O CARÁTER PREVIDENCIÁRIO DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS



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Transcrição:

O CARÁTER PREVIDENCIÁRIO DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS Paulo Cesar dos Santos Economista com especialização em Administração Financeira - FGV, Gestão Atuarial e Financeira - Fipecafi/USP e Gestão Pública Enap. Diretor de Políticas e Diretrizes de Previdência Complementar Presidente da Câmara de Recursos da Previdência Complementar CRPC Membro-Suplente do CONEF - Estratégia Nacional de Educação Financeira Decorrida quase uma década da edição das Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001, a reestruturação e reformulação do Regime de Previdência Complementar está praticamente concluída e consolidada. Esse período foi marcado por uma intensa atividade de regulação e que permitiu avanços significativos, graças à participação efetiva e a atuação de todos os que integram o Regime e a ação do Estado no sentido de atender ao que dispõe os marcos regulatórios. O órgão regulador do Regime para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar EFPC s editou, aproximadamente, sessenta e uma normas, e outras sessenta e cinco instruções foram formuladas pelo órgão responsável pela sua supervisão e fiscalização. Novos direitos foram instituídos, como a inclusão dos participantes e assistidos nos órgãos colegiados de gestão administrativa dos Fundos de Pensão, a portabilidade, o benefício proporcional diferido, o resgate e o auto-patrocínio, os planos de contribuição variável, a figura do instituidor de planos. Outros aperfeiçoados, como a governança dos Fundos de Pensão, as regras com padrões mínimos para fins de garantir a segurança econômico-financeira e atuarial, a transparência e acesso às informações, a profissionalização e a qualificação dos administradores e dos integrantes dos órgãos colegiados deliberativos e de fiscalização.

Foi feita a reestruturação organizacional e a melhoria da governança nos entes governamentais com a separação dos responsáveis pela atuação estratégica e pela formulação de políticas públicas, pela regulação, pela fiscalização e supervisão e do órgão recursal, de forma a possibilitar maior especialização e aperfeiçoamento, melhoria da eficiência, democracia e transparência na atuação do Estado. Sem dúvida muito se fez para a consolidação do Regime de Previdência Complementar sem que isso signifique que o trabalho cessou ou que nada precisa melhorar. Consciente disso, o Estado tem se mobilizado no aperfeiçoamento da sua atuação, seja como formulador de políticas, seja como fiscalizador e supervisor. Para que esse esforço surta efeitos mais positivos, se faz necessária a discussão de alguns pontos, nevrálgicos, ao meu entender, para o aperfeiçoamento do Regime. Um desses aspectos é o entendimento do caráter previdenciário dos planos de benefícios. Em relação a esse aspecto existem, pelo menos, duas correntes. Uma que defende que apenas os planos na modalidade de Benefício Definido possuem o caráter previdenciário, argumentando que os outros tipos de planos existentes, no caso os planos de Contribuição Definida e de Contribuição Variável, tem caráter apenas financeiro. Outra corrente, na qual me incluo, defende que o caráter previdenciário não está ligado às características dos planos, tipos de benefícios ou suas formas de pagamento, mas sim à finalidade para a qual foi instituído o plano dentro de um Sistema Previdenciário. A primeira vez que o termo caráter previdenciário aparece na legislação, no art. 2º da Lei Complementar nº 109, de 2001, foi no sentido de determinar que o RPC fosse operado por entidades de previdência complementar que tem objetivo principal instituir o operar planos de caráter previdenciário, na forma da referida na respectiva Lei Complementar.

