KANT E A FACULDADE DE JULGAR



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Transcrição:

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 1 KANT E A FACULDADE DE JULGAR Em reflexäo, a dupla funåäo do JuÇzo e a relaåäo entre entendimento, sentimento e razäo. Por Ulisses da Silva Vasconcelos* A RELAÄÅO ENTRE NATUREZA E LIBERDADE POR MEIO DA FACULDADE DE JULGAR NO ÇMBITO DAS TRÉS OBRAS CRÑTICAS DE KANT IntroduÄÅo Na CrÇtica do JuÇzo (Kritik der Urteilskraft), Kant ao investigar a nossa faculdade de julgar faz a distinäåo entre JuÉzo reflexionante (estötico e teleolügico) e JuÉzo determinante (teürico e prático), situando o primeiro na base de toda preocupaäåo epistemolügica, prática e estötica, isto Ö, dando primazia fundacional ao JuÉzo reflexionante com relaäåo ao conhecimento e a moral. Kant, preocupado em analisar como såo posséveis JuÉzos estöticos universalmente válidos, fala de uma vinculaäåo entre o JuÉzo reflexionante juézo-de-reflexåo estötica que contöm finalidade formal, relacionado ao sentimento de prazer e desprazer e o JuÉzo determinante, relacionado com as faculdades de conhecer e de desejar. O filüsofo afirma que esta conexåo nåo está fundada em nenhum princépio a priori do entendimento e da razäo, e sim que o JuÉzo-de-reflexÅo estötica está na base fundacional de ambas as faculdades. O objetivo deste artigo Ö justamente explicitar a distinäåo entre JuÉzo reflexionante e JuÉzo determinante no ãmbito das trås obras créticas de

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 2 Kant, e como o filüsofo estabelece a vinculaäåo do substrato sensével da razåo teürica (conhecimento) ao substrato inteligével da razåo prática (liberdade), mediante um princépio prüprio do JuÉzo. A dupla funäåo do JuÇzo A expressåo faculdade de julgar, çs vezes traduzida simplesmente por JuÉzo ("Urteilskraft"), Ö empregada sobretudo em relaäåo com a filosofia de Kant. Na IntroduÅÄo É CrÇtica do JuÇzo (item IIa, p. 171), o filüsofo faz trås definiäées para a nossa faculdade de pensar: o entendimento, Ö a faculdade do conhecimento do universal (das regras); o JuÄzo, Ö a faculdade da subsunäåo do particular sob o universal e, a razåo, Ö a faculdade da determinaäåo do particular pelo universal (da derivaäåo a partir de princépios). Ainda na IntroduÄÅo (item XIa, p.199), ele coloca as trås faculdades da mente ao lado das trås faculdades-de-conhecimento superiores correspondentes: Faculdade-de-conhecimento (entendimento) Legalidade Produto: Natureza; Sentimento de prazer e desprazer (JuÉzo) Finalidade (formal, legalidade livre, legalidade sem lei) Produto: Arte; Faculdade-de-desejar (razåo) Finalidade (Lei, obrigatoriedade) Produto: Costumes. Assim, Kant situa o JuÉzo como uma faculdade intermediária entre as trås faculdades do espérito humano: ora coloca o JuÉzo como a faculdade intermediária de pensar o particular sob os princépios do entendimento e da razäo, ora coloca o JuÉzo como faculdade-de-conhecimento-superior intermediária (de pensar o princépio para o particular). Isso significa que a faculdade de julgar em geral Ö a capacidade de pensar o particular como contido sob o universal (como dependente dos princépios do entendimento e da razäo), e ao mesmo tempo a faculdade de julgar sob um princépio prüprio, isto Ö, independentemente dos princépios do entendimento e da razäo. No primeiro caso temos o JuÉzo determinante, no segundo o JuÉzo reflexionante. Como Kant afirma que a faculdade de julgar designa a faculdade de pensar o particular como contido no universal, conclui-se que há dois modos básicos de JuÉzo: se o universal está dado, o JuÉzo que subordina nele o particular chama-se determinante (bestimmend); se ao contrário, está dado o particular e Ö preciso subordinar no universal, o JuÉzo que procura o universal no qual subordinar o particular chama-se reflexionante (reflektierend). Em outras palavras, se o universal (a regra, o princépio, a lei) for dado, o JuÉzo que nele subsume (pensa) o particular Ö determinante (bestimmend). Por outro lado, se somente o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o universal, entåo o JuÉzo Ö simplesmente reflexionante (reflektierend). Portanto, para Kant, o JuÉzo exerce uma dupla funäåo: 1) O JuÉzo Ö determinante, quando se trata de encontrar uma representaäåo particular para uma representaäåo universal já dada (a lei ou para um objeto particular ou para uma aäåo no caso do conhecimento e da moral); 2) O JuÉzo Ö

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 3 reflexionante, quando se trata de procurar uma representação universal para uma outra representação particular já dada, ou seja, é o Juízo que parte em busca de uma representação universal para uma obra dada (no caso da arte, de um quadro, de uma escultura, de uma música etc.). No primeiro caso, a função do Juízo tem validade objetiva (determinação objetiva para um objeto particular ou para uma ação) por meio de um princípio a priori do entendimento ou da razäo. No segundo caso, a função do Juízo é meramente subjetiva, tendo validade somente para o sentimento de prazer e desprazer, e atua sob um princípio a priori do próprio Juízo. Em outras palavras, o Juízo determinante pensa primeiramente o universal (o conceito do entendimento ou a lei moral) e subsume o particular encontrado (o objeto teórico ou a ação), enquanto o Juízo reflexionante pensa primeiramente o particular (a obra de arte) e o subsume ao universal procurado. Para Kant, as faculdades de conhecimentos superiores traduzem o fundamento e a unificação da filosofia em seu sistema transcendental, e ele inclui aí justamente a faculdade de julgar entre o entendimento e a razäo. Ao definir as três faculdades superiores, Kant intenciona unificar todo o seu sistema crítico: a faculdade de julgar, é a faculdade da subsunção do particular sob o universal; a razäo, é a faculdade da determinação do particular pelo universal, legisladora das leis da liberdade na Crítica da razão prática e, o entendimento, é a faculdade legisladora das regras, das leis da natureza que permitem o conhecimento do universal no mundo fenomênico, objeto da Crítica da razão pura teórica. Com isso Kant distingue as duas faculdades superiores legisladoras (entendimento e razäo) de uma faculdade superior sem autonomia (sem regras e sem leis), a faculdade de julgar. Por conseguinte, Kant divide a filosofia em duas partes, em filosofia teórica (conhecimento) e em filosofia prática (moral), situando a faculdade de julgar entre esses dois campos, porque esta faculdade, ao realizar a sua função de subsunção do particular sob o universal, é ao mesmo tempo responsável pela ligação necessária entre o conhecimento e a liberdade, revelando assim a estrutura sistemática da razão: razão teórica Juízo razão prática. As faculdades-de-conhecimento superiores (entendimento, juízo e razão) contém princípios formais próprios a priori que fundam necessidade e universalidade, conforme determinem a faculdade da mente a estas correspondentes, e associam-se a estes fundamentos a priori a possibilidade das formas das representações de seus produtos. Assim, o entendimento contém princípios a priori (legalidade) para a faculdade-de-conhecimento que fundam a representação da Natureza por conceitos; o JuÇzo contém princípios a priori (finalidade formal, legalidade sem lei) para o sentimento de prazer e desprazer que fundam a representação da Arte, mas sem produzir conceitos, regras ou leis, e a razäo contém princípios a priori (finalidade que é ao mesmo tempo lei,

