DIREITO E PSICOLOGIA: A IMPORTÂNCIA DA INTERDISCIPLINARIDADE EM ACORDOS REALIZADOS NO NEDDIJ Área Temática: Psicologia Social Autor(es): Elismari Katialine Domanovski (PROEC/ UNICENTRO), Thais Maria Crovador (PROEC/ UNICENTRO), Bianca Carolline Oconoski Zarpellon (PROEC/UNICENTRO), Jamylle Dalermo Ferreira Ribeiro(PROEC/UNICENTRO), Lucas Monteiro Pellá (PROEC/UNICENTRO), Mayara Nedopetalski Brandalise (PROEC/UNICENTRO), Philippe Diogo de Deus (PROEC/UNICENTRO), João Victor Maravieski (PROEC/ UNICENTRO), Anne Geraldi Pimentel (Orientadora do Projeto), Michele da Rocha Cervo (Coordenadora e Orientadora do Projeto). RESUMO: A presente pesquisa como objetivo analisar, qual a importância da relação Direito e Psicologia para os acordos realizados no Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude. Para tanto, foi observado que a presença de um profissional da Psicologia em um procedimento predominantemente da área do Direito se mostrou bastante relevante, visto que quando se amplia a possibilidade de escuta para as questões trazidas nos acordos, tem-se a soma de saberes das disciplinas, minimizando a fragmentação histórica das práticas entres essas áreas. A composição de saberes tem transformado a forma como o Direito olha para as questões de conflito trazidas pelas famílias, assim como a Psicologia tem compreendido a dimensão da aplicação do Direito a serviço da produção de vida e fortalecimento de laços familiares. Esse fazer tem produzido uma torção nas lógicas oferecidas e reconhecidas até o momento nas áreas referidas. A partir disso, os sujeitos são colocados na centralidade da intervenção, considerando todos os aspectos da vida que interferem nas escolhas e nos modos como operam as relações entre si e com a sociedade. Favorecendo assim, que as decisões e encaminhamentos referentes aos acordos contemplem o desejo e realidade dos envolvidos, sem sobrepor os saberes da ciência a vida das pessoas, mas colocando o saber desses sujeitos como produtor de novas realidades e decisões. As informações analisadas nesse estudo fazem parte do banco de dados do Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Criança e da Juventude NEDDIJ e da experiência dos profissionais recém-formados, que realizaram essas mediações nos períodos de junho a agosto de 2016. PALAVRAS-CHAVE: Interdisciplinaridade; Direito; Psicologia 1. INTRODUÇÃO/CONTEXTO DA AÇÃO O Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude Neddij de Irati-PR, é fruto de uma parceria entre Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) e Universidade Estadual do Centro Oeste UNICENTRO, concretizado via Universidade Sem Fronteiras. Através de atendimentos jurídicos e psicológicos gratuitos à população que se encontra em situação de vulnerabilidade social, o Neddij atua em prol das políticas públicas, direcionadas para a organização de Redes Sociais de proteção à criança e adolescente, na garantia de seus direitos. Os atendimentos abrangem os municípios de Inácio Martins e Irati,
pertencentes a Comarca de Irati-PR, a equipe é composta por uma coordenadora e orientadora do curso de Psicologia, uma orientadora do curso de Direito, dois advogados recém-formados, uma psicóloga recém-formada, três estudantes de Direito e dois estudantes de Psicologia. Dentre as atividades realizadas pelo Núcleo, encontram-se o ajuizamento de ações de adoção, guarda, pensão alimentícia; separação, tutela, medidas de segurança, regulamentação de visitas, reconhecimento e dissolução de união estável e divórcio. E uma vez que nosso foco está na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, para que possamos efetivar essas ações, um dos recursos utilizados por nossa equipe é a mediação em acordos entre as partes envolvidas, tema que discorreremos no presente trabalho, por meio da apresentação do fluxo de atendimento do Neddij e análise do trabalho interdisciplinar realizado pelas áreas de Psicologia e Direito. Essa temática é importante no sentido de que, quando consideramos os aspectos subjetivos presentes dentro do conflito familiar, como em questões referentes a divórcio, dissolução de união estável, guarda dos filhos, percebemos o quanto se faz necessário uma articulação entre essas duas áreas. Partimos da premissa de que por meio da mediação realizada dentro do Núcleo os usuários terão a possibilidade de ao chegarem a um entendimento construído por eles, este acordo será cumprido de modo mais efetivo, uma vez que não se tratará de algo imposto, mas sim realizado pelos sujeitos protagonistas de suas histórias, que refletirão sobre as decisões a respeito de si mesmos e do outro. Tal prática é importante no sentido de produzir deslocamentos em práticas que reforçam a judicialização da vida e das famílias, colocando os sujeitos como atores e produtores de modos de ser, e não apenas mais um número de processo e quantitativo para o judiciário. 2. DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES E/OU DA METODOLOGIA O Neddij de Irati deu início a suas atividades em setembro de 2014, e desde então oferece a população atendimento jurídico e psicológico. Para ter acesso aos serviços a população e os profissionais da rede de proteção, procuram o núcleo através do agendamento para atendimentos. No presente trabalho consideramos para análise uma das práticas realizadas pela equipe, para efeito de análise, nos detemos aos acordos realizados entre os meses de junho a agosto de 2016. Neste período foram realizados 119 atendimentos e destes já foram propostos 55 acordos. No que se refere ao fluxo de atendimento, quando o usuário chega ao Núcleo, geralmente encaminhado pela Rede de Proteção e Enfrentamento à Violência 1, ou mesmo por indicação de outros usuários, é realizado o acolhimento, no qual ouvimos a demanda trazida por este e então preenchemos uma ficha de identificação com dados tanto do requerente, como da criança ou adolescente em questão. Posteriormente buscamos contactar a parte contrária a convidando para comparecer ao Núcleo e, assim, a escutamos para compreender a sua percepção frente a situação apresentada. 1 Rede de Proteção: Podemos compreender a Rede de Proteção enquanto uma integração de políticas públicas destinadas à oferecer serviços para a população de maneira territorializada, isto é, uma mudança de lógica que visa inserir os serviços nas comunidades, de forma integrada e contínua (NJAINE et al. 2006). São componentes dessa rede os Conselhos da Criança e Adolescente, Conselhos Tutelares, Promotoria e Juizado da Infância e Adolescência, instituições como escolas, postos de saúde, hospitais e igrejas.
Após, ambas as partes serem ouvidas e estas concordarem, é proposto então um acordo, no qual estão presentes um profissional do Direito e um profissional ou estudante da Psicologia, juntamente com as partes, e é por meio desse encontro que os profissionais atuam, buscando sempre a mediação, para que o acordo venha ao encontro com a real necessidade e possibilidade de ambos os participantes, funcionando também como um espaço de intervenção para as famílias. Em todas as ações buscamos sempre resguardar o direito das crianças e adolescentes envolvidos. 3. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO Dentre os 55 acordos realizados, como podemos observar no gráfico abaixo, 2,2% foi referente a Reconhecimento de Paternidade, 6,7% diz respeito a dissolução de União Estável, 24,4% Divórcio Consensual e 66,7% regulamentação de guardas e visitas. Em 100% dos casos foram tratadas também de questões referentes a pensão alimentícia. É durante este momento de uma possível tentativa de acordo que percebemos como necessário e indispensável a presença da Psicologia e do Direito, pois é uma maneira de traçar novos percursos e criar alternativas de se aplicar o Direito com um olhar voltado para as necessidades dos sujeitos, uma vez que lida diretamente com questões de interesse humano, como a liberdade, a moralidade, o comportamento, sentimentos e emoções (DELMAS- MARTY, 2002, p 266). E aqui destacamos o papel da Psicologia, que vem justamente para compreender a demanda que surge para além dos fatos, no sentido de acolher os sentimentos e emoções envolvidos do sujeito que, ao não conseguir resolver questões no âmbito privado, muitas vezes acaba recorrendo ao Estado, em especial, a figura do Juiz, para solucionar seus conflitos. Todavia, o âmbito jurídico não consegue atender a todas as expectativas, principalmente da ordem social e acaba por assumir na grande maioria dos casos um papel
regulador. Não podemos negar a importância de regularizar determinadas situações, todavia, essa normatização não se apresenta enquanto suficiente frente as demandas que nos chegam diariamente. Outro dado importante é referente a quem recorre ao Neddij, dos 119 atendimentos, somente em 11 dos casos foi a figura paterna quem nos procurou. Ressaltamos, assim, a significativa presença por parte da mãe enquanto com um papel mais ativo nesse processo. Esse dado visibiliza a realidade brasileira, onde os cuidados das crianças e adolescentes, predominantemente, estão sob responsabilidade das mulheres, atualizando a diferença de gênero construída ao longo da história. Durante o acordo, buscamos envolver e dar mais espaço para o pai, compreendendo qual sua relação com os filhos, os vínculos afetivos estabelecidos, sempre incentivando a um maior contato com a criança/adolescente, destacando que, embora não exista mais a relação amorosa entre mulher/homem, ambos continuam com um vínculo e com a responsabilidade para com os filhos. Todavia, como nossa ação se configura, de um modo mais pontual, esse é um ponto que ainda necessita ser discutido e trabalhado em equipe, no sentido de promover e construir a participação mais ativa dos pais no convívio com seus filhos. Também é importante destacar o trabalho em rede realizado por nossa equipe. Uma vez que durante a escuta no processo de acordo alguns relatos referentes à violência, uso de álcool ou entorpecentes, vulnerabilidade econômica, dentre