A ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO COMO PRODUTORA DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO Gisela Morena de Souza 1 Universidade Federal de Ouro Preto RESUMO: QUANDO FUNDADA EM 1876, A ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO FEZ PARTE DE UMA REDE DE INSTITUIÇÕES CIENTIFICAS QUE PARTILHARAM NÃO SÓ A CRISE DO IMPÉRIO, MAS E SOBRETUDO TEMAS QUE AJUDARAM A FORMAR O CAMPO CIENTIFICO NO BRASIL. SENDO ASSIM, O OBJETIVO DESTE TRABALHO, EM LINHAS GERAIS, É O DE ANALISAR O PAPEL DA ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO, BEM COMO OS PESQUISADORES QUE ESTABELECEM CONTATOS E TEMAS QUE CIRCULAM, A PARTIR DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX NO BRASIL. PRETENDE-SE ELABORAR UM LEVANTAMENTO DE PESQUISADORES E TEMAS QUE INTERESSAM PARA O DEBATE DA CRIAÇÃO DO CAMPO CIENTIFICO NO BRASIL E COMO QUESTÕES REFERENTES AO TEMPO, PRINCIPALMENTE AO PASSADO, ESTÃO COLOCADAS. PALAVRAS-CHAVE: ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO, ANAIS DA EMOP, CAMPO CIENTÍFICO. Dom Pedro II coloca em prática um projeto que já há muito tinha sido deixado de lado: a criação de uma Escola de Minas 2. Em uma de suas viagens a Paris, o Imperador, então membro estrangeiro da Academia de Ciências de Paris, pediu a um renomado professor francês, o prof. Auguste Daubrée, que publicasse uma noticia sobre o modo de chegar a um conhecimento mais completo do solo do Brasil e de desenvolver a exploração de suas riquezas minerais. Ao publicar a noticia, Daubrée aconselhava a confecção da carta geológica geral do Império e das cartas detalhadas das regiões minerais, de que poderiam se encarregar jovens brasileiros, após receberem formação na Europa. 3 Ainda no mesmo ano e a pedido do Imperador, este professor publica noticia relativa ao objetivo do ensino da mineralogia e da geologia no Rio de Janeiro. Nela, o professor sugere que o ensino seja entregue a um ou vários estrangeiros de reconhecida competência, ou então, a jovens brasileiros escolhidos, que tivessem completado durante vários anos seus estudos teóricos e práticos fora de seu país. 4 Diante desses acontecimentos, em 1872, D. Pedro II convida o Professor Auguste Daubrée a vir para o Brasil para tomar a frente das pesquisas sobre as riquezas minerais do país e do ensino de suas explorações. Na carta ao professor, o Imperador reconhece as imensas vantagens que sua visita traria ao Brasil, e especialmente à Província de Minas
Gerais, já que segundo ele, o próprio Daubrée, a considerava campo admirável para as observações de que estabelecerá a teoria e a prática sobre bases sólidas 5. O Imperador ainda continua, enfatizando a importância da visita do geólogo ao Brasil, dizendo que o maior proveito de sua visita não será das minas brasileiras, mas sim das ciências Naturais que a partir dela (a visita ao Brasil) receberão forte impulso. Daubré devido as suas ocupações de membro da Academia de Ciências de Paris, Inspetor Geral das Minas, Professor de Mineralogia e Geologia na Faculdade de Ciências de Strassburgo, Professor do Museu de História Natural e da Escola de Minas de Paris e, ainda, seu diretor não pode aceitar o convite. Mas se colocou à disposição para auxiliar na escolha de alguém que o substituísse. Aceitando a ajuda do Professor francês, o Imperador pede a indicação de um mineralogista e um geólogo franceses em condições de formarem, no Brasil, engenheiros capazes de organizar a exploração das riquezas minerais do país sob bases científicas 6, garantindo assim a prosperidade do Brasil no presente e no futuro. Daubrée não indicou ninguém de imediato, escrevendo ao Imperador Entre os nossos jovens e sábios engenheiros, não veio ainda ninguém que eu possa garantir como devendo preencher com êxito esta importante missão 7. E somente mais de um ano depois, é que foi indicar Claude Henri Gorceix, que tinha apenas 