TRADUÇÃO LITERÁRIA NAS AULAS DE LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA: APRENDIZAGEM OU REPREENSÃO?

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Transcrição:

TRADUÇÃO LITERÁRIA NAS AULAS DE LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA: APRENDIZAGEM OU REPREENSÃO? Líliam Cristina MARINS (PIBIC/UEM) Vera Helena Gomes WIELEWICKI (DLE/UEM - orientadora) Área de estudo: Tradução e Literatura de Língua Inglesa Resumo: O objetivo deste estudo é investigar a possibilidade de inclusão do trabalho com a tradução nas aulas de Literaturas de Língua Inglesa, observando-a não como algo contrário ao procedimento pedagógico ideal, mas como uma prática pedagógica complementar. Toma-se como base para o estudo a constatação da crescente busca dos alunos do curso de Letras Português/Inglês da Universidade Estadual de Maringá por textos literários, originalmente escritos em língua inglesa, já traduzidos. Na verdade, os alunos lançam mão dessas traduções às esconsas, visto que essa prática não é considerada uma prática pedagógica pela maior parte do corpo docente, o que implica em uma leitura não-instruída. A partir de uma análise contrastiva entre as definições de tradução segundo os autores Alves et.. al. (2000), Azenha Junior (1999), Bassnet (2003), Olmi (2002), Robinson (2002) e Vermeer (1985) e os conceitos que os alunos têm a respeito do que seja uma boa tradução, é possível constatar que os alunos ainda estão atrelados à idéia de tradução como fidelidade ao original. Diante dessa realidade, uma pesquisa foi proposta, e ainda está em processo de desenvolvimento, visando encontrar estratégias didáticas capazes de potencializar o trabalho com a tradução nas aulas de LLI. Palavras-chave: tradução literária, estratégias de leitura, Literaturas de Língua Inglesa. LITERARY TRANSLATION IN ENGLISH LANGUAGE LITERATURE CLASSES: LEARNING OR REPREHENSION? Abstract: The aim of this study is to analyze the possibility of inclusion of translation studies in English Language Literature classes, considering it not as a practice against the ideal pedagogic procedure, but as a complementary pedagogic practice. The verification of the increasing search of the students of Letras course (State University of Maringá) for translated literary texts is the basis for this study. In fact, most students are not instructed in translation techniques and, as a consequence, read those translations without any previous instruction in order to solve their linguistic difficulties, as translations are not considered a pedagogic practice for the great part of the professors. Through this study, the definitions of translations according to Alves et.. al. (2000), Azenha Junior (1999), Bassnet (2003), Olmi (2002), Robinson (2002) and Vermeer (1985) will be contrasted with the concepts that the students have about what it is a good translation, which are related to a simplistic view ( fidelity to the original text ). That way, a research, which aims at helping the discussion of that polemic subject among professors and students, is been developed and its basis is the possibility of the development of reading strategies for translation in class. Key words: literary translation, reading strategies, English Language Literature.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A constatação da crescente busca de alunos do curso de licenciatura em Letras da Universidade Estadual de Maringá por textos literários traduzidos levanta algumas questões relevantes a serem discutidas. Dentre elas, a conceitualização de tradução e sua recepção pelos alunos. Essa procura por traduções se explica, segundo Olmi (2002), porque a tradução suprime as diferenças entre as línguas, por um lado, e por outro as revela em toda sua plenitude: pela tradução passamos a perceber que nossos vizinhos falam e pensam de forma diferente da nossa (OLMI, 2002, p. 60). É importante observar que esses alunos já concluíram as disciplinas Língua Inglesa I, II e III exigidas pela grade curricular do curso, logo, supõe-se que eles já tenham proficiência suficiente para a realização