A esquerda marxista e o PT (III) * Força Socialista (FS) e Brasil Socialista (BS)



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Transcrição:

A esquerda marxista e o PT (III) * Força Socialista (FS) e Brasil Socialista (BS) Há muito tempo, junto com milhares de companheiros, lutamos e construímos o Partido dos Trabalhadores. Vários de nossos integrantes podem se orgulhar de serem fundadores do PT. Nossa luta é antiga e remonta aos tempos de resistência clandestina à ditadura militar. 1 Assim anunciava o manifesto de lançamento da tendência FS. Como as palavras do manifesto indicam, a FS tem uma longa história. Sua trajetória é semelhante à maioria das organizações marxistas que sobreviveram aos anos de chumbo da ditadura militar. Em 1985, remanescentes de organizações comunistas do período ditatorial formalizaram o processo de unificação em andamento e fundaram o Movimento Comunista Revolucionário (MCR). 2 A FS incorpora este legado. 3 Apegado à tradição leninista, o MCR manteve uma posição ambígua em relação ao PT. Ao mesmo tempo em que recusa-se a aceitá-lo enquanto partido revolucionário, reconhece que ele cumpre um papel estratégico na Revolução brasileira, como forma indireta e não orgânica contribui na formação do Partido do Proletariado. 4 Paulatinamente, o MCR evoluiu no sentido de uma maior valorização do papel estratégico do PT. Por outro lado, o MCR passou a defender o governo democrático popular enquanto uma estratégica que incorpora a experiência da luta democrática e popular e enfatiza o aspecto eleitoral, capaz de mudar a correlação de forças a favor dos trabalhadores e favoreça o avanço da luta de classes na perspectiva dos trabalhadores. 5 * Os artigos que compõem esta série são versões adaptadas da dissertação de Mestrado, Os partidos, tendências e organizações marxistas no Brasil (1987-1994): permanências e descontinuidades, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em 1998, sob a orientação de Maurício Tragtenberg. A banca foi composta, além do orientador, pelos professores Isabel Maria Loureiro e Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida. A dissertação não foi publicada em versão impressa e a iniciativa que ora adotamos visa disponibilizá-la aos militantes do movimento social, estudiosos do tema e demais interessados afinal, a pesquisa foi financiada por dinheiro público, através de bolsa de estudo do CNPq. Aqui trataremos das organizações marxistas não vinculadas à tradição trotskistas. Os textos relativos a estas foram publicados nas primeiras edições da REA. Ver: O PT e os marxismos da tradição trotskista: introdução; O Trabalho (OT) - Corrente Interna do Partido dos Trabalhadores; A Democracia Socialista (DS); As origens e ideologia do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU); A Causa Operária; A Tendência Pelo Partido Operário Revolucionário. 1 Força Socialista. Manifesto. Junho de 1989. 2 O MCR foi fundado em outubro de 1985. Ele é fruto da unificação orgânica entre o Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP), com parte da Ala Vermelha (AV) e a Organização Comunista pela Democracia Proletária (OCDP), formada em 1982 a partir de dissidências da Ação Popular Marxista- Leninista (APML) na Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Norte. 3 Evidentemente não é possível aprofundar essa questão. Nosso ponto de partida é a formação do MCR. Há uma vasta bibliografia sobre o período anterior, já citada. 4 Comitê Central do MCR. Resoluções do 1º Congresso do MCR. Outubro de 1985. Tratava-se de militar no PT e, simultaneamente, construir o partido revolucionário de tipo leninista. Esta postura era comum às várias organizações que se integraram ao PT. Como vemos, esta ambigüidade gerou polêmicas calorosas, tanto na relação destas correntes com o PT quanto internamente a elas. 5 Esta proposta surge no bojo de uma discussão mais ampla entre as forças constituintes do PT, inclusive nos seio da Articulação. O mérito do MCR teria sido o esforço de impulsionar e tematizar esta questão. Genildo observa que a formulação do MCR diverge daquela aprovada no V Encontro Nacional do PT, a qual

