AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARS



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Transcrição:

EXMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE FAMÍLIA, INFÂNCIA E JUVENTUDE E IDOSO DA COMARCA DE SÃO PEDRO DA ALDEIA - RJ Ref. MPRJ 2014.00969959 (Inquérito Civil). O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pela 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de São Pedro da Aldeia, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, vem perante Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 127, caput da Constituição Federal de 1988 e 201, V da Lei 8069/90, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARS em face de: 1

1) MUNICÍPIO DE SÃO PEDRO DA ALDEIA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na rua Marques da Cruz, nº 61, Centro, nesta Comarca, na pessoa de seu representante legal, na forma do art. 12, II do Código de Processo Civil e 2) MISSÃO DE SÃO PEDRO HOSPITAL MATERNIDADE DA ALDEIA, inscrita no CNPJ sob o nº 32.103.673/0001-63, com sede na Avenida Getúlio Vargas, nº 290, Centro, nesta cidade, representado pelo Sr. ALBERTO LUIS DA COSTA MARTINS, portador da carteira de identidade nº 06771845-2 IFP/RJ, inscrito no CPF nº 915.077.407-78, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos: 1. LEGITIMIDADE ATIVA: A Constituição da República estabelece, em seu art. 129, incisos II e III, como função institucional do Ministério Público: (...) II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (...) A presente demanda tem por escopo demonstrar a violação, pelos Réus, de direitos fundamentais das crianças e 2

adolescentes do Município de São Pedro da Aldeia, tal qual preconizado pela Carta Magna, pelo que, mostra-se evidente a legitimidade do autor. 2. COMPETÊNCIA: Conforme será alinhavado nos tópicos seguintes, o objetivo da presente demanda é garantir o cumprimento do disposto nos arts. 7º e 8º da Lei 8069/90, haja vista sua flagrante violação pelos Réus. Assim, tratando-se de ação civil fundada em interesse difuso afeto à criança e ao adolescente, esse Juízo é competente para conhecê-la (de forma absoluta), conforme preconizam os arts. 148, inciso IV e 209 da Lei 8069/90. 3. FUNDAMENTOS FÁTICOS: O Primeiro Réu, Município de São Pedro da Aldeia realiza a gestão plena dos recursos necessários ao exercício da política nacional de saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Nessa condição, o Município Réu atua diretamente no atendimento, bem como no credenciamento dos prestadores de serviços. 3

Consoante se observa da leitura do documento acostado às fls. 61/72, dos autos em epígrafe, o Município de São Pedro da Aldeia celebrou o convênio nº 01/2014, com o segundo réu, Missão de São Pedro Hospital Maternidade da Aldeia. Constitui objeto do aludido convênio, dentre outros, a realização de partos, através da rede SUS, impondo-se registrar que o segundo réu é a única entidade que presta esse tipo de serviço, através da rede SUS, no município de São Pedro da Aldeia. No dia 18 de julho de 2014 foi a óbito a criança Lucca Bittencourt Lopes Cardoso, com 03 (três) dias de vida, em decorrência de complicações em seu parto, que foi realizado na MISSÃO DE SÃO PEDRO HOSPITAL E MATERNIDADE DA ALDEIA. Tal fato está sendo investigado pelo Ministério Público, através da 3ª Promotoria de Justiça desta Comarca, em virtude de suspeita de prática dos crimes de homicídio culposo e omissão de socorro seguida de morte. No curso da investigação criminal, foi noticiado ao Ministério Público que não há garantia de médico pediatra e de acompanhante para as gestantes, nos partos realizados através da rede SUS, na entidade MISSÃO DE SÃO PEDRO HOSPITAL E MATERNIDADE DA ALDEIA. 4

Diante da aludida irregularidade, foi instaurado o Inquérito Civil em epígrafe, no âmbito desta Promotoria de Justiça, que possui atribuição para a tutela coletiva da criança e do adolescente. Objetivando confirmar e solucionar os graves problemas noticiados, foi inicialmente realizada a oitiva do Diretor Médico do hospital, na presença da advogada da entidade, o qual confirmou a veracidade das denúncias, alegando, in verbis: (...) que os partos realizados pelo SUS só contam com médicos obstetras e anestesista; que não há pediatras porque o declarante não encontra profissional que aceite fazer sala de parto pelo SUS, haja vista o reduzido valor que lhe seria pago; que o município também não disponibiliza esse tipo de profissional; que nos partos efetuados com pacientes da rede privada, existe uma equipe externa, vinculada a um plano de saúde ou paga diretamente pela gestante (...) (...) que ao ser indagado sobre a presença de acompanhante para gestante, antes, durante e após o parto, o declarante informou que, antes e após o parto, normalmente é permitida a presença de acompanhante, mas que o espaço físico não é adequado e por isso, quando o acompanhante é do sexo masculino fica praticamente inviável; que durante o parto não é permitido acompanhante por conta de uma limitação física (...) (fls. 42/44). 5

