O PSF em Aracaju: um estudo de caso sobre os processos de trabalho



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Transcrição:

1 III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA AUTOR DO TEXTO: Maria Cecília Tavares Leite O PSF em Aracaju: um estudo de caso sobre os processos de trabalho RESUMO: A reflexão empreendida nesse estudo foca o olhar sobre o Programa Saúde da Família em Aracaju, a inserção dos assistentes sociais nesse programa e as mudanças ocorridas na política e nos processos de trabalho desses profissionais e nas evidências de mudança na produção do cuidado em saúde e subsidiar o debate sobre a inclusão, enquanto política nacional, do assistente social nas Equipes de Saúde da Família e da condição do assistente social enquanto trabalhador da saúde. A pesquisa justificou-se pela necessidade de realizar estudos locais que revelem as particularidades sobre a forma como ocorre a inserção dos assistentes sociais no PSF em cada contexto específico, em cada projeto político local e os processos de trabalho neles delineados. A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada com entrevistas não estruturadas com oito assistentes sociais, um de cada região de Aracaju, na perspectiva da História Oral. Realizei ainda, pesquisa bibliográfica; pesquisa documental; bem como três oficinas com todas as assistentes sociais do PSF, quarenta profissionais. A análise e interpretação de todos esses dados permitiram constatar que o processo de trabalho desses profissionais, com essa inserção, apresentou mudanças importantes, que devem ser analisadas nos contextos mais amplos da produção em saúde, dos processos aí operados. Palavras Chave: Programa Saúde da família, Serviço Social, Processo de Trabalho. I Introdução A Estratégia Saúde da Família surgiu como uma proposta preconizada pelo Ministério da Saúde para viabilizar a implementação dos princípios do SUS, reorganizar a Atenção Básica e substituir o modelo hegemônico de atenção ao propor a organização da prática assistencial e do cuidado em saúde sob novas bases e critérios (BRASIL, 1997). A partir da proposta apresentada, as mudanças no fazer dos profissionais ocorreriam com a atuação em equipes de saúde, com relações horizontais entre os profissionais e a atuação em um território definido, com a criação de vínculos e responsabilização com a população. As ações, nessa estratégia, deixariam de ser pontuais e individuais, características do modelo hegemônico tradicional, para caracterizarem-se como contínuas, integrais e resolutivas e assegurarem a universalidade (SOUZA, FERNANDES et al, 2000). Refletir sobre esses aspectos e em que medida o PSF altera o modelo assistencial e impacta os processos de trabalho, a partir do foco nos saberes e fazeres dos assistentes sociais no PSF em Aracaju é o objetivo desse trabalho. Importa ressaltar, por sua vez, que o fazer desses profissionais não será analisado como modelo operativo das práticas que atuam no nível da organização do cuidado, desenvolvidas por toda a equipe, mas como uma referencia importante para que, articulada aos outros saberes e fazeres existentes no campo da saúde, isso se processe. II A inserção dos assistentes sociais no PSF em Aracaju Em 1988, foram estruturadas as primeiras equipes do PSF em Aracaju. Nesse momento, os profissionais, especialmente os médicos, caracterizavam-se por uma inserção na forma tradicional de organização do serviço, com um fazer de consultório, no qual cada profissional desenvolvia as suas atribuições, sem nenhum diálogo entre

