PROJETO DE PESQUISA PARA REALIZAÇÃO DE ESTÁGIO DE PÓS- DOUTORADO

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Transcrição:

PROJETO DE PESQUISA PARA REALIZAÇÃO DE ESTÁGIO DE PÓS- DOUTORADO Proponente: Profa. Dra. Gisele Amaral dos Santos Instituição: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Supervisor: Prof. Dr. Roberto Bolzani Filho Duração: 12 meses Início: 01/08/2014 a 31/07/2015 Livro Primeiro das Hipotiposes pirrônicas de Sexto Empírico: comentário introdutório, tradução e notas I. INTRODUÇÃO A obra HP, de Sexto Empírico, como um todo, segue a divisão trivial da filosofia em: lógica, física e ética, sendo esta uma característica da organização do saber introduzida desde o início da época helenística quando, ao lado da filosofia como disciplina única, começavam a se desenvolver disciplinas científicas autônomas 1. Dos três livros que compõem as HP, o Livro Primeiro está subdividido em trinta e quatro capítulos, tem um caráter esquemático e foi integralmente dedicado à parte geral da filosofia cética, ou seja, aquela voltada para a exposição da noção, dos princípios, do critério, do fim e dos modos da epoché no ceticismo, bem como para a objeção ao dogmatismo próprio das demais filosofias dominantes, segundo a descrição dos discursos do ceticismo que o próprio Sexto Empírico empreende em HP I,2. A partir desse conteúdo programático, o Livro Primeiro das HP cumpre uma função propedêutica fundamental quanto às estratégias céticas que estão no substrato tanto dos dois livros que completam o tratado das HP, quanto dos demais escritos de Sexto Empírico que nos restaram preservados, a saber: Adversus dogmaticos, em cinco livros, contra os lógicos, os físicos e os éticos e, ainda, seis livros reunidos sob o título de Adversus mathematicos, no quais o autor contesta gramáticos, retóricos, geômetras, aritméticos, astrônomos e músicos. 1 Nesse aspecto em particular, Sexto Empírico se mostra pouco original, na medida em que aceita a divisão disciplinar tradicional, tomando-a como referência para a distribuição dos principais assuntos presentes em sua obra filosófica. Ainda assim, Sexto Empírico fala do ciclo de ensino, tal como era praticado em sua época; ele emprega a expressão enkúlia mathémata ciclo de estudos, mas ignora a divisão do trivium (gramática, retórica e dialética) e do quadrivium (geometria, astronomia, aritmética e música) que se estenderá até a Idade Média.Cf. P. PELLEGRIN, 1997.

