DEPARTAMENTO DE DIREITO



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Transcrição:

DEPARTAMENTO DE DIREITO O INGRESSO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: A PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL E A CONSTITUCIONALIDADE DO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA por LIVIA RIBEIRO VERONESI MARINHO ORIENTADOR(A): Daniela Vargas 2008.1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO RUA MARQUÊS DE SÃO VICENTE, 225 CEP: 22453-900 RIO DE JANEIRO - BRASIL

O INGRESSO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: A PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL E A CONSTITUCIONALIDADE DO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA por LIVIA RIBEIRO VERONESI MARINHO Monografia apresentada ao Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador(a): Daniela Vargas 2008.1

Para Mara Lucia e José Carlos, meus pais queridos, com muito amor.

Agradecimentos Gostaria de agradecer aos meus pais, Mara Lúcia e José Carlos, por me amarem incondicionalmente, aos meus irmãos, Carolina e Pedro, por me ensinarem a dividir e a lutar pelas minhas coisas quando preciso, à minha Vó querida, Maria da Penha, por ser tão especial. Obrigada também às minhas amigas de faculdade, Paula, Monique, Sabrina e Camila, que me dão apoio há quatro anos e tornam as aulas muito mais divertidas. Agradeço, ainda, à minha orientadora, Daniela Vargas.

Existe uma cidadania internacional que tem seus direitos, seus deveres e que se empenha em erguer-se contra todos os abusos do poder, qualquer que seja seu autor, quaisquer quer sejam as vítimas. Afinal de contas, somos todos governados e, a este título, solidários. Michel Foucault

Resumo O presente trabalho tem como objetivo fazer um levantamento das posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca da problemática envolvendo o conflito entre o Pacto de San José da Costa Rica, mais especificamente o seu artigo 7, inciso 7, e a legislação brasileira, no que diz respeito a prisão civil do depositário infiel, bem como a dos devedores a ele equiparados legalmente. Inicialmente será feita uma análise das teorias de diversos doutrinadores de peso no pensamento jurídico brasileiro visando estabelecer a forma de ingresso dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, bem como o patamar hierárquico por eles ocupados. Além disso, iremos verificar de que forma as mudanças nas legislações brasileiras influenciam nestas abordagens doutrinárias. Será feita, ainda, uma pesquisa de decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para se verificar como o conflito de normas envolvendo a prisão do depositário infiel vem sendo resolvido na prática. São palavras-chave desta monografia: tratado internacional; direitos humanos; prisão civil; depositário infiel; Pacto de San José da Costa Rica.

Sumário Lista de abreviações... 7 Introdução... 8 1. Ingresso dos Tratados Internacionais no Ordenamento Jurídico Brasileiro... 11 1.1 - As teorias dualista e monista... 12 1.2 - Posição hierárquica ocupada pelos Tratados Internacionais no ordenamento jurídico brasileiro... 15 1.2.1 - O Pacto de San José da Costa Rica e os Códigos Civil de 1916 e de Processo Civil de 1973... 19 1.2.2 - O Pacto de San José da Costa Rica e o Código Civil de 2002... 20 1.2.3 - O 3 do artigo 5 da Constituição Federal incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004... 21 2. A possibilidade da prisão do depositário infiel e a constitucionalidade do Pacto de San José da Costa Rica... 26 2.1. O entendimento do Supremo Tribunal Federal... 29 2.2. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça... 44 2.3. Comparação das posições jurisprudenciais do STF e do STJ... 51 Conclusão... 54 Bibliografia... 56

Lista de abreviações AC Apelação Cível AgR Agravo Regimental art. artigo arts. artigos CC Código Civil CCivil Código Civil CF Constituição Federal CPC Código de Processo Civil CR Carta Rogatória EC Emenda Constitucional Decr. Decreto HC Habeas Corpus n. - número ONU Organização das Nações Unidas RE Recurso Extraordinário REsp Recurso Especial RHC Recurso Ordinário em Habeas Corpus S.A. Sociedade Anônima STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça

Introdução O constante desenvolvimento da sociedade ao longo da história produz diversos reflexos no Direito. No atual nível de globalização, é possível observar que ações praticadas por um Estado, tanto no âmbito interno como no externo, podem repercutir no cenário internacional, já que diversos problemas transcendem fronteiras nacionais. Neste contexto, o desenvolvimento acelerado do Direito Internacional é assunto de grande relevo. O Estado deve estar voltado para uma cooperação internacional e não fechado para si mesmo e a ratificação de tratados internacionais mostra um avanço para um sistema mais integrado, fundado nas relações envolvendo os sujeitos de Direito Internacional. Soma-se a isso o fato de que a adesão a estes instrumentos jurídicos representa um ponto positivo na busca de legitimidade e credibilidade no plano externo, servindo de referência para outros Estados na comunidade internacional. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo abordar o ingresso do tratados internacionais no Direito Interno e o patamar hierárquico ocupados por eles no ordenamento jurídico brasileiro. Trataremos, mais especificamente, do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), bem como sua aplicabilidade frente as normas pátrias, e da prisão do depositário infiel. O tema abordado não é pacífico. Ele tem sido fruto de discussões tanto na doutrina como na jurisprudência. Desta forma, esta pesquisa tem como propósito fazer um levantamento das teorias utilizadas para a solução dos conflitos entre Direito Internacional e Direito Interno, questão abordada por grandes doutrinadores e que é objeto de vários julgados nos tribunais brasileiros e de casos ainda em tramitação. Cabe analisar em quais hipóteses será aplicada a legislação internacional e quando esta será afastada, dando prioridade as normas de direito interno, voltando-se mais especificamente para a aplicação do Pacto