31 anos de idade. Em 1874, Gorceix é então convidado a planejar a organização de uma escola de mineralogia no Brasil, e logo assinou um contrato provisório, no qual se colocou a serviço do Governo Imperial para ir ao Rio de Janeiro. Chegando ao Brasil, Gorceix inicia suas excursões geológicas, e procura saber a que nível se encontram as instruções secundária e superior no Brasil. No final desse mesmo ano, ele foi mandado à Província de Minas Gerais para escolher o melhor local para ser instalada a Escola de Minas, tendo também que organizar os planos e orçamentos necessários, estudar todas as questões que se ligavam a criação de tal escola e fazer uma coleção de amostras mineralógicas e geológicas para o laboratório da futura escola. No primeiro relatório que Gorceix envia ao Imperador, ele já demonstra sua vontade em criar uma instituição na qual a mineralogia e a geologia pudessem ser ensinadas com base nos métodos de seus mestres, onde os alunos fossem submetidos a trabalhos com base tanto teóricas quanto práticas. Gorceix (1875) rapidamente fez sua opção por Ouro Preto, não somente por ser a capital da Província, mas também por, segundo ele, possuir numa pequena extensão de terreno a série quase completa de rochas metamórficas que constituem grande parte do
território brasileiro, e por seus arredores oferecerem excursões mineralógicas proveitosas e interessantes. E em julho 1875, Gorceix apresenta ao governo um relatório, que mais tarde serviu de base para o primeiro regimento da Escola, onde tratava das vantagens e desvantagens de cada região que poderia ser instalada a sede da escola, e explicando as vantagens que Ouro Preto teria em relação a outras cidades. Neste relatório ele ainda registrou a quão é importante e útil para a nação ter engenheiros de minas e seu ponto de vista em relação aos critérios administrativos que a Escola deveria adotar. Aprovado o regulamento em 1875, a Escola de Minas finalmente foi instalada em Ouro Preto, em 12 de outubro de 1876. Até 1885 a escola teve mais dois regulamentos: um em 1882 e outro em 1885. Em janeiro de 1891, já no o governo provisório da República, foi aprovado o quarto regulamento da escola. Neste mesmo ano, em outubro o primeiro e até então único diretor da EMOP foi exonerado do cargo. E, em 1893, já havia um quinto regulamento vigorando na escola de minas, tendo sido mantido até 1901. A Escola de minas de Ouro Preto faz parte de uma rede de instituições científicas criadas durante o Império, e que assumiu neste momento um importante papel ao ajudar na formação do campo científico no Brasil. Tanto a Escola de Minas de Ouro Preto quanto as outras instituições tiveram a História Natural como uma das áreas que mais se ocuparam no XIX. Dessa forma, abre-se a possibilidade de novo debate a respeito dos recortes do tempo, no qual o passado ganha mais profundidade e o futuro maior horizonte, cabendo a implantação de projetos políticos que se pretendiam duradouros. E é exatamente a implantação desses projetos políticos, que se deve à criação da Escola de Minas. Uma vez que ela foi uma resposta a uma demanda que era antes política e econômica do que social, pois visava o progresso do país, que então era marcadamente agrário. E é isso que José Murilo de Carvalho demonstra em seu livro A escola de minas de Ouro Preto, ao propor que o processo de criação das áreas técnicas e o papel das ciências naturais no ensino universitário no Brasil se diferem dos Estados Unidos. Para ele, neste houve uma demanda social seguida de uma organização do ensino destas áreas. E no Brasil, esse processo foi inverso, antes de se ter a demanda por geólogos e engenheiros de minas, houve um empenho político na articulação de pessoas e instituições para organizar a áreas técnicas e o ensino das ciências naturais. E só depois é que esse empenho começou a se transformar em impacto tecnológico.