As primeiras formulações assumidamente céticas da filosofia durante a antiguidade provêm da Academia Platônica e foram protagonizadas em primeiro lugar pelo filósofo Arcesilau (316 a.c.-241 a.c.), condutor da Segunda Academia Platônica, também chamada Média Academia. Dentre as novidades que teriam sido trazidas por Arcesilau para a Academia sob a sua direção, destacamos a introdução da noção de epoché extraída dos estoicos 2 e reinterpretada como a suspensão universal do assentimento a fim de que a formação de crenças fosse evitada. Ainda que as interpretações acerca do ceticismo de Arcesilau sejam bastante controversas pela inexistência de escritos de sua autoria, a importância de seus argumentos para o ceticismo antigo é atestada por fontes indiretas oriundas de seguidores, opositores, doxógrafos e filósofos adeptos do ceticismo, especialmente Sexto Empírico, na condição de principal fonte da história do ceticismo antigo, na qual Arcesilau está inserido. A genealogia cética da Academia permaneceu representada por Carnéades, seu sucessor, através da sua oposição às doutrinas epicuristas e, particularmente, à epistemologia estoica, tida como dogmática, afinal o maior interesse do ceticismo acadêmico dessa fase era o de mostrar a impossibilidade de qualquer conhecimento. O acesso às interpretações céticas no caso de Carnéades, porém, não é menos problemático que o de Arcesilau. Contudo, a historiografia antiga se refere à Clitômaco como o mais eminente discípulo de Carnéades na Nova Academia 3. Com base nos comentários de Diógenes Laércio, Clitômaco teria colecionado as lições de Carnéades em 400 livros, embora todos tenham sido perdidos. Ainda assim, Clitômaco pode ter contribuído para a divulgação da pithané phantasia proposta por Carnéades como um critério para a vida. 4 Clitômaco encerrou um ciclo de céticos acadêmicos decisivo para a história do ceticismo na Academia platônica. Durante a direção de Filo de Larissa, a Nova Academia viveu sua fase mais eclética, com isso, fora do domínio da Academia 5, é onde encontraremos uma renovação do movimento cético liderada por Enesidemo. 2 Acerca da origem da noção de epoché, cf. Pierre Couissin, L origine et l évolucion de l epoché, em Revue des Études Grecques, 1929. 3 Com Cícero e Varro, distingue-se Academia uetus da noua Academia. A primeira, compreendia Platão e os sucessores Espeusipo, Xenócrates e Polemo; a última, Arcesilau, Carneades e Filo de Larissa. A Velha Academia esteve apoiada essencialmente nas doutrinas de Platão, tendo sido, por isso, mais facilmente identificada como a fase dogmática da Academia. A Nova Academia, contudo, voltou-se para a orientação cética, negando a possibilidade do conhecimento da verdade e opondo-se, sobretudo, às doutrinas estoicas. Nessa fase da Academia, Carnéades introduziu a noção de pithanon (probabile) como diretriz para a vida cotidiana. Cf. Augustinus Lexikon, verbete Academia. 4 Cf. Suzanne Obdrzalek, Living in doubt: Carneades pithanon reconsidered. In: Oxford Studies in Ancient Philosophy, 2006. 5 A respeito do surgimento de uma escola concorrente do ceticismo acadêmico, que funcionava não muito distante da região da Academia, cf. Goedeckemeyer, A. Geschichte des griechischen Skeptizismus, 1968. 2

Autor dos Discursos pirrônicos, Enesidemo fundou o movimento pirronista que se destacou no cenário da filosofia helenística a partir do final do século Ia.C., imprimindo novo fôlego às posições céticas que iremos encontrar compiladas por Sexto Empírico, especialmente em suas HP, nas quais estão concentrados os elementos característicos do ceticismo, além do forte antagonismo de Sexto às escolas filosóficas gregas tradicionais. A despeito de ser referido por Diógenes Laércio como o penúltimo membro de uma linhagem de céticos eminentes, Sexto Empírico é efetivamente o último autor representante do pirronismo grego desse período 6. Graças ao bom estado de conservação da sua obra filosófica, Sexto Empírico é a principal fonte do ceticismo antigo, tendo se tornado desse modo o mais importante historiador e teórico do ceticismo em língua grega. O fato de Sexto Empírico se opor às doutrinas dos filósofos gregos no interesse do seu pirronismo o tornou também uma fonte imprescindível para o acesso a inúmeros fragmentos exclusivamente conhecidos a partir dos seus escritos. Pelo exposto, a obra de Sexto Empírico se insere no acervo das obras filosóficas da antiguidade, justificando o interesse por sua tradução. No que tange ao conteúdo da sua exposição, Sexto Empírico está sobremodo empenhado em distinguir a filosofia do pirronismo das filosofias vigentes, sobretudo, naquilo que concerne ao privilégio do discurso filosófico expresso sob o modo da hipotipose em detrimento de todo discurso filosófico tradicional. Sexto Empírico considera que a patologia dogmática ocorre na medida em que há a defesa de opiniões acerca daquilo que só é possível aquiescer como fenômeno, pois não deve haver disputa a respeito do fato de que a realidade apareça de um modo ou de outro. Por isso, ele propõe, segundo o modo da hypotypose, um tipo de discurso capaz de registrar o que se mostra, tal como se mostra e no momento em que se mostra, isto como prevenção e alternativa para o discurso dogmático que, embora revestido de crenças, tem a pretensão de enunciar a verdade acerca de coisas obscuras. O pirrônico é apresentado por Sexto Empírico como aquele que acompanha certo raciocínio que, em consonância com a aparência (fenômeno), mostra que é possível viver segundo os costumes tradicionais, as leis, os modos de vida, as próprias afecções e, por conseguinte, agir sem necessariamente sustentar opiniões. 6 No depoimento de Diógenes sobre a vida dos filósofos, encontramos a seguinte genealogia sobre os céticos antigos: Enesidemo, mestre de Agripa, por sua vez mestre de Sexto Empírico; Zêuxipo foi mestre de Antíoco de Laodicéia, no Liceu. De Antíoco, foram discípulos Menôdoto de Nicomédia, médico empírico, e Teiodás de Laodicéia. De Menôdoto, foi discípulo Herodoto de Tarso (filho de Arieu); dele, foi discípulo Sexto Empírico. Saturnino, chamado Citenas, também médico empírico, foi discípulo de Sexto Empírico. 3