9 de San José da Costa Rica, quando se trata da prisão civil do depositário infiel. Como metodologia, serão observadas diversas teorias, sendo elas divergentes ou não, dos vários autores de peso no pensamento jurídico brasileiro. Em primeiro lugar, ensinamentos como os de Carlos Roberto Siqueira Castro, José Afonso da Silva André de Carvalho Ramos, Nadia de Araújo, Antônio Augusto Cançado Trindade apresentam suporte para se abordar o ingresso do tratados internacionais no Direito Interno e o patamar hierárquico ocupados por eles no ordenamento jurídico brasileiro. No âmbito da prisão do depositário infiel e do Pacto de San José da Costa Rica Inácio de Carvalho Neto, Valério de Oliveira Mazzuoli, Flávia Piovesan se mostram de grande importância no debate estabelecido. Fará-se, ainda, referência a posições de Tribunais e magistrados brasileiros para que se possa entender melhor como o tema é abordado na prática e que soluções estão sendo dadas acerca destes conflitos envolvendo as normas de Direito Interno e o artigo 7, inciso 7 do Pacto de San José da Costa Rica. Além disso, será investigada a aplicação da legislação brasileira, tanto a Constituição Federal, como os Códigos Civis de 1916 e de 2002 e o de Processo Civil. Além disso, será analisado o Decreto-Lei 911/1969. Para tal, a presente monografia tratará, em seu capítulo 1, do ingresso dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, passando pelas teorias monista e dualista que tratam do conflito entre normas do Direito Internacional e do Direito Interno. Analisaremos, ainda, a posição hierárquica ocupada por esse tratado no Direito pátrio, além do conflito entre o Pacto de San José da Costa Rica e a legislação brasileira, levando também em consideração as mudanças trazidas pelo Novo Código Civil e pela Emenda Constitucional n. 45/2004 ao se tratar da prisão do depositário infiel. Já no segundo capítulo, será analisadas a possibilidade da prisão civil do depositário infiel e a constitucionalidade do Pacto de San José da Costa

10 Rica. Com a ratificação pelo Brasil deste tratado internacional 1992, se observa um grande debate envolvendo ele e o artigo 5, LXVII da Constituição Federal, mais especificamente a prisão civil do depositário infiel, já que não há duvidas quanto a possibilidade da prisão civil do devedor de alimentos. Será feita uma pesquisa acerca das posições adotadas pelo Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, bem como uma comparação entre as decisões de ambos tribunais ao longo do tempo. Isto exposto, se busca uma teoria que se pareça a mais correta, devendo ser analisadas diversas posições e os argumentos em que elas se baseiam.

1 - Ingresso dos Tratados Internacionais no Ordenamento Jurídico Brasileiro A celebração e a ratificação dos tratados e seu ingresso no ordenamento jurídico brasileiro é fruto de um ato complexo que conjuga a vontade do Chefe do Poder Executivo e a do Congresso Nacional. A Constituição Federal, em seu artigo 84, VIII, atribui competência privativa ao Presidente da República para celebrar tratados, convenções ou atos internacionais, ficando eles sujeitos ao referendo do Congresso Nacional. Já o artigo 49, I da CF, confere ao Congresso Nacional competência exclusiva para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Tendo sido aprovado o tratado, por Decreto Legislativo, cabe ainda a ratificação pelo Presidente da República. Se os tratados e convenções internacionais são os contratos dos Estados, que têm por fim estabelecer entre estes relações obrigatórias, o certo é que os respectivos governos não se reconhecem obrigados por eles senão depois de terem ratificado. [...] Até o momento da ratificação, o que há é um tratado assinado, mas ainda não aprovado. Não basta, em verdade, que o firmem as partes contratantes. A assinatura, por si não lhe dá força obrigatória. Para tanto indispensável é a ratificação, ato solene pelo qual o Chefe de Estado o declara aceito. 1 O tratado, porém, só passa a ter vigência dentro do território nacional após sua promulgação por decreto do Chefe do Poder Executivo e sua publicação. Cabe aqui ressaltar que a necessidade de promulgação dos tratados não se extrai do texto constitucional e sim, da Lei de Introdução do Código Civil, artigo 1 2, que dispõe sobre a necessidade de publicação das leis para que passem a produzir efeitos combinado com o artigo 84, IV da Constituição Federal 3. 1 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da prática brasileira do direito internacional público (período de 1919-1940). Brasília: Escopo Editora, 1984. p. 85. 2 Art. 1 Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada. 3 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.

12 Após ter sido promulgado, se deve analisar que posição hierárquica a norma internacional ocupa no ordenamento jurídico brasileiro. 1.1 - As teorias dualista e monista O conflito entre as normas de direito interno dos Estados e as normas dos Tratados Internacionais é um assunto que tem criado várias discussões na doutrina e na jurisprudência no mundo inteiro. Doutrinariamente, as posições adotadas se agrupam principalmente em duas linhas de pensamento: a teoria dualista e a teoria monista. Nestas teorias se debate a necessidade de um procedimento de internalização da norma internacional na ordem jurídica do Estado signatário e a posição hierárquica adquirida por esta norma dentro ordenamento. A primeira delas, sustentada por Heinrich Triepel, defende que o Direito Internacional e o Direito Interno de cada Estado possuem objetivos próprios, havendo um sistema distinto para cada um desses ordenamentos, fundamentados em fontes jurídicas próprias. Desta forma, por serem ordenamentos jurídicos diferentes, não haveria, inicialmente, conflito entre as normas de Direito Internacional, que disciplinariam as relações entre os Estados, e de Direito Interno, que regulariam as relações entres sujeitos privados e entre estes e o próprio Estado. Para que um tratado passasse a produzir efeitos na ordem do Estado signatário, seria necessária a criação de uma lei específica que determinasse sua incorporação. A norma internacional adquiriria status de norma estatal e, havendo divergência entre normas, a mais recente derrogaria a mais antiga (lex posteriores derogat legi prioli). Observa-se que a principal preocupação dos dualistas é com o processo de internalização dos tratados, que não se daria de forma automática. A teoria monista, defendida principalmente por Hans Kelsen, afirma que o Direito Internacional e o Interno formam um sistema único. O

