Mensagem do. 1º de Dezembro de 2003. Por S.A.R. O Duque de Bragança



Documentos relacionados
SECRETÁRIA DE ESTADO ADJUNTA E DA DEFESA NACIONAL. Tomada de posse dos órgãos sociais do Centro de Estudos EuroDefense-Portugal

Prioridades da presidência portuguesa na Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

3 de Julho 2007 Centro Cultural de Belém, Lisboa

Mensagem de Natal do Primeiro-Ministro António Costa. 25 de dezembro de 2015

Miguel Poiares Maduro. Ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional. Discurso na Tomada de Posse do Presidente da Comissão de

MENSAGEM DE NATAL PM

INTERVENÇÃO DE SUA EXCELÊNCIA O MINISTRO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES. Eng. Mário Lino. Cerimónia de Abertura do WTPF-09

2. Mas este acto representa também o início de uma nova etapa, em Sines com

D SCUR CU S R O O DE D SUA U A EXCE

Abertura da Exposição Álvaro Cunhal, no Porto Segunda, 02 Dezembro :57

Cerimónia de Homenagem aos Membros Fundadores. E Entrega de Distinções de Mérito Económico

Senhor Dr. João Amaral Tomaz, em representação do Senhor Governador do Banco de Portugal,

Senhor Presidente e Senhores Juízes do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo,

Proposta de ACORDO DE GOVERNO E DE COLABORAÇÃO POLÍTICA ENTRE O PSD E O CDS/PP

PROJECTO REDE EM PRÁTICA

ESPAÇO(S) E COMPROMISSOS DA PROFISSÃO

DECLARAÇÃO POLÍTICA DESAFIOS DO FUTURO NO MAR DOS AÇORES BERTO MESSIAS LIDER PARLAMENTAR DO PS AÇORES

Escola E.B. 2/3 Ciclos do Paul. Trabalho elaborado por: Frederico Matias 8ºA nº8 João Craveiro 8ºA nº5

DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA, O PRIMEIRO MINISTRO

INOVAÇÃO PORTUGAL PROPOSTA DE PROGRAMA

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

TOURISM AND HOSPITALITY TODAY AND TOMORROW

Gostaria igualmente de felicitar Sua Excelência o Embaixador William John Ashe, pela forma como conduziu os trabalhos da sessão precedente.

SEMANA DA RESPONSABILIDADE SOCIAL REGENERAÇÃO URBANA E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO

DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA O PRIMEIRO-MINISTROMINISTRO DR. RUI MARIA DE ARAÚJO POR OCASIÃO DO 15º ANIVERSÁRIO DA POLÍCIA NACIONAL DE TIMOR-LESTE

A FIGURA DO ESTADO. 1. Generalidades

Internet World Portugal 98

MINISTÉRIO DA HOTELARIA E TURISMO

VOLUNTARIADO E CIDADANIA

Exmº Sr. Director das Relações Internacionais da Associación de la Magistratura

SEMINÁRIO 'AS NOVAS FRONTEIRAS E A EUROPA DO FUTURO' ( ) Braga

INTERVENÇÃO DO SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO E DA DEFESA NACIONAL PAULO BRAGA LINO COMEMORAÇÕES DO DIA DO COMBATENTE, EM FRANÇA

01. Missão, Visão e Valores

OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO PÓS LDB 9394/96: COLEGIADO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

A Conferência ouviu a exposição dos principios gerais e doutrinas relativas à protecção de monumentos.

Senhor Presidente da Assembleia Senhoras e senhores Deputados Senhoras e senhores membros do Governo

São Vicente, 1 de Julho de Senhor Vice-Presidente da Assembleia da República, Excelência. - Senhor Presidente do Governo Regional, Excelência

GANHAR AS ELEIÇÕES. GOVERNAR PORTUGAL. REVITALIZAR A DEMOCRACIA.

