série histórica de 6 anos (2000 a 2005). A pesquisa utilizou como fontes oficiais o DATASUS, IBGE e Secretaria Executiva de Planejamento, Orçamento e Finanças (SEPOF), através de meios eletrônicos. 8 Segundo um dos entrevistados, esta ausência traz prejuízos para a roça e a casa, e seus animais ficam abandonados..

da FUNAI. A Coordenação Geral do Projeto SIS Fronteira UFPA solicitou e recebeu autorização, para entrada nesta aldeia, da Administração Regional da FUNAI em Macapá, jurisdição na qual estão subordinados os Wayana-Apalai da Terra Indígena do Tumucumaque 9. A pesquisa de campo foi realizada por equipe composta, naquele momento, pelos técnicos da Secretaria Municipal de Saúde de Almeirim e pesquisadores da UFPA, entre os meses de agosto e setembro de 2007. O deslocamento dos pesquisadores de Belém para o distrito de Monte Dourado foi feito por via aérea com pernoite em Monte Dourado. Os técnicos da Secretaria Municipal de Saúde de Almeirim se deslocaram por via terrestre. Posteriormente, a equipe se deslocou para Laranjal do Jarí - AP, em direção à aldeia Bona em avião fretado. A equipe foi recebida pelo Agente Indígena de Saúde (AIS), Téo Apalai e pelo Cacique João Aranha. Após a apresentação da documentação de autorização da FUNAI/AP, foi explicada com mais detalhes ao Cacique e ao Agente AIS, o objetivo do projeto e o contato feito com a FUNAI/AP. Para surpresa da equipe, tanto o Cacique quanto o AIS, disseram não ter recebido nenhuma informação do órgão indigenista, por essa razão muitos indígenas residentes na aldeia Bona estavam ausentes, trabalhando na roça, ou visitando outras aldeias. Foi marcada uma reunião com a comunidade para a manhã seguinte. A reunião com a comunidade foi feita na escola. Foram feitas as apresentações pessoais por parte dos membros da equipe. Um fluxograma foi desenhado para esclarecer o Projeto SIS Fronteiras e onde se situava a Secretaria Municipal de Saúde de Almeirim e a UFPA. Participaram da reunião o Cacique, o vice-cacique, dois Agentes Indígenas de Saúde, e alguns chefes de família. As mulheres ficaram observando do lado de fora enquanto seguravam seus bebês, sem se pronunciarem, provavelmente, por não falarem fluentemente o português. 4. Povos indígenas em Almeirim A presença de grupos indígenas era comum nas margens dos principais rios do município de Almeirim durante os séculos de colonização lusa. Atualmente, o contato com estes povos se restringe aos grupos das atuais Terras Indígenas e, do ponto de vista dos indígenas, o contato destes com a sede e as vilas do município de Almeirim também é raro (CARDOSO, 2006). Mesmo nas áreas de TI o contato é praticamente inexistente, exceto por pessoas a serviço da fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), ou órgãos correlatos. Para os gestores municipais e munícipes os índios inexistem em Almeirim, e isso se observa nas falas destas pessoas. 9 Solicitação feita através do Ofício N 158/GAB/SEAS/ AER.MCP/FUNAI, de 15/06/2007. A autorização da entrada da equipe foi concedida pelo Sr. Jairo Bezerra Ribeiro, administrador da FUNAI em Macapá. Além Wayana-Apalai, vivem no Tumucumaque os Tiriyó, Kaxuyana e Akurió.