13 ordenamento jurídico seria um só, com desdobramentos internos e internacionais. Diferentemente dos dualistas, os monistas sustentam que os tratados não precisam passar por um processo de internalização para terem vigência na ordem interna. Sua incorporação seria de forma direta, já que não haveria divisão entre as normas oriundas do próprio Estado e aquelas provenientes de tratados e acordos internacionais. Segundo os defensores desta vertente, havendo conflito entre as normas, ele poderia ser solucionado de três maneiras: com a prevalência do Direito interno sobre o internacional; com a primazia da norma internacional sobre a interna; ou, considerando as duas de mesmo patamar hierárquico, a mais recente deveria prevalecer sobre a mais antiga (monismo moderado) 4. A teoria monista tem seu foco, principalmente, na posição hierárquica que a norma internacional possuiria. Observa-se que para a corrente monista, o ato de ratificação, por si só, irradiaria efeitos jurídicos no plano internacional e interno, concomitantemente - o tratado ratificado obrigaria nos planos internacional e interno. Para a corrente dualista, a ratificação só irradiaria efeitos no plano internacional, sendo necessário ato jurídico interno para que o tratado passe a irradiar efeitos no cenário interno. 5 Ao abordarmos o tema enfocando o Direito Brasileiro, observa-se que não foi adotada especificamente qualquer dessas teorias. A Constituição Federal de 1988 é lacunosa no que diz respeito às relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno. A vigente Constituição brasileira, seguindo nossa tradição constituinte na matéria, e apartando-se do que preceituam alguns outros estatutos supremos mais antigos e de notório prestigio, não versa, direta e abrangentemente, a questão das relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno. Ante a lacuna normativa supralegal, essa inevitável confrontação tem sido há tempos dirimida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e, já agora, com os suprimentos do Superior Tribunal de Justiça, no exercício das competências recursais estatuídas nos artigos 102, III, b, e 105, III, a, da nossa Lei Maior. 6 4 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 83. 5 PIOVESAN, Flávia. Valor Jurídico dos Tratados: Impacto na Ordem Interna e Internacional. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 30 de abril de 2008. p. 14. 6 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição aberta e os direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p. 145.

14 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III julgar, em recurso especial, as causa decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência. As duas teorias são usadas para fundamentar decisões em diversos tribunais, o que mostra que o assunto não é pacifico. Parte da doutrina e da jurisprudência tem defendido que o Supremo Tribunal Federal teria se filiado a um monismo moderado 7, como se observa no RE n. 80.004/SE, de 01 de junho de 1977. Este julgado foi leading case, até 1995 8, do Supremo Tribunal Federal sobre o conflito envolvendo Direito Internacional e Direito Interno. Trata-se de um conflito envolvendo a Lei Uniforme de Genebra, que entrou em vigor em 1966, e uma lei interna, o Decreto-Lei 427/69. Prevaleceu ao entendimento de que os tratados internacionais possuíam status de lei ordinária, aplicado-se a regra lex posterior derrogat legi priori. RE 80004 / SE SERGIPE Relator: Ministro Xavier de Albuquerque Data do julgamento: 01/06/1977 Órgão julgador: Tribunal Pleno EMENTA Convenção de Genebra, Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, aval aposto a nota promissória não registrada no prazo legal, impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do decreto-lei n. 427, de 22.01.1969. Embora a Convenção de Genebra que previu uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela as leis do país, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Dec. Lei nº 427/69, que institui o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto. Recurso extraordinário conhecido e provido. 7 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 99. 8 Esse julgado foi leading case até o julgamento do HC 72.131/RJ, em 22 de novembro de 1995, quando o Plenário voltou a discutir a matéria, tendo agora como ponto principal o conflito entre as normas internas e as internacionais envolvendo a prisão do depositário infiel. Voltaremos a esse debate em momento oportuno.

15 Observa-se, contudo, que no Agravo Regimental na Carta Rogatória 8279, julgado em 17 de junho de 1998, pelo Tribunal Pleno do STF, o Ministro relator Celso de Mello ressalta a necessidade de um processo para que os tratados e convenções internacionais passem produzir efeitos no ordenamento jurídico brasileiro. Afirma que a Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata) 9. Desta forma, defende que o Brasil teria se filiado ao dualismo. 1.2 - Posição hierárquica ocupada pelos Tratados Internacionais no ordenamento jurídico brasileiro Esta matéria apresentou práticas distintas ao longo do tempo, inicialmente pela interpretação da à CF e, em momento seguinte, a partir da promulgação da EC n. 45/2004. Antes da referida Emenda Constitucional, se observava a existência de duas grandes correntes que discorriam acerca da matéria. A primeira delas respalda seu posicionamento no artigo 5, 2º da Constituição Federal. Segundo parte da doutrina e da jurisprudência, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos adquirem status de norma constitucional. Já os tratados internacionais que tratem de matéria diversa da proteção dos direitos humanos ocupam a mesma posição hierárquica das leis ordinárias. Esta é a posição adotada, por exemplo, por Flávia Piovesan e Antônio Augusto Cançado Trindade. A existência desta teoria se justifica na medida em que os tratados de direitos humanos em nada se identificam com os tratados comuns e tradicionais, já que, enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de 9 STF, CR AgR 8279, Relator Celso de Mello, Brasília, 17 de junho de 1998.