II. JUSTIFICATIVA Os escritos filosóficos de Sexto Empírico parecem ter sido esquecidos em torno do século IV e redescobertos no Renascimento a partir da versão latina do texto das Hipotiposes pirrônicas acompanhada de comentários, publicada em 1562 por Henri Estienne. O texto grego, até então, inédito, só teria sido conhecido cerca de cinquenta anos mais tarde. Alguns anos após a publicação das HP latinas, Gentien Hervet publicou sua edição traduzida dos onze livros dos Adversus mathematicos, consagrando o interesse da modernidade pela filosofia de Sexto Empírico. A obscuridade que envolveu a obra de Sexto Empírico ao longo de muito séculos não parece, contudo, definitiva, pois já é possível comprovar, por exemplo, a existência de manuscritos de traduções latinas que datam do século XIII ou XIV. 7 No século XIX, Charles Jourdain publicou um breve ensaio que resulta da sua pesquisa sobre Sexto Empírico e a filosofia escolástica, no qual conjectura a possibilidade de as HP terem alcançado a Idade Média no Ocidente graças aos árabes, coincidindo com a introdução no Ocidente das obras de Aristóteles. Os textos de Sexto Empírico teriam sido reintroduzidos na tradição intelectual através da onda de traduções que assolou o fim da Idade Média. 8 A despeito do alcance das obras ou da filosofia de Sexto Empírico, ou dele próprio, na escolástica, os manuscritos gregos de Sexto Empírico foram reunidos pela primeira vez por Francesco Filelfo, em 1427. III. OBJETIVO GERAL Traduzir para a língua portuguesa o Livro Primeiro das Hipotiposes pirrônicas de Sexto Empírico diretamente do grego. IV. OBJETIVOS ESPECÍFICOS A realização da tradução da obra proposta se coaduna com a investigação amiúde de noções-chave que sustentam o aparato conceitual da filosofia cética de Sexto Empírico e 7 Cf. Pierre Pellegrin, Esquisses pyrrhoniennes, Introduction... p. 14 8 Cf. Charles Jourdain. Sextus Empiricus et la philosophie scholastique. Paris: Imprimerie et Librairie Administratives de Paul Dupont, 1858. 4