POSIÇÃO DA UGT SOBRE A ACTUAÇÃO DO FMI EM PORTUGAL

NERSANT Torres Novas. Apresentação e assinatura do contrato e-pme. Tópicos de intervenção

PROPOSTA DE REVISÃO CURRICULAR APRESENTADA PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA POSIÇÃO DA AMNISTIA INTERNACIONAL PORTUGAL

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

Liga Nacional Contra a Fome

DILMA MARIA DE ANDRADE. Título: A Família, seus valores e Counseling

Intervenção do Secretário Regional da Presidência Apresentação do projecto Incube = Incubadora de Empresas + Júnior Empresa.

20º. COLÓQUIO DA ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES CATÓLICOS [APC] Os 20 anos dos Colóquios APC. Cristina Nobre: Duas décadas revisitadas

Núcleo Fé & Cultura PUC-SP. A encíclica. Caritas in veritate. de Bento XVI

Procriação Medicamente Assistida: Presente e Futuro Questões emergentes nos contextos científico, ético, social e legal

O que a Bíblia diz sobre o dinheiro

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Valorizar os produtos da terra. Melhorar a vida das nossas aldeias. documento síntese para consulta e debate público 9 Fev 2015

SESSÃO DE ABERTURA DA XVII ASSEMBLEIA GERAL DO CONSELHO MUNDIAL DAS CASAS DOS AÇORES

1.1. REDE SOCIAL EM PROL DA SOLIDARIEDADE

2.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono - 2.º CIHEL

Os Parceiros Sociais têm desempenhado uma verdadeira missão de serviço público, a qual, nem sempre, tem sido devidamente reconhecida pelos Governos.

POR UM SINDICATO MAIS FORTE NAS ESCOLAS E COM OS PROFESSORES

FILOSOFIA SEM FILÓSOFOS: ANÁLISE DE CONCEITOS COMO MÉTODO E CONTEÚDO PARA O ENSINO MÉDIO 1. Introdução. Daniel+Durante+Pereira+Alves+

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Educação para os Media e Cidadania

Uma globalização consciente

INSTITUTO SECULAR PEQUENAS APOSTOLAS DA CARIDADE

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 10 de Junho de 2010

Economia cresce (pouco) em 2012 graças ao consumo. Crescerá mais só quando o investimento despontar

F ONT I S. Carla Valéria Siqueira Pinto da Silva

Discurso do Comissário Hahn, Lisboa, 11/4/2014. Senhor Presidente, senhor Primeiro-Ministro, senhores Ministros, caros amigos,

De acordo com a definição dada pela OCDE,

EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA E AS NOVAS ORIENTAÇÕES PARA O ENSINO MÉDIO

DIREITOS HUMANOS UMA LACUNA NO TRATADO DE AMIZADE LUSO-BRASILEIRO?

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados Senhora e Senhores Membros do Governo

Os Segredos da Produtividade. por Pedro Conceição

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Estratégias para promover a transparência. ncia. ção da corrupçã Brasília, 14 de Junho de Seminário Brasil Europa de prevençã

SEMINÁRIO MAXIMIZAÇÃO DO POTENCIAL DA DIRETIVA SERVIÇOS

PLANO ESTRATÉGICO (REVISTO) VALORIZAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA, ATRAVÉS DE UMA ECONOMIA SUSTENTÁVEL

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DO TRABALHO, EMPREGO E SEGURANÇA SOCIAL

NOTA INTRODUTÓRIA. Urgência/Emergência pág. 1 de 6

TIPOS DE RELACIONAMENTOS

COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS E IDENTIDADE ACADÉMICA E PROFISSIONAL

GRUPO VI 2 o BIMESTRE PROVA A

Carta Verde das Américas 2013

Proposta para a construção de um Projecto Curricular de Turma*

ESTRATÉGIAS CORPORATIVAS COMPARADAS CMI-CEIC

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

1. Tradicionalmente, a primeira missão do movimento associativo é a de defender os

UM FUTURO VIRADO AO RIO. Convenção Autárquica do PS Lisboa. 20 Junho :00. Pavilhão do Conhecimento Parque das Nações

1-O que é Contexto normativo Articulação com outros instrumentos Conteúdos do projeto educativo Diagnóstico estratégico..

POLÍTICA DE DIVERSIDADE DO GRUPO EDP

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UM DESAFIO PARA A IGUALDADE E AUTONOMIA

AGENDA. Da Globalização à formulação de uma estratégia de Crescimento e Emprego para a União Europeia.