Em seguida, o parágrafo único do art. 7º do Capítulo I, que trata dos planos de benefícios, com disposições comuns às entidades abertas e fechadas, determina que o órgão regulador, não só, normatizará planos de benefícios nas modalidades Benefício Definido - BD, Contribuição Definida - CD e Contribuição Variável - CV, como também outros tipos de plano que reflitam a evolução técnica e possibilitem a flexibilidade ao RPC. Além de determinar, ao definir as três modalidades de planos que as entidades podem oferecer, ou seja, três modalidades de planos com caráter previdenciário, que o órgão regulador desenvolva novas modalidades, indica que a criação de novos planos deve permitir a flexibilidade do RPC, adequando-o à evolução das relações sociais e técnicas. Não se observa nos marcos regulatórios a existência de orientação que defina que as características dos planos (BD, CD e CV), dos benefícios (espécie) e das suas formas de pagamento (valor ou prazo), sejam determinantes ou mesmo elementos imprescindíveis à configuração do caráter previdenciário dos planos de benefícios a serem instituídos e operados pelas Entidades de Previdência Complementar. Observa-se, claramente a determinação do legislador no sentido da regulação promovesse a inovação decorrente da evolução técnica, e de aperfeiçoar as regras aplicáveis ao Regime, tornando-o maleável e suscetível de se adaptar a evolução da sociedade. Em seguida, na seção II do Capítulo II, que trata exclusivamente dos planos de benefícios de entidades fechadas, a linha de orientação se mantém inalterada, ou seja, não há imposição de características ou elementos fundamentais para que o plano seja considerado como de caráter previdenciário. Esses dispositivos constantes na Lei Complementar nº 109, de 2001 refletem a tradição legislativa brasileira na qual o legislador entende ser prudente que todos os

fundamentos e princípios essenciais devam ser exaustiva e claramente tratados na lei específica, cabendo ao Executivo a iniciativa da propositura a edição de normativo-regulador, quando expressamente autorizado, definindo regras e procedimentos que possibilitem a implementação dos dispositivos estabelecidos no marco legal que trata da matéria. A manutenção dessa tradição pode ser facilmente constatada na Lei Complementar nº 109, de 2001, onde em várias ocasiões como, por exemplo, nos artigos dos Capítulos I que define as regras principais do Regime e trata da definição dos objetivos da ação do Estado nos arts. 1º ao 4º e da estruturação, por meio de lei, do órgão regulador e fiscalizador no art. 5º. Outro exemplo da tradição legislativa na elaboração de leis é o Capítulo II da Lei Complementar nº 109, de 2001, na parte que trata das regras comuns e específicas aos planos de benefícios para os dois segmentos do RPC, especialmente, na disposição que cabe ao órgão regulador a fixação de condições, regras e características aplicáveis aos planos, conforme se observa nos arts. 6º, 7º, 9º, 10, 13, 14, 18 e 21, e a previsão da possibilidade da instituição de fundo de solvência por meio de lei específica, no parágrafo único do art. 11. Ou seja, quando houve a intenção de fixação condições ou definição de regras e características obrigatórias, o legislador as fez expressamente na Lei. Assim, pelo aspecto legal e normativo, não se observa nenhum dispositivo que imponha características aos planos, ou que defina a modalidade de plano a fim de lhes atribuir o caráter previdenciário. Ao contrário, ao constar da legislação de forma clara a enumeração das modalidades de planos que podem ser operados pelas entidades, haja vista a determinação do caráter previdenciário obrigatório que esses planos devem possuir, não há restrição ou definição de características.