2 eles. A partir de então, atraídos pelos melhores salários, inseriam-se em trabalhos de equipe, sem a clareza necessária sobre o que isso realmente implicava. A partir de então, as questões sobre os processos de trabalhos foram objetos de constantes discussões entre as equipes e o gestor. Constatou-se que a implantação do PSF impôs novo ritmo aos processos de trabalho dos profissionais. Como visto a requisição para uma nova ação que não fora sustentada pela formação profissional e pelo modelo assistencial, a convivência diária (por 8 horas) dos profissionais na UBS 1, referenciados a um território e permitindo a inserção dos mesmos no cotidiano da população e na sua organização e luta. Mas garantir que a mudança nos processos de trabalho, e como desdobramento, a garantia da integralidade, não ocorressem a partir da adesão espontânea dos profissionais, a gestão, especialmente depois de 2001, definiu como objeto do trabalho as necessidades de saúde dos usuários e disparou alguns dispositivos tais como a implantação do acolhimento na rede de atenção básica e da Educação Permanente como mediação pedagógica para monitoramento do processo, seguindo orientação do Ministério da Saúde, que desde 1998 vinha orientando a formação dos Pólos de formação, Capacitação e Educação Permanente em Saúde da Família. O Acolhimento em Aracaju, nessa gestão, constituiu a primeira ferramenta introduzida, com o objetivo de redirecionar o encontro entre trabalhador e usuário, ou do trabalho em saúde, e, através do qual, caberia ao primeiro o papel de compreender, significar e intervir, após escuta devidamente qualificada, sobre as necessidades de saúde, ou seja, sobre o objeto de seu trabalho. Assim que, considerada ferramenta importante para a organização do trabalho e para a garantia do acesso e da resolutividade, mas diante da complexidade com que se revelou a sua implantação, o acolhimento passou a ser tema constante das capacitações do CEPS, desde 2001, problematizando os entendimentos sobre ele e as lacunas encontradas, pelos profissionais, na sua operacionalização. Assim sendo, pensar no acolhimento enquanto ferramenta para garantia do acesso, da resolutividade e da humanização dos serviços, especialmente se ele consegue realmente por fim às intermináveis filas e humanizar o atendimento, implica em considerar que ele (...) além de compreender uma postura do profissional frente ao usuário [signifique] também uma ação gerencial de organização do processo de trabalho e uma diretriz para as políticas de saúde (SOLLA, 2005, p. 501). Nesse processo de reorganização dos processos de trabalho, a importância da complementaridade dos saberes ficava cada vez mais nítido o que fez com que a gestão introduzisse alguns outros conceitos nas capacitações e no cotidiano dos serviços, tais como o de clínica ampliada, introduzindo a idéia que não só o médico faz clínica. Todos os profissionais de saúde fazem cada um, a sua clínica, utilizando e potencializando esse saber, que é geralmente apontado como o grande vilão do poder médico. A introdução e operacionalização do conceito de clínica ampliada, por sua vez, introduziu outros conceitos considerados também importantes para o desenvolvimento do trabalho em equipe, como o de avaliação do risco, o que exigiu nova demanda por capacitação e, nela, os assistentes sociais foram defensores árduos da introdução, em todos os casos, da inclusão dos aspectos econômicos, sociais e culturais que incidem no risco, além do aspecto biológico, o que ampliava consideravelmente o seu papel nas 1 - Até a implantação do PSF, em Aracaju, a carga horária dos profissionais de saúde com formação superior era de três horas diárias. Geralmente o médico permanecia o tempo suficiente para o atendimento das consultas agendadas. Enfermeiros e assistentes sociais permaneciam na UBS por três horas e desenvolviam, além do atendimento das consultas, algumas atividades educativas e realizavam geralmente o assistente social, visitas domiciliares.

