O Professor Mediador



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Transcrição:

O Professor Mediador Milene Chiovatto Escrever sobre o papel mediador do professor é isolar um dentre tantos aspectos que envolvem o ato de ensinar. Por esse motivo, optei por apontar uma série de questões acerca dos papéis assumidos pelo professor, de sua atuação cotidiana e das particularidades da atividade docente, sem a pretensão de esgotar qualquer desses assuntos. Neste artigo, indico apenas alguns caminhos para a prática docente em artes, seja em sala de aula, seja em espaços expositivos. O papel do professor Nas experiências com formação docente, uma das questões mais recorrentes refere-se à falta de informações de base, o que faz com que os professores sintam-se hesitantes para modificar sua prática letiva através, por exemplo, da estimulação de questionamentos por parte dos alunos, os quais acreditam - não estão em condições de responder. As dúvidas manifestadas pelos professores deixam entrever duas questões entrelaçadas: o resultado da precária formação recebida, que os torna inseguros, e a percepção de seu papel como depositário e transmissor de informações. A falta de preparo resultante da trajetória de educação formal tende a criar professores desmotivados, acomodados a uma prática convencional, autômata, na qual perdem o prazer de ensinar, tanto quanto os alunos perdem o de aprender. Temos constatado, porém, que os professores de arte sentem necessidade de aperfeiçoamento ao se depararem com sua própria insegurança. Isso os mobiliza a procurar alternativas de formação para ampliar seus conhecimentos - e desenvolver a si próprios transformando, assim, a prática docente. Sabemos que, para ministrar uma boa aula, é necessário que o professor esteja seguro em relação ao conteúdo a ser tratado, isto é, que conheça o assunto de modo a conduzir discussões produtivas e orientar processos de descoberta por parte dos alunos. Entre sentir-se seguro e ser capaz de esgotar o assunto, no entanto, há uma longa distância. Quando se trata de arte, então, isso se torna quase impossível. Um dos aspectos essenciais do objeto de arte é ser interpretativo; por outro lado, um aspecto essencial do ser humano é ser interpretador. A interpretação de um

objeto (assunto, imagem, fato, ação) depende do ponto de vista do observador, das relações por ele traçadas junto ao que já conhece ou imagina, às suas memórias, expectativas, enfim... A interpretação é pessoal, portanto é impossível ao professor de artes abarcar todas as interpretações possíveis de um objeto. A discussão acerca do objeto de arte é uma ampliação das possibilidades interpretativas do objeto até os limites por ele próprio impostos[1]. A idéia de que é necessário saber previamente as respostas a todas as perguntas imprime sobre o profissional uma pressão irreal. Em grande parte, em se tratando de arte, é a soma das diferentes interpretações possíveis de um objeto, amalgamadas pelo professor, que amplia o significado e o interesse acerca dele. A condução da discussão sobre o objeto (conteúdo, idéia, fato, ação), permitindo a interpretação pessoal dos alunos, a soma das experiências trazidas por eles, os debates da classe sobre a atitude de um e outro, oferecem sempre novas possibilidades que podem ser úteis para a compreensão mais aprofundada do objeto. E é exatamente aí que reside o prazer de ensinar! Na prática, sabemos que o excesso de informação e conhecimento nem sempre é produtivo. Quando esses conhecimentos e informações aparecem desvinculados da vida - congelados, cristalizados, transformados em verdade absoluta - sem possibilidade de questionamento e revisão, ao contrário de auxiliar, dificultam o fluxo da aprendizagem que é, por si só, dinâmico. O professor não é um vaso, um receptáculo repleto de informações e conhecimentos a serem dali retirados e dados aos alunos. O professor é um ser pensante e de ação. Através da reflexão e da ação, deve ser capaz de estabelecer ligações entre os conteúdos a serem transmitidos e as demandas e necessidades do processo educativo pelo qual passam seus alunos, suas respostas em relação ao assunto tratado e, na soma disso tudo, reavaliar suas próprias opiniões. Estabelecer ligações, sem impor uma determinada verdade, é o aspecto mais delicado da tarefa docente. Cada conteúdo a ser ministrado tem sua própria gama de informações e conhecimentos potenciais. Somam-se a esses os conhecimentos do professor sobre o assunto, assim como aqueles conquistados em seu lidar cotidiano com a própria vida. Os conhecimentos estão, também, nas respostas dos alunos frente ao conteúdo apresentado, na maneira pela qual aquele ensinamento se constitui em fonte de

