Os gêneros e o Projeto Teletandem Brasil: relação entre compartilhamento e sucesso interacional. Solange ARANHA. João A. TELLES



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Transcrição:

ARANHA, S. ; TELLES, J.. Os gêneros e o Projeto Teletandem Brasil: relação entre compartilhamento e sucesso interacional.. In: VI SIGET - Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais, 2011, Natal. Anais do VI SIGET, 2011. Os gêneros e o Projeto Teletandem Brasil: relação entre compartilhamento e sucesso interacional. Solange ARANHA João A. TELLES UNESP/IBILCE/São José do Rio Preto O Projeto Teletandem tem por objetivo promover a comunicação online entre indivíduos que interagem virtual e intercontinentalmente na aprendizagem de línguas estrangeiras, por meio da utilização de webcam e dos recursos de aplicativos como Skype, OoVoo e Windows Live Messenger. Neste contexto de aprendizagem virtual, o (in)sucesso das parcerias parece estar ligado, entre muitos outros fatores, ao compartilhamento de propósitos comunicativos e ao conhecimento de uma estrutura retórica prevista para interações online. O objetivo deste trabalho é apresentar dados coletados junto a estudantes universitários brasileiros e americanos que realizaram dez horas de sessões de teletandem. Os brasileiros eram voluntários e alunos de Letras e os americanos faziam parte de um curso de Português-LE de uma universidade americana. As atividades do projeto eram obrigatórias e faziam parte do conteúdo programático do curso de PLE. Os resultados mostram que parece existir um compartilhamento de propósitos comunicativos entre os parceiros e uma estrutura retórica mais ou menos prevista para que as parcerias se estabeleçam e os princípios da aprendizagem em tandem/no teletandem sejam operacionalizados/colocados em prática. Introdução O projeto Teletandem Brasil: Línguas Estrangeiras para todos (doravante, TTB) (TELLES, 2006) é realizado por uma equipe de pesquisadores nos campi da UNESP de Assis e São José do Rio Preto, com a colaboração de pesquisadores de países estrangeiros e já produziu 12 dissertações de Mestrado, 4 teses de doutorado, além de inúmeros artigos escritos por alunos e docentes vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguisticos da UNESP (Campus de São José do Rio Preto), além de outros escritos por pesquisadores de universidades

estrangeiras vinculadas ao projeto (ver www.teletandembrasil.org ). O Projeto, financiado pela FAPESP (Nº 2006/03204-2) até abril de 2010, continua com a proposta de colocar alunos universitários brasileiros que querem aprender uma língua estrangeira em contato com alunos universitários de outros países que estão aprendendo português. Em linhas gerais, a aprendizagem de línguas estrangeiras em tandem envolve pares de falantes (nativos ou não nativos) de diferentes línguas trabalhando, de forma colaborativa, para aprenderem a língua um do outro. No caso do referido projeto, as parcerias são mediadas pelo computador via Skype, MSN ou OOVOO. Cada parceiro faz o papel de aluno por uma hora, falando e praticando a língua do outro parceiro. Em seguida, eles trocam de papéis e de línguas. Segundo Vassalo e Telles (2009), o parceiro aprendiz recebe o apoio do parceiro falante competente para desenvolver atividades na sua LE, isto porque sua LE é a L1 ou a língua de competência do outro. O apoio dado pelo parceiro pode estender-se, também, a eventuais atividades desenvolvidas fora da sessão. O desenvolvimento do teletandem pode ser integrado às atividades curriculares de uma instituição, ou pode ser realizado de forma completamente independente. Várias questões sobre o sucesso das parcerias já foram estudadas no âmbito deste projeto. Vassalo (2010) tece considerações sobre as relações de poder entre os interagentes e traça paralelos entre poder e aprendizagem; Cavalari (2009) analisa as características da autoavaliação e as razões que levam os aprendizes a se engajarem e continuarem as parcerias; Garcia(2010:2) afirma que É possível pensar que parte do sucesso ou insucesso do teletandem esteja intimamente relacionado aos processos de negociação que ocorrem entre os pares nas sessões, podendo levar a acordos ou, até mesmo, desacordos. Essas constantes discussões, entretanto, não contemplam (pelo menos até o momento) uma possível relação entre o sucesso das interações e o compartilhamento (ou não) de propósitos comunicativos. No nosso entender, a ausência de compartilhamento de propósitos comunicativos pode levar os parceiros a um descompasso, a uma relação assimétrica e a uma possível falta de desenvolvimento de um gênero comum entre os pares. Logo, a parceria estaria fadada ao insucesso, não devido à motivação para