A evolução das posições do MCR em relação ao PT e as semelhanças no plano tático e estratégico em relação à ART, resultou numa atuação comum. Em São Paulo, o MCR formalizou esta aliança e, no plano nacional, manteve uma orientação política de proximidade. Esta relação se aprofundou a partir das resoluções do 5º EN. A ART passou a ser concebida por setores do MCR como um campo privilegiado para disputar a influência sobre a base social potencialmente revolucionária. Então, o MCR passou a discutir a possibilidade de se constituir enquanto Tendência petista. Nesse debate tomou corpo a proposta de dissolver a organização. Mas prevalecia uma tensão em relação à ART e à proposta de dissolução que se expressava na defesa do direito de organização de Tendências internas ao PT; na defesa de uma regulamentação que viabilizasse seu funcionamento; e, conseqüentemente, em sua própria organização como tendência. Na discussão interna chegou-se a um acordo: organizar o processo de dissolução o que para a maioria significava, encaminhar as tarefas de sua transformação em Tendência. Os fatos se precipitaram e a organização terminou por se dissolver. Porém, uma parcela importante manteve o projeto de construção da Tendência e, em junho de 1989, durante o 6º EN do PT, lançou a Tendência FS. Neste processo alguns dos seus militantes, principalmente em São Paulo, entraram na ART. A constituição da FS sintetiza o processo evolutivo que não foi tranqüilo ou linear em direção à integração ao PT. A FS procura operar a transição entre sua forma organizativa leninista, uma situação de pré-partido herança do MCR para uma organização com caráter de tendência do PT. Tratava-se de moldar e consolidar uma cultura política diferente daquela que sedimentara sua militância desde a fase da clandestinidade, de disputar os rumos do PT, incorporando suas tensões. Não foi uma operação fácil. No momento da sua formação, a FS identificou a particularidade do PT no fato dele surgir e se fortalecer não como partido do proletariado, mas do bloco estratégico e popular. 6 Este fator determinaria seu caráter de massas (amplo e policlassista), seu potencial socialista e revolucionário. O esforço dos comunistas seria o de contribuir para que o PT desenvolva essas potencialidades e seja capaz de liderar o processo revolucionário. Sua transformação em vanguarda revolucionária passa pela construção de uma teoria da revolução, pela assimilação do marxismo e pela construção de uma direção política igualmente revolucionária. Os comunistas, portanto, tem um papel a desempenhar. 7 No tocante à formulação estratégica, a FS situa-se entre os que defendem o programa democrático e popular, compreendido como próprio de um governo tipicamente de transição. 8 Um governo capaz de implementar reformas estruturais na sociedade brasileira e de executar as tarefas de caráter antiimperialista, antilatifundiárias e antimonopolistas. É, portanto, um governo inserido numa perspectiva de ruptura revolucionária. estabelecia uma tensão não resolvida entre o caráter eleitoral deste governo e as tarefas de conteúdo revolucionário. (Entrevista ao autor). 6 Força Socialista. Manifesto, op. cit. 7 A FS não vê contradição entre o caráter amplo e policlassista do PT e seu projeto de construí-lo enquanto vanguarda revolucionária. Mantém-se a ambigüidade própria das diversas organizações que tiveram que optar entre a construção do partido revolucionário de tipo leninista e a aceitação do PT como partido estratégico, cujo caráter e composição em nada se assemelha àquele. Permanecem resquícios da concepção leninista do MCR 8 Força Socialista. Manifesto, op. cit. 2

Nesta linha, a FS se diferencia tanto dos que restringem o Governo Democrático e Popular (GDP) aos marcos da ordem burguesa, quanto dos que depreciam suas potencialidades. O GDP não é um mero programa eleitoral para disputar o governo federal. Como também, a disputa deste não se confunde com a disputa do poder em sua totalidade. Enquanto programa de transição não é, stricto sensu, socialista. Também não se confunde com uma etapa democrática popular. O programa democrático e popular e o GDP é um concebido como parte da luta pelo poder. Pelo caráter das reformas que pretende efetivar, dentro das condições históricas do Brasil, ele é profundamente radical. Na formulação da FS, o GDP está articulado com o caráter socialista da revolução brasileira. 