interesse e utilidade para o aluno, ou seja, como o conhecimento toma lugar na soma de experiências formadoras do processo de aprendizagem. Desta forma, o professor é responsável por criar liames entre todas as fontes, estabelecendo um terreno de sustentação para o desenvolvimento das capacidades globais do aluno: ele é o responsável por auxiliar nos processos de significação dos conteúdos. Entre tantos extremos com os quais temos que lidar, focaremos o que apresenta, de um lado, o corpo de alunos (às vezes ávidos por novos conhecimentos, às vezes indiferentes, desestimulados); de outro lado, os conteúdos que devemos ministrar (complexos, estandardizados nos programas, mas dinâmicos na realidade). De um lado Cada professor, em sua prática letiva diária, aprende a conviver com suas salas de aula, notando-lhes a personalidade como grupo. Cada sala de aula é distinta, mesmo em se tratando das mesmas séries, da mesma escola. Cada turma, pela somatória de individualidades ali presentes, apresenta uma personalidade que faz com que o professor desenvolva formas específicas de lidar com ela. A soma de individualidades que compõem cada classe, acrescida das especificidades sociais (localização, condição social e familiar, acesso aos bens culturais e de consumo, qualidade educacional anterior etc.) torna ainda maior a complexidade desse perfil. Por isso diferentes turmas demandam do professor diferentes abordagens, mas também diferentes quantidades e qualidades de informação e estímulo, de acordo com a significância que a turma atribui ao conteúdo tratado. É muito comum que duas classes distintas tenham formas também distintas de empatia frente a um mesmo conteúdo. Cabe ao professor, além de apresentá-lo, revelar a importância do conteúdo e estimular as turmas - através de diferentes abordagens - para torná-lo mais vivo e significativo para cada grupo em particular. Assim, embora muitas vezes o conteúdo a ser ministrado seja o mesmo, ele será adequado pelo professor às especificidades de cada classe. Ensinar, desta forma, não pode estar baseado em receitas pré-determinadas, reduzindo o papel do professor ao de um mero aplicador de estratégias. Pelo contrário, cabe ao professor, a partir de uma mesma base de conteúdos, didáticas e práticas de ensino, dinamizálas segundo o perfil de cada turma em particular.

Para tanto, é necessário que o professor conheça o perfil das turmas, compreendendo que não se pode exigir de todas elas respostas iguais, embora deva garantir, na multiplicidade de respostas, igual qualidade e densidade. Da mesma forma, para um mediador de mostras artísticas, é preciso modelar sua atuação em relação ao grupo de visita. Nem todos os grupos são iguais, seja em termos de faixa etária, seja em termos de interesses gerais. Normalmente grupos de escola virão com seus interesses definidos a priori pelo professor. Mesmo assim, muitas vezes percebe-se, no espaço expositivo, que a atenção do grupo é desviada do caminho originalmente traçado, obrigando o mediador a estabelecer novas relações. Essas foram preocupações que nos guiaram na formação e atuação do serviço de monitoria, junto ao Núcleo Educação da XXIV Bienal de São Paulo, responsável por potencializar o aspecto educativo da mostra. Focamos a atividade dos monitores em sua responsabilidade para com uma atuação mediadora, voltada para o momento do encontro do visitante com o objeto artístico e que não se pautasse apenas por uma avalanche informativa. Cabe ao mediador de exposições, assim como ao professor, tecer uma trama articulada entre os interesses previamente traçados e os imediatamente despertados, conferindo unicidade, coerência e significância ao contato com as obras de arte. Nas mostras de arte, os grupos não escolares articulam-se também por instituições e interesses comuns, fazendo com que se inicie o contato questionando seus interesses, tentando perceber suas particularidades, e ampliando o universo de interesse - normalmente condicionado pela mídia - no sentido de potencializar a visita. O mediador, portanto, não só apresenta um determinado conteúdo, mas estimula seu valor significativo, ajustando-o a cada turma, tramando, com eles, respostas produtivas e significantes. Assim, o grupo - seja uma classe na escola, seja um grupo de visita a uma exposição - estará efetivamente participando de seu processo educativo, ampliando substancialmente sua posição de depositários de conhecimentos e informações. De outro lado No Brasil, a disciplina escolar das artes apresentou situações distintas ao longo da história da educação[2]. Por vezes foi considerada mera atividade prática, manualidade; por vezes, como momento da liberação criativa para o aluno, ambas com fins subalternos às das outras disciplinas, tidas como mais sérias.