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 4 obrigatoriedade) meramente para a faculdade-de-desejar que fundam os costumes sob a ideia da liberdade humana. A natureza, portanto, funda sua legalidade sobre princépios a priori do entendimento como uma faculdade-de-conhecimento; a arte orienta-se em sua finalidade a priori segundo o JuÉzo, em referåncia ao sentimento de prazer e desprazer; por fim, os costumes (como produto da liberdade) ficam sob a idöia de uma tal forma da finalidade, que se qualifica a lei universal, como fundamento de determinaäåo da razåo quanto ç faculdade-de-desejar. Os juézos, que desse modo se originam de princépios a priori que såo prüprios a cada faculdade fundamental da mente, såo juézos teüricos, estöticos e práticos. (KANT, 1980a, p. 199-200) Para Kant, a faculdade de julgar, embora seja uma faculdade de conhecimento superior, nåo produz os conceitos, como o entendimento, nem ideias, como a razåo. Nesse sentido, a faculdade de julgar Ö uma faculdade de conhecimento particular e sem autonomia, que opera a subsunäåo desse particular sob conceitos dados, provenientes do entendimento. Mas a faculdade de julgar nåo funda nem um conhecimento teürico da natureza, nem um princépio prático da liberdade; ela pressupée uma unidade formal das leis da natureza de acordo com os conceitos do entendimento. Essa unidade fornece um princépio para se operar a subsunäåo de experiåncias particulares sob as leis universais a priori, o que permite a vinculaäåo sistemática dos dados empéricos. Neste aspecto, o discurso de Kant na IntroduÅÄo É CrÇtica do JuÇzo, ilustra bem seus propüsitos: O conceito originariamente proveniente do JuÉzo e prüprio a ele Ö, pois, o da natureza como arte, em outras palavras, o da töcnica da natureza quanto a suas leis particulares, conceito este que nåo funda nenhuma teoria e, do mesmo modo que a lügica, nåo contöm conhecimento dos objetos e de sua Éndole, mas somente dá um princépio para o prosseguimento segundo leis de experiåncia, pelas quais se torna possével a investigaäåo da natureza. Com isto, poröm, o conhecimento da natureza nåo Ö enriquecido com nenhuma lei objetiva particular, mas Ö apenas fundada para o juézo uma máxima, para observá-la de acordo com ela e, com isso, manter juntas as formas da natureza. (KANT, 1980a, p. 172) Por isso Kant apresenta as faculdades de conhecimento segundo os tipos de relaäées existentes entre o sujeito e o objeto. Assim, quando o sujeito constrüi representaäées que se referem ao objeto, está em aäåo a faculdade do conhecimento em sentido estrito; quando as representaäées såo causa da efetividade do objeto, age no sujeito a faculdade de desejar; e quando, finalmente, essas representaäées referem-se ao sujeito, produzindo efeito positivo ou negativo sobre o mesmo,

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 5 está em ato o sentimento de prazer ou desprazer. Estabelecidos os dois sistemas de faculdades, Kant, aplicando seu mötodo transcendental, opera a relaäåo de um com o outro, deduzindo os princépios a priori da faculdade de julgar, ao lado dos princépios a priori do entendimento e da razäo, já deduzidos, respectivamente, nas duas primeiras CrÉticas. Enquanto o entendimento e a razäo referem-se a objetos, o JuÉzo refere-se exclusivamente ao sujeito, nåo produzindo nenhum conceito de objetos. Discorrendo sobre isto, Kant argumentou que: Ora, a faculdade-de-conhecimento segundo conceitos tem seus princépios a priori no entendimento puro (em seu conceito da natureza), a faculdade-de-desejar, na razåo pura (em seu conceito da liberdade), e assim resta ainda entre as propriedades da mente em geral uma faculdade ou receptividade mödia, ou seja, o sentimento de prazer e desprazer, assim como entre as faculdades superiores do conhecimento uma faculdade mödia, o JuÇzo. O que Ö mais natural do que supor: que esta èltima conterá igualmente princépios a priori para a primeira. [...] nåo se pode deixar de reconhecer já aqui uma certa adequaäåo do JuÉzo ao sentimento de prazer, para servir de fundamento-de-determinaäåo a este ou encontrá-lo nele, nesta medida: que, se na divisåo da faculdade-de-conhecimento por conceitos entendimento e razäo referem suas representaäées a objetos, para obter conceitos deles, o JuÇzo se refere exclusivamente ao sujeito e por si sü nåo produz nenhum conceito de objetos. Do mesmo modo, se, na divisåo dos poderes da mente em geral, tanto faculdade-deconhecimento quanto faculdade-de-desejar contåm uma referåncia objetiva das representaäées, assim, em contrapartida, o sentimento de prazer e desprazer Ö somente a receptividade de uma determinaäåo do sujeito, de tal modo que, se o JuÉzo deve, em alguma parte, determinar algo por si sü, isso nåo poderia ser nada outro do que o sentimento de prazer e, inversamente, se este deve ter em alguma parte um princépio a priori, este sü será encontrável no JuÇzo. (KANT, 1980a, p. 174). Portanto, a pressuposiäåo transcendental subjetivamente necessária de que a natureza, longe de ser um amontoado de leis empéricas ou de formas heterogåneas, mas, pelo contrário, que esta, pela afinidade das leis particulares sob as mais universais, se qualifique a uma experiåncia, como sistema empérico, Ö o princépio transcendental da faculdade de julgar, uma vez que a ideia de ordem e coeråncia Ö apenas reguladora, sem a qual o ato de julgar torna-se impossével. AlÖm de simplesmente subsumir o particular sob o universal, cujo conceito já esteja dado, o JuÉzo pode fazer o percurso contrário, isto Ö, encontrar para os dados empéricos singulares uma lei natural pressuposta a priori. Isso, sü o JuÉzo pode fazå-lo. Para Kant, sü no JuÉzo Ö encontrável aquele princépio da afinidade das leis naturais particulares, isto Ö, de fixar para a experiåncia como sistema e, portanto, para sua prüpria necessidade, um princépio.