3 equipes, haja vista que a avaliação do risco, nessa perspectiva, tornava-se uma tarefa a ser realizada a partir da articulação e do diálogo que envolvesse todos os profissionais. A introdução da clínica ampliada no campo da saúde pública, da ação coletiva, requeria o pensar sobre as estratégias processuais dessa aplicação, especialmente em Aracaju, haja vista que, historicamente, o saber clínico e a saúde coletiva, o saber sanitário, apresentaram-se como campos de aplicação prática incompatíveis. Com isso, introduzia-se outra necessidade para a gestão e para os profissionais que era a construção dos protocolos de cada segmento profissional, considerando que, ainda segundo Campos (2003), para a superação da dicotomia entre saber clínico e saúde coletiva, requeria-se que fossem combinadas [...] a lógica de programas de saúde, destinados a grupos de enfermos ou com maior vulnerabilidade e com certa homogeneidade suposta, com a construção de projetos terapêuticos singulares para os casos mais complicados (p. 327). O que significava que a equipe deveria organizar suas agendas, ou seja, planejar o que fazer como fazer, com que freqüência fazer. Durante o ano de 2003, foram construídos os protocolos do serviço social na Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju, objetivando a estruturação do processo de trabalho do assistente social no PSF e nos novos arranjos produtivos. Neste momento percebeu-se que a velha discussão sobre as atribuições dos assistentes sociais no campo da saúde já não tinha mais coerência uma vez que a dinâmica exigia o pensar do papel profissional, mas agora em um contexto de equipe, de acordo com as singularidades do território, e não de um profissional que desenvolve tarefas isoladamente, com uma fórmula universal e independente dessa dinâmica. Para viabilizar essa tarefa, para a construção dos Protocolos do Serviço Social, partiu-se da discussão de núcleo e campo das profissões (CAMPOS, 1997). Para a construção dos protocolos, os assistentes sociais articularam-se com o Departamento de Serviço Social da UFS e realizaram oficina preparatória. A discussão, nessa oficina, propiciou a reflexão sobre as mudanças recentes no campo da saúde, o referencial teórico que orientava o grupo gestor local e o papel dos assistentes sociais no PSF. A construção dos protocolos dos assistentes sociais permitiu, assim, a reflexão sobre o papel do assistente social em cada programa específico, qual a problemática, em cada um, que requeria a intervenção do assistente social e a construção das estratégias de intervenção. Assim, os assistentes sistematizaram a ação, baseado nas ações programáticas, nos programas já existentes nos serviços. Apesar dos limites evidenciados, avalio que o processo de construção dos protocolos do Serviço Social na Secretaria de Saúde de Aracaju constituiu momento ímpar de reflexão sobre o exercício profissional no PSF e sobre o modelo assistencial que estava sendo construído. Dessa discussão, ressalto alguns pontos que, na minha avaliação, foram fundamentais no processo. O primeiro aspecto relevante nesse processo foi à iniciativa dos assistentes sociais, após articulação com o Departamento de Serviço Social da UFS, em estabelecer discussão preparatória para o momento oficial da construção. A discussão preparatória serviu como alerta sobre a necessidade da discussão permanente sobre os modelos assistenciais, seus marcos teóricos, e a relação com o Serviço Social. Esse momento, além de servir dissecar os aspectos técnicos da questão, configurou profícuo debate político sobre a relação dos assistentes sociais com a gestão e sobre os avanços e limites dessa política específica em Aracaju. O segundo aspecto refere-se à forma como foi encaminhada a discussão sobre a ação do serviço social, que ocorreu a partir da reflexão sobre os determinantes da saúde, sobre a necessidade e importância da intersetorialidade para a garantia do pleno direito à saúde, momento em que foi proposta a criação da Rede Local de Solidariedade e Proteção Social, objetivando articular as diversas Secretarias Municipais para a ação.

