Prevenção e Segurança na Construção Ferroviária: Execução de Passagens Superiores à Via Férrea em Exploração Anabela Canelas: Coordenadora de SHST na WS Atkins, Portugal (ar-canelas@netcabo.pt) Mafalda Santos: Gestora de SHST na Somague Engenharia S.A., Portugal (msofia.santos@iol.pt) RESUMO Com o alargamento das fronteiras e a livre circulação no mercado comum da União Europeia, um dos principais desafios que se coloca aos países periféricos é o do desenvolvimento sustentado do seu sector dos transportes, nomeadamente a ampliação e modernização das redes de transportes terrestres. Neste contexto, Portugal está a efectuar a modernização de toda a sua rede de infra-estrutura ferroviária, com objectivos específicos de melhoria da velocidade de circulação, da capacidade de transporte, da segurança e conforto do transporte ferroviário e da promoção da intermodalidade para integração nos sistemas de transportes urbanos e de médio e longo curso, afectos aos grandes corredores de transportes europeus. O presente trabalho situa-se num eixo fundamental da infra-estrutura ferroviária portuguesa, onde os eventuais atrasos provocados na circulação têm repercussões a nível do tráfego de passageiros e do transporte de mercadorias nacionais e internacionais, obrigando a que as obras de modernização se efectuem com um mínimo de perturbação deste, agravando naturalmente os riscos associados às actividades a desenvolver (p. ex. atropelamento por comboios e electrocussão). Pretende-se dar a conhecer uma solução utilizada para a execução de uma passagem superior onde as condicionantes inerentes foram agravadas pelas condicionantes altimétricas do espaço envolvente e aos gabaritos disponíveis face à infra-estrutura ferroviária. 1. INTRODUÇÃO A Linha do Norte (ferroviária), com cerca de 335 km está inserida no principal eixo ferroviário do País, sendo o eixo dorsal da malha ferroviária portuguesa. A actual linha encontra-se a funcionar perto do limite máximo da sua capacidade utilizável, congestionamento que dificulta eventuais interrupções de tráfego para a execução das obras de modernização, para além do impacto negativo na imagem das empresas envolvidas, tendo em conta que eventuais atrasos ou interrupções traduzem-se ainda em perdas financeiras elevadas na facturação da utilização da infra-estrutura ferroviária. No troço em questão, esta situação é PORTO ainda agravada pelo facto de constituir parte da linha suburbana de Lisboa, sendo TROÇO EXISTENTE que o seu início dista cerca de 30 km desta ESQUEMA SIMPLIFICADO cidade, aumentando drasticamente o número de composições que nela circulam diariamente: cerca de 240. LISBOA
As obras de modernização efectuadas neste troço do projecto da Linha do Norte incluem a quadruplicação da via em alguns trechos, a construção de uma nova estação e a desmobilização, com a consequente demolição de algumas estações existentes e a remodelação de outras. Inclui também a supressão de passagens de nível com a construção de Passagens Desniveladas e os respectivos restabelecimentos. Atendendo aos custos associados a uma interrupção de tráfego num eixo fundamental do sistema ferroviário a execução do projecto pressupõe duas fases distintas. Numa primeira fase, em que não há interrupção do tráfego na actual linha, foram construídas todas as passagens desniveladas e executadas duas vias novas do lado Nascente. Na segunda fase, a circulação far-se-á pelas novas linhas de forma a permitir a execução dos trabalhos de modernização das linhas actuais sem que nunca haja lugar a cessação da exploração. Neste documento abordar-se-á a execução da Passagem Superior do Espadanal da Azambuja Viaduto V4, ao Pk 43+450. 2. CONDICIONANTES PARA A EXECUÇÃO DO VIADUTO V4 Para a execução das passagens superiores, os principais condicionalismos são o atravessamento das vias rodoviárias e ferroviárias, sendo este último primordial. Para além de não ser permitida a interrupção de tráfego, a necessidade de ser criado um conjunto de medidas de protecção relacionadas com a segurança da infra-estrutura ferroviária e ainda o risco de contacto com a catenária (rede eléctrica de 25.000 V), levou ao abandono de processos construtivos do tipo de apoio da cofragem com cimbre ao solo. Desta forma, os restantes viadutos foram executados com recurso a uma solução mediante a utilização de sistemas do tipo perfil metálico longitudinal como suporte da cofragem. No caso específico do Viaduto do Espadanal da Azambuja, existiram outras condicionantes especiais que impediram o recurso a esta solução corrente no vão correspondente à actual linha ferroviária: Para além das duas vias férreas correspondentes à Linha do Norte, encontra-se ainda em serviço um ramal de acesso às instalações de uma unidade fabril importante, o que condicionou a dimensão do vão da obra de arte a executar; Vista de Poente A cota do tabuleiro, em relação à catenária de alimentação eléctrica do sistema de tracção não permitia, face ao vão a vencer, a utilização de sistemas do tipo perfil metálico longitudinal como suporte da cofragem; A exiguidade do espaço disponível na zona Poente e as cotas altimétricas da rede viária existente a Nascente não possibilitaram a subida da rasante do restabelecimento.