Confirmada a irregularidade, foi realizada reunião, na sede desta Promotoria, que contou com a presença: do Secretário Municipal de Gestão Estratégica, da Controladora Geral do Município, da Secretária Municipal de Saúde, de uma Procuradora do Município, do Administrador do Hospital e da advogada do Hospital. A partir de uma perfunctória análise da ata da mencionada reunião (acostada às fls. 57/58) é fácil constatar que todos os presentes estavam cientes das irregularidades existentes, sendo que a Secretária Municipal de Saúde se comprometeu a informar ao Ministério Público, em um prazo de 15 dias, quais as providências seriam adotadas para a solução dos problemas, após manter contatos com representantes da Secretaria de Estado de Saúde, bem como com o segundo réu. Decorrido o prazo estipulado, foi remetido ao Ministério Público o lacônico ofício acostado à fl. 73 (instruído com as cópias de fls. 74/75), através do qual é afirmado, em apertada síntese, que foi feita uma proposta de pagamento de pediatras, para a maternidade, a qual não teria sido respondida, pelo que, a Secretaria estaria aguardando a resposta... Na mesma data, foi entregue no Ministério Público, pelo Diretor da Maternidade, cópia de ofício encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde, dando conta da inviabilidade de adoção da proposta aventada pelo Município, com uma nova sugestão para solução do problema (fl. 76). 6

Enfim, o problema não foi resolvido. Evidenciada a omissão para a solução do problema e indiciada a ausência de intenção em fazê-lo, o Autor, sopesando a gravidade do fato, a relevância do serviço em comento e o consequente dano que poderia ser causado aos Munícipes com a sua eventual interrupção, decidiu expedir Recomendação ao Exmo Senhor Prefeito Municipal, com entrega pessoal, em cujo bojo foi descrito todo o histórico ora narrado e concedido o prazo de 20 dias para solução da questão (fls. 80/84 e 89/90). Infelizmente, ultimado o segundo prazo, o Município Réu, mais uma vez, apresentou resposta evasiva, limitando-se a informar que: (...) já solicitou a convocação e posse, com urgência, dos médicos pediatras aprovados no concurso público realizado por esta Municipalidade no ano passado (...) (fl. 91). Ou seja, acaso haja pediatras aprovados no último concurso, acaso os aprovados sejam convocados, acaso os convocados sejam nomeados, empossados e ingressem em exercício e, por fim, sejam designados para exercer suas funções na maternidade, talvez o problema seja solucionado... 7

Assim, impõe-se concluir que a garantia de pediatras nos partos da rede SUS, no Município de São Pedro da Aldeia, está sujeita e inúmeras condições, bem como que tal realidade implica na manutenção desse grave problema por tempo indeterminado. 4. FUNDAMENTOS JURÍDICOS: Dispõe o art. 18, da Lei 8080/90: Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete: I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde; (...) X observado o disposto no art. 26 desta Lei, celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução; (...) Ou seja, no verdadeiro jogo de empurra evidenciado no caso em comento, olvida-se o Primeiro Réu de seu dever de executar a política nacional de saúde, seja diretamente, seja através de contratos ou convênios, os quais não são hábeis a transferir a responsabilidade para os contratados/conveniados. 8

Da mesma forma, o segundo Réu, na medida em que firmou convênio com o Município para prestação do serviço, submetese às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, a teor do disposto no art. 26, parágrafo 2º do diploma legal já mencionado. Assim, também não se mostra admissível que se omita no cumprimento (a contento) da obrigação assumida, sem adotar qualquer providência para solucionar a questão ou rescindir o convênio. Nos termos da Portaria do Ministério da Saúde GM/MS nº 569, de 1º de junho de 2000, que instituiu o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (fls. 22/32 do Anexo I, dos autos em epígrafe), toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e segura, de acordo com os princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo II desta Portaria ; GM/MS nº 569, de 1º de junho de 2000, in verbis: Por sua vez, consta no Anexo II da Portaria Para a adequada assistência à mulher e ao recém-nascido no momento do parto, todas as Unidades Integrantes do SUS têm como responsabilidades: (...) 6. garantir a presença de pediatra na sala de parto; 9