De acordo com Frikel (1960) e Pereira (1983), essas populações indígenas são pouco contatadas devido às dificuldades de acesso ao norte dos estados do Pará e Amapá, pois ali as estradas inexistem e os rios são encachoeirados. Assim, o transporte aéreo se apresenta como a única opção para acessar essa região de fronteira, e esse fato que não impede, contudo interfere no acesso devido aos custos com frete de aeronaves. Mas, se era raro e esparso o contato com populações não-indígenas, o mesmo não se pode afirmar entre os diversos grupos indígenas que habitam nessa região. Frikel (1961) registrou que o contato entre esses grupos era recorrente, tal como ocorria, por exemplo, entre os Tiriyó e Wayana. Além disso, esse pesquisador destaca que, ainda nos séculos XVIII e XIX, negros mocambeiros vindos do Suriname mantiveram relações comerciais através de trocas baseadas no escambo. A concentração desses povos indígenas em determinadas áreas se deve ao longo processo histórico, cujos traços em comum se remetem ao avanço de frentes de colonização e fugas dos indígenas para regiões mais interioranas. Se nos séculos XVII e XVIII eram missionários e militares lusos que provocavam as fugas ou a sedentarização, houve necessidade de diminuição do contato com extrativistas e aventureiros no final do século XIX para evitar a extinção desses povos. Atualmente, essa é uma preocupação recorrente de determinados segmentos sociais e do próprio Estado brasileiro, o que provocou a criação Terras Indígenas Tumucumaque e Paru de Leste. Nessas terras Indígenas encontram-se os grupos indígenas Wayana, Aparai, Tiriyó, Kaxuyana e Ewarhuyana, mas é sabido que dentre estes cinco grupos há ainda diversos subgrupos. Os Wayana são resultados de fusão de grupos aparentados que habitava a região. Os Aparai, por outro lado são oriundos da região dos cursos baixos dos rios Curuá, Maicuru, Paru e Jarí (ASSIS, 2007). A área de fronteira sofre exploração mineral, principalmente o ouro, através de garimpos e a exploração florestal através da ação de madeireiras, e estas atividades podem utilizar indistintamente força de trabalho nacional ou estrangeira. Considerando que a intensificação de tais atividades produtivas sob condições de trabalho agressivas à saúde pode provocar adoecimento, e nesta perspectiva produzir uma ampliação na demanda por serviços de saúde no município. 5 Os Eixos da Pesquisa: Gestão, Assistência e Vigilância 5.1 O Perfil dos entrevistados O secretário municipal de saúde é natural do estado do Pará, sua faixa de idade está entre 40 a 49 anos, o grau de escolaridade é superior completo, com pós-graduação. Exerceu cargo

anteriormente de secretário municipal de saúde e de vereador. Desempenha a função de Secretário Municipal de Saúde há dois anos e é o segundo gestor durante o mandato atual. O perfil dos profissionais entrevistados revelou que a maioria é do sexo feminino, com idade entre 30 a 39 anos, portanto, adultos, com nível de escolaridade de ensino médio, caracterizando técnicos de saúde, naturais do Estado e há mais de 5 (cinco) anos desempenhando suas funções no município. Segundo o perfil apresentado são informantes aptos a prestarem informações sobre a saúde no município. O perfil dos usuários entrevistados apresentou de modo predominante mulheres adultas, paraenses, moradoras do município há mais de 18 anos, com um baixo grau de escolarização. Fazem parte de famílias constituída por 4 a 5 pessoas, em média, e que sobrevivem com uma renda entre 1 e 2 salários mínimos. Os entrevistados residem a mais de 18 anos no município e são naturais do estado do Pará. Considerando, o tempo de residência e a naturalidade, estas pessoas são conhecedoras da situação do município. Tradicionalmente, as mulheres são potencialmente cuidadoras dos diferentes grupos etários. Estes dados qualificam os informantes da pesquisa (Formulário Aplicado. Almeirim, 2007). 5.2 Gestão da Saúde em Almeirim A estrutura organizacional da secretaria municipal executiva de saúde apresenta organograma contendo os principais níveis de gestão administrativa como o conselho municipal de saúde, planejamento, vigilância em saúde, administrativo-financeiro e assistencial subdividido em técnico operacional (atenção básica) e hospitalar. O organograma apresenta em sua estrutura apoio do sistema de informação e comunicação e de recursos humanos Segundo o gestor municipal a estrutura organizacional permite que a secretaria tenha um bom desempenho nas suas finalidades. Como ponto fraco deixa de fora a FUNVALE, a qual recebe recurso do município para seu funcionamento (Secretario Municipal de Saúde. Almeirim, 2007). Estão em funcionamento todos os setores administrativos da gestão: o planejamento, a unidade de recursos humanos, a coordenação de vigilância sanitária e epidemiológica, a unidade de orçamento e finanças, a coordenação de serviços de saúde e de informação e informática. Quanto à estrutura física, a SMS está localizada em prédio próprio, adequado parcialmente, possui computador próprio e os principais meios de comunicação são: telefone, fax e internet. O gestor municipal informou que o município é habilitado, segundo NOB-96, como atenção básica e classifica o grau de autonomia para tomada de decisão em relação ao governo municipal como autonomia total. O município tem representatividade direta no COSEMS e CONASEMS e