Seminário Energia e Cidadania 23 de Abril de 2009 Auditório CIUL

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MÉDICOS DE SAÚDE PÚBLICA

Mosaicos #7 Escolhendo o caminho a seguir Hb 13:8-9. I A primeira ideia do texto é o apelo à firmeza da fé.

As religiões na escola

CARTA INTERNACIONAL. Indice:

Minhas Senhoras Meus Senhores,

EVOLUÇÃO DA POLÍTICA EUROPEIA DE AMBIENTE

O SR. ELIMAR MÁXIMO DAMASCENO. (PRONA-SP) pronuncia o seguinte discurso: Senhor. Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, é mais

Vítor Caldeira. Presidente do Tribunal de Contas Europeu

Transcrição:

Mensagem do 1º de Dezembro de 2003 Por S.A.R. O Duque de Bragança 1

Neste mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, finalmente elevado a Panteão Nacional, é para mim uma responsabilidade e uma honra falar junto ao túmulo do Rei Fundador da Nacionalidade e da Casa Real que represento e chefio. Quero deste modo prestar também uma homenagem à Capital da Cultura, esta tão bela e histórica cidade de Coimbra, verdadeira alma mater do saber nacional ao longo de tantos séculos. Aqui e agora, é de justiça lembrar quantos, seguindo o exemplo de Dom Afonso Henriques, durante nove séculos sacrificaram as suas vidas pela nossa liberdade e pela independência da nossa Pátria. Entre eles distingo a figura notável de D. Nuno Álvares Pereira, cuja causa de canonização começada em 1641 foi, felizmente retomada este ano pelo Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa. Os ideais a que o Santo Condestável dedicou a sua vida, constituem um esclarecido exemplo para a nossa época. Olhando o horizonte que nos cerca, avulta neste momento a questão da nossa adesão à denominada Constituição Europeia, que a meu ver não pode nem deve ser um cheque em branco aos eurocratas! A verdade é que o texto que nos é proposto não traduz nem a natureza nem o sentido, nem os limites da soberania que restará aos estados membros, que correm sério risco de dissolução. Europa é um conjunto de Nações, e a edificação da sua unidade não pode nunca fazer-se tentando apagar ou diluir esta realidade que constitui a sua maior riqueza. A Europa não é um território indiferenciado, mas um mosaico de povos e Nações, com culturas próprias, harmoniosamente diferenciadas pelas suas línguas, histórias pátrias e identidades nacionais. O processo de unificação europeia deve respeitar esta enorme diversidade, se quer ser, como proclama, um processo de enriquecimento europeu. Desta afirmação decorre a necessidade de evitar todas as opções que contribuam para o seu apagamento. Se é certo que é urgente acelerar e tornar mais ágil e eficaz o processo de decisão, sobretudo com as 2

perspectivas de alargamento, é fundamental ter presente que a unificação não se faz por processos e medidas administrativas; mas por avanços políticos que traduzam a realidade negociada que foi sempre a Europa ao longo da sua história. Por exemplo:... A eleição de um Presidente do Conselho Europeu não poderá vir a constituir um meio de controlo dos grandes países sobre os pequenos? Ou fragmentário do ponto de vista político?... E que subordinação da vontade própria, expressa na constituição, possa vir a ser posta em causa? Este projecto devia ser mais conhecido e precisa de ser mais debatido pelos portugueses, para sobre ele se virem a pronunciar com conhecimento de causa e sentido de responsabilidade. Portugal embora sendo uma pequena parte desta grande Europa, deu importantes contributos ao longo da História para a sua projecção mundial, e muito tem ainda a dar para o seu desenvolvimento futuro. A Europa, todos o sabemos, deve a sua identidade a valores estruturantes que a configuraram culturalmente, entre os quais avultam os do Cristianismo. Não se pode entender o que é a Europa sem o contributo do Cristianismo e sem a afirmação do valor da pessoa humana e dos seus direitos e deveres que informam o humanismo, traço essencial da nossa cultura comum. Independentemente das nossas convicções em matéria religiosa, não podemos deixar de secundar os insistentes apelos de Sua Santidade o Papa João Paulo II para a inclusão, no Tratado Constitucional Europeu, da matriz cristã para a identificação da cultura europeia. Por outro lado, a identidade nacional, que exigimos seja respeitada no Tratado Constitucional, impõe que sejamos nós próprios a preservá-la e a cultivá-la também, desde os valores culturais designadamente o património tão amargamente abandonado, até às vertentes paisagísticas e ambientais. Assume particular gravidade a degradação progressiva do nosso 3