(ou envolvimento com) a aprendizagem, mas porque os interagentes não compartilham propósitos comuns, e, portanto, não conseguem reconhecer o gênero que seria realizado por esses propósitos. Segundo Swales (1990 apud Aranha, 2004) o conceito de gênero compreende: 1) os eventos comunicativos, nos quais a língua desempenha papel significativo e indispensável. Nesse caso, um evento comunicativo compreende o discurso e seus participantes, o papel desse discurso e seu ambiente de produção e recepção, incluindo suas associações históricas e culturais; 2) os propósitos comunicativos compartilhados pelos membros da comunidade discursiva, dos quais os gêneros são um veículo para atingir determinados objetivos; 3) a variação dos gêneros em sua prototipicalidade, ou seja, expressões diversas circundadas pela estrutura retórica prevista 1 ; 4) o sistema (inerente ao gênero) que estabelece limitações às contribuições lingüístico/discursivas disponíveis em função do conteúdo do texto, do posicionamento do autor e da forma textual compartilhada pelos seus pares. Desse modo, uma vez estabelecidos os propósitos do gênero por parte dos membros da comunidade discursiva, existe um conjunto de convenções características e, em alguns casos, limitadoras. Essas convenções são dinâmicas, isto é, elas se modificam ao longo do tempo, mas, mesmo assim, continuam a exercer influências dependendo do momento histórico; 1 A estrutura retórica nos estudos de gêneros com viés sócio-retórico é vista por meio de movimentos. O termo movimento será entendido aqui como o conteúdo encontrado (ou que se deve encontrar) em uma determinada parte de um texto, organizado de uma forma específica, sem menção à sua estrutura lingüística propriamente dita. É o tipo de informação julgada pertinente a determinado propósito comunicativo (Aranha, 2004).

5) a nomenclatura usada pela comunidade discursiva, que é responsável por dar nomes a classes de eventos comunicativos que os membros da comunidade discursiva reconhecem como exercendo ação retórica recorrente. Bhatia (1993) parte do conceito proposto por Swales (1990) e sugere uma ampliação na qual ratifica que o gênero é um evento comunicativo caracterizado por um conjunto de propósitos comunicativos compartilhados e identificados pelos membros da comunidade na qual os gêneros se inserem. Entretanto, o autor propõe maiores elaborações nas seguintes partes: a) Os propósitos comunicativos compartilhados modelam o gênero e dão a ele uma estrutura interna. Bhatia propõe a noção de sub-gênero, que ocorreria quando houvesse pequenas mudanças dos propósitos comunicativos. Essas pequenas mudanças ocorrem devido aos aspectos cognitivos advindos de escolhas estratégicas individuais feitas pelo escritor para executar suas intenções, tendo em mente o público, o meio e os limites do gênero. Essas escolhas recebem o nome de estratégias e são geralmente nãodiscriminativas no sentido de que elas não modificam o propósito comunicativo essencial do gênero. Quando as mudanças dos propósitos comunicativos são grandes, cria-se um outro gênero. Em 2004, Swales redimensiona o papel do propósito comunicativo e conclui que não se trata de uma tarefa simples identificar o propósito de um gênero. Uma das razões é que um mesmo exemplar de gênero pode ter vários propósitos comunicativos que não são identificáveis à primeira vista. Uma outra discussão do autor é a existência de constelação de gêneros. Esse conceito foi amplamente discutido por Araújo (2006), que estudou o os chats e concluiu que: a complexidade do evento bater-papo na internet parece consistir no fato de ele enfeixar variados propósitos comunicativos, o que o faz se desdobrar em muitos gêneros. Se há uma variedade de objetivos que se tornaram complexos, então surgirão novos gêneros cuja base estará em outros que lhes preexistem (ARAÚJO, 2006, p. 116)