orientam seus principais argumentos tanto em relação à defesa da via cética, quanto na oposição severa ao dogmatismo por ele denunciado. Afinal, à luz de conceitos como dogma, dynamis, isosthenia, propeteia, epoché, aphasia, dentre tantos outros, Sexto Empírico define a via cética e, a partir da sua definição, expõe o seu entendimento sobre o pirronismo como inspiração filosófica. Redação de um comentário introdutório à tradução com a finalidade de apresentar o autor e sua obra, mas, sobretudo, com o intuito de antecipar ao leitor algumas das principais questões inerentes à filosofia do ceticismo e pertinentes ao Livro Primeiro das HP de Sexto Empírico. Apresentação de notas explicativas ao longo do texto da tradução. Essas notas poderão ser de cunho filológico, histórico ou filosófico, conforme a necessidade. V. METODOLOGIA E PLANO DE TRABALHO A proposta de tradução de um texto clássico não pode se furtar à escolha cuidadosa da edição do texto a ser traduzido. Em atenção a essa exigência, elegemos a edição crítica de H. Mutschmann da Sexti Empirici Opera ampliada e corrigida por I. Mau, Lipsiae in Aedibvs B.G. Tevbneri, MCMLVIII. O desafio de encontrar na língua portuguesa a melhor correspondência possível entre os termos da tradução e o texto original grego, e que seja, além disso, condizente com a filosofia cética de Sexto Empírico exigirá a consulta de traduções existentes e já consagradas dessa obra de Sexto Empírico, as quais deverão ser cotejadas ao longo do trabalho de tradução. Dentre elas, destacamos as seguintes traduções para línguas modernas: Sextus Empiricus Grundriss der pyrrhonischen Skepsis. Eigeleitet und übersetzt von Malte Hossenfelder. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1968. Sextus Empiricus Outlines of Scepticism. Edited by Julia Annas, Jonathan Barnes. New York: Cambridge University Press, 2000. Sextus Empiricus Outlines of Pyrrhonism. With English Translation by R. G. Bury. Cambridge, London: Harvard University Press, 1933. 5

Sextus Empiricus Esquisses pyrrhoniennes. Introduction, traduction et commentaires par Pierre Pellegrin. Paris: Éditions du Seuil, 1997. Além das línguas modernas, também será considerada para efeito de comparação a tradução latina das Hipotiposes pirrônicas de Fabricius: Sexti Empirici Pyrrhoniarum Hypotyposeon sive Institutionum Libri III. Dentre os dicionários da língua grega que serão utilizados em apoio à tradução, destacamos os seguintes: Thesaurus Linguae Graecae, online http://www.tlg.uci.edu/ Greek-English Lexikon, Liddell and Scott Le Grand Bailley Dictionnaire Grec-Français, Anatole Bailly Dictionnaire Étymologique de la langue grecque: histoire des mots, Pierre Chantraine Handwörterbuch der griechischen Sprache, in 4 Bdn., Franz Passow O projeto está metodologicamente dividido em duas partes: uma primeira parte, de natureza instrumental, que diz respeito à tradução propriamente dita, seguida pelas notas; e, uma segunda parte, de conteúdo teórico, que consiste na compreensão e interpretação da filosofia cética de Sexto Empírico, com vistas à preparação do comentário introdutório. Para o cumprimento da tradução do texto propriamente dita, seguiremos a subdivisão dos 34 capítulos do Livro Primeiro das Hipotiposes, a partir dos parágrafos marcados por Sexto Empírico. Assim, os 241 parágrafos que totalizam o Livro Primeiro serão organizados em 03 grupos de 60 parágrafos e 01 grupo de 61 parágrafos, distribuídos pelos quatro trimestres relativos à vigência do estágio (veja detalhamento no quadro correspondente ao Cronograma de atividades). 6

VI. CRONOGRAMA DE ATIVIDADES DIVISÕES/ Agosto 14/ Out. 14 Nov. 14/ Jan. 15 Fev. 15/ Abril 15 Maio 15/ Jul. 15 TRIMESTRES Grupo 01 1-60 Grupo 02 61 120 Grupo 03 121 180 Grupo 04 181-241 Notas Comentário introdutório VII. BIBLIOGRAFIA GOEDECKEMEYER, A. Geschichte des griechischen Skeptizismus. Leipzig, Scientia Verlag Aalen, 1968. JOURDAIN, C. Sextus Empiricus et la philosophie scholastique. Paris: Imprimerie et Librairie Administratives de Paul Dupont, 1858. MEYER, C., Augustinus Lexikon. Vol. 1. Basel: Schwabe, 2004. OBDRZALEK, S. Oxford Studies in Ancient Philosophy, Oxford: Oxford University Press, 2006. PELLEGRIN, P. Sextus Empiricus. Esquisses pyrrhoniennes. Paris: Éditions du Seuil, 1997 7