participa com regularidade da CIB. O município não aderiu ao pacto de gestão proposto pelo Ministério da Saúde. Sobre a regulação o município dispõe de central de regulação com sistema informatizado. Estrutura Organizacional da saúde indígena O Decreto 23/1991 repassou a administração da saúde dos povos indígenas da FUNAI para o Ministério da Saúde, conferindo base legal para a política indigenista de saúde proposta na 1ª Conferencia Nacional de Saúde do Índio onde foi analisada a dificuldade do órgão indigenista em administrar as ações de saúde para os povos indígenas. O novo modelo assistencial se pautava nos princípios do SUS e seria coordenado pela FNS/FUNAI. O novo modelo criava a figura do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) que respeitava a base descentralizadora do subsistema diferencial de atenção à saúde do índio, o que não significava a municipalização da saúde. Em 1993, foi realizada a 2ª Conferência Nacional de Saúde do Índio e delimitado o Subsistema Diferencial de Saúde do Índio baseado no DSEI, Conselho de Saúde do Índio (CISI), Núcleos Interinstitucionais de Saúde Indígena (NISI). Em 1999, o Ministério da Saúde, através da FUNASA assumiu a responsabilidade de estruturar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena articulado com o SUS (ASSIS, 2006). No Amapá existe apenas um DSEI (DSEI do Amapá e Norte do Pará) com sede em Macapá que atende 05 Terras Indígenas (TI) em Oiapoque, Waiãpi no Amapari e do Tumucumaque no extremo Norte do Estado do Pará com 8 mil índios. Abrange os municípios de Oiapoque, Pedra Branca do Amapari, Almeirim e Óbidos. 5.3 Eixo Atenção à Saúde Os usuários apontaram como principal ponto positivo em relação ao Programa Saúde da Família as visitas em domicílio, que representou percentual de 20,5% e os atendimentos ao paciente representou 15,4%%. Quanto aos principais pontos negativos em relação ao PSF, os usuários identificaram com maior representatividade a insuficiência de visitas, com 20,7% e a insuficiência de médicos e medicação com 10,9%. Observa-se que há satisfação no que se refere às visitas da equipe do PSF, porém o nível de freqüência da equipe e de resolutividade, representado pelo termo assistência ainda é considerado insatisfatório pelos usuários. No que se refere à utilização do Posto de Saúde pela população, 61,6% dos entrevistados responderam que utilizam os Postos de Saúde. Os dados revelaram que essas UBS estão

localizadas próximas as residências facilitando o acesso físico do usuário, porém há dificuldades na obtenção aos serviços de assistência devido à demanda ser maior que a oferta de atendimento. A boa localização dos Postos de Saúde ainda é insuficiente para a resolução do atendimento, pois para os entrevistados há necessidade de deslocamento para UBS de outros bairros e municípios. Quanto à utilização do hospital 91,7% dos entrevistados responderam que são usuários desta unidade de saúde. Nos hospitais a consulta médica representa 75% dos atendimentos aos usuários. O atendimento por profissionais médicos está concentrado no hospital ratificando a necessidade de maior investimento para atuação de profissionais na atenção básica. A pesquisa indicou que o atendimento aos estrangeiros no município tem baixo registro, pois há poucos em Almeirim. E aqueles abrigados na residência dos entrevistados são apenas 0,8% dos casos pesquisados. O número reduzido de estrangeiros circulando no município pode ser explicado pela grande extensão territorial do município, a barreira natural da floresta e a considerável dificuldade de acesso (indisponibilidade de vias terrestres e escassez de linhas aéreas regulares). Estes fatores inibem a maior presença de estrangeiros na sede municipal e em seus distritos. Conseqüentemente, este reduzido número de estrangeiros em Almeirim causa pouco impacto na utilização dos serviços de saúde. A execução das ações de Atenção Básica de Saúde à população indígena é realizada com a Secretaria de Saúde do Amapá (SESU/AP) e Associação dos Povos Indígenas do Tumucumaque (APITU) 10. A rede de atenção básica é composta por equipes multidisciplinares de saúde localizadas nos pólos Aramirã (Waãpi), Missão Tiryió e Bona no Tumucumaque e Oiapoque. A referência para média e alta complexidade deve ser garantida pela rede SUS em Oiapoque, Macapá e Belém. Quanto à remoção no caso da TI do Tumucumaque, deve ser realizada mediante aeronave fretada. 5.4 Eixo Vigilância em Saúde Tomando como referência para a análise da atenção a saúde a vigilância no município fronteiriço as principais doenças endêmicas transmissíveis e a amplitude da cobertura. A análise é subsidiada, principalmente, pelos dados secundários coletados numa série histórica que abrange o período de 2000 a 2005. A análise tomou como referência o contexto socio-econômico do 10 Importante ressaltar que a Associação APITU foi extinta dificultando o acesso a Macapá, bem como, a venda do artesanato.