(...) Ademais, por força do disposto na Lei 11.108, de 7 de abril de 2005, foi inserido o art. 19-J na Lei 8080/90, com a seguinte dicção: Art. 19-J Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. 1º - O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. Atendendo ao disposto no parágrafo 2º da Lei 11.108, foi expedida a Portaria nº 2.418/GM de 2 de dezembro de 2005, objetivando sua regulamentação, a qual está acostada, por cópia, à fl. 40 do Anexo I, dos autos em epígrafe. Como cediço, a assistência à saúde, constitui consectário lógico do direito fundamental à vida e deve ser assegurada com prioridade absoluta à população infantojuvenil, em observância ao disposto no art. art. 227, caput da Constituição da República. 10

O dispositivo constitucional em comento estabelece o chamado Princípio da Prioridade Absoluta, que se resume na garantia constitucional de primazia na tutela dos direitos da criança e do adolescente, em detrimento de quaisquer outros. Na esteira da previsão Constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente regulou a matéria de forma específica, estabelecendo, em seu art. 7º, que a criança e o adolescente têm direito a proteção a vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência Digno de registro, outrossim, que o Estatuto assegura à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. (art. 8º). Em se tratando de política pública destinada à criança e ao adolescente, sua formulação e execução devem ser prioritárias, com destinação privilegiada de recursos, não apenas em razão do preceito Constitucional já mencionado, como também pela expressa dicção do art. 4º, parágrafo único, alíneas c e d do ECA. Enfim, diante do verdadeiro cabedal normativo ora minudenciado, resta insofismável o direito à presença, nos partos realizados através da rede SUS, de médico pediatra na sala de parto, bem como de acompanhante durante o trabalho de parto, no parto em si e no pós-parto. 11

5. FUNDAMENTOS PARA A CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA: Consoante o acima narrado, bem como os documentos que instruem a presente peça, exsurge a verossimilhança das alegações, consubstanciada no chamado fumus boni iuris. impõem-se algumas considerações: Relativamente ao periculum in mora, Conforme já noticiado nesta peça, no mês de julho de 2014 foi a óbito um bebê, com apenas 03 (três) dias de vida, em decorrência de complicações em seu parto, que foi realizado nas dependências do Segundo Réu; fato que está sendo investigado pela 3ª Promotoria desta Comarca, em razão de indícios de prática de crime. Tal fato foi amplamente divulgado através da imprensa local, tendo sido acostada a estes autos cópia de uma das reportagens jornalísticas (fls. 09/13). A médica obstetra que realizou o parto da aludida criança, Dra. Giovanna Tardelli Correa, foi ouvida no Ministério Público e afirmou, in verbis: 12

que nascida a criança, a depoente diagnosticou que o bebê estava hipoativo e hipotônico, ou seja, com tônus muscular diminuído; que a depoente prestou os primeiros cuidados ao bebê em conjunto com uma das enfermeiras (...)que a depoente não é pediatra e não soube avaliar a evolução da criança; (...) que não havia pediatra no hospital no momento do parto e no pós-parto (fls. 33/34). Enfim, se por um lado (a toda evidência) esta não é a seara própria para apuração deste episódio, noutra vertente, não há como negar que os fatos falam por si, ou seja: O parto do falecido bebê foi realizado sem a presença de pediatra e este profissional, evidentemente, poderia ter mudado o rumo de sua história. É bem certo que o episódio ora descrito consistiu em um fato isolado, bem como que inúmeros partos vêm sendo realizados, nas dependências da 2ª Ré, sem a presença de pediatra. Tal evidência é facilmente justificada porque o nascimento constitui um fato natural e um pressuposto para a vida, acontecendo, ordinariamente, sem maiores intercorrências. Entrementes, como toda criança tem direito ao nascimento em condições dignas de existência, a manutenção da situação atual vulnera o princípio Constitucional da igualdade, na medida em que 13