9 Nas questões conjunturais, as posições da FS coincidem, em geral, com aquelas adotadas pela esquerda petista particularmente, o NLPT. A Tendência Brasil Socialista (BS) Outra força componente do Movimento Na Luta PT!, a Tendência BS foi formada na passagem dos anos 80 para os anos 90, como parte do processo geral desencadeado pelo 5º EN Nacional do PT e no redemoinho das mudanças no mundo socialista. Suas origens remontam ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) 10 que, em 1986, ressurgiu nas páginas da grande imprensa após o assalto ao Posto do Banco do Brasil na Universidade federal da Bahia, em Salvador. Entre os seus líderes estariam: Bruno Maranhão e Antônio Prestes de Paula. 11 De acordo com as informações da imprensa, o PCBR estaria implantado em Pernambuco, Santa Catarina, Londrina (PR), Salvador (BA) e com presença em São Paulo. Bruno Maranhão negou que o PCBR tivesse sido reorganizado. Essa é a versão da polícia e não acredito nela, disse. 12 De qualquer forma, há uma linha de continuidade entre o PCBR dos anos 70 e a tendência BS. Este fio condutor é expressado pela militância de Bruno Maranhão e outros dirigentes e militantes vinculados a um período onde prevalecia a clandestinidade. Este núcleo mantém a matriz teórica original, que orienta sua atuação no PT. Ao mesmo tempo, rompe com elementos daquela fonte, procurando adequar-se às exigências da militância legal no PT. Neste esforço, incorporou militantes sem vínculos com o passado do PCBR. A BS se forma no bojo de uma situação comum aos diversos agrupamentos e coletivos do 9 Sem dúvida, as eleições presidenciais de 1989 e 1994 constituem momentos privilegiados desta discussão programática. O V e VII encontros nacionais do PT também foram momentos marcantes. Sobre a posição da Força Socialista a respeito desta temática ver: Força Socialista. Manifesto, op. cit.; Coordenação Nacional. Tese 4 Força Socialista. In: Boletim Nacional do PT Edição especial. Teses para o 7º Encontro Nacional, pp. 38-49; Ivan Valente. Projeto Nacional e luta pelo socialismo no Brasil. São Paulo, Assembléia legislativa do Estado de São Paulo, fevereiro de 1994; e, Jorge Almeida. Cara a cara com a realidade. In: Teoria & Debate 13, fevereiro de 1991, pp. 31-34. 10 Um dos diversos rachas do PCB no pós-64, liderado por Mário Alves (assassinado pela ditadura militar), Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender, e desmantelado pela repressão militar em 1973. 11 Bruno Maranhão esteve exilado na França, desde 1971, retornando ao Brasil em 1976 e foi um dos fundadores do PT, candidato a governador de Pernambuco em 1982, presidente do PT/PE e membro do Diretório Nacional. Prestes de Paula é ex-sargento da aeronáutica, um dos líderes da revolta dos sargentos em 1963 pelo direito de votarem e serem votados. Retornou do exílio em 1981e foi um dos envolvidos no assalto. Sobre sua participação nesse episódio ver a entrevista concedida à Brasil Revolucionário, nº 10, maio/junho/julho de 1992, Os presos políticos da Bahia, 6 anos depois, pp. 35-38. 12 Júnia Nogueira de Sá. Maranhão afirma que o partido não existe e rejeita a versão da polícia. Folha de S. Paulo, 27.04.1986. Embora os militantes assumissem a responsabilidade pessoal pela ação na Bahia, o episódio serviu para mais uma bateria de críticas e ironias aos marxistas no interior do PT, em mais uma tentativa de revitalizar a caça às bruxas e de, simultaneamente, atingir o PT. 3

PT: a necessidade de se estruturar organicamente para potencializar a intervenção nas disputas internas. No caso da BS, esta iniciativa corresponde à busca de novas formulações teóricas que possibilitassem a superação da herança vanguardista da esquerda armada brasileira. Isto significou, entre outros pontos, rediscutir o papel do partido e sua relação com a sociedade. Um dos elementos constitutivos deste processo foi a análise crítica do partido leninista, particularmente da leitura com os óculos de Stalin (mesmo que se afirme antistalinista) dos que colocam o partido como único e exclusivo instrumento da classe. Essa concepção prejudica a superação das contradições na relação partido, base, massa. Ou seja, coloca-se em xeque a própria noção de que o socialismo será obra dos trabalhadores. 