16 relações entre Estados partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes, objetivando a salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados. Portanto, as diferenças entre estes tratados, por si só, justificam a existência da diversidade de regimes jurídicos a eles atribuídos. 10 Nos termos do artigo 5º, 2 º da Constituição Federal, os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Com base nessa norma, se tem considerado que os direitos e garantias arrolados na Carta Magna são exemplificativos, tendo a norma em questão caráter aberto, ou seja, possibilita a entrada no ordenamento jurídico de outros direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais que não estejam previstos no texto constitucional. Além disso, o artigo 1º, III da Constituição Federal consagra como sendo fundamento da República Brasileira a dignidade da pessoa humana e o artigo 4º, II da Carta Magna afirma que o Brasil, em suas relações internacionais, rege-se pelo princípio da prevalência dos direitos humanos. Nesse sentido, os direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais recebem tratamento especial, tendo status de norma constitucional. Para Cançado Trindade, cumpre, em nossos dias, no domínio da proteção dos direitos humanos, expressar no direito interno a medida e as conquistas do direito internacional, ao invés de tentar projetar nesse último a medida do direito interno. Importa aqui reduzir a distância ou brecha entre as óticas internacionalista e constitucionalista. Há que ressaltar a necessidade de, no presente contexto, buscar maior concordância entre direito internacional e o direito interno, maior aproximação entre enfoques internacionalista e constitucionalista, e conjunção da realidade interna com as possibilidades e meios de proteção internacional dos direitos humanos. Na verdade verifica-se uma confluência entre direito internacional e direito publico interno, na medida em que constitui objeto tanto de um quanto de outro a extensão ou garantia de proteção cada vez mais eficaz do cidadão, da pessoa humana. 11 Alinhados com essa corrente, diversos países da América Latina dedicam, em suas constituições, dispositivos que regem as relações entre 10 PIOVESAN, Flávia. Valor Jurídico dos Tratados: Impacto na Ordem Interna e Internacional. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 30 de abril de 2008. p. 17. 11 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado Apud CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição aberta e os direitos fundamentais. Editora Forense, 2003. p. 140.

17 Direito Internacional e Direito Interno. A título de exemplo, é possível citar: o artigo 105 da Constituição do Peru de 1979, que atribui às normas de tratados internacionais de direitos humanos hierarquia constitucional; o artigo 46 da Constituição da Guatemala de 1985, que afirma que os tratados de direitos humanos ratificados prevalecem sobre o direito interno; o artigo 5º da Constituição do Chile de 1989; e o artigo 93 da Constituição da Colômbia de 1991 12. Sobre esse ponto, o constitucionalista Carlos Roberto Siqueira Castro afirma que: passada a dura experiência do autoritarismo militar que se abateu sobre muitas nações, verifica-se já uma sadia efervescência do chamado Direito Constitucional Internacional voltado à proteção dos direitos fundamentais do homem. As Constituições latino americanas dessa nova era têm dispensado uma reverência especial aos tratados de direitos humanos e aos preceitos neles consagrados. Fizeram-no, muitas delas, mediante a expressa incorporação dos tratados de cunho humanitarista à normatividade nacional, não raro no idêntico nível de positivação jurídica supralegal deferido às normas constitucionais respeitantes aos direitos e garantias individuais e coletivos, e revestindo-os, até mesmo, com o predicativo de cláusulas pétreas. Com isso, esses preceitos oriundos da ordem internacional restaram constitucionalizados e, além disso, tornaram-se imodificáveis pelas vias ordinárias de reforma constitucional. 13 Segundo o artigo 5º, 1º da Constituição Federal Brasileira, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Com base neste dispositivo, os tratados internacionais de direitos humanos têm aplicação automática, independentemente de edição de decreto de execução, produzindo efeitos no ordenamento jurídico logo após a ratificação pelo Chefe do Poder Executivo. Já os tratados internacionais que tratam de matéria diversa da proteção dos direitos humanos, para que passem a produzir efeitos, se faz necessária a edição do decreto de execução. Conforme defendido por Flávia Piovesan, a Constituição Federal adotou 12 Art. 93. Los tratados y convenios internacionales ratificados por el Congreso, que reconocen los derechos humanos y que prohiben su limitación en los estados de escepción, prevalecen en el orden interno. Los deberes y derechos consagrados en esta Carta se interpretarán en conformidad con los tratados internacionales sobre derechos humanos ratificados por Colombia 13 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição aberta e os direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p. 150.