Pelo aspecto histórico e filosófico, nos Sistemas de Seguridade Social existentes verifica-se que a preocupação da sociedade é a de dar assistência aos trabalhadores que não puderem mais exercer o seu ofício em face da perda da capacidade laborativa, motivada por doença, acidente ou por idade, de forma a garantir a sua subsistência. Para isso, de forma preventiva, todos são chamados a contribuir para que o Estado possa, em nome da sociedade, garantir essa assistência. Os sistemas previdenciários mundiais assumiram várias formas, com gestão pública ou privada, dada a decisão democrática e soberana das sociedades nacionais em instituí-los e as características obrigatórias que entenderam devessem ter, de acordo com suas convicções e culturas. Em todos eles, o caráter previdenciário está ligado à finalidade do sistema e não ao instrumento que o viabiliza. Sabemos que o atendimento das necessidades do ser humano, necessidades essas que também evoluíram com o passar do tempo, de forma que as necessidades de hoje são maiores e diferentes das que existiam na época de Bismarck e Elói Chaves que, segundo estudiosos, foram precursores dos atuais Sistemas Previdenciários, se dá por meio do uso de recursos monetários, quer seja no âmbito público, quer seja no âmbito privado. O ser humano previdente, acumula recursos para que possa usá-los no futuro e satisfazer as necessidades que são diferentes em cada época e divergem de pessoa para pessoa. Portanto, o caráter financeiro, acumulação de recursos monetários, por meio da capitalização incorporação de ganhos financeiros decorrentes da aplicação do capital com vistas a sua acumulação- subsiste em qualquer sistema previdenciário. Dessa forma, a ação preventiva e deliberada com o claro intuito de prover a subsistência dos trabalhadores, incapacitados para o exercício de um ofício, em face de

condições específicas são as características que definem o caráter previdenciário nos Sistemas Previdenciários. Pelo aspecto etimológico, tratando-se o sentido do termo caráter, como um conjunto de características inatas (não provêm da experiência, contudo estão insertas na essência da coisa desde o início da sua existência) que distinguem as coisas entre si, torna-se necessária a verificação dessas características pré-existentes e comuns aos tipos de planos operados, a fim de que fique evidenciada a diferença entre ter ou não o caráter previdenciário. Assim, a natureza de algo está ligada a sua essência, ou seja, aquilo que faz com que a coisa seja o que ela é. Outra vez, verifica-se que os planos operados no Regime de Previdência Complementar, nas três modalidades indicadas na legislação, possuem modelagens distintas, ou seja, as formas com que atingem o objetivo do Regime de Previdência Complementar são diferentes e, mesmo assim, são considerados planos com o caráter previdenciário, pois têm o mesmo objetivo inato que é o de prover uma renda adicional aos trabalhadores quando do atendimento das condições específicas de elegibilidade dos planos. Outro aspecto que devemos refletir é se é obrigatória a acumulação geral de recursos para que se conceda uma renda entregue ao participante que, então, deverá gastá-la com o atendimento das suas necessidades, ou poder-se-ia promover a acumulação específica com a destinação prévia de parcela dos recursos destinados à acumulação para atendimento das principais necessidades por ele eleitas? Ou seja, o participante deve receber a sua renda e dela definir o atendimento das suas necessidades, não podendo, no período de acumulação, destiná-la com fins específicos? Parece-me que não é essa a possibilidade mais evoluída, racional, coerente e flexível.

Em face dos aspectos legal, normativo, histórico e filosófico, tratados, os planos na modalidade BD, CD e CV, considerados como planos de caráter previdenciário possuem características básicas e que estão presentes em todos eles evidenciando, assim, o caráter desses planos. São elas: a complementaridade do Regime em relação ao Regime Geral e ao Regime Próprio; a autonomia em relação ao Regime Geral de Previdência Social e aos Regimes Próprios; o caráter contributivo, constituição de reservas e a sua capitalização; o interesse deliberado em formar reservas, capitalizando contribuições, para uso futuro; o uso dessas reservas com o intuito de prover um benefício adicional ao que já é garantido pelo Regime Geral e pelo Regime Próprio; a faculdade de escolher o benefício a ser contratado; e a intenção de que essas reservas sejam empregadas quando ocorrerem eventos incapacitantes para o próprio sustento pelo produto do seu trabalho, seja por idade avançada para a atividade desenvolvida, seja por doença, seja por acidente. Como se percebe, todas essas características são comuns e estão presentes nos atuais tipos de planos operados pelas entidades de Previdência Complementar, sejam elas abertas ou fechadas, e nenhuma delas têm relação direta com o tipo de benefícios (espécie programável ou de risco) ou sua forma de pagamento (valor ou prazo vitalício, com renda certa, com prazo definido).