4 Assim, apesar da aparente normalidade sobre a discussão da ação do Serviço Social iniciar com a leitura dos determinantes da saúde, uma vez que essa forma é sempre exercitada nos fóruns coletivos da categoria, a relevância específica dela foi à síntese propositiva, com a apresentação da de uma proposta concreta, a articulação da rede de solidariedade e proteção social com atuação em todo o município e em cada território específico. O terceiro aspecto positivo desse processo foi o pensar coletivo sobre o núcleo da profissão, aquele conjunto de conhecimentos e tecnologias que identificam a nossa identidade e nos garantem a legitimidade para a ação no campo da saúde. Essa não fora tarefa fácil, especialmente quando o assistente social é identificado como o profissional que atua no campo da promoção da saúde, e a discussão ocorreu a partir das ações programáticas, que em Aracaju significa a ação com os grupos doentes. Ainda assim, foram definidas estratégias de intervenção em cada Programa, como proposta inicial a ser desdobrada e aprofundada em momentos posteriores, o que não aconteceu. A identificação do núcleo do assistente social nas Ações Programáticas ficou recortada a partir da consulta social (assim como a consulta de enfermagem ou médica), quando ocorre a entrevista e outros procedimentos e encaminhamentos, para a identificação e avaliação do risco, além do parecer social. Essas atividades só os assistentes sociais podem executar com essa especificidade, apesar da vasta ação e núcleo no campo da intersetorialidade. Apesar do limite dessa discussão, da identificação do núcleo do serviço social, a discussão teve desdobramentos interessantes nos serviços, como uma estruturação, ainda que inicial, do fluxo dos profissionais em algumas ações. A continuidade das discussões e encaminhamentos sobre os Protocolos do serviço Social não se efetivou no nível da gestão. Em 2007, o CEPS\Aracaju organizou a Oficina A Instrumentalização na ação do Serviço Social na Saúde, com a participação de todos os assistentes sociais do PSF, momento em que foi feito um resgate histórico do Serviço Social na Secretaria de Saúde e a discussão sobre a instrumentalidade ocorreu a partir da retomada dos Protocolos do serviço Social. A organização da Oficina atendia uma reivindicação dos assistentes sociais sobre a necessidade de refletir a dimensão interventiva da profissão em Aracaju e de uniformizar a ação do Serviço Social em cada questão específica, diante dos conflitos existentes entre esses profissionais e os demais da equipe, típicos da ação interventiva multiprofissional, mas especialmente com os diversos níveis da gestão, especialmente a coordenação e supervisão das regiões. As assistentes sociais afirmavam que, especialmente esses últimos, faziam solicitações e queixas que os profissionais, sem as condições adequadas, não teriam como cumprir. A realização da oficina significou mais um momento especial para o Serviço Social na perspectiva de (re) afirmação da identidade profissional, haja vista que, como afirma Iamamoto (2002), [...] o trabalho coletivo não impõe a diluição das competências e atribuições profissionais. Ao contrário, exige maior clareza no trato das mesmas e o cultivo da identidade profissional, como condição de potenciar o trabalho conjunto (p. 41). Assim, a discussão sobre a instrumentalidade do Serviço Social na Saúde, em Aracaju e nesse momento específico, foi encaminhada a partir da leitura histórica da profissão, da inserção dos assistentes sociais no PSF, do modelo assistencial que estava sendo construído nesse local, sobre o Projeto Ético-Político da profissão, com a problematização a partir da questão: o que queremos e como vamos construir, sem a preocupação limitada, restrita aos instrumentos.

5 Esse momento foi caracterizado por uma discussão extremamente rica, com a constatação de que os Protocolos foram construídos, constituíram referenciais importantes naquele momento em que a necessidade de identificação do núcleo e campo profissional era imperiosa, mas eles são estáticos, como um retrato na parede e, assim, deveriam ser superados na dinâmica da prática social. No momento de construção dos Protoclos, a relação geral era uma assistente social para, no máximo duas equipes. Atualmente, um assistente social trabalha com até seis equipes, com vários territórios em uma mesma Unidade de Saúde, o que implicou em alterações no trabalho. Um profissional trabalhar com mais de uma equipe significa que, na prática, ele não terá vinculação orgânica com nenhuma delas, nem com o território, o que modifica os processos de trabalho no PSF, uma vez que não possibilita o estabelecimento do vínculo, nem a realização do acolhimento do risco no território, anunciado pelo gestor como uma das atribuições dos assistentes sociais. A preocupação em garantir a identidade profissional esteve presente em vários momentos da discussão. Com a preocupação com uma provável diluição do trabalho profissional na equipe multiprofissional e o foco no campo, reforçava-se os argumentos de que se deveria dar maior visibilidade, aos demais profissionais e ao gestor, sobre o núcleo profissional do assistente social no campo da saúde. Essa era, e é, uma preocupação salutar, mas que não resulta da definição, formal, de documentos, fichas e modelos de procedimentos, apesar deles contribuírem efetivamente com