18 um sistema jurídico misto, na medida em que para os tratados de direitos humanos acolhe a sistemática de incorporação automática, enquanto que para os tratados tradicionais acolhe a sistemática da incorporação não automática. 14 A desembargadora Margarida Cantarelli também se apóia nesta vertente. No julgamento proferido por unanimidade pela Primeira Turma do TRF-5ª Região, na AC 238.842-RN (2000.05.00.057989-2), julgado em 30/08/2001, afiram que o Pacto Internacional sobre Direitos Humanos e Políticos (1966) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), que foram ratificados pelo Brasil em 1992 e muitos outros textos internacionais estão, nos termos da própria Constituição, à mesma equiparados, na melhor interpretação dada ao 2º do seu art. 5º. A segunda corrente sobre a posição hierárquica ocupada pelos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro vinha sendo a seguida pelo Supremo Tribunal Federal. Os adeptos desta vertente afirmam que qualquer norma decorrente de tratado internacional possui status de lei ordinária, tendo caráter infraconstitucional. Utilizam como base o artigo 102, III, b da Constituição Federal e sua interpretação literal. Afirmam que, se a própria Constituição atribui competência ao STF para julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, reconhece ela posição hierárquica inferior de todos os tratados internacionais, de direitos humanos ou não, face o texto constitucional. Deduzem que, se é cabível recurso extraordinário em caso de decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado, não especificando o Constituinte que tipo de tratado seria, é porque quis ele o Constituinte afirmar a superioridade da Constituição em face de todas fontes internacionais de direito. 15 Além disso, defendem que, se a Carta Magna tratou da inconstitucionalidade de tratados internacionais e da inconstitucionalidade 14 PIOVESAN, Flávia. Valor Jurídico dos Tratados: Impacto na Ordem Interna e Internacional. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 30 de abril de 2008. p. 15. 15 LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. A força normativa dos tratados internacionais de direitos humanos e a Emenda Constitucional nº 45/2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6157. Acesso em 10 de maio de 2008. p. 1.

19 de lei federal na mesma alínea, teria atribuído a ambas a mesma hierarquia infraconstitucional. Argumenta-se, ainda, que para que os tratados internacionais ingressem no ordenamento jurídico brasileiro, se faz necessária a edição de um decreto legislativo, aprovado por um quorum de maioria simples, de forma similar às leis ordinárias. Soma-se a isso o fato de que a Constituição Federal Brasileira é rígida, ou seja, para que suas normas sejam alteradas se deve obedecer a um procedimento mais difícil do que para a alteração do restante das normas jurídicas. É justamente da rigidez que decorre a supremacia da constituição. Para que a Constituição Federal seja reformada, a proposta deve ser discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (artigo 60, 2 da Constituição Federal). Desta forma, não se poderia admitir a alteração da Carta Magna por meio de tratado internacional, não tendo esse força de emenda constitucional. A própria constituição exige quorum especial para a reforma constitucional e tentar alterá-la por aprovação de quorum de maioria simples seria inconstitucional, tendo em vista a desobediência do processo legislativo para edição de emendas constitucionais. 1.2.1 - O Pacto de San José da Costa Rica e os Códigos Civil de 1916 e de Processo Civil de 1973 O Pacto de San José da Costa Rica, quando ingressou no ordenamento jurídico brasileiro, contrariava dispositivos tanto do Código Civil de 1916 como do de Processo Civil de 1973. Deste modo, se deve analisar qual norma prevaleceu. Para a primeira corrente, não há muito que se discorrer. Sendo o Pacto de San José da Costa Rica norma constitucional, se sobrepõe a

20 qualquer disposição infraconstitucional, anterior ou posterior, contrária a ele. Seguindo a orientação da segunda corrente de que todos os tratados internacionais já ratificados ocupariam a mesma posição hierárquica das leis ordinárias, é possível se afirmar que o Pacto de San José da Costa Rica, com sua promulgação em 6 de novembro de 1992, teria derrogado todas as normas ordinárias anteriores que permitiam a prisão civil do depositário infiel. Afirma Valério de Oliveira Mazzuoli sendo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) norma de caráter geral, capaz somente de revogar normas de caráter também geral, é de se entender, sem muito esforço que, sendo o Código Civil de 1916 e o Código de Processo Civil leis gerais, tanto o art. 1.287 do primeiro diploma, quanto os arts. 902, 1º e 904, parágrafo único, do diploma processual, reputam-se derrogados pelo referido Pacto, que a eles sobreveio. 16 Neste sentido, o artigo 7, inciso 7 do Pacto de San José da Costa Rica 17 se sobrepôs aos dispositivos do Código Civil de 1916 e do Código de Processo Civil, não sendo mais possível a decretação da prisão do infiel depositário. Conforme será constatado no capítulo seguinte, reservado a análise de julgados, não foi majoritário o entendimento que defendia a revogação dos dispositivos ordinários pela Convenção. 1.2.2 - O Pacto de San José da Costa Rica e o Código Civil de 2002 Com a entrada em vigor do Novo Código Civil, em 10 de janeiro de 2003, a mesma disposição que havia no artigo 1287 do Código de 1916 foi repetida no artigo 652 18. Desta forma, para cada uma das correntes 16 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 94. 17 Artigo 7, inciso 7 - Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. 18 Art. 652. Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário, que não restituir, quando exigido, será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a 1 (um) ano, e ressarcir os prejuízos.