município e a situação epidemiológica estadual descrita no Relatório de Gestão 2003 a 2006 (PARÁ, Secretaria Estadual de Proteção Social. Secretaria Executiva de Saúde, 2006). Fatores determinantes em saúde como: ambiente, políticas públicas intersetoriais, hábitos de vida e os fatores biológicos, são importantes para explicar a ocorrência de determinados agravos na região e no município. Além disso, a organização da Rede de Serviços de Saúde do Município em níveis de assistência, as políticas públicas intersetorias e sua interface com a qualidade de vida da população; a demografia e a relação com ambiente contextualizam o resultado a ser apresentada na pesquisa sobre o perfil de morbi-mortalidade no município. No Plano de Desenvolvimento Local Sustentável para Almeirim Diagnóstico Sócio- Econômico (DIAGNÓSTICO, dezembro, 2003) foi apresentado um panorama geral do município no que se refere as políticas intersetoriais. Foi diagnosticado discrepância entre a sede do município e o Distrito de Monte Dourado sobre infraestrutura: [...] a infra-estrutura urbana dos distritos de Monte Dourado e sede do município são bastante diferenciadas, em virtude da implantação do Projeto Jari no Distrito de Monte Dourado. Neste, a infra-estrutura existente foi toda planejada para atender a população que trabalha no projeto. No mesmo documento, através do Censo Demográfico de 2000 (BRASIL. Instituto, 2000), foram apresentados alguns dados sobre a condição de moradia das famílias em Almeirim, dos quais: [...] 85,2% dos domicílios são abastecidos de água por rede geral, poço ou nascente; 87,2% dos domicílios têm banheiro ou sanitário; 60,4% dos domicílios são atendidos pelo serviço municipal de coleta do lixo; 54,1% dos domicílios são próprios, 13,0% são alugados e 32,6% são cedidos; 41,0% dos moradores residem em domicílios particulares cujo responsável pelo domicílio percebe até dois salários mínimos. Este percentual diminui para 20% se for considerada a renda do responsável de até cinco salários mínimos; e se eleva para 26,2% quando considerada a renda do responsável até trinta salários mínimos [...] (DIAGNÓSTICO sócioeconômico, 2003).. Quanto às condições do domicílio, em termos de abastecimento de água e coleta de lixo, o estudo realizado pelo Plano de Desenvolvimento Local Sustentável para Almeirim, detectou que [...] em Arumanduba praticamente inexiste esse tipo de serviço público. Situação oposta do que ocorre em Monte Dourado, onde 74% dos domicílios são abastecidos de água tratada e fluoretada e 51% do lixo doméstico é recolhido e dado um destino adequado (DIAGNÓSTICO sócioeconômico, 2003).