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 6 [...] Nem o entendimento nem a razåo podem fundar a priori tal lei natural. [...] ela Ö livre de todas as restriäées de nossa faculdade-deconhecimento legisladora, e Ö uma mera pressuposiäåo do JuÉzo, em funäåo de seu prüprio uso, para remontar do empérico-particular cada vez mais ao mais universal igualmente empérico, em vista da unificaäåo de leis empéricas, que funda aquele princépio. (KANT, 1980a, p. 175-176). Segundo Kant (1980a, p. 176), o JuÉzo em sua natureza prüpria, Ö a mera faculdade de refletir (Ñberlegen), ou seja, analisar e sustentar juntas determinadas representaäées com o intuito de viabilizar conceitos. Este Ö o doménio do JuÇzo reflexionante ou da faculdade de julgar propriamente dita: O JuÇzo reflexionante Ö aquele que tamböm se denomina a faculdade-dejulgamento. O princépio transcendental do JuÇzo reflexionante Ö o que permite considerar, a priori, a natureza como um sistema lügico; Ö o princépio por meio do qual a natureza especifica a si mesma, Ö o princépio prüprio do JuÉzo: "A natureza especifica suas leis universais em empéricas, em conformidade com a forma de um sistema lügico, em funäåo do JuÉzo" (KANT, 1980a, p. 179). Desse modo, segundo Kant, pode-se afirmar uma pressuposta finalidade da natureza, ou seja, de um fim nåo posto no objeto, mas no sujeito, no uso de sua faculdade de refletir. Nesse sentido, o juézo Ö uma töcnica que fornece finalidades a priori ç natureza, rejeitando-a enquanto diversidade sem fundamento unificador. Assim, Ö o JuÉzo que Ö propriamente töcnico; a natureza Ö somente representada como töcnica, na medida em que concorda com aquele seu procedimento e o torna necessário (KANT, 1980a, p.182). Mas em que consiste essa töcnica no ãmbito da faculdade de conhecimento em seu sentido estrito? Segundo Kant (1980a, p.182), ela realiza trås aäées diante de cada conceito empérico: a imaginaçåo Ö responsável pela apreensåo do diverso das representaäées singulares que se apresentam na intuiäåo; o entendimento, pela compreensåo, ou seja, pela unidade sintötica da consciåncia desse diverso no conceito de um objeto; e o JuÄzo, pela exposiäåo do objeto correspondente a esse conceito na intuiäåo. Nesse caso, por se tratar de um conceito empérico, o JuÉzo assume papel determinante. No entanto, se a forma de um objeto dado na intuiäåo for capaz de provocar que a sua apreensåo na imaginaåäo coincida com a exposiäåo de um conceito do entendimento, de modo a nåo ser possével determinar-se qual seja esse conceito, estaremos diante de um acordo mètuo dessas faculdades no ato de uma operaäåo reflexionante em que a finalidade do objeto Ö percebida subjetivamente, nåo sendo requerido nenhum conceito determinado dele. Aqui, o juézo nåo Ö de conhecimento, mas um juézo de reflexåo estötico (KANT, 1980a, p. 182). De outra parte, há um tipo

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 7 de juézo reflexionante sobre a finalidade objetiva da natureza que Kant considera como um juézo de conhecimento, embora nåo determinante: Ö o JuÉzo teleolügico (referente ao organismo biolügico), aquele tipo de ato de julgar segundo o qual costuma-se atribuir fins ç natureza. Definidos os dois tipos de juézo reflexionante (estötico e teleolügico), Kant passará a abordálos separadamente. EstÖtica, na primeira CrÉtica, significa a apreensåo dos dados senséveis nas formas a priori do espaäo e do tempo, formas puras de nossa intuiäåo. Na primeira CrÉtica, a estötica apresenta-se como faculdade passiva da sensibilidade, a serviäo do entendimento legislador, na terceira CrÉtica ela ganha estatuto ativo. Assim, na CrÉtica do juézo, Kant diz o seguinte: "Pela denominaäåo de um JuÉzo estötico sobre um objeto, está indicado [...] que uma representaäåo dada Ö referida, por certo, a um objeto, mas, no JuÉzo nåo Ö entendida a determinaäåo do objeto, mas sim a do sujeito e de seu sentimento" (KANT, 1980a, p. 184). Kant subdivide o juézo estötico em juézo estötico universal e juézo de sentidos estötico. O primeiro contöm as condiäées subjetivas para um conhecimento em geral e tem a sensaäåo subjetiva de prazer ou desprazer como o fundamento de sua determinaäåo; o segundo exprime a referåncia de uma representaäåo imediatamente ao sentimento de prazer, e nåo a faculdade de conhecimento, como por exemplo, o vinho Ö agradável. Desses juézos nåo se pode predicar nenhum conceito do objeto, pois nåo pertencem ç faculdade de conhecimento. Kant tamböm subdivide a sensaäåo em dois tipos: a sensaäåo objetiva como representaäåo de uma coisa lügica, utilizada para o conhecimento, e a sensaäåo subjetiva (estötica), ligada a sentimentos de prazer e desprazer. A primeira sensaäåo refere-se ao objeto e a segunda, exclusivamente ao sentimento do sujeito, e nåo serve para nenhum conhecimento, nem sequer para aquele pelo qual o sujeito mesmo se conhece (KANT, 1980a, p. 211). Por exemplo, a cor verde dos prados pertence ç sensaäåo objetiva, como percepäåo de um objeto dos sentidos; o seu agrado, poröm, ç sensaäåo subjetiva, pela qual nenhum objeto Ö representado: isto Ö, ao sentimento, pelo qual o objeto Ö considerado como objeto da satisfaäåo, que nåo Ö nenhum conhecimento do mesmo (KANT, 1980a, p. 211). Um juézo estötico, em universal, pode, pois, ser explicado como aquele juézo cujo predicado jamais pode ser conhecimento (conceito de um objeto) embora possa conter as condiäées subjetivas para um conhecimento em geral. Em um tal juézo o fundamento de determinaäåo Ö sensaäåo. Mas há somente uma ènica assim chamada sensaäåo que jamais pode tornar-se conceito de um objeto, e esta Ö o sentimento de prazer ou desprazer. Esta Ö meramente subjetiva, enquanto toda demais sensaäåo pode ser usada para conhecimento. Portanto, um juézo estötico Ö aquele cujo fundamento de determinaäåo está em uma sensaäåo que esteja imediatamente vinculada com o