O argumento de que os planos que não oferecem benefícios que sejam vitalícios e com renda certa, não possuem caráter previdenciário, características dos planos na modalidade Benefício Definido, acaba perdendo coerência e sentido à vista dos aspectos histórico e filosófico e o amparo da legislação no aspecto normativo e legal. Outro aspecto inerente aos planos de Benefício Definido, o mutualismo, ou seja, aquilo que é recíproco, o que se permuta em duas ou mais pessoas de forma que todos tiram proveito dos resultados, que é uma característica também do Regime Geral de Previdência Social, não se verifica no Regime de Previdência Complementar, como característica obrigatória. Voltando a ter como parâmetro legal e normativo, o art. 7º do Capítulo I da Lei Complementar nº 109, de 2001, a determinação da normatização de planos nas modalidades de Contribuição Definida e de Contribuição Variável, o que reconhece implicitamente o caráter previdenciário dessas modalidades, em nenhum momento impõe a existência, de forma obrigatória, do mutualismo entre participantes ou gerações deles. Sobre o aspecto histórico e filosófico da Previdência Social, quando o Estado, em nome da sociedade, impõe a filiação obrigatória ao Regime Geral de Previdência Social, o faz de forma a garantir, em prol e benefício da própria sociedade, que todos os seus integrantes participem do RGPS, de forma equitativa no seu custeio e na medida das suas possibilidades financeiras, garantindo a universalidade e a distributividades na prestação dos benefícios e serviços, ficando clara a necessidade da existência do mutualismo intra e entre as gerações. No RPC, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao RGPS, conforme definido no art. 202 da Constituição Federal de 1988, a escolha das

características para um plano de benefícios é um ato de vontade e que é exercido por um grupo exclusivo, um extrato da sociedade, dada a faculdade de ingresso e de retirada do RPC. Esse extrato opta por instituir um plano de benefícios ou aderir a um já existente, com um instrumento que lhes permita acumular recursos e auferir os benefícios dessa acumulação quando da ocorrência de um dos eventos determinantes do seu caráter previdenciário atendendo, assim, às necessidades supervenientes. Ademais, sendo o RPC um regime facultativo, impende reconhecer que opção pelo caráter individual ou mutualista dos planos de benefícios deve ser de livre escolha dos que o instituíram ou que neles aderiram e deles irão se prover no futuro, não cabendo ao Estado impor essa ou aquela característica, apenas regulá-la para fins de instituição dos planos de benefícios. Fortalecendo este entendimento, o inciso III do art. 3º da Lei Complementar nº 109, de 2001, combinado com o art. 7º do mesmo marco regulatório, define que os padrões mínimos que o órgão regulador editará objetivam a segurança, a transparência, a liquidez, a solvência e o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial. Além disso, deixa explícito que outras formas de planos podem ser normatizadas, em face da evolução técnica natural de um sistema, e que possibilitem a flexibilidade ao Regime de Previdência Complementar para atender aos objetivos para os quais a sociedade o instituiu. Sabiamente, definiu o legislador que não cabe ao Estado, numa entidade privada, autônoma e facultativa definir, excludentemente, que tipo de plano que o particular precisa ou quer, mas regular o cumprimento das condições, as formas de acesso e retirada, os aspectos técnicos mínimos a serem observados buscando a segurança do Regime e a garantia das obrigações e dos direitos acordados nos planos.

Finalizando, no contexto de Regime de Previdência Complementar, há de se entender que a existência do caráter previdenciário de um plano de benefícios dar-se-á pela intenção e a ação preventiva e deliberada do particular com o intuito de, no futuro e por meio da realização de aportes financeiros que investidos constituirão reservas capitalizadas, atender as suas necessidades, quer seja por meio de renda adicional àquela recebida do Regime Geral de Previdência Social, ou por destinação prévia de recursos e acumulação específica para financiamento de necessidades por ele eleitas como importantes para sua sobrevivência.