UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL IV SEAD - SEMINÁRIO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO 1969-2009: Memória e história na/da Análise do Discurso Porto Alegre, de 10 a 13 de novembro de 2009 A MULHER SOB O OLHAR DE ARNALDO JABOR - UMA ANÁLISE DE DISCURSO 1. INTRODUÇÃO Luciano Luiz Araújo lucianolaraujo@gmail.com Mestrando em Lingüística (Análise do Discurso) Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Este trabalho, orientado sob a perspectiva da Teoria da Análise do Discurso de linha francesa (AD), fundada por Pêcheux, tem como objetivo principal analisar o discurso do jornalista e cronista Arnaldo Jabor no que diz respeito às posições de sujeito/autor, sobre a mulher na sociedade. As crônicas de Arnaldo Jabor (AJ), partindo dos fundamentos do gênero, apresentam-se como as formas que o escritor vê um fato social e o mimetiza. Essa representação do real, sob forma de discurso, vem carregada de um ponto de vista, acerca do fato representado. Sob a disposição de recortes, procuramos analisar a posição do cronista enquanto sujeito a partir de algumas categorias da AD. Analisar o universo feminino sob a ótica da Análise do Discurso, parte da preocupação com o que se prega nos meios de Comunicação em nossa sociedade sobre esse gênero humano. Nesse caso o sujeito é tomado como sujeito de discurso. Isso posto, verificaremos qual o olhar do sujeito acerca da mulher. 2. ANÁLISE DO DISCURSO A SIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM NO MEIO SOCIAL A AD, Fundada por Michel Pêcheux, na França, segundo Cavalcante (2007), assenta-se em dois conceitos nucleares ideologia e discurso - e se constitui uma teoria crítica da linguagem. Nessa perspectiva, a língua não é homogênea e, portanto, a linguagem do sujeito é vista como objeto discursivo, sócio histórico, ideológico; e esse objeto discursivo apresenta-se sujeito às várias interpretações. Algumas categorias da AD foram fundamentais para o trabalho.

a) CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO Os sentidos produzidos pelo discurso põem em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de produção. Tais condições compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situação. Nesse caso, a memória discursiva 1 também faz parte das condições de produção do discurso. (ORLANDI, 2003). b) FORMAÇÕES IDEOLÓGICAS Constituem matrizes comuns a um conjunto de discursos que expressam posições assumidas pelos sujeitos em diferentes práticas sociais. Cada formação ideológica contém, necessariamente, como um de seus componentes, uma ou várias formações discursivas. (CAVALCANTE, 1999). c) FORMAÇÃO DISCURSIVA Tal termo foi introduzido por Foucault (1969) em Arqueologia do Saber, para designar os conjuntos de enunciados relacionados a um mesmo sistema de regras, historicamente determinadas; e Pêcheux (1975) o introduz na AD para se reportar àquilo que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma palestra, aula, sermão, panfleto, exposição, programa), a partir de uma posição dada, em uma conjuntura dada. Assim concebida, ela estabelece um domínio de saber, um lugar em que as formações ideológicas operam, regulando sentidos e estabelecendo formulações que são aceitáveis e outras inaceitáveis. (CAVALCANTE, 2002). Frisamos que a esses conceitos subjaz uma concepção de língua como a apontada por Bakhtin (1981, p. 124): a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta. E reiterada por Orlandi (2003, p. 15). A Análise do Discurso não trabalha a língua como sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade. Segundo a autora, é esta prática de linguagem que faz a mediação necessária entre o homem e a sua realidade natural e social. Passa-se, então, a entender a linguagem enquanto praxis social, considerando-se a exterioridade como constitutiva. Sendo o discurso o ponto mediador entre o homem e sua realidade social, tal práxis social vem carregada de uma ideologia do sujeito, inerente ao contexto socio-histórico, e à pretensão daquela formação discursiva. Todo discurso é ideológico, uma vez que, ao produzi-lo, o sujeito o faz, a partir de um lugar social, de uma perspectiva ideológica, e assim veiculam valores, crenças, visões de mundo que representam os lugares sociais que ocupa. O discurso é, pois, campo de mediações que articula novos sentidos ao já conhecido. Ele tem a capacidade de 1 O que chamamos memória discursiva é o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob forma de pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra. Orlandi (2003). Mais adiante nos utilizaremos do interdiscurso.