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 8 sentimento de prazer e desprazer. No juézo de sentidos estötico, Ö aquela sensaäåo que Ö imediatamente produzida pela intuiäåo empérica do objeto, mas, no juézo-de-reflexåo estötico, aquela que o jogo harmonioso das duas faculdades-de-conhecimento do JuÉzo, imaginaåäo e entendimento, efetua no sujeito, na medida em que, na representaäåo dada, a faculdade-de-apreensåo de uma e a faculdadede-exposiäåo do outro såo mutuamente favoráveis uma ç outra, proporäåo esta que, em tal caso, efetua por essa mera forma uma sensaäåo, a qual Ö o fundamento-de-determinaäåo de um juézo, que por isso se chama estötico e, como finalidade subjetiva (sem conceito), está vinculado com o sentimento de prazer. [...] O juézo-de-sentidos estötico contöm finalidade material, o juézo-de-reflexåo estötico, poröm, finalidade formal. Mas, como o primeiro absolutamente nåo se refere ç faculdade-de-conhecimento, mas imediatamente, pelo sentido, ao sentimento de prazer, Ö somente o èltimo que deve ser considerado como fundado sobre princépios prüprios do JuÉzo. (KANT, 1980a, p. 184-185) Portanto, o juézo-de-reflexåo estötico, embora nåo seja um juézo legislador como o juézo teürico (do entendimento) e o juézo prático (da razåo), possui autonomia subjetiva. Sua pretensåo ç validade universal legitima-se em seus prüprios princépios a priori. Kant designa essa autonomia de heautonomia e ele frisou o seguinte: "[...] o JuÉzo dá nåo ç natureza, nem ç liberdade, mas exclusivamente a si mesmo a lei, e nåo Ö uma faculdade de produzir conceitos de objetos, mas somente de comparar, com os que lhes såo dados de outra parte [...]" (KANT, 1980a, p. 185). Quanto ao julgamento teleolügico, o segundo tipo de JuÉzo reflexionante, Kant o define como o juézo sobre a finalidade em coisas da natureza ou, se quisermos, um juézo sobre os fins naturais (KANT, 1980a, p. 190). O conceito dos fins naturais Ö exclusivo do juézo teleolügico reflexionante, que o utiliza para ocupar-se da vinculaäåo causal no mundo fenomånico. Esse juézo pressupée um conceito do objeto e julga sobre sua possibilidade segundo uma lei da vinculaäåo das causas e efeitos. Há, entåo, uma töcnica orgãnica' da natureza que fornece a finalidade das coisas, uma finalidade objetiva para um juézo objetivo (KANT, 1980a, p. 191). O julgamento teleolügico estabelece um fio condutor entre a natureza e a razåo, entre o sensével e o inteligével, uma vez que o conceito dos fins naturais assenta-se no acordo da razäo com o entendimento. Enquanto o JuÉzo reflexionante estötico Ö o ènico que tem seu fundamento de determinaäåo em si mesmo, sem unir-se ç outra faculdade de conhecimento, o juézo teleolügico sü pode ser emitido por meio da vinculaäåo da razåo a conceitos empéricos (KANT, 1980a, p. 198). O fim natural deriva das ideias da razåo, ao mesmo tempo que tem um objeto dado.

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 9 Assim, o JuÉzo reflexionante estötico Ö o ènico juézo que atua segundo um princépio prüprio, isto Ö, ele Ö heautünomo. Mas essa heautonomia, observa Kant, näo Ö objetiva (como a do entendimento quanto És leis teáricas da natureza, ou da razäo nas leis pràticas da liberdade), isto Ö, determinadas por conceitos de coisas ou aåâes possçveis, mas meramente subjetiva, vàlida para o juçzo por sentimento, o qual, se pode ter pretensäo É validade universal demonstra sua origem fundada em princçpios a priori (KANT, 1980a, p. 185) princépios que o juézo-de-reflexåo estötico tira de si mesmo (heauto) e confere a si mesmo. DaÉ podermos entender por que Kant considera o JuÉzo-de-reflexÅo estötico como uma faculdade-de-conhecimento superior: o princépio que dá validade universal subjetiva ao sentimento, nada tem a ver com a legislaäåo do intelecto ou da razåo, mas tåo-somente com o uso da legislaäåo do prüprio JuÉzo que, por conseguinte, será uma legislaäåo livre, isto Ö, que dá a si mesma a lei. Essa legislaåäo terçamos de denominar heautonomia, pois dà näo É natureza, nem É liberdade, mas exclusivamente a si mesmo a lei, e näo Ö uma faculdade de produzir conceitos de objetos, mas somente de comparar, com os que lhes säo dados de outra parte, casos que aparecem, e de indicar a priori as condiåâes subjetivas da possibilidade dessa vinculaåäo. (KANT, 1980a, p. 185) O JuÉzo reflexionante Ö o tema central da CrÇtica do JuÇzo, que propée adequar ou subordinar algo num fim (Zweck). A queståo fundamental de tal CrÉtica Ö possével julgar que a natureza está adequada a um fim? representa a mais alta séntese da filosofia crética, a aplicaäåo da categoria da razåo prática ç razåo teürica. [...] näo o JuÇzo determinante, mas meramente o reflexionante tem princçpios práprios a priori; que o primeiro procede apenas esquematicamente, sob as leis de uma outra faculdade (do entendimento), mas somente o segundo procede tecnicamente (segundo leis práprias), e que no fundamento deste ältimo procedimento està um princçpio da töcnica da natureza, portanto o conceito de uma finalidade, que se tem de pressupor nela a priori e que, por certo, segundo o princçpio do JuÇzo reflexionante, Ö necessariamente pressuposta por ele apenas como subjetiva, isto Ö, em referãncia a essa prápria faculdade, mas, no entanto, traz tamböm consigo o conceito de uma finalidade objetiva possçvel, isto Ö, da legalidade das coisas da natureza como fins naturais. (KANT, 1980a, p.2001) Para Kant, entre os trås princépios a priori das faculdades-de-conhecimentos superiores (Legalidade: do Entendimento; Finalidade formal: do JuÉzo; Finalidade que É lei - obrigatoriedade: da RazÅo), há o princépio intermediário entre o intelecto e a razåo. Deve-se