da leitura dos textos em língua inglesa. Nessa perspectiva, os alunos procuram essas traduções sem qualquer esclarecimento do professor, lendo-as às esconsas, como relata uma docente em uma entrevista concedida para uma pesquisa em andamento: O interessante é que eles [os alunos] não levavam a tradução para a sala de aula. Eles sempre iam com o livro em inglês. A tradução é pra ler na casa deles, pra tirar as dúvidas em casa. Agora, em sala, não, todos tinham o livro em inglês, tudo anotado. Na verdade, essa leitura às ocultas se explica pelo fato de que os alunos são repreendidos pela maior parte dos professores de Literaturas de Língua Inglesa (LLI), os quais não consideram essa prática como válida para a formação dos discentes (OLHER;WIELEWICKI, 2006, p. 140). A problemática dessa leitura não-instruída vai além de aspectos meramente pedagógicos, pois a leitura de traduções de narrativas sem instrução pode levar o aluno a buscar no texto de chegada (TC) as mesmas características do texto-fonte (TF). Isso porque... as frases de um texto literário constituem sempre uma indicação de algo que está para vir e cuja estrutura é prenunciada pelo seu conteúdo específico. Nesse caso, se o tradutor se ativer apenas ao conteúdo específico da frase, o produto perderá dimensão (ISER apud BASSNET, 2003, p. 182). Com o objetivo de obter uma leitura crítica desses textos traduzidos, o professor exerce papel fundamental à medida que faz a intermediação da leitura, realizando um estudo comparativo e de profundidade. Logo, um trabalho para com a tradução literária por parte do professor pode ser realizado, de modo que a traga para a sala de aula, potencializando as aulas de LLI e contribuindo para que a formação nessa área se processe criticamente.

2. A CIRCULAÇÃO DA TRADUÇÃO NA ACADEMIA Um levantamento nos chamados sebos comprovou que a circulação de traduções profissionais e amadoras de clássicos da literatura de língua inglesa é um fato. É interessante observar que essas traduções são adquiridas e, logo após o uso, revendidas aos próprios estabelecimentos de onde foram obtidas. Entretanto, essa circulação não se restringe aos sebos, já que foi constatada a existência de um mercado clandestino de cópias de traduções observado na Universidade Estadual de Maringá. Essa circulação é considerada clandestina por ser julgada uma prática anti-pedagógica não somente pelo corpo docente mas também pelos próprios alunos e, por isso, as traduções circulam ocultamente. Como pesquisadora-discente e introduzida em técnicas tradutórias através da participação no projeto de Extensão Laboratório de Tradução e Versão, e Revisão de Textos em Língua Portuguesa, tenho observado que os alunos não realizam uma leitura crítica dessas traduções e é por isso que acredito que a mediação do professor na leitura de textos traduzidos pode potencializar essa prática, contribuindo, assim, para a formação do aluno-leitor. Além disso, também é relevante ressaltar que as condições dos textos traduzidos que os alunos lançam mão não são satisfatórias para uma boa leitura, visto que são cópias (xérox) adquiridas de outros alunos (algumas delas estão em circulação há cerca de quatro anos) e, portanto, já apresentam anotações, comentários, danificações e páginas fora de ordem. Dessa forma, além da análise literária em si, o papel do professor também seria o de instruir os alunos quanto ao processo tradutório, atentando para as escolhas do tradutor, pois os códigos lingüísticos envolvidos na tradução, indiscutivelmente representam fatores condicionantes de um processo que se quer estudar ou ensinar o processo de tradução e de um produto que se quer avaliar o texto traduzido (AZENHA JUNIOR, 1999, p. 22). Nessa perspectiva, ao levar as traduções de obras à sala de aula, o professor pode explorar, além do conteúdo literário, as estratégias utilizadas pelo tradutor. Isso porque o processo tradutório considera relevante o conhecimento prévio, lingüístico e cultural do profissional da tradução (ALVES et. al., 2000). Os dados fornecidos por um questionário aplicado aos alunos