21 mencionadas, é possível se dar uma resposta a essa mudança no ordenamento jurídico. Para os defensores da primeira corrente, que afirma ter o Pacto de San José da Costa Rica status de norma constitucional, o artigo 652 do Novo Código Civil já nasceu dotado de inconstitucionalidade, por ser contrário ao artigo 7, inciso 7 da Convenção, que veda a prisão civil do depositário infiel. Entretanto, sob a ótica da segunda corrente, ao se considerar que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos tem força de lei ordinária, a partir da entrada em vigor do Novo Código Civil, o artigo 7, inciso 7 da Convenção foi derrogado, tendo o artigo 652 do CC restabelecido a prisão civil do depositário infiel. Neste sentido, afirma Carvalho Neto que em nosso entendimento, embora sempre houvesse permissão constitucional, não era possível no Brasil a prisão civil do depositário infiel, em face da inexistência de lei em vigor que a determinasse, sendo que a lei que a determinava foi revogada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), tendo agora, sido restabelecida pelo Novo Código Civil 19 Estas duas correntes, vale lembrar, dividiam doutrina e jurisprudência antes da edição da Emenda Constitucional 45/2004. 1.2.3 - O 3 do artigo 5 da Constituição Federal incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004 Com a entrada em vigor da referida norma, o cenário, entretanto, se alterou. Esta Emenda trouxe significativas mudanças no que diz respeito ao Direito Internacional, que com a inclusão do artigo 5º, 3º no texto constitucional, mudou a abordagem que vinha sendo dada aos tratados internacionais, especialmente os que tratam de direitos humanos. O artigo 5º, 3º da Constituição Federal, inserido na Carta Política pela Emenda Constitucional 45/2004, dispõe que os tratados e convenções 19 CARVALHO NETO, Inácio de. A prisão do depositário infiel, o Pacto de São José da Costa Rica e o Novo Código Civil. Disponível em http://www.mundojuridico.adv.br/cgibin/upload/texto639.rtf. Acesso em 10 de maio de 2008. p. 3.

22 internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Desta forma, se passou a exigir quorum especial e votação em dois turnos em ambas as Casas para que os tratados de direitos humanos ingressem no ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional. Esse dispositivo, entretanto, não deu fim aos debates. Discussões acerca da posição hierárquica dos tratados internacionais ratificados antes da edição da Emenda em questão continuam surgindo e, neste sentido, indaga-se que status normativo eles teriam. Como todas as convenções, inclusive as de direitos humanos, não passaram até hoje pelo escrutínio descrito, não teriam elas, assim, eficácia de emenda constitucional. Eis a interpretação autêntica porque subscrita pelo próprio Constituinte dada EC nº 45/2004: os documentos normativos internacionais de direitos humanos anteriores a ela a EC 45 não têm altura constitucional, e somente passarão a tê-la após votação especial em dois turnos, pela maioria de três quintos, em cada Casa Parlamentar. Destarte, a Reforma em análise veio a expressar a posição abraçada pela visão restritiva do Supremo Tribunal Federal e dos autores que o seguem. 20 Contudo, ao se considerar que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados antes da Emenda Constitucional 45/2004 já possuíam status de norma constitucional, versando eles sobre garantias e direitos fundamentais, conforme defendido pela primeira corrente, qualquer emenda tendente a abolí-los será inconstitucional, nos termos do artigo 60, 4º, IV da Constituição Federal 21. Desta forma, só se pode concluir que a Emenda Constitucional 45/2004 se aplica apenas a tratados de direitos humanos que ainda não foram ratificados, mantendo os anteriores a ela o status de norma constitucional, mesmo que não tenham sido aprovados por quorum especial e nem tenham sido votados em dois turnos em ambas as Casas do Congresso Nacional. 20 LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. A força normativa dos tratados internacionais de direitos humanos e a Emenda Constitucional nº 45/2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6157. Acesso em 10 de maio de 2008. 21 Art. 60. 4 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV os direitos e garantias individuais.

23 Pela visão da segunda corrente, os tratados internacionais de direitos humanos ratificados após a referida Emenda somente adquirirão status de norma constitucional se adotarem o procedimento previsto no artigo 5º, 3º da Constituição Federal. Aqueles que não passarem por este rito terão força de lei ordinária. Observa-se que o referido artigo abriu para o Congresso Nacional uma discricionariedade, podendo optar submeter o tratado de direitos humanos a votação especial ou não. Os que defendiam que qualquer norma decorrente de tratado internacional teria caráter infraconstitucional e força de lei ordinária, com a edição da Emenda 45/2004, afirmam que os tratados ratificados antes da referida Emenda somente poderão adquirir status normativo de emenda constitucional se passarem por uma nova deliberação nas Casas do Congresso Nacional, devendo ser aprovado pelo quorum especial de três quintos, nos termos do artigo 5º, 3º da Constituição Federal. Outra questão que também não ficou bem definida é quanto à necessidade de ratificação pelo Chefe do Poder Executivo dos tratados de direito internacional que forem aprovados no âmbito do dispositivo analisado. O artigo 84, VIII da Constituição Federal, conforme já analisado, atribui competência privativa ao Presidente da República para celebrar tratados, convenções ou atos internacionais. Porém, parte da doutrina tem entendido que o decreto de promulgação não seria mais uma exigência. Isso porque um tratado votado nos termos do artigo 5º, 3º da Constituição Federal tramitará pelo Congresso Nacional como se projeto de emenda constitucional fosse e não como projeto de decreto legislativo. Desta forma, não estaria sujeita a ratificação do Presidente da República e sua promulgação se daria pelo Congresso Nacional e não por decreto do Executivo. Flávia Piovesan ainda discorre sobre outra alternativa para a solução de conflitos entre a Constituição e tratados internacionais de direitos humanos.