Sendo a Escola de Minas meu ponto de partida, proponho não uma história institucional pura e simples, mas sim traçar as importantes redes construídas ao seu redor, uma vez que ocupou um importante papel no campo científico do século XIX. No presente trabalho me deterei apenas nos resultados parciais, oriundos da pesquisa com os primeiros anais publicados pela Escola de Minas de Ouro Preto e com a documentação presente no arquivo da escola, e que se refere aos programas das disciplinas e aos primeiros alunos e professores da escola. Os periódicos de uma maneira geral vêm demonstrando grande importância nas pesquisas historiográficas. Apesar de ser a história política o campo que até agora mais se beneficiou com o uso desse material, os periódicos científicos, ainda que timidamente, vem sendo considerados imprescindíveis para a história das ciências. Isso se deve ao fato de que esse tipo de periódico ser um meio de divulgar as pesquisas mais recentes, e por isso pode ser tido segundo Tânia de Luca (2006) como um instrumento de manipulação de interesses, pois o que se publica é o que interessa para o(s) editor (es). Ao mesmo tempo, é também um instrumento de intervenção na medida em que exerce influência direta na comunidade científica. O estudo dos periódicos científicos é importante, principalmente, para a história das ciências, por possibilitar a verificação do que, de quem e pra quem se veiculam certas informações. Além disso, a recorrência de certos nomes e assuntos, a periodicidade, a tiragem e o próprio funcionamento interno podem nos trazer questões muito interessantes. E foram algumas dessas informações que busquei investigar nos anais da Escola de Minas de Ouro Preto. Durante o século XIX foram publicados somente quatro números, entre os anos de 1881 e 1885, sem periodicidade definida e que seguiram basicamente o mesmo padrão: prefácio, seção de artigos e noticiário. Nos prefácios, todos escritos por Gorceix, percebe-se que ele sempre procura expor as dificuldades que teve que enfrentar para conseguir publicar os anais. Isso soa como uma justificativa para o fato deles não terem uma periodicidade estabelecida. Gorceix coloca como um dos principais obstáculos para a publicação desses periódicos a falta de recursos que a Escola dispõe para tal empreendimento e também a falta de tempo dos alunos e professores da EMOP para executarem suas pesquisas, produzindo assim trabalhos originais para serem publicados nos anais. No prefácio do primeiro número dos Anais da EMOP, Gorceix diz que estes seriam mais um elemento a fazer parte da organização da escola, em suas palavras: a criação de uma
revista que se ocupe com o estado da indústria das minas no Brasil é natural e necessário para a organização da escola (1881, p. III). Além disso, ele ainda fala dos objetivos da escola, os quais os anais seguem que é de: estudar, tornar conhecidas as riquezas minerais do país e vulgarizar os meios de aproveitá-las. E os anais foram publicados justamente para suprir a necessidade de divulgação e de vulgarização da ciência, pois um país tão rico quanto o Brasil, segundo o mineralogista francês, não poderia deixar que suas riquezas permanecessem desconhecidas entre os seus. Ainda neste primeiro prefácio, o diretor da escola comenta que são muito poucas as riquezas do solo brasileiro que são conhecidas, e é dever da EMOP fazer conhecer essas riquezas e vulgarizar noções sobre a sua constituição geológica. Diz também surpreender-se com o uso de obras menos científicas, desconhecendo-se memórias cheias de fatos interessantes, bem observados e bem discutidos (1881, p.vi). Sendo assim, os anais viriam também em resposta a essa demanda, com o exemplo da memória de Lund, publicada e traduzida nos números três e quatro dos anais. E por fim, ele afirma a importância de estudar fatos e observar fenômenos em detrimento do que ele chama de discussões frívolas sobre palavras e teorias, simples especulações do espírito (1881, p.vi). E anuncia a divisa que é o norte da escola, norteando também os anais: [cum mente et malleo], que é estudar sempre com o martelo e o espírito, ou seja, manter sempre junta a prática da teoria. Na seção destinada aos artigos, os assuntos tratados giram em torno: da situação das minas exploradas no Império do Brasil, do estado das diversas concessões feitas pelo governo, dos estudos sobre os estabelecimentos metalúrgicos, dos trabalhos sobre mineralogia e geologia relativos ao país, dos resultados das análises feitas no laboratório de docimasia e no Observatório Meteorológico da Escola, e dos aperfeiçoamentos recentes introduzidos na exploração das minas e na metalurgia. Ao confrontar os autores dos artigos publicados com os nomes de alunos e professores da EMOP, tem-se que todos esses artigos foram produzidos por pessoas que tinham alguma ligação com a Escola de Minas, sendo na maioria dos casos seus professores, ex-alunos recém-formados e até alunos. Os primeiros professores eram bacharéis em ciências físicas e matemáticas no exterior ou na politécnica do Rio de Janeiro. E dois dos quatros primeiros alunos da escola, todos procedentes da Politécnica do Rio de Janeiro, depois de formandos contribuíram com artigos para os anais da EMOP. A procedência desses alunos e professores já indica a formação de uma rede científica que se constituía entre os cientistas franceses, a Escola politécnica do Rio de Janeiro e a escola de Minas de Ouro Preto.