(re)significar o já dito e instituir uma nova memória discursiva. (CAVALCANTE, 2007, p.35). Vejamos o seguinte dizer de AJ: Mas ainda existem mulheres de verdade. Mulheres que sabem se valorizar e valorizar o que tem dentro de casa", o seu trabalho. (Ninguém mais namora as deusas). Nesse fragmento de discurso, a princípio, verificamos um dizer implícito e um silenciado. Primeiro, ele deixa implícito que existem mulheres de mentira, ao afirmar que Mas ainda existem mulheres de verdade". O uso da adversativa mas, que contrapõe o adjunto adnominal verdade com o seu antônimo mentira, autoriza esse implícito. Fica também implícito que a mulher não deve perder seu valor, procurando se estabelecer de outras maneiras na sociedade. A sugestão de que é esse o modelo de mulher, de acordo com o pensamento de uma cultura tradicionalista, constitui o silenciado. 3. Sujeito, língua, linguagem e ideologia A ideologia materializa-se na linguagem. Dito isso, não há um discurso em que a ideologia não esteja presente. Por ideologia entende-se as posições assumidas pelos sujeitos em diferentes práticas sociais, posições que veiculam valores, crenças religiosas, culturais e políticas do sujeito, e que passam a identificá-lo na sociedade. Podemos considerar o sujeito como ser capaz de interferir no processo sócio-histórico, através de sua formação discursiva FD e ideológica FI, que vem permeada e construída por interdiscursos. O discurso é uma prática social determinada por uma formação ideológica e, ao mesmo tempo, lugar de elaboração e de difusão da ideologia. (Bakhtin, 2004). Verificamos em Magalhães (2005, p.28) que a subjetividade que percebe carências precisa conhecer a legalidade da objetividade para nela interferir, mas apenas dentro das possibilidades permitidas por essa mesma objetividade ; pois é o surgimento da subjetividade que instaura o ser social; e a história do gênero humano é a história da intervenção da subjetividade na objetividade. É nessa relação que se consubstancia a força do sujeito. Sustentados nesse entendimento, de materialização da ideologia na linguagem/discurso do sujeito/autor, que perpassa o sócio-histórico, pretendemos iniciar a abordagem acerca dos olhares que acompanham o autor Arnaldo Jabor, nos escritos sobre a mulher. 4. A MULHER SOB O OLHAR DE ARNALDO JABOR - UMA ANÁLISE DE DISCURSO Inicialmente, faz-se necessário dizer que a impressa, lugar de onde fala AJ, é um lugar privilegiado, através dela tanto se pode criar uma imagem positiva quanto negativa para determinado fato ou alguém. Isso dependerá das idéias que o veículo de comunicação tem a respeito do que é tratado, pois as idéias apresentadas na imprensa, muitas vezes, partem da própria organização da instituição. Assim,

pode-se perceber um indício de que ela se torna participante, pelo fato de concordar com a veiculação de determinadas posições. Após a nossa leitura do livro Amor é prosa, sexo é poesia, destacamos a crônica Resposta a uma moça 50 anos depois na qual, em algum momento, AJ tece comentários sobre a figura feminina, e, a partir delas, fizemos recortes para a nossa análise. Quando o sujeito na crônica em questão, a partir de relatos de uma mulher, através de carta, agradecendo por haver sido citada nas reminiscências do autor; ele resolve responder tal carta e lembrar da sua infância e da figura desta, já agora, mulher. Temos o que podemos denominar como condição de produção. (...) Hoje, mais de 50 anos depois, vou dizer o que sentia por você, você foi o que eu imaginava o que seria uma namorada. Você despertou em mim um tremor novo, a primeira emoção do que mais tarde vi que chamavam amor. (...) (JABOR, 2004, Pg. 54). A alusão ao passado é bastante comum nas crônicas do sujeito. Podemos perceber essa recorrência ao passado; e nesse caso, o sujeito dialoga com sua memória/ memória discursiva na produção de sua formação discursiva. Segue o sujeito com seu discurso na intenção de mostrar sua trajetória de menino até a fase adulta. [...] Uma brincadeira também esquecida: casamento japonês, onde se escolhia uma menina a quem se perguntava: Pêra, uva ou maçã? ; você disse uva e eu beijei seu rosto, sentindo-me, em seguida, voar por cima do seu jardim, vendo as casas da Urca lá embaixo. E, assim, você ficou de namorada oficial de minha infância imaginária. Não sei por que, Silvinha sempre tive fascinação por meninas que me deixavam arrebatado e com medo ao mesmo tempo, sempre de algum modo as meninas que me atraíam me pareciam inatingíveis, etéreas, como se fossem destinadas a outros e não a mim e essa impossibilidade aumentava meu fascínio de pierrô. Aliás, devo confessar hoje, 50 anos depois, que você não foi a única [...] (id. 2004, p. 54, 55). Com base nestas condições de produção, pretendemos verificar dois recortes em específicos: Devo dizer também que fui crescendo e enlouqueci de um amor mais carnal por uma moça mais velha, Isadora, de pernas lindas no maiô roxo Catalina, alva, de boca rubra com muito batom. Daí para frente, Silvinha, já adolescente, comecei minhas incursões pelo mundo do pecado, sempre instruído por meu professor de sacanagens, o saudoso pipoqueiro Bené, que você certamente conheceu, ele que me induzia às mais pecaminosas ações solitárias, dando-me revistinhas de mulher nua, ainda ingênuas, como Saúde e Nudismo, cheias de moças azuis, deitadas em praias remotas. Nessa época, eu já vivia em Copacabana, na casa de meu avô, onde eu tinha mais liberdade que sob as ordens de mamãe. Depois, Silvinha, continuei minha trilha pelos caminhos que se abriam para os jovens solitários daquela época: as casas de pecado do Catete, os famosos "rendez-vous", o que nos fez dividir as mulheres em "santas" e "prostitutas", ficando as santas como você em nossa memória iluminada e as outras sendo fonte de erros e sofrimentos. Todas, então, santas e bruxas, eram intangíveis, todas impossíveis. Veja como se formavam os jovens nos anos 50 para o amor.