ordenamento territorial, e muito particularmente a crescente desertificação do interior do país, e o abandono a que vai sendo votado o mundo rural. Além do mais a paisagem é um elemento determinante para o nosso desenvolvimento social e económico especialmente centrado no turismo, como forma de compensar uma economia com baixa especialização tecnológica e deficientes índices de trabalhadores qualificados. Não podemos esquecer também o mar com todas as suas potencialidades económicas e geo-estratégicas específicas, aquele mesmo mar a que devemos a independência e subsistência histórica como nação, que inspira a nossa maneira de ser e de estar no mundo. Foi pelo mar que nos ligamos ao mundo e que rasgámos novos horizontes à Europa, comunicando com povos de outros continentes. O aprofundamento das relações com a Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa não só não é incompatível com o desenvolvimento da União Europeia como, pelo contrário, o justifica e fundamenta. Portugal, é opinião corrente, está a atravessar momentos de crise grave. Os indicadores do nosso desenvolvimento económico revelam que nos distanciámos dos demais países da União Europeia, em vez de nos aproximarmos. A sociedade portuguesa tem sido sacudida pela revelação de escândalos que abalam a confiança dos portugueses nas instituições públicas e nos seus representantes. O país foi devastado no último verão por calamitosos incêndios que para além de dizimarem vastas áreas de floresta e vitimarem pessoas e bens, mau grado o denodado esforço de tantos portugueses, revelaram carências na nossa capacidade de enfrentar semelhantes flagelos, pondo simultaneamente em evidência, deficiências do ordenamento do território e de organização indispensáveis para enfrentar com eficácia catástrofes como esta. A desmedida defesa de interesses particulares, sem olhar a sua subordinação ao interesse público e ao bem comum, dificulta a partilha de desígnios nacionais mobilizadores. Multiplicam-se gestos e 4

manifestações de desrespeito da legalidade. Um vento de descrença e de desânimo parece varrer a nossa vida colectiva, agudizada pela tradicional propensão para maledicência. Os portugueses precisam de confiar em si próprios e nas suas capacidades de realização e de afirmação. Os portugueses de hoje não são diferentes dos portugueses de sempre. A crise que atravessamos, para além dos seus aspectos económicos e sociais, é sobretudo uma crise moral e da moral, uma crise de valores e de auto-estima. Está implantado um sistema propulsor da facilidade em vez do esforço, da abdicação em vez do empenho, do trivial em vez da excelência. Quando o horário da oferta lúdica concorre com o do trabalho é sinal que algo está errado numa sociedade que afinal se compraz nos festejos e gastos sumptuários e que descura o essencial e vital para a saúde da nação. Uma sociedade que considera os reformados como um peso na economia em vez de os honrar com a gratidão pelo trabalho prestado ao longo de uma vida inteira e informa com displicência que cada um cuide de si porque escasseiam os fundos para as pensões, parece-me ser tudo isto sinal de uma verdadeira crise que não posso calar. Lembro mais uma vez a necessidade de rever o texto constitucional no sentido de permitir aos portugueses a escolha livre e democrática do regime que melhor sirva Portugal. Por mim, assumo as palavras que meu Pai uma vez proferiu: Não sou monárquico por ser príncipe, sou monárquico por convicção Neste Primeiro de Dezembro, em que comemoramos a Restauração de Portugal, ocorrida em tempos de decadência e de desalento de tantos, saibamos reconduzir o país sem tibiezas nem complexos ao estatuto da sua dignidade e ao horizonte de progresso que merece e que devemos ao futuro. Viva Portugal! Dom Duarte de Bragança 5