No noticiário, observa-se a publicação de informativos referentes às questões financeiras e judiciais que interessassem à indústria mineira do Brasil e do resto do mundo. E de outros a respeito da Escola de Minas de Ouro Preto, pois informavam sobre as reformas e modificações do ensino, trazendo algumas vezes os novos programas dos cursos. Ao observar as mudanças dos programas de ensino na EMOP, constata-se que o curso deixou de ser tão direcionado à formação de engenheiros de minas, podendo agora os alunos quando formados atuarem em outras áreas, como por exemplo, a civil. Isso só confirma a proposta, já citada, de José Murilo de Carvalho, de que quando a Escola de Minas foi fundada não havia uma demanda pelos profissionais que ela formaria. E para que seus alunos pudessem ser inseridos no mercado de trabalho disponível da época, ela teve que diminuir a especialização do seu curso, aumentando sua duração e criando a opção de engenheiro de minas com regalias em civil, e posteriormente fragmentando-o em engenharia de minas e civil. Diante dessa rápida exposição dos resultados parciais da pesquisa, na qual me detive nos anais publicados pela EMOP, durante século XIX, e em alguns documentos da escola observa-se que tanto seus anais quanto seus professores e alunos ocuparam um importante papel na tentativa de vulgarizar o conhecimento sobre as riquezas do solo brasileiro. Além disso, também foram responsáveis pela difusão do conhecimento científico produzido na escola, tão necessário para o auxílio da organização da exploração do solo brasileiro, garantido assim o desenvolvimento da mineralogia e da geologia, imprescindíveis ao projeto político do Império.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A ESCOLA de Minas de Ouro Preto: 1876 1966. Ouro Preto: Oficinas gráficas da Universidade Federal de Ouro Preto, 1966. A ESCOLA de Minas de Ouro Preto: 1º Centenário (1876 1976). Ouro Preto: Oficinas gráficas da Universidade Federal de Ouro Preto, 1976. ANNAES DA ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO. Ouro Preto, n. 1, 1881. ANNAES DA ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO. Ouro Preto, n. 2, 1883. ANNAES DA ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO. Ouro Preto, n. 3, 1884. ANNAES DA ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO. Ouro Preto, n. 4, 1885. CARVALHO, José Murilo de. A Escola de Minas de Ouro Preto: o peso da gloria. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. Claude-Henry Gorceix. Organização de uma Escola de Minas na Província de Minas Geraes. [1875]. Revista da Escola de Minas. Ouro Preto: Escola de minas/ufop, n. 3, 1992, p. 275. LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. 1 Graduanda em História, pela Universidade Federal de Ouro Preto com bolsa de iniciação cientifica pelo Programa de bolsas de iniciação científica e tecnologia (PROBIC) FAPEMIG/UFOP, sob a orientação da Prof. Dr. Helena Miranda Mollo. Emal: giselamorena@yahoo.com.br 2 Já no século XVIII, havia uma recomendação para que se criasse uma instituição destinada ao estudo da mineralogia. 3 DAUBRÉE, 1871 Apud A ESCOLA de Minas de Ouro Preto: 1º Centenário (1876 1976), 1976. 10 p. 4 Ibidem, p. 10. 5 DOM PEDRO II, 1872 Apud A ESCOLA de Minas de Ouro Preto: 1º Centenário (1876 1976), 1976. 10 p. 6 Ibidem, p. 10 7 DAUBRÉE, 1872 Apud A ESCOLA de Minas de Ouro Preto: 1º Centenário (1876 1976), 1976. 11 p.