a organização do trabalho. Como proposta da oficina realizada com os assistentes sociais em Aracaju, ficou definida a continuidade das discussões sobre o exercício do assistente social na saúde, o que possibilitará a (re) construção de um espaço de debate e reflexões sobre as questões fundamentais do exercício profissional, através de encontros mensais. Dessa forma, os assistentes sociais conformam sua ação no PSF em Aracaju. Atualmente o assistente social é considerado profissional da saúde, com a denominação assistente social da saúde no Plano de Cargos, Carreira e Salários da Secretaria de Saúde de Aracaju, aprovado em 2003. Conclusões A inclusão dos assistentes sociais no PSF em Aracaju foi fruto do processo de organização e luta desses profissionais que conquistaram, também, a sua inclusão no Plano de Cargos e Salários enquanto assistentes sociais da saúde. A análise dos processos de trabalho, a partir da inserção dos assistentes sociais no PSF, permite concluir que as mudanças aconteceram, ou estão a se processar. Elas acontecem nos processos de trabalho existentes nas USF que refletem na atividade de todos os profissionais, incluindo os assistentes sociais. Foi um processo de mudança do paradigma da atenção em saúde como um todo, um processo articulado que foi implicando em mudanças sucessivas. Em Aracaju, pela forma como vem ocorrendo à inclusão do assistente social no PSF, por meio da inserção dos profissionais nas USF s, responsabilizando-se por até seis equipes o que resulta em formas diferentes de trabalho haja vista que ocorrem formas diferenciadas de inserção nos processos de trabalho do PSF, de relação com as equipes e com os territórios, refletir sobre essas questões torna-se fundamental e urgente. Foi possível observar que com a inserção do assistente social no programa, como um dos desdobramentos mediatos da luta pela reforma sanitária em Sergipe e da organização dos Assistentes Sociais neste mesmo estado, a ocorrência de mudanças no processo de trabalho desses profissionais, a expansão e crescimento da sua atuação, e conseqüentemente o aumento das possibilidades de solidificação da proposta do novo

6 modelo assistencial, tendo em vista a natureza e qualidade da formação desses profissionais. No entanto, essa experiência específica não tem dialogado com o coletivo nacional dos assistentes sociais e não tem contribuído para um debate em torno da inserção do profissional no programa em nível nacional, o que a fragiliza pela ausência da reflexão sobre suas possibilidades e limites, e não consolida esse importante lócus de ação profissional no setor da saúde. Por fim, alerto para a natureza transitória e parcial das afirmações aqui contidas, tendo em vista que a questão estudada, objeto desta pesquisa, está em construção, em pleno movimento. Bibliografia ARACAJU. Proposta de Participação do Assistente Social no Programa Saúde da Família. Aracaju: 1997b, mimeo.. Plano Municipal de Saúde de Aracaju. Aracaju: 1997a, mimeo. ARACAJU. SECRETARIA MUNICIPAL de SAÚDE. Considerações Sobre o Modelo Assistencial em Saúde para o Município de Aracaju. Aracaju: 1988 mimeo.. VI Conferência Municipal de Saúde de Aracaju. Aracaju: 2001 mimeo.. Relatório de Gestão. Aracaju: 1998 mimeo. BRAVO, Maria Inês Souza. A Política de Saúde no Brasil: trajetória histórica IN: Capacitação para Conselheiros de Saúde: Textos de apoio. BRAVO, Maria Inês Souza, MATOS, Maurílio Castro de. ARAÚJO, Patrícia Simone Xavier de. (orgs). Rio de Janeiro: UERJ, NAPE, 2001.. As Políticas Brasileiras de Seguridade Social. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social, módulo 3. Brasília: UnB, Centro de Educação Aberta Continuada à Distância, 2000. BRAVO, Maria Inês Souza e MATOS, Maurílio Castro de. Projeto Ético-Político do Serviço Social e sua Relação com a Reforma Sanitária: elementos para o debate IN: Ana Elizabete Mota et al (orgs). Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. 2. ed. São Paulo: OPAS, OMS, Ministério da saúde, 2007. CAMPOS, G. W. de S. et al. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo; Hucitec; Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006.. Reforma da Reforma: Repensando A Saúde. 2. Ed. São Paulo: HUCITEC, 1994.. Saúde Paidéia. 1. São Paulo: Editora Hucitec, 2003.. Saúde Pública e Defesa da Vida. 2. Ed. São Paulo: HUCITEC, 1992. v. 1.. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em equipes de saúde. In: MEHRY, E. E. & ONOCKO, R. (orgs). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Buenos Aires: Hucitec/Lugar Editorial, 1997. CFESS. Serviço Social na Área da Saúde no Brasil. Contribuições da Comissão de Saúde do CFES para o debate. Brasília, 1995 (mimeo).

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