Tais posturas encaminharam o ensino de arte para dois extremos: a educação artística entendida como uma série de técnicas artesanais a serem transmitidas aos alunos; ou recaindo num fazer espontâneo - sem medida, mas também sem sentido. Ainda hoje percebemos, nas demandas por variadas técnicas fáceis de se fazer com crianças, feitas por estudantes que buscam a graduação em artes, o quão vivas estão essas compreensões do ensino de arte na escola. Tal panorama tem diminuído graças aos esforços realizados no sentido de garantir à educação artística uma posição igualitária na escola em relação às demais disciplinas, bem como de resgatar para os termos educativos as questões específicas da arte. As contribuições trazidas pela difusão do DBAE, pela Abordagem Triangular e pelos Parâmetros Currriculares Nacionais Arte (PCNs), reconhecem tanto a complexidade e especificidade da arte como das práticas educacionais a ela associadas. As questões específicas da arte perpassam a compreensão da sua complexidade. O que chamamos de arte (para além de toda a filosofia que aqui se instaura) é apreciável através de um conjunto de objetos, imagens e idéias que participam das mais complexas ações da humanidade. Esses objetos, imagens e idéias podem até ser simples, aparentemente, mas, por representarem o que chamamos de Arte, participam de uma categoria diferenciada em relação aos demais objetos, imagens e idéias produzidas pelo homem; isso significa que a arte não está necessariamente no objeto que se apresenta à visão, mas sim no que ele significa para determinada região, tempo ou cultura. Dizer que a arte e - por extensão - seu ensino são complexos, não significa, porém, dizer que devam ser necessariamente difíceis ou aborrecidos. Pelo contrário, é algo que, por acompanhar a trajetória do homem antes mesmo de que outras formas de comunicação fossem registradas, já nos explicita seu papel fundamental e intrínseco ao ser humano. A trama que o professor de arte irá construir para dar conta de tal complexidade envolve as ações de tornar potente e articular conhecimentos ligadas ao todo que significa lidar com a arte[3], ou seja, inclui conhecimentos sobre diferentes operações técnicas, estéticas, críticas, históricas e sociais; mas este exercício não terá cumprido sua função se as pontas da trama não se unirem aos interesses e significados dos alunos, ou seja, se todo esse riquíssimo conteúdo não for capaz de

criar sentido para ele. Por isso estamos tratando do professor como mediador: ser mediador é estar entre - uma posição delicada. O professor mediador Já que no início era o Verbo, partamos das etimologias para tentarmos esclarecer o papel mediador do professor. Na raiz de educação, temos educatio, que significa criar, alimentar, instruir; sendo a educação a ação de despertar as aptidões naturais do indivíduo e orientá-las segundo os padrões ou ideais de uma determinada sociedade, aprimorando-lhes as faculdades intelectuais, físicas e morais [4], para que se desenvolvam como indivíduos e como cidadãos. O problema é: como fazer isso? Pela etimologia das palavras, vemos as diferentes acepções que podem ser empregadas para definir as ações envolvidas na docência. Se tomarmos o termo docere como etimologia de docência, teremos o fundo de conceitos e noções que serão transmitidos através da ação do agente (docente). Neste caso o professor seria um transmissor de informações mais ou menos coerentes que, através dele, chegam até os alunos, repousando ali. Mas então o professor serve apenas para mudar o conhecimento de lugar? Perceba-se que a transmissão dessas informações - que participam do processo de educar - não pode ser feita de maneira automática, sem envolvimento. Isso seria reduzir o professor a um emissor de informações, que não age e nem reage a elas. Se não forem apropriados, retrabalhados constantemente, as informações e os conhecimentos tornam-se vazios, sem significado, transformando-se em dados a serem apenas captados e reproduzidos. Para que a educação aconteça, é necessário que as informações e conhecimentos façam sentido tanto para quem os transmite quanto para quem os recebe. É preciso que o professor e o aluno, ou visitante de exposição, se apropriem dos conteúdos; tomem posse deles. Para tanto é preciso que o transmissor, tanto quanto o receptor dos conteúdos, ultrapasse posições passivas e seja participante da ação educativa. A educação é, portanto, um processo dinâmico que requer um educador agente e um educando participativo. E o que é um mediador?

A figura do mediador aparece, por exemplo, nos debates políticos, nas mesas redondas em congressos. Sua presença garante o desenvolvimento da ação. É ele o responsável por dosar as informações dos participantes a fim de construir, pela exata soma das partes, um todo compreensível e imparcial. Como vimos, a ação do educador não se reduz à transmissão de informações e conhecimentos, mas é ativa na construção de tramas que articulam conteúdos, mundo, vida, experiências (suas e dos alunos) num todo significante: é neste sentido que o professor é mediador. Mediar é estar entre, no meio, o que poderia ser entendido como uma barreira, afastando pólos, colocando-os em extremos opostos - incomunicáveis, inconciliáveis. A proposta de mediação, entretanto, é exatamente oposta. É estando no meio que se pode, mais facilmente, perceber as necessidades dos pólos e interceder no sentido de garantir um equilíbrio, uma conciliação. E como fazem os mediadores para chegar ao resultado satisfatório a todos? Consideram todas as necessidades e as respondem; exploram e aprofundam cada descoberta, garantindo-lhes sentido; e articulam todos esses aspectos segundo as especificidades da situação. Estar entre - como propomos aqui - não é permanecer inerte, impermeável, ou seja, ser apenas ponte que interliga extremos, mas é interagir com as demandas dos extremos e outras tantas, construindo um todo significativo. Responder aos estímulos, tanto do conjunto de conteúdos a ser trabalhado, dos estudantes e também do mundo no qual todos se inserem, incluindo aí variáveis que apenas o professor em sua realidade é capaz de compreender, significa cumprir, em síntese, duas operações distintas: tornar o encontro (com a obra, com a técnica, com o conhecimento, consigo próprio) potencial e articular os conhecimentos derivados desse encontro, interligando-os numa construção coletiva. A especificidade da arte leva o professor mediador a ter que agir em diferentes frentes. Em se tratando, por exemplo, do aspecto contextual, uma das questões mais comuns dos professores e monitores de exposições se refere à quantidade de informação que deve ser fornecida ao aluno/visitante, quando frente à obra (ou sua reprodução). Essa dúvida se atém à aparente necessidade de explicar a obra de arte e justificar seu valor (econômico, histórico e social), para - a partir disso - estabelecer sua importância.