Se por um lado, a discussão da multiplicidade de propósitos de um gênero é relevante e crucial para o estabelecimento dele, por outro, o ambiente de aprendizagem em teletandem ainda está longe de ter suas características genéricas estabelecidas e suficientemente estudadas. Estamos buscando características retóricas recorrentes e identificáveis nas interações, mas para que as interações ocorram, é necessário que as parcerias tenham continuidade. Isto posto, partimos do que é consenso, entre os pesquisadores de gêneros, sem entretanto estabelecer todas as múltiplas ações que ocorrem no ambiente de aprendizagem em teletandem como um gênero. Compartilhamos a ideia de que os textos são socialmente construídos, portanto influenciados pela comunidade e pela cultura no qual se inserem; que têm um propósito e sua função é parcialmente determinada pela contexto e pela comunidade antes de ser processado; as convenções textuais estão sujeitas a restrições das comunidades; a ausência ou presença de uma determinada argumentação está vinculada ao contexto e os gêneros são ideologicamente direcionados (Johns, 2002). Isto posto, consideramos: (a) que os textos produzidos dentro do âmbito do projeto podem fazer parte de vários gêneros associados a diferentes culturas e que, se não compartilhados, podem ser a razão do insucesso da comunicação 2 entre os interagentes. (b) que o ambiente de aprendizagem do TTB recupera uma gama variada de gêneros que são acionados pelos interagentes para serem usados como modelos, informação e referências. O objetivo deste trabalho é apresentar ocorrências em que o reconhecimento de um possível gênero e o compartilhamento dos propósitos comunicativos propiciou parcerias de sucesso, ou seja, parcerias que tiveram duração igual ou superior a três meses, nas quais os interagentes ficaram 2 Consideramos insucesso da comunicação quando as parcerias cessam, não tem continuidade.

satisfeitos com os resultados e com a certeza de terem desenvolvido suas competências linguísticas, textuais e discursivas. 2. O CONTEXTO Durante o segundo semestre de 2010, devido a uma parceria entre o TTB e uma universidade estadunidense, uma das pesquisadoras do TTB foi convidada a passar o semestre naquela universidade para avaliar como as parcerias estavam sendo desenvolvidas e mapear o grau de sucesso entre elas. Um dos intuitos dessa visita era estabelecer parcerias entre alunos brasileiros e estadunidenses. Primeiramente, o projeto foi apresentado para as diversas classes de Português, em diferentes níveis de proficiência (6 turmas ao todo, com uma média de 150 alunos). As turmas tinham professores específicos, com diferentes graus de comprometimento com o projeto. Em um primeiro momento, a pesquisadora entrou nas classes para convidar interessados a participarem do projeto. No Brasil, já havia uma lista de voluntários. Nesta primeira tentativa, somente quatro voluntários estadunidenses, da mesma classe, se dispuseram a participar (salientamos serem os voluntários da mesma sala de aula, por acreditarmos, de acordo com nossas experiências no projeto, que um dos fatores que motivam ou não os alunos é o comprometimento do professor responsável). Neste trabalho, focaremos esses primeiros interessados 3. Foi-lhes atribuído um parceiro brasileiro e cada um estabeleceu uma agenda com ele. A pesquisadora acompanhou a formação das parcerias e o desenrolar das mesmas. Os quatro alunos mencionados (B, D, R e M) já haviam morado no Brasil por dois anos e tinham um nível de proficiência avançado. Todos gostavam muito do Brasil e queriam desenvolver a língua portuguesa. Tinham, também, muitos amigos com quem falavam português regularmente, pela internet. 3 Importante mencionar que somente outros três alunos, de diferentes classes, se inscreveram no projeto posteriormente.

Os contatos de e-mail dos alunos brasileiros foram enviados para os alunos americanos, que foram instruídos a mandarem um e-mail com a disponibilidade de horários para a primeira interação. 3. OS DADOS Apresentaremos o resultado do último questionário (8 perguntas) enviado para os alunos D e R 4, no intuito de mostrar que houve equivalência de propósitos comunicativos, ou seja, tanto o parceiro americano quanto o parceiro brasileiro conseguiram negociar datas, temas, formas de correção, diferenças culturais que pudessem interferir na interação. Por essa razão, a parceria conseguiu se desenvolver a contento em termos de satisfação quanto a aprendizagem e duração das interações. Infelizmente, não fizemos o mesmo questionário com o parceiro brasileiro e não possuímos o ponto de vista deles sobre as parcerias. a) Como as parcerias tiveram inicio? (D) Minha primeira parcera nunca deu certo então trocei por o Camilia. Eu mandei uma mensagem para ela e ela responedu o proxímo dia, començamos a falar o proxímo Domingo 5. (R ) Mandamos email e marcamos um horário O comprometimento com a resposta do e-mail (que não houve no caso da primeira parceira de D) é fundamental no início do processo de negociação para o estabelecimento de parcerias. O propósito comunicativo compartilhado fazer parte do projeto e interagir com um nativo para o desenvolvimento de competências linguístico-discursivas acentua o envolvimento do aluno com o projeto e a busca por soluções que minimizem a demora em atingir esses propósitos. b) Vocês tiveram algum problema no inicio da negociação por e-mail? Descreva. (D) Não tivemos problemas. 4 Os dados dos parceiros B e M serão discutidos em outro trabalho já que as parcerias não tiveram sucesso, ou seja, foram inviabilizadas no processo de negociação para as primeiras interações. 5 As respostas não sofreram edição.