A sede do município de Almeirim conta com um sistema de abastecimento e distribuição de água sob responsabilidade da Prefeitura Municipal. Vale ressaltar, que o poder público não cobra por este serviço aos usuários. Segundo os dados disponibilizados pela Divisão de Saneamento de Água (DAS) existe, na sede do município, 3.100 residências e 2.139 ligações, o que representa um atendimento de apenas 69% da demanda. Na sede do município a captação de água é feita através de 32 poços que abastecem a cidade, distribuídos em 03 sistemas de abastecimento, localizados nos bairros de Nova Vida, Buritizal e Matinha. A água dos poços é bombeada para uma caixa central que, em seguida, é repassada para a rede de distribuição, sem receber nenhum tipo de tratamento. No distrito de Monte Dourado, local de implantação do Projeto Jarí, o abastecimento e distribuição de água estão sob a responsabilidade da Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA), que atende 100% das residências localizadas nesta área. Nas demais comunidades rurais não há sistema público de abastecimento de água potável. Nestas, a água provém de poços amazônicos ou são diretamente captadas nos rios. Não existe sistema de esgotamento sanitário e tratamento do esgoto domiciliar na sede e zona rural do município de Almeirim. Nestas localidades, o destino dos dejetos e águas servidas é dado individualmente e indiscriminadamente pela própria população, de acordo com as suas possibilidades, sendo, que o mais comum é a utilização de fossas negras. No Distrito de Monte Dourado, sede do projeto Jarí, todos os domicílios são atendidos pelo sistema de esgotamento sanitário e tratamento dos detritos. Vale ressaltar que essa cobertura de saneamento somente é verificada nas aéreas que foram planejadas. Os resíduos domésticos são regularmente recolhidos nos 07 bairros que compõem a sede do município e no Distrito do Braço 11. Não há sistema de coleta para o lixo produzido na zona rural. Os resíduos da zona urbana são depositados em um lixão a céu aberto, localizado a uma distância de 3 km do centro do município. Os resíduos são depositados, compactados por trator e depois recobertos por uma camada de piçarra. Na área planejada do Distrito de Monte Dourado e na Vila de Munguba, existe coleta diária do lixo. Na vila de Munguba, localidade onde a Caulim da Amazônia S/A (CADAM), mantém os seus empreendimentos de mineração, industrialização e embarque de caulim para revestimento e papéis e cartões e onde residem os funcionários. Nesta vila existe coleta seletiva do lixo doméstico. Após, a coleta este lixo é levado para uma usina de reciclagem, de propriedade 11 A Prefeitura Municipal está elaborando um projeto para implantação de um aterro sanitário. O aterro contará com uma área de 102.483,39m² e está projetado a uma distância de 1,5 km da sede do Município. Quanto ao lixo hospitalar, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, os resíduos são incinerados diariamente pelos hospitais.

particular, localizada na própria vila. O material reciclado é enviado para fora do município. O lixo doméstico de Monte Dourado é depositado em um aterro sanitário que atende aos padrões internacionais, tendo recebido certificação de qualidade. Em relação às notificações das doenças transmissíveis no período de 2000 a 2005, verificou-se que a Tuberculose, a Hanseníase e a Leishmaniose Tegumentar Americana foram os agravos mais notificados, com 72, 84 e 326 casos, respectivamente. Observa-se a ocorrência de 53 casos de Coqueluche em 2003 e 3 casos em 2004. Quatro casos de Sífilis congênita foram notificados nesse período. Nenhuma ocorrência de Leishmaniose Visceral foi apontada no período. Surpreendentemente, somente dois casos de AIDS e dois de Dengue estão notificados nos seis anos de estudo, apesar dos números expressivos desses agravos no Estado do Pará, especialmente da dengue (TAVARES, 2007). É possível que o maior número de notificações, especialmente da Tuberculose e Hanseníase se deve, possivelmente, ao fato de estes agravos possuírem programas específicos de controle que são desenvolvidos já de longa data, nos serviços públicos de saúde. Todavia, a despeito do funcionamento desses programas, verifica-se que não houve notificação de caso novo de Hanseníase no município, no ano de 2005, apesar das taxas elevadas do coeficiente de detecção observadas nos anos