aqueles que necessitarem de atendimento especializado ao nascer, terão o seu direito ao nascimento flagrantemente violado. Assim, evidenciada está a necessidade de deferimento de ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, sendo certo que o prévio cumprimento do disposto no art. 2º da Lei 8437/92 só prejudicará ainda mais os titulares do direito violado, admitindo a Jurisprudência Pátria o seu afastamento em situações emergenciais, como a presente: 2007.002.29635 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. RONALDO ROCHA PASSOS - Julgamento: 14/01/2009 - TERCEIRA CAMARA CIVEL EMENTAAGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR DEFERIDA SEM A OITIVA DO REPRESENTANTE JUDICIAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. ART. 2º, DA LEI Nº 8437/92. REQUISITO QUE NÃO É ABSOLUTO EM CERTOS CASOS DE NATUREZA GRAVE.Precedentes jurisprudenciais congregam entendimento no sentido de que o art. 2º, da Lei nº 8437/92, não se trata de requisito de observância absoluta, se o caso exige pronta e imediata atuação do Estado e revela risco de dano grave.na hipótese, foi observado pelo ilustre Juiz processante que se trata de "quatro crianças portadoras de transtorno mental, além de oito adultos, sem referencial familiar [.]", e que o "único estabelecimento do Município que aceita, em sistema de abrigamento, crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais é justamente a Ação Cristã Vicente Moretti, sendo certo que as três adolescentes (-) e a criança (-) que hoje permanecem no abrigo foram completamente abandonadas por seus parentes e não possuem qualquer referencial familiar."a leitura do dispositivo do art. 227, da CF e a situação dos seres humanos constatada pelo culto Magistrado são mais do que suficientes para justificar em garantir de amparo legal a liminar ora questionada, logo revelam o fumus boni iuris e o periculum in mora, notadamente porque tais pessoas já se encontram sob a guarda e proteção do Estado e porque é sua obrigação assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à dignidade, ao respeito, à convivência comunitária etc.precedentes jurisprudenciais desta Eg. Corte.RECURSO QUE SE NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC. (grifo nosso). 14

Diante disso, com fulcro no art. 213, parágrafo primeiro da Lei 8069/90, requer o Parquet a concessão de TUTELA ANTECIPADA, determinando-se aos Réus (através de intimação pessoal do Prefeito Municipal e do representante legal do Hospital Maternidade da Aldeia) inaudita altera pars que, no prazo máximo de 20 (vinte) dias, adotem as providências cabíveis para que os partos realizados através da rede SUS, em São Pedro da Aldeia, ocorram em consonância ao determinado na Portaria do Ministério da Saúde GM/MS nº 569, de 1º de junho de 2000, que instituiu o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, NOTADAMENTE NO QUE TANGE À GARANTIA DE PRESENÇA DE PEDIATRA NA SALA DE PARTO E DE ACOMPANHANTE JUNTO À PARTURIENTE, INDICADO POR ESTA, DURANTE TODO O PERÍODO DE TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓS-PARTO IMEDIATO SOB PENA DE: A) Pagamento, pelo Primeiro Réu, de multa diária no valor de 10 (dez) salários-mínimos, a ser revertida, na forma do art. 214, caput, do ECA, ao fundo gerido pelo CMDCA-São Pedro da Aldeia; B) Suspensão do convênio celebrado entre os Réus, relativamente à realização de partos pela rede SUS; 6. PEDIDOS: Ministério Público: Em razão de todo o exposto, requer o 15

a) Seja esta petição inicial recebida, registrada, autuada e distribuída para a Vara de Família, Infância, Juventude e Idoso desta Comarca, dada a sua competência absoluta para a matéria, consoante previsto nos arts. 148, inciso IV e 209 da Lei 8069/90; b) - Seja DEFERIDA A TUTELA ANTECIPADA pleiteada, em razão dos fundamentos já expostos no item 4; c) Sejam os Réus citados, nos termos do art. 172 do CPC, para, querendo, contestarem a presente, sob pena de revelia e, no mesmo ato, seja também intimados dos termos da decisão de concessão de tutela antecipada; d) Seja julgado PROCEDENTE O PEDIDO, confirmando-se a TUTELA ANTECIPADA pleiteada, sob pena de multa diária por descumprimento, nos mesmos moldes descritos no item 4 supra; e) Sejam os Réus condenados a pagar honorários advocatícios ao Fundo Especial do Ministério Público; f) - Sejam as multas eventualmente impostas revertidas ao fundo municipal gerido pelo CMDCA, consoante o disposto no art. 214 da Lei 8069/90. Protesta pela produção de todas as provas admitidas em direito, mormente testemunhal (rol a seguir) e documental superveniente. 16

de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Dá-se à causa, de valor inestimável, o valor Para efeitos do art. 39, I, do Cód. Proc. Civil, indica o gabinete da 2ª Promotoria de Justiça de São Pedro da Aldeia situado à rua Hermógenes Freire da Costa, nº 22, salas 03, 04 e 05, Centro, nesta Comarca. Informa, por derradeiro, que a presente peça está instruída com os autos do Inquérito Civil MPRJ 2014.00969959 (autos principais e Anexo I) ROL DE TESTEMUNHAS: 1) GIOVANNA TARDELLI CORREA, médica ginecologista e obstetra; 2) ANTÔNIO MORES GIL, Diretor Médico do hospital e maternidade da Aldeia. (ambas a serem intimadas na sede da 2ª Ré) São Pedro da Aldeia, 16 de janeiro de 2015. Luciana Nascimento Pereira Promotora de Justiça 17