A solução encontrada foi a da execução da cofragem suspensa em cimbre constituído por asnas metálicas treliçadas apoiando directamente em torres tipo PAL nos troços adjacentes de tabuleiro, entretanto já betonados em solução corrente de cimbre ao solo. Troço adjacente 3. MEDIDAS PREVENTIVAS UTILIZADAS PARA A GESTÃO DOS RISCOS O estudo da solução adoptada, levou à adopção de medidas de prevenção específicas, nomeadamente no que concerne à protecção da via em exploração e consequentemente da catenária, à protecção colectiva dos trabalhadores envolvidos neste processo e à adopção de medidas excepcionais de protecção individual aquando das operações de cofragem e descofragem desta obra de arte. De uma forma simplificada, o sistema de cofragem suspensa é constituído por asnas treliçadas metálicas, solidarizadas transversalmente por perfis metálicos soldados, onde são suspensos varões do tipo diwidag que nos topos inferiores suspendem perfis metálicos duplos onde se irá assentar a plataforma de fundo de viga e passadiços de trabalho laterais com protecção contra quedas em altura. Também a plataforma inferior foi solidarizada através da soldadura de elementos metálicos cruzados, a fim de conferir um comportamento de diafragma rígido ao plano e assim conceder-lhe a capacidade de suporte necessária à prossecução dos trabalhos. Desta forma, foram depois puxados os carrinhos de cofragem do tabuleiro para este plano inferior e executado o trabalho propriamente dito. É de notar que os trabalhos de cofragem foram executados em duas fases distintas: Na primeira fase procedeu-se à pré-montagem da estrutura, dividida em metades, ao nível do chão, evitando assim a perigosidade da execução do trabalho a uma altura incompatível com o nível de risco para a integridade dos trabalhadores; Numa segunda fase, as metades foram posicionadas no troço de tabuleiro em questão, com o auxílio de uma grua de grande capacidade e em interdição geral de via com corte de tensão, em fim-de-semana e à noite, quando as interrupções do tráfego ferroviário são manifestamente menos onerosas. A fase de descofragem foi toda executada em regime de interdição geral de via com corte de tensão, tendo sido iniciada pela retirada dos carrinhos de cofragem do tabuleiro e desasssoalhamento da plataforma, seguida pela desmontagem das vigas de suporte inferior e do seu sistema de travamento, através da retirada dos varões tipo diwidag que as ligavam às treliças de suspensão. Finalmente, e de novo com o recurso a um equipamento de elevação de cargas de grande capacidade, procedeu-se à retirada dos dois conjuntos de asnas treliçadas de suspensão.
Seguidamente ilustra-se de forma sumária o desenvolvimento dos trabalhos, evidenciando as medidas preventivas adoptadas. Execução ao nível térreo da estrutura a suspender Os trabalhadores executaram o seu trabalho a uma distância do chão perfeitamente compatível com o risco óptimo, tendo usado dispositivos de protecção individual complementar arneses anti-queda cada vez que necessitavam de executar os trabalhos no nível superior das asnas metálicas treliçadas. Pormenor de execução de trabalho a um nível de altura em que é necessário o recurso ao Equipamento de Protecção Individual; Pormenor da ligação à terra de toda a estrutura de cofragem uma vez que a durante o tempo da sua suspensão o tráfego ferroviário foi retomado, sendo portanto necessário tomar medidas de prevenção relativamente ao risco eléctrico derivado da tensão da catenária 25.000 volts. Início da suspensão da primeira metade da estrutura através de uma grua de grande porte.
O posicionamento da estrutura foi efectuado através da rotação por cima do tabuleiro de Poente por se encontrar uma linha de baixa tensão do lado Norte, condicionando a rotação para este lado que seria mais curta. Posicionamento final da primeira metade da estrutura. Elevação da segunda metade com passagem sobre a metade já colocada em posição. Vista de Norte da estrutura completamente posicionada e já com o tráfego ferroviário retomado. Vista inferior onde é possível observar os pormenores do travamento inferior da estrutura, das ligações à terra efectuadas e da protecção lateral da zona de trabalhos por forma a que fosse impedida a queda acidental de qualquer tipo de material para o caminho de circulação ferroviário. Vista do topo Poente do tabuleiro já executado onde é visível o sistema de apoio sobre este.
Pormenor do início dos trabalhos de descofragem, com o auxílio de duas plataformas elevatória onde os trabalhadores utilizavam meios d protecção individual contra quedas em altura arneses anti-queda. Pormenor dos trabalhos de descofragem, durante os quais os trabalhadores sobre as plataformas usaram dispositivos de protecção individual anti-queda arneses, ligados a linhas de vida colocadas nas laterais do tabuleiro betonado. As vigas longitudinais de solidarização bem como os fundos de viga de cofragem foram retirados para o topo do tabuleiro, encurtando assim a distância da sua movimentação e diminuindo o risco associado a esta. Pormenor do arreio das vigas transversais de suporte, movimentadas com o auxílio de cordas guia para evitar qualquer contacto com a catenária, que embora não estivesse em tensão, poderia ser danificada com consequências indesejáveis para a boa circulação do tráfego ferroviário. 4. CONCLUSÕES As obras de modernização de um eixo ferroviário fundamental sem interrupção do tráfego que nele circula constituem um risco acrescido ao já notável desafio que é a construção ferroviária de raiz. A importância que assume a articulação de todas as fases do processo construtivo concepção, projecto e execução, é por demasiado evidente, para que, na prática, o trinómio Qualidade-Segurança-Ambiente funcione de forma eficaz e eficiente em todas as etapas. Para que esta realidade se manifeste positivamente é
necessário o empenho de todos aqueles envolvidos no processo produtivo donos de obra, projectistas, coordenadores de segurança em projecto e obra, entidades executantes, trabalhadores. Dadas as condicionantes especiais deste projecto, cabe à Segurança um papel fundamental que não pode ser nem depreciado nem subvalorizado e deve dar o mote para que novas soluções como a apresentada sejam de futuro implementadas com os resultados aqui conseguidos, para que em conjunto se dê mais um passo no caminho da diminuição da sinistralidade laboral no sector da construção e assim se proporcionem ambientes mais seguros, produtivos e ambientalmente sustentados.