24 Poder-se-ía imaginar, como primeira alternativa, a adoção do critério lei posterior revoga lei anterior com ela incompatível, considerando a natureza constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos. Todavia, um exame mais cauteloso da matéria aponta a um critério de solução diferenciado, absolutamente peculiar ao conflito em tela, que se situa no plano dos direitos fundamentais. E o critério a ser adotado se orienta pela escolha da norma mais favorável à vítima. 22 Utilizando como base o critério da norma mais favorável à vítima, a escolha de qual regra será aplicada ficará a cargo do Poder Judiciário no momento em que analisar o caso concreto. Desta forma, deve prevalecer a norma mais benéfica, a que prioriza a defesa da dignidade da pessoa humana. As normas de direitos humanos não têm caráter restritivo de direitos. Elas devem ser sempre invocadas no sentido de ampliar e fortalecer direitos já previstos nos ordenamentos jurídicos internos. afirma Este princípio também é defendido por Cançado Trindade, que no domínio da proteção dos direitos humanos, interagem o direito internacional e o direito interno movidos pelas mesmas necessidades de proteção, prevalecendo as normas que melhor protejam o ser humano. A primazia é da pessoa humana. 23 Flávia Piovesan utiliza como exemplo de aplicação deste princípio no conflito existente entre o artigo 7, inciso 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que veda a prisão civil por dívida (autorizando apenas a prisão do devedor de alimentos) e o artigo 5º, LXVII da Constituição Federal, que permite a prisão do depositário infiel. Segundo a autora, utilizando como base a lei mais benéfica à vítima, se deve afastar a aplicação da norma constitucional, neste caso. Isso porque, ao se contrapor o direito a liberdade e o direito a propriedade, com base na primazia da pessoa humana, o primeiro deve prevalecer sobre o segundo. Afirma, ainda, que se em outro caso o dispositivo constitucional fosse o mais favorável, a norma de direito internacional teria que ser afastada. 22 PIOVESAN, Flávia. Valor Jurídico dos Tratados: Impacto na Ordem Interna e Internacional. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 30 de abril de 2008. p. 19. 23 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado Apud RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 103.

25 O conflito entre as normas de Direito Internacional, mais especificamente o Pacto de San José da Costa Rica, e as regras do Direito interno brasileiro será objeto de análise mais profunda no capítulo seguinte.

2 - A possibilidade da prisão do depositário infiel e a constitucionalidade do Pacto de San José da Costa Rica O Pacto de San José da Costa Rica, criado em 22 de novembro de 1969, foi aprovado pelo Decreto Legislativo 27, tendo sido ratificado, sem ressalvas, pelo Brasil em 25 de setembro de 1992. Porém, apenas com o Decreto Executivo 678, de 06 de novembro de 1992, passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro. A tardia ratificação do Brasil a esse tratado pode ser explicada já que a política externa brasileira na questão dos direito humanos, em decorrência do regime ditatorial que vigorou por cerca de vinte anos após o golpe de 1964, foi muito resistente em aderir à via jurídica de proteção dos direitos fundamentais do homem, na medida em que essa adesão importaria por certo na revelação das práticas cruéis de repressão política então disseminadas e na vulnerabilidade da imagem dos sucessivos governos militares perante o concerto das nações desenvolvidas da Europa e da América do Norte. 24 Este tratado internacional, em seu art. 7, inciso 7 dispõe que ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. A norma veda expressamente a prisão civil por dívida, autorizando apenas a do devedor de pensão alimentícia. A Constituição da República Federativa do Brasil, país signatário do Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo, 5, LXVII 25, autoriza a prisão do depositário infiel. Neste sentido, se observa um conflito entre a norma internacional e a norma constitucional. A questão não é pacífica tanto para os que defendem que o tratado em questão possui status de norma constitucional como para aqueles que afirmam que ele possui força de lei ordinária. Segundo entendimento de parte da doutrina e da jurisprudência, o artigo 5º, LXVII da Constituição Federal deve prevalecer sobre o artigo 7, 24 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição aberta e os direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p.139. 25 Art. 5, LXVII não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

27 inciso 7 do Pacto de San José da Costa Rica. Isso porque a norma constitucional em questão, tanto a parte que proíbe a prisão civil por dívida, quanto a ressalva referente à prisão do depositário infiel, é direito fundamental. Esta norma, inserida dentro do Título II da Carta Magna, reservado a direitos e garantias fundamentais, tem conteúdo intocável, que não pode ser modificado pelo Poder Reformador, tendo natureza de cláusula pétrea, nos termos do artigo 60, 4º IV da Constituição Federal. Sendo assim, a norma internacional que contraria este dispositivo da Constituição é inconstitucional, devendo sua aplicação ser afastada da ordem jurídica brasileira. Os que defendem a primazia do artigo 7, inciso 7 do Pacto de San José da Costa Rica sobre o artigo 5º, LXVII da Constituição Federal afirmam que apenas a primeira parte, que veda a prisão civil por dívida, do dispositivo constitucional seria cláusula pétrea. A ressalva do artigo, que autoriza a prisão do depositário infiel, não seria um direito fundamental e sim uma exceção a ele. Desta forma, a segunda parte do dispositivo constitucional não seria imutável, podendo ser modificado pelo Poder Constituinte Derivado. É um direito fundamental, consagrado no Pacto, não ser preso por dívida que não seja decorrente de inadimplemento de obrigação alimentar. Além do conflito existente entre o tratado internacional e a Constituição Federal, se constata outro confronto, este contra o tratado internacional e a legislação infraconstitucional que rege a prisão civil por dívida, previamente autorizada pela própria Constituição. No Brasil, os debates jurisprudenciais permeiam, principalmente, o conflito entre o artigo 7, inciso 7 do Pacto de San José da Costa Rica e o artigo 5º, LXVII da Constituição Federal, ou seja, entre a norma internacional e a norma constitucional. Ocorre que, tendo o Pacto de San José da Costa Rica sido ratificado pelo Chefe do Executivo em 1992, passou a ser utilizado como fundamento na impetração de Habeas Corpus preventivos com o intuito de evitar a