anteriores (3,53/6,18/4,99/4,69 e 5,27 casos/10.000 hab. em 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, respectivamente) (TAVARES, 2007). Convém assinalar que estes valores estão bem acima da média nacional, cujo coeficiente de detecção da doença foi de 2,09 por 10 mil habitantes, em 2005, segundo dados do Ministério da Saúde do Brasil. Na análise dos casos de Tuberculose observa-se um crescente na sua ocorrência, indo de uma taxa de 17,67 casos/100.000 hab. em 2000, para 52,51 casos/100.000 hab., em 2005 (TAVARES, 2007). Dados do Ministério da Saúde do Brasil apontam um coeficiente de incidência da Tuberculose, no Brasil, de cerca de 48 casos novos/100.000 hab. Destaque especial deve-se dar à ocorrência da Leishmaniose Tegumentar Americana no município que, embora com taxas baixas nos dois primeiros anos do estudo, possivelmente devido à sub-notificação, assume taxas elevadíssimas nos quatro anos seguintes - 126,22/167,08/477,08 e 180,86 casos/100.000 habitantes, se comparada à média estadual (60,20 casos/100.00 hab.), mesmo sabendo-se que o Pará é zona endêmica da doença. Quando comparada às taxas média regional (71,09 casos/100.00 hab.) e nacional (14,12 casos/100.00 hab.), essas diferenças alargam-se bem mais (TAVARES, 2007). A notificação quase inexistente de casos de AIDS e Dengue no município, nos seis anos abrangidos por este estudo, provavelmente, seja conseqüência da falta de organização dos serviços de saúde para detecção destes agravos, seja pelo desconhecimento dos profissionais que atendem da importância e necessidade da notificação dos casos; seja pela baixa eficácia do

setor responsável, na instituição, responsável por essa atividade ou até mesmo pela reduzida capacidade de realização de procedimentos diagnósticos para doenças que exigem investigações que demandam tecnologias mais especializadas. É importante reconhecer que, muitas vezes, há desconhecimento dos profissionais atuantes, do fluxo de encaminhamento dos materiais biológicos para as instituições responsáveis pela realização dos exames necessários para esclarecimento desses eventos, em geral situadas em outro local; outras vezes está presente a falta de empenho desses profissionais envolvidos, até porque há demora no retorno dos resultados, fato que pode contribuir para desestimular a investigação da etiologia dos agravos no local de origem do evento. Assim, a conseqüência pode ser o encaminhamento do paciente para locais com maior disponibilidade de recursos tecnológicos, o que faz com que o referido agravo não seja notificado no seu local de ocorrência. Provavelmente, essas situações estejam incluídas entre as que justificam a inexistência de casos de Hepatite B e C notificados nos seis anos investigados na presente amostra, o que se constitui em um sério problema para o município. Além das Hepatites, outros eventos também não estão sendo notificados adequadamente, tais como, as neoplasias malignas, diabete melito, transtornos mentais e acidentes de trabalho. Certamente, estes casos existem no município, até porque se observam internações decorrentes de neoplasias, doenças do aparelho digestivo, etc. Convém ressaltar que também foram encontradas notificações de óbito por diabete melito e neoplasias malignas, reafirmando a existência desses casos no município. A gravidade em não se fazer o diagnóstico e/ou sua notificação assume contornos maiores, não só pela piora do prognóstico da doença quando há retardo na realização desse diagnóstico, mas, também pela manutenção da cadeia de transmissão, no caso das doenças transmissíveis, como as hepatites virais, por exemplo. Outra conseqüência desastrosa falsa inexistência do evento no município é a minimização da necessidade de formulação de programas de atenção aos respectivos agravos. Outro indicador avaliado e que merece destaque nestes dados obtidos refere-se à taxa de mortalidade infantil, que apresentou queda gradual nos anos investigados, de 25,94 em 2000, para 11,38 em 2005, enquanto a média nacional situa-se em 22,5 óbitos/1000 nascidos vivos. Considerando, a inconsistência observada em vários outros dados avaliados, entende-se que a queda observada na taxa de mortalidade infantil merece uma investigação mais detalhada, até pela sua importância, pois, frequentemente é um indicador utilizado para medir o nível de saúde e de desenvolvimento social de um local.