A relevância de um objeto para que seja considerado artístico, como dissemos acima, não está intrinsecamente nele mas no que ele significa para um determinado contexto, ou seja, é um dado a priori. A quantidade - e também qualidade - de informação a ser fornecida sobre a obra, a época em que foi feita, o artista, a técnica, o valor etc. não são dados isolados: fazem parte do todo que está sendo mediado e, portanto, tem sua medida derivada da flutuação das demais variáveis do processo. Sem dúvida, é fundamental que o professor conquiste um conhecimento que o faça sentir-se seguro frente ao conteúdo a ser tratado, mas este conhecimento não deve ser usado para justificar a importância ou o valor da obra de arte, e sim para subsidiar o desenvolvimento das percepções, interpretações e reflexões sobre o objeto artístico. Um dos exemplos claros acontece frente a obras de arte contemporânea, normalmente difíceis de aceitar pela maioria das pessoas. Para aventurar-se no desbravar da arte contemporânea, é preciso que o próprio professor mediador esteja consciente de que o que chamamos de Arte não é um único fenômeno, mas um conjunto de variadas manifestações em diferentes tempos e lugares do mundo, o que implica falta de unicidade. Por ser também histórica, ou seja, acompanhar o desenvolvimento do próprio homem, a arte muda tanto de aparência quanto de função e compreensão por parte da sociedade; assim como mudam as idéias de beleza a ela associadas. Tentar explicar porque um bloco de gordura animal colocado sobre uma cadeira é arte (como na obra de Joseph Beuys) soará um tanto ridículo frente ao incômodo - para dizer pouco - que tal imagem oferece. Neste caso é fundamental explorar a sensação de incômodo, ir fundo nos sentimentos e sensações percebidos e, a partir disso, oferecer dados sobre a vida do artista, seu momento histórico e sua relação com os materiais artísticos, bem como sua filosofia em arte que trarão à obra mais sentido, e não justificativa. O professor mediador em artes deverá estar atento às possibilidades de incorporação do conteúdo artístico por seus alunos, intervindo no sentido de potencializar os encontros com o objeto de arte[5] e com as instâncias envolvidas em sua compreensão. Deverá dinamizar o fornecimento de informações para que os encontros façam sentido, estimulando a reflexão sobre a percepção e a interpretação dos alunos, favorecendo a recriação do objeto (plasticamente e intelectualmente), podendo, assim, avançar em questionamentos estéticos, juízos de valor, sistemas e critérios críticos de arte.

O aluno/ visitante deve sentir-se tão confiante quanto o mediador no sentido de discorrer sobre o assunto, sabendo da importância e pertinência de seu parecer pessoal, reconhecendo que cada postura acrescenta algo significativo ao saber da arte como um todo. Finalizando, o professor mediador encontra-se no meio da ação de educar, e aí age, garantindo a incorporação das percepções e interpretações individuais, das informações e conhecimentos (dos conteúdos, seus e dos alunos), das relações com o mundo em que vivemos, num todo articulado e significante, que amalgama o conhecimento tornado útil ao fluxo dinâmico da vida. [1] - Sobre estes assuntos ler ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1967. ECO, Umberto. Os limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 1995. [2] - Sobre o assunto ler BARBOSA, Ana Mae & SALES, Heloísa Margarido (orgs.) O ensino da arte e sua história. São Paulo: MAC/USP, 1990. [3] - Segundo a Abordagem Triangular introduzida por Ana Mae Barbosa e de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais - Arte, as instâncias envolvidas no lidar com a arte perpassam o fazer/ produzir, o contextualizar/ compreender e o apreciar / fruir da arte. [4] - Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1999. [5] Ou no caso da sala de aula a reprodução deste objeto, salientando que o encontro é, neste caso, de natureza distinta da do encontro com o objeto real