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 10 presumir por analogia lügica, que contöm em si mesmo, se nåo uma legislaäåo prüpria, pelo menos um princépio que Ö apenas seu. Este princépio Ö a Finalidade formal do JuÉzo, Ö a finalidade subjetiva enquanto reguladora do juézo estötico ou juézo de gosto. Trata-se do princépio formal de unificaäåo das leis empéricas, que Ö ao mesmo tempo o princépio autoconstitutivo do JuÉzo reflexionante : a finalidade (Zweckmåssigkeit) A finalidade da natureza Ö um conceito particular a priori e tem a sua origem no JuÇzo reflexionante (K. der U. Ä 58). Ora, Ö claro que o JuÇzo reflexionante näo pode, segundo sua natureza, empreender a classificaåäo da natureza inteira segundo suas diferenåas empçricas, se näo pressupâe que a natureza mesma especifçca suas leis transcendentais segundo algum princçpio. E esse princçpio näo pode ser nenhum outro que näo o adequaåäo É faculdade do práprio JuÇzo, de, na imensuràvel diversidade das coisas segundo leis empçricas possçveis, encontrar suficiente parentesco destas, para trazã-las sob conceitos empçricos (classes) e estes sob leis mais universais (gãneros superiores), e assim poder chegar a um sistema empçrico da natureza. (...) O princçpio práprio do JuÇzo Ö, pois: A natureza especifçca suas leis universais em empçricas, em conformidade com a forma de um sistema lágico, em funåäo do JuÇzo. E aqui se origina o conceito de uma finalidade da natureza, e aliàs como um conceito práprio do JuÇzo reflexionante, näo da razäo, na medida em que o fim näo Ö posto no objeto, mas exclusivamente no sujeito, e aliàs em sua mera faculdade de refletir (KANT, 1980a, p. 178-179). Para Kant, este princépio formal do JuÉzo, a finalidade subjetiva, nåo aumenta o nosso conhecimento dos objetos da natureza, mas ao menos leva-nos a formar dela um conceito mais abrangente: já nåo um simples mecanismo, mas algo possuédo por uma töcnica de representaäåo dos seus objetos ou, por outras palavras, como se, em èltima análise, existisse nåo o caos, mas um fundamento èltimo da sua relaäåo a fins. O JuÇzo reflexionante procede, pois, com fenümenos dados, para trazã-los sob conceitos empçricos de coisas naturais determinadas, näo esquematicamente, mas tecnicamente, näo por assim dizer, apenas mecanicamente, como instrumento, sob a direåäo do entendimento e dos sentidos, mas artisticamente, segundo um princçpio universal, mas ao mesmo tempo indeterminado, de uma ordenaåäo final da natureza, como que em favor de nosso JuÇzo, na adequaåäo de suas leis particulares (sobre as quais o entendimento nada diz) É possibilidade da experiãncia como um sistema, pressuposiåäo sem a qual näo poderçamos esperar orientar-nos em um labirinto da diversidade de leis particulares possçveis. Assim, o JuÇzo mesmo faz a priori da töcnica da natureza o princçpio de sua reflexäo, sem no entanto poder explicà-la ou determinà-la mais, ou ter para isso um fundamento-de-determinaåäo objetivo dos conceitos universais da natureza (a partir de um conhecimento das coisas em si

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 11 mesmas), mas somente para, segundo sua prápria lei subjetiva, segundo sua necessidade mas ao mesmo tempo de acordo com as leis da natureza em geral, poder refletir. (KANT, 1980a, p. 178) A VINCULAÑÖO ENTRE NATUREZA E LIBERDADE POR MEIO DO JUÜZO REFLEXIONANTE (...) Vimos anteriormente a distinäåo que Kant faz entre JuÉzo determinante e JuÉzo reflexionante para que, subsidiados por esse ponto, possamos entender como Ö possével dentro do empreendimento analético kantiano, a passagem mediante o JuÉzo, que por um princépio prüprio, a citada finalidade subjetiva, vincula a razåo teürica (conhecimento) e a razåo prática (moral), ou a passagem do conhecimento racional para um conhecimento que tem como particularidade um caráter estötico que nåo se estabelece sobre juézos lügicos (objetivos) do conhecimento, mas sobre juézos estöticos (subjetivos) do sentimento de prazer e desprazer. A filosofia de Kant Ö um conjunto de trås obras créticas principais, que, juntas, perfazem a chamada filosofia transcendental: CrÇtica da RazÄo Pura (1781), CrÇtica da RazÄo Pràtica (1788) e CrÇtica do JuÇzo (1790). A razåo, segundo Kant, divide-se em duas vertentes: a pura, ou especulativa, e a prática, coadunada com a liberdade. Kant desenvolveu, ao lado de uma filosofia teorötica, preocupada com a razåo especulativa, uma filosofia prática, cujo desdobramento tem importante conseqêåncia para o seu pensamento Ötico, e fez a conexåo entre o conhecimento e a moral, isto Ö, entre a filosofia pura e a filosofia prática, por meio do JuÇzo reflexionante, completando seu sistema filosüfico com a CrÇtica do JuÇzo. Com a terceira obra crética, Ö possével entender que o intermediário entre o entendimento, que tem funäåo teorötica limitada ao fenëmeno, e a razäo, que tem apenas a funäåo prática, Ö o sentimento de prazer e desprazer, a terceira faculdade da mente, cuja atividade consiste em emitir JuÇzos estéticos. RazÅo por que buscaremos discorrer como Kant analisa a faculdade de julgar do que Ö funcional e do que Ö belo e, assim, apreender no sistema kantiano a passagem necessária de um pensamento que se inicia com a CrÉtica da RazÅo FilosÜfica Pura, adentra os ditames da RazÅo prática para, por fim, ter seu desenlace na CrÉtica do JuÉzo que, de resto, parece-nos subjacente a toda preocupaäåo especulativa do filüsofo das trås CrÇticas. Na introduäåo da èltima obra CrÇtica, Kant fala aé da distinäåo entre JuÉzo reflexionante e JuÉzo determinante : O JuÇzo pode ser considerado, seja como mera faculdade de refletir, segundo um certo princçpio, sobre uma representaåäo dada, em funåäo de um conceito tornado possçvel atravös disso, ou como uma faculdade de determinar um conceito, que està no fundamento, por