Esses recortes reforçam a idéia de fuga ao passado, no intuito de mostrar como se dava a relação homem e mulher. Reforçam também a idéia de a mulher ser vista como objeto sexual, dividindo-as em santas e prostitutas. No primeiro recorte podemos verificar o aparecimento de duas figuras masculinas que vão dar suportes e incentivos para uma formação do sujeito que visam o desejar a mulher para o sexo. Quando o sujeito cita o avô, e quanto cita o saudoso pipoqueiro Bené, entendemos está embutido o pensamento de uma formação cultural ligada ao patriarcalismo, regado por uma cultura machista. Constatando esses dois extremos, santas e prostitutas, nos quais a figura feminina é colocada, podemos recorrer ao que diz Gutierrez (1985, p.21) sobre essa cultura: não é sem conflito que a sexualidade da mulher é assumida. Se não quer parecer pouco feminina deve ser passiva. Sobre as consideradas santas, a autora diz o seguinte, referindo-se ao modo de pensar em uma cultura patriarcal, [...] Mais do que nunca deve assumir-se como objeto e não como sujeito. E eis o conflito: educada para agradar e seduzir, deve esconder seus desejos. Seu comportamento sexual é determinado por sua própria condição. Se a passividade não é real, torna-se necessário representá-la, pois, toda afirmação de si mesma diminui sua feminilidade e suas chances de sedução. (id. 1985, p. 21). Ao colocar a mulher em uma esfera de estar disposta a satisfazer os jovens solitários daquela época, no caso das prostitutas, mesmo em uma alusão ao passado, inferimos, esse ponto de vista do sujeito acerca da mulher se mantém. Faz-se necessário uma explicitação sobre o feminismo. Tal movimento defendia e defende um direito de igualdade dos gêneros, em meio a uma cultura patriarcal em que se procurou educar a mulher, de forma que ela estivesse disposta a suprir os interesses dos homens, quando não, ficar como donas do lar ; no entanto, o feminismo é um movimento político que defende a liberdade das mulheres, portanto defende a liberdade de cada uma de escolher, de optar. (id. Ibdem 1985, p. 76). Podemos ainda recorrer a Gutierrez quando afirma o seguinte, [...] foi a família monogâmica, unicelular, patriarcal e autoritária, instituída pelo capitalismo, que se apropriou da mulher, de seu corpo e de seu destino. Como dissemos, foi o sistema patriarcal capitalista que agravou a opressão da mulher. [...] na luta feminista as mulheres não negam os homens enquanto homens, negam os homens enquanto senhores, dominadores e opressores. (et. al 1985, p. 77,78) Percebemos no discurso do sujeito características da Ironia. Entenda-se que essa ironia é um gesto dirigido a um destinatário, não uma atividade lúdica, desinteressada (MAINGUENEAU, 1989, p.99). Ainda segundo o Maingueneau, tal fenômeno tem, em sua natureza, a finalidade de causar ambigüidade no dito do autor, como algo que significa o contrário do que foi dito. Contudo, entendemos

que, apesar da ironia, ele não nos impede de verificarmos os pontos julgados como verdadeiros pelo sujeito. 5. CONCLUSÃO Podemos concluir, após verificação e análise dos escritos do autor Arnaldo Jabor, sobre a mulher, que o sujeito faz criticas a forma cultural que a nossa sociedade vem tomando, tendo como um dos seus argumentos ditos sobre esse gênero humano. As idéias do sujeito, ao que entendemos, refletem preconceito e discriminação da mulher, classificando-a como travesti; incitação de culpa ao feminismo; na sua mercantilização, vista como objeto sexual de consumo; e na sugestão que o sujeito faz, de colocá-la em uma posição de passividade, cuidando dos afazeres domésticos. Essas idéias são recheadas de ironias. Entendemos que isso parece funcionar como um moderador de disfarce. Mesmo ironizando sobre um fato, ou alguém, o sujeito deixa sua posição sobre a mulher. Constatamos que na sua formação ideológica existe a presença marcante de um interdiscurso machista. AJ tece criticas ao movimento feminista, e dá ao gênero humano, mulher, um tratamento inferior. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSIS, M. de, Dom Casmurro. São Paulo: Ática, 1981. BAKTTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981. CAVALCANTE, M. do S. A. de O. Implícitos e Silenciamentos como pistas ideológicas. In: Leitura, n.23 (jan./jun.1999). Maceió: EDUFAL, 1997.. Qualidade e cidadania nas reformas da educação brasileira: o simulacro de um discurso modernizador Maceió: EDUFAL, 2007. GUTIÉRREZ, O feminismo é um humanismo: o sentido libertário da luta da mulher. Rio de Janeiro: Antares; São Paulo: Nobel, 1985 JABOR, A. Amor é prosa, sexo é poesia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. MAGALHÃES, Belmira, As marcas do corpo contando a história: um estudo sobre a violência doméstica Maceió: EDUFAL, 2005 MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes, 1989. ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2003.