Considerações Finais A dimensão das políticas públicas de saneamento necessárias à promoção da saúde apresenta considerável discrepância dentro do próprio espaço territorial do município. Tal discrepância é resultado da lógica do processo de exploração econômica desencadeada de uma maneira geral em todo o Estado do Pará e em particular no município de Almeirim que apresenta características de enclave. Ao mesmo tempo em que a exploração através de grandes projetos de produção de celulose e caulim promove um considerável grau de desenvolvimento social e qualidade de vida no seu exíguo espaço de localização (área de extração, fábrica, porto ou a vila residencial, especialmente, construída para abrigar seus funcionários) é incapaz de difundir para toda a população do município em que estão localizados, um padrão de qualidade de vida próximo ao que oferece às famílias de seus funcionários. A invisibilidade das populações indígenas é marcante tanto na fala das pessoas nãoindígenas quanto nas ações políticas municipais. Em termos práticos, os indígenas são desconsiderados mesmo quando há obrigatoriedade de fornecimento de serviços públicos previstos em lei, como é o caso da saúde. Os dados coletados no presente estudo, referentes aos aspectos de morbidade e mortalidade do município, em vários momentos mostram-se incompletos, ou mesmo inconsistentes, dificultando, sobremaneira, uma análise que possa realmente refletir a verdadeira situação do município. A carência de um banco de dados mais consistente pode ser conseqüência da baixa organização/resolução do sistema de vigilância em saúde local, no sentido de monitorar os eventos de forma mais sistematizada. Essa situação que, certamente, é nociva ao município, uma vez que a falta de notificação dos agravos existentes e a conseqüente ausência de informações, ou mesmo informações incompletas, prejudicam a definição de estratégias na formulação e condução de políticas públicas de saúde, com grave prejuízo à saúde das populações, além, de interferir diretamente na saúde econômica do município. A organização dos dados referentes aos indicadores de saúde permite que o sistema de saúde planeje melhor suas ações de prevenção e controle de doenças, assim como de promoção da saúde. Indicadores bem descritos possibilitam a tomada de decisões racionais, além de permitir que se faça um prognóstico da situação de saúde local, possibilitando presumir situações futuras e mesmo observar as mudanças que possam ocorrer no quadro da saúde da população, informações utilizadas para orientar de forma consistente os gestores na condução adequada das políticas locais de saúde.

Considerando, que a notificação de agravos pode ser realizada por qualquer profissional, faz-se necessário o treinamento desses profissionais da saúde para que assimile a importância desse trabalho para o seu serviço e para o município, o que pode ser alcançado mantendo-se um programa permanente de treinamento desses trabalhadores, quanto às questões de vigilância em saúde do município. Referências ASSIS, E. C. DE. Relatório de viagem de campo Aldeia Bona Parque do Tumucumaque (lado do rio Paru do Leste). Belém: UFPA/PROEX, 2007. Digitado.11p. Estado e índios: a Fundação Nacional do Índio e movimento indígena. Direitos indígenas num contexto interétnico: quando a democracia importa. 2006. Doutorado (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). IUPERJ. BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Censo demográfico: relatório final. Município de Almeirim, 2000. Ministério da Saúde do Brasil, Relatório de Acompanhamento do Projeto. Brasília: Secretaria Executiva, Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras, Julho/2007, 42 p. Ministério da Saúde, Portaria GM nº 1.120, de 6 de julho de 2005, Trata da criação do Projeto Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras. CARDOSO. D. M. Indígenas em Almeirim/Pará: Perspectivas etnohistóricas. Indígenas e Pesquisas recentes no NAEA. Belém: EDUFPA, 2006. v.1. p.35-36 O processo de tomada de decisão de políticas públicas. O processo decisório de políticas públicas para o desenvolvimento local: Rio Arraiolos Almeirim/Pará. Belém, 2006. 279 f. Doutorado (Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido). Universidade Federal do Pará. DIAGNÓSTICO Sócio-econômico. v. 2. Almeirim: MSL Minerais S/A, 2003. FAZENDA, I. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo; Loyola, 1991. FRIKEL, P. Fases culturais e aculturação intertribal no Tumucumaque (1). Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Belém: n. 16, p. 1-16, 1961. (série Antropologia). Os Tiriyó: Notas preliminares. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Belém: n. 9, p. 1-19, 1960. (série Antropologia). PARÁ, Relatório de Gestão 2003 a 2006. Governo do Estado do Pará. Secretaria Estadual de Proteção Social. Secretaria Executiva de Saúde, 2006. PEREIRA, C. A Política Pública como Caixa de Pandora: Organização de Interesses, Processo Decisório e Efeitos Perversos na Reforma Sanitária Brasileira 1985-1989. Dados v. 39 n. 3 Rio de Janeiro 1996 PEREIRA, M. D. F. Tiriyó do Norte do Pará e sua experiência intercultural. In: GALLOIS, D. T.; RICARDO, Carlos Alberto. Povos Indígenas no Brasil. Vol 3 Amapá/Norte do Pará. São Paulo: CEDI, 1983. p. 289-291

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