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 12 uma representaåäo empçrica dada. No primeiro caso ele Ö o JuÇzo reflexionante, no segundo o determinante. Refletir (Ñberlegen), poröm, Ö: comparar e manter-juntas dadas representaåâes, seja com outras, seja com sua faculdade-de-conhecimento, em referãncia a um conceito tornado possçvel atravös disso. O JuÇzo reflexionante Ö aquele que tamböm se denomina a faculdade-de-julgamento (facultas dijudicanti). O refletir (que ocorre mesmo nos animais, embora apenas instintivamente, ou seja, näo em referãncia a um conceito a ser obtido atravös dele, mas a uma inclinaåäo a ser eventualmente determinada por ele) precisa para nás de um princçpio, tanto quanto o determinar, no qual o conceito de objeto posto no fundamento prescreve ao JuÇzo a regra e, assim, faz as vezes de princçpio. O princçpio da reflexäo sobre objetos dados da natureza Ö: que para todas as coisas naturais se deixam encontrar conceitos empiricamente determinados, o que quer dizer o mesmo que: pode-se sempre pressupor em seus produtos uma forma, que Ö possçvel segundo leis universais, cognoscçveis para nás. (KANT, 1980a, p. 176) Vamos situar o JuÇzo determinante no ãmbito das duas primeiras obras créticas. Na CrÇtica da RazÄo Pura, o que está em foco Ö o entendimento, que Kant entende como faculdade de determinar um conceito para um objeto empérico (fenëmeno) dado ç nossa sensibilidade. A forma Ö o determinante, em contraste com a matöria, que Ö o determinável: Dou o nome de matöria ao que no fenümeno corresponde a sensaåäo; ao que, poröm, possibilita que o diverso do fenümeno possa ser ordenado segundo determinadas relaåâes, dou o nome de forma do fenümeno (CRP, EstÖtica Transcendental (B), Ä, p.62). Todo fenëmeno, tudo que Ö possével conhecer segundo Kant, resulta da relaäåo de dois ingredientes: matöria e forma. Aquilo que depende do prüprio objeto constitui a matöria do conhecimento, e o que depende do sujeito constitui a forma do conhecimento. Assim, para Kant, conhecer Ö dar forma a uma matöria dada. Por outro lado, a forma do conhecimento Ö resultante da ligaäåo de duas faculdades universais e necessárias de como o espérito humano percebe o mundo: uma receptividade (a sensibilidade ou faculdade das intuiäées) e uma espontaneidade (o entendimento ou faculdade dos conceitos). As formas puras da intuiäåo sensével såo o espaäo e o tempo. As formas puras do entendimento såo as categorias (os conceitos). Desse modo, sü há conhecimento onde houver determinaäåo (intuiäåo mais conceito). Portanto, empregar conceitos puros do entendimento sem qualquer referåncia ao modo como algo nos Ö dado na sensibilidade Ö permanecer no ãmbito do pensamento indeterminado. Por isso, qualquer determinaäåo objetiva Ö, em sua origem, o modo como algo nos afeta na sensibilidade e a maneira como o que Ö dado pelos sentidos Ö pensado pelo entendimento.

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 13 Por meio da CrÇtica da RazÄo Pura, Kant chega a conclusåo de que o conhecimento Ö produto de uma faculdade complexa, o resultado de uma séntese da sensibilidade e do entendimento. Como observa Kant, existem dois troncos do conhecimento humano: a sensibilidade e o entendimento. AtravÖs da sensibilidade såo nos dados os objetos e, atravös do entendimento, os pensamos (cf. KrV, Transzendentale ísthetik, ì 1, Bd. 3, p. 69; B 33). A sensibilidade Ö a faculdade das intuiäées e, o entendimento, Ö a faculdade dos conceitos. Conceitos fundam-se portanto na espontaneidade do pensar, como intuiäées senséveis na receptividade das impressées (AnalÉtica Transcendental). O objeto, dado ç sensibilidade, Ö pensado pelo entendimento e seus conceitos. DaÉ, temos a seguinte definiäåo: conhecer Ö ligar em conceitos a multiplicidade sensével (cf. KrV, Transzendentale Logik, Einleitung, I, Bd. 3, pp. 97-98, B 74, 75). Ora, sendo o entendimento o poder de pensar, e pensar Ö unir representaäées numa consciåncia, eu penso significa eu ligo, ou seja, de modo representativo, reèno uma coisa representada com outra, como por exemplo: o dia está quente, o diamante brilha, a salada está azeda. Kant compreende por funäåo a unidade da aäåo de ordenar diversas representaäées sob uma em comum (AnalÉtica Transcendental). O juézo Ö a unificaäåo de representaäées numa consciåncia. O entendimento sü pode julgar, pois um conceito nunca Ö referido imediatamente a um objeto, mas mediatamente ç outra representaäåo, seja ela intuiåäo ou mesmo jà conceito (AnalÉtica Transcendental). O juçzo Ö o conhecimento mediato de um objeto, por conseguinte a representaåäo de uma representaåäo do mesmo (AnalÉtica Transcendental). Pensar, portanto, Ö relacionar o julgar ou o representar com os juçzos em geral (Proleg. Ä 22). Em outras palavras, juézo Ö apenas o modo como o entendimento, enquanto poder de pensar, efetua a representaäåo. Há em cada juézo um conceito que vale para muitas representaäées e entre estas Ö compreendida uma, que Ö referida imediatamente ao objeto (AnalÉtica Transcendental). O juézo Ö, assim, precisamente essa funäåo de unidade; todos os juézos såo funäées de unidade (AnalÉtica Transcendental), de tal maneira que podemos reconduzir todas as aäées do entendimento a juézos, de modo que o entendimento em geral pode ser representado como uma faculdade de julgar (AnalÉtica Transcendental). Quanto aos conceitos universais da natureza, unicamente sob as quais Ö possçvel, em geral, um conceito de experiãncia (sem determinaåäo empçrica particular), a reflexäo tem jà, no conceito de uma natureza em geral, isto Ö, no entendimento, sua instruåäo, e o JuÇzo näo precisa de nenhum princçpio particular da reflexäo, mas esquematiza-a a priori e aplica esses esquemas a toda sçntese empçrica, sem o que nenhum juçzo de experiãncia seria possçvel. O JuÇzo Ö aqui em sua reflexäo ao mesmo tempo determinante e seu esquematismo transcendental lhe serve ao mesmo tempo de regra, sob a qual säo subsumidas intuiåâes empçricas dadas. (KANT, 1980a, p.177)