28 prisão civil dos devedores de dívidas garantidas por alienação fiduciária, devedores estes considerados depositários infiéis. Cabe ainda lembrar que o artigo 11 do Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966 também veda a prisão civil por dívida 26. O Brasil é signatário deste pacto, que vigora no território desde 1992. Isto posto, cabe analisar a forma como o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça vêm tratando o assunto. Estes tribunais têm dado interpretações jurisprudenciais diferentes à mesma questão. O Supremo Tribunal Federal não vinha aceitando atribuir aos tratados internacionais de direitos humanos já ratificados status de norma constitucional. Neste sentido, decidiu em favor da constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel, aplicando o artigo 5º, LXVII da Constituição Federal em detrimento do artigo 7, inciso 7 do Pacto de San José da Costa Rica. Vale lembrar, conforme já exposto no capítulo anterior, que os que defendem essa posição afirmam que qualquer norma decorrente de tratado internacional possui status de lei ordinária, tendo caráter infraconstitucional de acordo com a interpretação dada pelo artigo 102, III, b da Constituição Federal. HABEAS CORPUS N 73044-2: SÃO PAULO Relator: Maurício Corrêa Data do julgamento: 19/03/1996 Órgão julgador: Segunda Turma EMENTA: HABEAS-CORPUS PREVENTIVO. PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL DECRETADA EM AÇÃO DE DEPÓSITO DE BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE (ART. 66 DA LEI N.º 4728/65 E DECRETO-LEI N.º 911/69): ART. 5º, LXVII DA CONSTITUICAO FEDERAL E CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA). DECR. N.º678/92. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. 3 - A prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado no Código Civil como no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária. 4 - Os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte ( 2º do art. 5º da Constituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração de sua Constituição; por esta razão, o art. 7º, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica, ( ninguém deve ser detido por dívida : este 26 Artigo 11 - Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.

29 princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar ) deve ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição. Já o Superior Tribunal de Justiça, vinha aplicando o artigo 7, inciso 7 do Pacto de San José da Costa Rica. Este Tribunal tinha atribuído a norma em questão status de emenda constitucional e vinha considerando o direito do ser humano não ser preso por dívida, salvo os casos de inadimplemento de obrigação alimentícia, um direito fundamental, constitucionalmente protegido. Neste sentido, seguiremos este trabalho fazendo uma digressão histórica, analisando o posicionamento desses dois tribunais ao longo de uma certa época. Serão utilizados como momento de corte os seguintes períodos: 1) a partir de 1992, ano em que foi ratificado o Pacto de San José da Costa Rica, até 2002, quando foi promulgado o Novo Código Civil; 2) de 2002 a 2004, ano da edição da Emenda Constitucional n. 45/2004; 3) de 2003 até o presente momento. 2.1 - O entendimento do Supremo Tribunal Federal A época do ingresso do Pacto de San José da Costa Rica no ordenamento jurídico brasileiro, após sua ratificação e promulgação em 1992, observa-se a existência de uma divergência dentro do Tribunal sobre a possibilidade de se aplicar ou não os tratados de direitos humanos com preceitos divergentes dos vigentes na Constituição Federal. O entendimento majoritário vinha sendo no sentido de que a prisão civil do depositário é constitucional, não tendo sido revogada pelo Pacto de San José da Costa Rica. Esta posição, que pode até mesmo ser considerada uma visão de certa forma conservadora, prioriza a Constituição Federal em

30 detrimento das normas internacionais de direitos humanos que vedam a prisão civil por dívida, autorizando apenas a prisão do devedor de alimentos. O HC 72.131 / RJ é um dos leading cases desta vertente da posição que foi vencedora. O habeas corpus foi indeferido, tendo prevalecido a posição do Ministro Moreira Alves, sendo ele seguido pela maioria do plenário. Tiveram votos vencidos os Ministros Marco Aurélio, Francisco Rezek, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, que acompanharam o voto do Ministro relator Marco Aurélio, que defendeu a concessão do HC com base no Pacto em questão. HC 72131-1/RJ Relator: Ministro Marco Aurélio Data do julgamento: 23/11/1995 Órgão julgador: Tribunal Pleno EMENTA: habeas corpus. Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do devedor como depositário infiel. - Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização, sus prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do artigo 5, LXVII, da Constituição de 1988. - Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no 7 do artigo 7 da Convenção de Sano José da Costa Rica. habeas corpus indeferido, cassada a liminar concedida. Afirma o Ministro Marco Aurélio que o Decreto-Lei n o 911/69, que autorizava prisão do devedor de alienação fudiciária, 27 teria sido derrogado pelo Pacto de San José da Costa Rica. Tendo o Brasil ratificado o tratado sem ter feito nenhuma ressalva, o artigo 7, inciso 7, da Convenção não pode ter sua aplicabilidade afastada. Neste sentido, argumenta que ainda que se pudessem colocar em plano secundário os limites constitucionais, a afastarem, a mais não poder, a possibilidade de subsistir a garantia da satisfação do débito como meio coercitivo, no caso da alienação fiduciária, que é a prisão, tem-se que essa, no que decorre não da Carta Política da República, que para 27 Decreto-Lei n. 911 de 01/10/1969 Art. 1º. O Artigo 66 da lei n.º 4728 de 14 de julho de 1965 passa a ter a seguinte redação: Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.