13 Como a esquerda resolve essa questão? Em geral, suprimindo a classe e colocando em seu lugar o partido de vanguarda. Nessa hipótese, a relação do partido com as organizações dos trabalhadores adquire um caráter meramente tático. O basismo e o autonomismo seriam outra resposta no pólo extremo. Essas concepções excluem o partido, negam a necessidade da vanguarda, representam ilusões de classe, como se a institucionalidade fosse plena e não estivesse sujeita a retrocessos. 14 Como superar esta polaridade? Por um lado, reafirmando a necessidade de uma vanguarda, de um instrumento político da classe ; por outro, reafirmando a necessidade das organizações das organizações independentes e autônomas dos trabalhadores, enquanto instrumentos estratégicos da luta pelo socialismo. Estas organizações seriam as Organizações Independentes e Autônomas dos Trabalhadores (OIATs). 15 As OIATs são concebidas não apenas enquanto instrumentos reivindicativos, mas também como escolas de formação política e sindical e conscientização, como espaços onde se constrói novas formas de poder que possibilitam a construção de uma nova hegemonia. Os formuladores desta tese afirmam que Lênin, ao enfatizar a primazia do partido, deixou margens às interpretações do tipo estado maior da revolução, e às deformações efetivadas pelo stalinismo mas também pelo trotskismo. A concepção de partido, constituído e armado para o assalto do poder burguês, conduz à identidade Partido-Estado, e sua localização distante das classes e independentes de seu controle, é a base de todos os desvios autoritários e burocráticos, afirmam. 16 Eis um dos problemas evidenciados pela experiência do socialismo real e que explicam a sua falência. Analisando a crise no Leste Europeu, os editores da Brasil Revolucionário, observam este elemento: A conjugação de uma revolução que se fez socialista por uma elite marxista-leninista, e não por uma hegemonia de classes previamente construída, somado às concepções autoritárias e exclusivistas das vanguardas revolucionárias, promovem a crise de hegemonia (consenso). Eis aqui possivelmente, o núcleo da crise do socialismo real. 17 13 Essa crítica foi formulada antes da formação da Tendência Brasil Socialista. As posições desse núcleo de militantes, que foram identificados com o PCBR, são de conhecimento público através da Revista Brasil Revolucionário, editada pelo Instituto Mário Alves. A BS incorpora as contribuições teóricas. Ver: Partido leninista e o controle operário. Brasil Revolucionário, nº 01, março de 1989, p.16. 14 Id. 15 Ib. As OIATs são os grupos de trabalhadores organizados nas fábricas, as comissões de fábrica, os conselhos, fundos de greves etc. 16 Ib. 17 A crise do Leste Europeu. Brasil Revolucionário, nº 07, dez/90/fev./1991, p. 18. 4

Continuando a avaliação, eles mostram como o partido se transformou na síntese da sociedade civil. Este, ao suprimir as manifestações individuais e coletivas, anulou as possibilidades de rupturas com os valores culturais e idéias da velha sociedade e impediu o desenvolvimento de uma nova mentalidade e relações sociais assentadas na democracia operária. 18 A morte de Lênin e a derrota da oposição operária completariam o quadro que permitiria a stalinização definitiva e a consolidação do processo de burocratização. O Estado se transforma no portador da utopia revolucionária, absorve as organizações representativas das classes trabalhadoras e possui o comando estrito de toda a economia, escrevem. 19 Estas características determinam um tipo de sociedade que não é capitalista nem socialista. Para o núcleo fundador da BS, as sociedades no Leste Europeu podem ser caracterizadas como pós revolucionárias de estatismo burocrático ; são sociedades em transição ao socialismo. O que caracteriza este aspecto transitório é a deposição das antigas classes dominantes do poder e as transformações na economia marcada pela nacionalização. 20 (grifos do original) A queda dos regimes no Leste Européia foi saudada como um avanço da luta dos trabalhadores. Representou o início de uma nova era, de fortalecimento do internacionalismo proletário e da afirmação da verdadeira democracia operária diante da velha democracia burguesa, diria Maranhão. 