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 14 Todo esforäo de Kant na primeira obra crética, Ö demonstrar que a razåo pura teürica fica limitada ao ãmbito da experiåncia, ou seja, o conhecimento humano Ö incapaz de ultrapassar o mundo sensével, o mundo dos fenëmenos. Fenëmeno, aqui compreendido, como o objeto indeterminado de uma intuiäåo empérica, pois o mesmo sü Ö determinado objetivamente atravös do conceito correspondente fornecido pelo entendimento. Nisso, os dados objetivos nåo såo captados por nossa mente tais quais såo em si mesmos (como coisas em si), mas configurados pelo modo com que a sensibilidade e o entendimento os apreendem. Assim, a coisa em si, o nämeno, o absoluto, Ö incognoscével. SÜ conhecemos o ser das coisas na medida em que se nos aparecem, isto Ö, enquanto fenëmeno. Com isso, Kant conclui que a verdadeira ciåncia sü Ö possével no mundo sensével ou fenomånico. Kant distingue, no ãmbito da CrÇtica da RazÄo Pura e da CrÇtica da RazÄo Pràtica, a filosofia pura (conhecimento) e a filosofia prática (moral). Na filosofia pura, o entendimento fornece a priori leis da natureza, enquanto na filosofia prática, a razäo fornece a priori leis da liberdade. Tanto a faculdade de conhecer, por meio das intuiäées senséveis mais os conceitos fornecidos pelo entendimento conforme as leis da natureza, como a faculdade de agir, por meio das leis da liberdade fornecidas pela razäo, situam-se no campo que Kant chamou de JuÇzo determinante, mas esse JuÉzo se difere quanto aos princépios que seråo aplicáveis em cada caso: JuÇzos teáricos (se originam de princépios a priori que såo prüprios do entendimento) e JuÇzos pràticos (se originam de princépios a priori que såo prüprios da razäo). Assim, tanto no doménio do conhecimento da natureza, quanto no doménio da moral, trata-se de uma aäåo de determinaäåo de um objeto. No caso do conhecimento, o entendimento, determina com seus conceitos um objeto dados aos sentidos, para que, assim, o meramente empérico assuma uma forma universal e necessária, condiäåo de unidade de todo o conhecimento. No caso da moral, a vontade deve ser determinada pelas leis morais nåo leis naturais, mas leis da liberdade válidas para todos os seres racional, de modo que toda aäåo particular de um sujeito seja guiada para um interesse universal. Para Kant, tanto no uso da razåo teürica, quanto no uso da razåo prática, trata-se da aplicaäåo do JuÇzo determinante. No ãmbito da razåo teürica, o homem produz conhecimentos objetivos mediante a aplicaäåo das formas puras do entendimento (categorias) ao mèltiplo da intuiäåo, com bases em leis naturais universalmente válidas. Mas tamböm no ãmbito do uso prático da razåo nåo do saber, mas do querer e agir, o homem se sente sujeito a uma legislaäåo universal, uma legislaäåo diferente da primeira, que nåo Ö cognoscével nem determinável por conceitos, mas que se impée, nåo obstante, com a mesma necessidade em todo ser racional, na medida em que este se entende como autënomo, isto Ö, capaz de determinar as suas aäées segundo princépios prüprios, ou seja, segundo o seu livre-arbétrio, segundo a liberdade, a qual se

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 15 manifesta na lei moral: Age de tal modo que a màxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princçpio de uma legislaåäo universal (p. 54, da ed. orig.; trad. Picavet, P 30). Kant entende por razåo prática a funäåo da razåo de ditar ç vontade a lei moral. Pelo dever de fazer tudo para cumprir a lei, o homem Ö determinado por esta lei, mas pela sua independåncia de qualquer causa externa, pois se o homem nåo fosse livre, a lei moral nåo teria sentido. Na CrÇtica da RazÄo Pràtica, Kant se esforäa em demonstrar que a liberdade humana, nåo se refere ao mundo sensével (fenomånico), mas ao mundo inteligével, ao mundo numãnico, a um reino de liberdade, onde nåo há determinismo dos fenëmenos fésicos, e nem há conhecimento por meio da sensibilidade e do entendimento. A liberdade Ö objeto de pensamento e nåo de conhecimento. Diz Kant: O conceitos de natureza pode, sem dävida, representar os seus objetos na intuiåäo, näo como coisa em si, mas como fenümeno; o conceito de liberdade pode representar o seu objeto como coisa em si, mas näo na intuiåäo; consequentemente nenhum dos dois pode oferecer um conhecimento teorötico do seu objeto (nem do sujeito pensante) como coisa em si (CrÉtica do JuÉzo, XVIII). Kant mostrou que nossa capacidade racional nåo se reduz ao conhecimento e encontra sua perfeiäåo no pensamento. Apenas os fenëmenos possuem uma essåncia determinada pelas leis da natureza. Já o homem, sendo livre, nåo tem essåncia determinada por essas leis. Tudo que há na natureza se conforma com suas leis, exceto o homem, porque na condiäåo de ser racional, o homem conforma-se (se autodetermina) çs leis universais que ele mesmo formula. Por isso, os seres racionais såo autënomos e tåm uma dignidade particular, se destacam da natureza por serem livres e autodeterminantes. Assim, Kant divide o JuÇzo determinante em JuÉzo teürico (do entendimento) e JuÉzo prático (da razäo), porque cada um deles em sua relaäåo com a Natureza e a Liberdade, refere-se çs duas faculdades da mente tratadas nas duas primeiras obras créticas, a faculdade-deconhecimento e a faculdade-de-desejar, constituindo as duas partes da filosofia, filosofia pura (conhecimento) e a filosofia prática (moral), como um sistema doutrinal. O JuÉzo teürico e o JuÉzo prático, tendo seus prüprios princépios determinantes a priori, såo juézos lügicos, cujos princépios tåm de ser objetivos (quer sejam teüricos ou práticos). Quanto ao JuÇzo reflexionante, esse refere-se a terceira faculdade da mente, o sentimento de prazer e desprazer, cuja a atividade consiste em emitir juézos estöticos, justamente um dos temas que trata a CrÇtica do JuÇzo. Este Ö um JuÉzo subjetivo, nåo lügico, pois nåo pretende alcanäar a objetividade, como no JuÉzo determinante (teürico e prático).