outras situações, surgem. Questões essas que ultrapassam a oferta oferecida pelo núcleo, mas que compõe nossa atuação ética e campo de atuação, sendo necessário recorrer a outros serviços e instituições, por meio do encaminhamento implicado. Implicado no sentido de que o usuário será acompanhado tanto de modo interdisciplinar quanto intersetorial, o que possibilita que diferentes saberes se debrucem sobre o sujeito de forma integrada, tendo mais a contribuir para com suas reais necessidades. Como já dito anteriormente, as leis e o Direito regulamentam as relações para possibilitar a vida em sociedade. Mas existem aspectos dessas relações, tais como os emocionais, relacionais, sociais, etc, que muitas vezes não são passíveis de enquadramento legal. Em geral, nos casos de separação, o motivo aparente que mantém o litígio na esfera judicial é, em regra, patrimonial, portanto objetivo e passível de divisão, e por isso comportaria uma acomodação satisfatória para ambas as partes envolvidas. O litígio apresentado consciente e objetivamente por intermédio de um processo judicial dissimula situações dolorosas relacionadas à experiência de rompimento do tecido emocional, construído ao longo do processo de convivência interpessoal. Com efeito, aspectos emocionais geralmente estão imbricados no discurso lógico presente nos conflitos instanciados judicialmente. Através da atuação entre Direito e Psicologia, conseguimos com que pessoas sentassem, se escutassem e chegassem a uma conclusão do que era melhor para seus filhos, não precisando encaminhar a decisão para um Juiz. Essa forma de intervenção proporciona que as próprias pessoas decidam sobre as suas vidas, e não um terceiro que desconhece a experiência e história dessas pessoas para lhes atribuir uma decisão. Nossa experiência tem mostrado que a partir do acordo, ambas as partes consensuam a melhor escolha para os cuidados e desenvolvimento de seus filhos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio dos acordos realizados percebemos o quanto algumas questões ainda precisam ser trabalhadas, como o lugar do pai dentro do vínculo familiar, que muitas vezes acaba por ser negligenciada. Pois, ainda que o envolvamos em certa reflexão sobre a importância deste se perceber enquanto alguém de referência para o filho. Nossa intervenção é bastante pontual, o que não garante que o que foi estabelecido durante o acordo, ainda que venha ao encontro com o esperado por ambas as partes, realmente seja efetivado. Assim, a partir dessa breve análise notamos como fundamental pensarmos em ações futuras no sentido de realizar um acompanhamento e avaliação com essas famílias no pós acordo, seja de modo individual ou mesmo por meio da constituição de grupos de orientações com esses pais. Destacamos novamente o quão fundamental é a construção de uma atuação compartilhada, interdisciplinar, entre os profissionais da área jurídica e psicológica. Para tanto, Fazenda (1991), aponta que é primordial pensar interdisciplinar a partir da premissa de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma exaustiva. O diálogo com outras fontes do saber e a atitude de se deixar irrigar por elas significa transformar-se por dentro e ao mesmo tempo, criar condições exteriores para mudar o mundo do saber. Mas em nenhum momento conseguimos estabelecer um rol de atividades interdisciplinares, pois o seu estabelecimento levaria ao erro do tecnicismo, ou seja, à criação de modelos de comportamentos, de procedimentos e técnicas necessárias apenas para o arranjo e controle das condições ambientais, tornando o comportamento observável e mensurável. Só a construção de um trabalho coletivo, a partir de uma participação organizada e ativa de todos os protagonistas envolvidos na questão judicial, é que proverá uma Justiça mais democrática, solidária e sensível a novos valores. Neste sentido, concordamos com Assis (2009), quando este nos aponta que as ações precisam ser bem planejadas, no entanto perdem força se a equipe não estiver integrada. É necessário que os profissionais envolvidos tenham a mesma perspectiva de sujeito para que possam trabalhar em direção ao mesmo objetivo, ou seja, uma visão ampliada do sujeito e de suas necessidades. REFERÊNCIAS Acesso aos arquivos dos usuários no período de junho á agosto de 2016 do Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude- NEDDIJ. DELMAS - MARTY, Mireille. Acesso a humanidade em termos juridicos. In: MORIN. Edgar (Org.). A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade- de- um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 1991. GRANJEIRO, Ivonete Araújo de Carvalho Lima. A interdisciplinaridade entre direito é psicologia no conflito familiar violento. Brasilia n. 185 jan/mar 2010. NJAINE, Kathie et al. Redes de prevenção à violência: da utopia à ação. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, supl. 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=s141381232006000500020&lng=pt&nrm=iso>. Acessos 14 set. 2016.