21 Esta avaliação positiva se estendeu à política de Gorbatchev, a qual mesmo representando um processo de democratização lento e gradual, de corte cupulista, comandado pelo setor mais moderno da burocracia, abriu um espaço e liberou as forças do movimento de massa. 22 A fundamentação teórica da BS presente inclusive em sua análise sobre o Leste Europeu tem um forte componente gramsciniano (hegemonia, contra-hegemonia, guerra de posição, guerra de movimento etc.). 23 Uma das críticas ao pensamento predominante na conjuntura pós-queda do muro de Berlim será justamente ao fato dos defensores da estratégia institucionalista fazerem uma leitura de direita da obra de Antônio Gramsci. Nessa leitura, a guerra de posição se reduz à ampliação dos espaços dentro da institucionalidade burguesa. A acumulação de forças, isto é, a construção da contrahegemonia operária é reduzida ao economicismo combinado com o eleitoralismo e o rebaixamento do programa do partido. Esta concepção é incapaz de promover a acumulação política numa perspectiva revolucionária. A intervenção da BS no PT se pautará pelo restabelecimento de uma política que utilize a luta institucional como uma linha auxiliar da estratégia de classe. 24 Foi assim em 1989, quando ainda não se chamava BS defendeu que a campanha eleitoral de Lula se combinasse com as lutas dos trabalhadores, dentro do espírito que deu origem ao PT e o consolidou como referência política. Esta postura era acompanhada de 18 Id., p. 17. 19 Ib. 20 Ib., p. 18 21 Estratégia para um Brasil Revolucionário. (Entrevista) Brasil Revolucionário, nº 07, dez./90/fev./1991, p. 11. 22 Id. 23 Ver, por exemplo, sua tese ao 1º Congresso do PT. 24 Id. 5

uma análise conjuntural que concluía pela existência de uma crise política profunda e de longa duração (que exigiria mudanças estruturais) e previa um período de intensificação da luta de classes. 25 Como outras Tendências da esquerda petista, fez uma distinção entre governo e poder. A conquista da presidência não representa a instauração do socialismo. Sem dúvida, seria um passo importante, pois poderia contribuir com a luta dos trabalhadores pelo socialismo. O programa deste governo deveria ter um caráter anti-capitalista, mas não diretamente socialista. 26 A expressão política do núcleo dirigente que impulsionou a construção da BS se restringia a algumas regiões, particularmente no nordeste. A Tendência, reconhecida oficialmente pelo PT em 1991, apresentou a tese Socialismo e estratégia no 1º Congresso, no qual reafirmou a defesa do marxismo e a estratégia de ruptura revolucionária, entendida como um processo de longa duração que também pressupõe acúmulo de forças. Defendeu o resgate do PT das origens e o aprofundamento do seu perfil revolucionário. 27 A partir do 1º Congresso a BS centralizará suas forças na organização do NLPT. Nesse período, ela conseguiu ampliar a sua organização, se estruturando minimamente nem nível nacional. Com inserção predominantemente no nordeste, a BS liderou o processo de formação do Movimento por Terra, Trabalho e Liberdade, em Pernambuco. 28 Em São Paulo, ela foi reforçada pela adesão de um grupo de militantes que rompeu com a VS e pelo deslocamento de dirigentes como Bruno Maranhão. Sua evolução no período recente está relacionada ao NLPT. Será através da sua participação neste movimento que a BS intervirá na conjuntura que antecedeu 8º EN e as eleições em 1994. 25 As eleições presidenciais e a luta pelo socialismo. Revista Brasil Revolucionário, nº 01, março de 1989, pp. 07-15. 26 Id., p.10. Consideramos politicamente inconseqüente, o PT apresentar um programa socialista para ser adotado a partir da conquista da presidência da república, porque seria impossível cumpri-lo, na medida em que essa vitória não significaria a conquista do poder político, afirmam. 27 Socialismo e estratégia: contribuição do Movimento pela Tendência Brasil Socialista. Coordenação Política geral do Congresso, Jornal do Congresso, pp. 16-23. 28 Este movimento estruturou núcleos em outros estados nordestinos, em São Paulo, Minas e Paraná. 6