evidenciaram que eles não procuram textos literários traduzidos somente para a obtenção de uma equivalência lingüística, mas também para atingir uma equivalência cultural, afinal, a tradução é usada [...] tanto para transmitir conhecimento e propiciar a compreensão entre grupos e nações, como também para transmitir cultura (NEWMARK, 1988 apud AZENHA JUNIOR, 1999, p. 31). Isso significa que, ainda que o aluno tenha competência lingüística para decodificar o texto em língua inglesa, isso não é suficiente para a compreensão, afinal, os aspectos culturais de uma obra apresentam mais complexidades para serem identificados e apreendidos pelo leitor: as estruturas de convicções, os sistemas de valores, as convenções literárias, as normas morais e os expedientes políticos da cultura de destino sempre têm muito poder para dar formas às traduções (ROBINSON, 2002, p. 314). Portanto, ao reconhecer que o mercado amador e profissional de traduções de obras literárias existe no meio acadêmico e exerce um papel relevante no desempenho da prática de leitura dos alunos do curso de Letras, é necessário que essa prática passe a ser

realizada de forma crítica pelos alunos, como reconhece a professora entrevistada para a pesquisa: Talvez, teria que ter um trabalho, uma conscientização sobre o que seja uma tradução, por que usar e, principalmente, como usar. Às vezes, o que acontece: o aluno já fez quatro, cinco anos de língua inglesa, assim, o ideal seria que ele lesse o texto em língua inglesa. Mas, seria interessante que o professor talvez fizesse um trabalho diferente com relação à tradução. Não somente fazer de conta que não sabe que eles usam a tradução. A gente sabe que eles usam...então, por que não aproveitar isso para levar a tradução para sala de aula? 3. CONCEITOS DE TRADUÇÃO POR PARTE DOS ALUNOS À luz de Bassnet (2003), o conceito de tradução necessita ser visto como uma transposição cultural e não como uma simples reprodução, sem originalidade. Isso porque o processo tradutório se dá a partir da consideração de aspectos relevantes à leitura e produção de significados a partir de um determinado texto: a tradução consistiria em transferir o sentido contido num conjunto de signos lingüísticos para outro conjunto de signos lingüísticos através do recurso competente ao dicionário e à gramática; contudo, o processo envolve também um vasto conjunto de critérios extralingüísticos (BASSNET, 2003, p. 35). Todavia, um questionário, aplicado como parte de uma pesquisa em andamento para cerca de cem alunos, revelou a conceitualização dos discentes do quarto e quinto ano do curso de licenciatura em Letras Português/Inglês da Universidade Estadual de Maringá a respeito de uma boa tradução, a qual está atrelada, essencialmente, a uma visão simplista de tradução como fidelidade ao original. A própria docente (em uma entrevista concedida) revela que, durante as aulas de LLI, percebeu essa visão unilateral dos alunos: Uma boa tradução pra eles [alunos] tem que ser fiel ao texto na língua de partida, a questão da fidelidade. Não só em relação à tradução, mas também com relação à adaptação, por exemplo, do livro para o cinema. Uma coisa que a gente sempre fazia: - Nós líamos, assistíamos o filme e depois discutíamos as duas coisas juntas. Às vezes, essa adaptação não era fiel e eles reclamavam, mas daí eu chamava a atenção deles pra outros aspectos, como: a ambientação, a questão do setting, enfim. Mas, pra eles, pra ser bom tem que ser fiel. Não se pode deixar de mencionar que essa fidelidade não diz respeito à intenção, ao objetivo e ao destino do texto, mas, principalmente, à linguagem, à mensagem e à cultura do texto-fonte (TF), como pode ser observado nas seguintes declarações:

A tradução é algo bom, mas acarreta perdas estéticas e literárias; A tradução é um recurso que auxilia a sanar dificuldades lingüísticas, mas que limita o ponto de vista, pois uma obra traduzida perde muito de sua essência original; Normalmente não são muito fiéis (as traduções) ao original, uma vez que evidenciam a liberdade do tradutor quanto suas interpretações e percepções; Traduzir é passar de um idioma para outro a(s) idéia(s) do texto original; Uma boa tradução é aquela que consegue trazer para outra língua as nuances e detalhes presentes na obra original, sem modificar-lhe o sentido; Uma boa tradução é aquela que se mantém o mais fiel possível ao texto original, sem a interferência da interpretação do tradutor; Uma boa tradução é a versão do original, sem distorção lingüística ou semântica; Uma boa tradução deve ser o mais fiel possível do original; Uma boa tradução é aquela que se aproxime da linguagem utilizada no original; Uma boa tradução é aquela que se preocupa em retratar de forma mais fiel os costumes, pensamentos e cultura da obra literária em questão; Uma boa tradução é aquela que respeita a língua e a cultura (fidelidade ao original); Uma boa tradução é aquela que consegue dizer o que o autor do original disse; Uma boa tradução é aquela que passa a mensagem do texto original ¹: Ou seja, os alunos parecem não se dar conta de que o processo tradutório diz respeito a outros critérios que não são, necessariamente, a conservação da originalidade de um texto-fonte. A recorrência de termos como original, fiel, sem distorção, sem modificar o sentido, sem interferência do tradutor indica que as diferentes possibilidades de leitura que orientam as escolhas do tradutor não são contempladas pelo aluno. Essa visão unilateral dedicada ao texto traduzido deve ser revista, afinal, trata-se de uma descrição da prática tradutória de forma a respeitar a especificidade lingüística do texto traduzido, inserindo-o no contexto de sua produção (OLMI, 2002, p. 63). É por isso que o texto traduzido deve ser respeitado em sua singularidade, afinal, nunca será idêntico ao original e, por isso, é que admite violar as regras da LA (língua-alvo) a fim de que a presença do tradutor, tornada visível, seja percebida pelo leitor do TA (textoalvo) (OLMI, 2002, p. 63). É por isso que a leitura da tradução por alunos do curso pode ser instruída, para que o aluno não se sinta traído pelo tradutor ao tentar comparar a tradução com o 1. Essas transcrições reproduzem fielmente as respostas fornecidas pelos alunos, sem revisão do emprego da norma padrão da língua portuguesa.

original. Essa falta de instrução quanto à leitura de traduções desvia a função e o conceito de tradução, levando os alunos a crer na idéia do tradutor-traidor. O professor de Literatura de Língua Inglesa (LLI) pode, assim, instruir os alunos a ler a tradução de forma mais crítica. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A comunicação entre culturas possibilita a interação participativa e crítica das pessoas no mundo, dessa forma, a tradução é fundamental para que essa comunicação exista, de fato. Diante dessa realidade, a reflexão dos professores de LLI quanto à questão da tradução em sala de aula pode contribuir para a mudança dessa visão unilateral e simplista que se tem sobre textos traduzidos, de modo que a tradução passe a ser considerada como uma prática pedagógica que coopera para a formação de leitores críticos. Assim, ao reconhecer que a circulação de traduções de obras literárias existe no meio acadêmico e exerce um papel relevante no desempenho da prática de leitura dos alunos do curso de Letras, é importante que essa prática seja realizada de forma consciente pelos alunos através de um trabalho desenvolvido em sala de aula pelos professores. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, F; MAGALHÃES, C; PAGANO, A. Traduzir com autonomia. São Paulo: Contexto, 2000. AZENHA JUNIOR, J. Tradução técnica e condicionantes culturais. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999. BASSNET, S. Estudos da tradução. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. OLHER, R. M.; WIELEWICKI, V. H. G. Tradução em aulas de literatura estrangeira: prática ilícita ou prática pedagógica? Claritas, São Paulo, n. 12(1): 139-150, maio, 2006. OLMI, A. Posições, competências e funções da tradução literária. Gragoatá. Niterói, n. 13, p. 53-67, 2. sem. 2002. ROBINSON, D. Construindo o tradutor. São Paulo: EDUSC, 2002.