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 16 Assim descobre-se um sistema dos poderes-da-mente, em sua relaåäo com a natureza e a liberdade, das quais cada uma tem seus práprios princçpios determinantes a priori e, por isso, constituem as duas partes da filosofia (a teárica e a pràtica) como um sistema doutrinal, e ao mesmo tempo uma passagem mediante o JuÇzo, que por um princçpio práprio vincula ambas as partes, a saber, do substrato sensçvel da primeira filosofia ao inteligçvel da segunda, pela crçtica de uma faculdade (o JuÇzo), que serve apenas para a vinculaåäo e, por isso, näo pode, decerto, proporcionar nenhum conhecimento ou oferecer à doutrina qualquer contribuiåäo, cujos juçzos, poröm, sob o nome de estöticos (cujos princçpios säo meramente subjetivos), na medida em que se distinguem de todos aqueles cujos princçpios tãm de ser objetivos (quer sejam teáricos ou pràticos), sob o nome de lágicos, säo de espöcies täo particular que referem intuiåâes sensçveis a uma Ideia da natureza, cuja legalidade, sem uma relaåäo da mesma a um substrato supra-sensçvel, näo pode ser entendida (...) Denominar, poröm, estötico um juçzo, porque näo refere a representaåäo de um objeto a conceitos e, portanto, näo refere o juçzo ao conhecimento (näo Ö, de modo nenhum, determinante, mas apenas reflexionante), näo deixa temer nenhum mal-entendido; pois, para o juçzo lágico, as intuiåâes, embora sejam sensçveis (estöticas), tãm antes de ser elevadas a conceitos, para servir ao conhecimento do objeto, o que, no juçzo estötico, näo Ö o caso. (KANT, 1980a, p. 200) A funäåo do JuÉzo reflexionante refere-se apenas ao sujeito que julga, reflete, e Ö meramente formal. Assim, dado um objeto empérico na sensibilidade, apenas o sujeito reflete sobre ele em sua mera forma. Relacionado com o fazer artéstico em geral, o JuÉzo reflexionante pode ser entendido como faculdade do prazer e desprazer. Neste caso, nåo há relaäåo de determinaäåo, como ocorre no conhecimento e na moral, sob a direäåo do entendimento (conceitos) e da razäo (leis da liberdade). Pelo contrário, como define Kant, há apenas reflexåo. Reflexionante, pois, Ö um juézo que, dado um objeto empérico qualquer, uma obra de arte por exemplo, apenas reflete sobre ele, de forma livre, tecnicamente, nåo esquematicamente, isto Ö, sem se preocupar em ligar um conceito do entendimento ç sensaäåo que a obra de arte nos provoca. Uma vez que nåo se trata mais de determinar um objeto, ou seja, de fazer um objeto adequar-se a leis universais e necessárias, como no conhecimento e na moral, o JuÉzo reflexionante defini-se, ao contrário, por uma reflexåo que age sem regras e sem leis (do entendimento e da razäo) sobre o objeto. (...)

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 17 CONSIDERAÑâES FINAIS Em sua obra mais abrangente, CrÇtica da RazÄo Pura, Kant conclui que a verdadeira ciåncia sü Ö possével no mundo dos sentidos. Em CrÇtica da RazÄo Pràtica revelou-nos, por outro lado, a existåncia de um mundo de liberdade subtraédo ao determinismo dos fenëmenos fésicos. Assim, ele dividiu a realidade em duas: fenümeno (aquilo que aparece) e nämeno (aquilo que a coisa Ö em si, nåo cognoscével, mas pensável). PorÖm nåo há passagem de um lado para outro. Vimos que o intermediário entre a razåo, que tem apenas funäåo prática, e o intelecto, que tem funäåo de elaborar teorias (conceitos), mas Ö limitado aos fenëmenos percebidos pelos sentidos, Ö o sentimento a terceira faculdade do homem cuja atividade consiste em emitir juézos estöticos. O juézo estötico Ö uma intuiäåo da razåo sensével; nåo Ö uma intuiäåo objetiva, mas, sim, subjetiva (juézo-de-reflexåo estötico). Tal juézo nåo proporciona nenhum conhecimento do objeto que analisa; nåo consiste em um juézo sobre a perfeiäåo do objeto, e Ö válido independentemente dos conceitos e das sensaäées produzidas pelo objeto, pois alöm dos limites humanos para entender e sentir o objeto este se apresenta parcialmente. O sujeito sü compreende o que está a seu alcance compreender. O juézo de gosto (reflexivo-estötico) nåo Ö lügico, mas sintötico. Está fundado no sentimento de prazer e desprazer. Este juézo nåo gera nenhum conhecimento, pois Ö estötico e baseado subjetivamente, isto Ö, no sentimento do sujeito. A arte, por exemplo, nåo se propée ao conhecimento, mas ao gosto. Quando estou diante de um objeto belo nåo estou preocupado em conceituá-lo e, sim, em sentir prazer ou desprazer (gostar ou odiar). Assim o que ocorre Ö uma relaäåo com a subjetividade. O juézo estötico Ö sempre um juézo que cria a norma, tendo assim um funcionamento livre, pois Ö o criador da sua prüpria norma. Kant denomina reflexionante o juézo prüprio da faculdade do sentimento. O JuÉzo reflexionante nåo tem valor de conhecimento porque contöm apenas os princépios do sentimento de prazer e desprazer, independentemente dos conceitos e das sensaäées que determinam a faculdade de conhecer; tamböm nada tem em comum com a razåo, a qual impede o homem de qualquer prazer.

KANT E A FACULDADE DE JULGAR 18 REFERäNCIAS GUILLERMIT, L. Kant e a filosofia crética. In: CHîTELET, F. (Org.). Histária da filosofia: idéias, doutrinas: a filosofia e a histária. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 30-41. KANT. IntroduÄÅo ç CrÉtica do JuÉzo (1789-1790). SeleÄÅo de textos: Marilena de Souza ChuauÉ. Trad. de Tania Maria Bernkopf, Paulo Quintela e Rubens Rodrigues Torres Filho. SÅo Paulo: Os Pensadores, 1980.