(R ) Não tivemos um problema. Conforme veremos adiante com os exemplos de B e M, problemas decorrentes dessa primeira fase de negociação por e-mail inviabilizam as parcerias. b) Com que frequência vocês interagem? (D) Falamos todos os Domingos as 2 horas da tarde aqui. (R ) Uma vez por semana mas faz algumas semanas que falamos (sic) Cremos que R quis ressaltar o fato de ele e sua parceira não se falarem há algumas semanas, embora sua resposta deixe esta informação ambígua. R continua a interagir com sua parceira, o que mostra que o período sem comunicação foi explicado e compreendido por ambos. d) Como são determinados os tópicos a serem abordados durante a interação? Quem os determina? (D) Nos vamos conversar antes e ela vai falar um topico que ela esta tendo dificuldades em ingles. Camilia normalmente. (R ) Geralmente os dois fazemos perguntas um ao outro. Nós dois O processo de negociação do assunto pode apresentar dificuldades, conforme apresentado por Vassalo (2010). Nas parcerias de R e D, não houve dificuldades na negociação dos assuntos. A motivação de ambos e seus respectivos parceiros parece ter apagado questões de poder na negociação (Vassalo, 2010), mesmo no caso de D, no qual os tópicos são determinados pela parceira. Não há reclamação por parte dele, e sim, anuência com as escolhas 6. Mais uma vez, a retórica da negociação foi compartilhada devido aos propósitos comunicativos comuns, ou seja, continuar as interações com o intuito de aprender mais sobre a língua e a cultura do outro. O gênero, neste caso entendido como the motivated funcional relationship between text type and rhetorical situation (Coe, 2001), pode 6 Vários estudos mostram que, nossos alunos brasileiros, por serem estudantes de Letras, adquirem um tom professoral durante as interações e, de certa forma, submetem o parceiro às suas vontades.

ser estabelecido pela observação das ocorrências linguísticas que culminaram na anuência dos tópicos. e) Qual o processo de correção, se há. (D) Ela vai me corriger e se ela fala errado sempre vou corriger ela tambem. ( R) Só falamos o que foi errado e como falar certo ou pronunciar corretamente. A noção de certo e errado ainda é muito presente nos alunos de Português nos Estados Unidos e também nos alunos brasileiros. Há uma busca pela correção gramatical, embora não possamos afirmar que as correções tenham sido feitas somente neste nível. Se, por um lado, o propósito comunicativo é compartilhado e há acordo sobre os procedimentos de correção, por outro, questões de competência contextual poderiam ser levadas em conta. Cavalari (2009) apresenta evidências de um enfoque, na prática autoavaliativa de uma aprendiz brasileira de ILE, em aspectos formais da língua em detrimento daqueles envolvidos no conhecimento sócio-lingüístico. A noção de língua como ferramenta contextual nos parece fundamental para o desenvolvimento de competências, embora muito pouco usada pelos alunos. f) Quais diferenças culturais vocês notam durante as interações, se alguma? (D) Ela nunca viajou, e eu tenho viajado muito. Ela moura na mesma casa que ela nasceu, e minha familia mudou muitas vezes. Tem muitos feriados no Brasil, e tem poucos aqui. (R ) Não tivemos A intenção da pergunta era avaliar diferenças de conhecimento prévio, de experiências de vida em contextos distintos, de perspectivas diferentes sobre determinados assuntos. R parece não ter compreendido a pergunta, porque não salienta nenhuma. A análise das interações entre R e sua parceira parece indicar que houve dificuldades de compreensão de situações típicas do Brasil, como a vestimenta das mulheres durante o carnaval e sobre o ficar dos jovens (que se beijam em lugares públicos sem terem compromisso como namoro, noivado, casamento entre eles) atualmente no Brasil. As diferenças apontadas por D não

revelam possíveis conflitos nas interações. São constatações sobre o outro que parecem não afetar a continuidade das interações. g) Como você acha que as interações contribuem para seu processo de aprendizagem? (D) Posso aprender mais sobre o Brasil e Portugese e ela pode aprender mais sobre os Estados Unidos e Ingles. Ela sabia quase nada antes de començar, mas agora ela esta aprendendo muito. Obrigado pela experiencia, (R) É uma boa prática e também minha parceira ajudou quando precisava de ajuda. Muito obrigado por essa oportunidade. Tando R como D parecem estar conscientes do propósito comunicativo compartilhado fazer parte do projeto e interagir com um nativo para o desenvolvimento de competências linguístico-discursivas, além do potencial do teletandem para troca de informações acerca de ambas as culturas. Pelos excertos, o propósito comunicativo do gênero, neste último caso, é identificado por R e D e tal fato pode garantir a manutenção das parcerias. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito comunicativo dos gêneros nem sempre é identificável, embora o compartilhamento dele pareça garantir a manutenção dos mesmos. Na reavaliação da importância do propósito comunicativo como item indispensável para o estabelecimento de um gênero, ASKEHAVE e SWALES (2001) entendem que o propósito comunicativo é menos visível do que a forma, ou seja, as realizações linguísticas materializadas no texto, e que, portanto, dificilmente servirá como um critério básico e fundamental para o reconhecimento de um gênero. Na busca de determinar gêneros recorrentes durante as interações bemsucedidas nas interações no âmbito do TTB, entendemos que propósitos compartilhados geram interações mais duradouras, o que pode auxiliar futuros estudos sobre a possibilidade de as interações constituírem um gênero novo, permeado de vários outros que são acessados no decorrer das mesmas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, S. A argumentação nas introduções de trabalhos científicos da área de Química. 1996. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1996. Contribuições para a introdução acadêmica. 2004. Tese (Doutorado em Lingüística e Língua Portuguesa) Universidade Estadual Paulista Campus de Araraquara, 2004. ARAÚJO, J. C. Os chats: uma constelação de gêneros na Internet. Tese (Doutorado em Linguistica). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006. ASKEHAVE, Inger; SWALES, John M. Genre identification and communicative purpose: a problem and a possible solution. Applied Linguistics, v. 22, n. 2, p. 195-212, 2001. BHATIA, V. Analysing genre: language use in professional settings. Nova York: Longman, 1993. CAVALARI, S.M.S. A auto-avaliação em um contexto de ensino-aprendizagem de línguas em tandem via chat. Tese de Doutorado. PPG em Estudos Linguísticos, UNESP-S.J. Rio Preto, 2009. COE, R. M. The new rhetoric of genre: writing political beliefs. In: JOHNS, A. (eds.) Genre in the classroom: multiple perspectives. Lawrence Erlbaum Associates. 2002. GARCIA, D.N.M. Teletandem: Acordos e negociações entre os pares. Tese de Doutorado. P.P.G. em Estudos Linguisticos, UNESP, 2010. JOHNS, A. (eds.) Genre in the classroom: multiple perspectives. Lawrence Erlbaum Associates. 2002. SWALES, J. Genre analysis: English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. TELLES, J.A. Projeto Teletandem Brasil: Línguas estrangeiras para todos Ensinando e aprendendo línguas estrangeiras in-tandem via MSN Messenger. Faculdade de Ciências e Letras de Assis UNESP, 2005. TELLES, J. A.; VASSALLO, M. L.. Foreign language learning in-tandem: Teletandem as an alternative proposal in CALLT. The Especialist, v. 27, 2006. VASSALLO, M. L.; TELLES, J. A. Foreign language learning in-tandem: Theoretical principles and research perspectives. The Especialist, v. 27, p. 29-56, 2006. VASSALLO, M.L. Relações de poder em parcerias de teletandem. Tese de Doutorado. P.P.G. em Estudos Lingüísticos, UNESP, Università Ca'Foscari, Venezia, 2010.