PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS NA AMÉRICA LATINA: UM ESFORÇO DE SÍNTESE E REFLEXÃO



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Transcrição:

PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS NA AMÉRICA LATINA: UM ESFORÇO DE SÍNTESE E REFLEXÃO Ricardo Dias da Silva; Francis Lee Universidade Federal de Goiás Goiânia GO Brasil rikardo1986@globo.com Apresentação Oral Dinamicas territoriales y disputa por recursos naturales Pagamento por Serviços Ambientais na América Latina: um esforço de Síntese e Reflexão Grupo de trabalho: 7 - Dinamicas territoriales y disputa por recursos naturales Resumo: A preservação ambiental requer ações de incentivo e não somente de punição. O pagamento por serviços ambientais e outros instrumentos econômicos atuam nessa sentido. Como forma de remuneração por boas práticas agrícolas e conservação florestal, os regimes de PSA tem assumido diversas formas nos países tropicais e, em especial na América Latina. Seja por financiamento público, seja via mercado, problemas quanto à concepção e às características dos regimes são frequentes nos casos costa-riquenho, equatoriano e brasileiro. Com base na literatura de PSA, os casos desses três países são analisados nesse trabalho a fim de verificar qual a conformação mais adequada para uma gestão ambiental que apresente efeitos positivos também sobre as populações rurais. Evidenciando a proeminência de regimes que não atendem aos recortes teóricos, a análise conduzida mostra que a ação estatal proativa e a sinergia entre políticas públicas são indispensáveis para que esquemas de PSA alcancem suas metas de preservação com viabilidade econômica e justiça social. Palavras-chave: Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), América Latina, florestas tropicais, populações rurais. Abstract: The environmental protection requires incitement actions and not only punishment. The payments for environmental services and other economic tools act on this sense. As a way of rewarding good agricultural practices and forest conservation, the PES schemes are assuming different forms in tropical countries and, especially on Latin America. It can be public funded or via market, but problems concerning the conceptions and features of schemes are frequent at Costa Rican, Ecuadorian and Brazilian cases. Based on PES literature, the cases of these three countries are analyzed at this work aiming to Ponencia presentada al VIII Congresso Latinoamericano de Sociología Rural, Porto de Galinhas, 2010.

verify which is the most suitable frame of environmental management that also impact positively rural population. Highlighting the prominence of schemes that don t match with the theory, the analysis shows that proactive state s action and synergy among public policies are extremely needed for PES schemes to achieve their targets of preservation with economic viability and social justice. Key words: Payments for Environmental Services (PES), Latin America, rainforests, rural population. 1. Introdução A preservação ambiental e o fluxo de benesses provenientes da natureza suscitaram diversos instrumentos ao longo do tempo para otimizar a relação do homem com os elementos presentes na biosfera. Desde uma ação predatória de uso exaustivo dos recursos naturais até as premissas da ecologia profunda, um longo caminho foi trilhado para entender os pressupostos da relação desenvolvimento econômico e meio ambiente. Partindo do legado desse debate, as políticas ambientais e a própia consciência dos agentes econômicos para com os recursos naturais embasamse tanto na busca pela satisfação das necessidades existentes e potenciais, tanto com vistas à escassez de recursos ofertados por todas as formas de existência biótica e abiótica. Uma forma de lidar com essa questão são os desdobramentos das políticas ambientais fundamentadas em regulação direta. A premissa, nesse caso, é uma normatização compulsória (governamental) que disciplina a conduta dos agentes em acordo com o marco legal estabelecido em termos de qualidade ambiental, prevendo e aplicando sanções de naturezas jurídicas e administrativas aos infratores. Esse modelo gestor apresenta certas limitações, em grande medida por fragilidades institucionais, verificadas especialmente em países com algum grau de instabilidade política e econômica, como na América Latina. Dessa forma, não como um substituto às instituições fracas, mas sim como um desenvolvimento do ambiente legal criado pela regulação direta, tem-se a implementação de instrumentos econômicos para a gestão ambiental (MOTTA, RUITENBEEK & HUBER, 1996).

Para a boa consecução de instrumentos econômicos aplicados à manutenção e incremento na provisão dos bens e serviços ambientais, são requeridos bons marcos regulatórios. Por sua vez, os instrumentos ecônomicos atuam diretamente no cálculo do agente econômico entre os benefícios da degradação ou da preservação ambiental, observado o melhor ganho que pode auferir das alternativas postas. Sendo adequedamente geridos, os instrumentos econômicos acabam por incutir no agente individual, além da perspectiva do ganho privado, uma racionalidade que considera os benefícios globais das boas práticas que adota e também a ressônancia que essa postura exerce em outras atividades que porventura este desenvolva. O controle biológico de pragas, a fertilidade dos solos, a melhora na infiltração e retenção de água no subsolo e nos manaciais, impactando na quantidade e qualidade deste bem e na prevenção de erosões, são benefícios diretos que são apropriados pelo agente através de práticas preservacionistas e manejo ambientalmente amigável. Os exemplos citados são apenas alguns elementos que compõem a vasta gama de serviços ambientais. Tendo sido inaugurada na década de 1960, esta concepção de serviços ofertados por diferentes estruturas viventes e não viventes em diferentes ecossistemas é vista como os diversos fluxos de materiais, energia e informações derivados de estruturas naturais e cultivadas que, combinados com os demais tipos de capital (humano, manufaturado e social) produzem o bem-estar humano (ANDRADE & ROMEIRO, 2009). Os serviços ambientais vem gradativamente sendo incorporados ao arcabouço dos intrumentos econômicos de preservação ambiental. Nesse sentido, a América Latina se constitui em caso emblemático para o paradigma que daí se origina: o pagamento por serviços ambientais. Esse mecanismo representa um novo e mais direto formato para promover a conservação, alinhando interesses de proprietários rurais e atores externos, reconhecendo o descompasso que há entre as percepções de ambos acerca da questão desenvolvimento/meio ambiente e munindo-se, para tal, de diversos tipos de compensações econômicas e financeiras (WUNDER, 2007). The core idea of PES is that external ES beneficiaries make direct, contractual and conditional payments to local landholders and users in return

for adopting practices that secure ecosystem conservation and restoration 1. O principal foco desse mecanismo está nas regiões tropicais do planeta. Isso se dá, pois além de resguardarem percentual expressivo das formas de vida animal e vegetal, essas mesmas áreas enfrentam acelerada perda de terreno para atividades madeireiras, agropecuárias e ocupação humana de maneira geral. Entretanto, isso não impede que hajam regimes de PSA fora do âmbito do países tropicais. Um bom demonstrativo disso é o esquema Conservation Reserve Program (CRP) nos Estados Unidos, tanto por sua longevidade como pela abrangência: inicia-se em 1985 e abrange atualmente uma área de 14,5 milhões de ha (WUNDER, 2009). Por fatores diversos, as florestas tropicais enfrentam grande pressão antrópica, especialmente em países em acelerado processo de crescimento do setor agroexportador no Sudeste Asiático (Indonésia, Malásia) e na América Latina (Brasil, Equador e países centro-americanos). Diante disso, o esforço desse trabalho é investigar as iniciativas de PSA em andamento na atualidade na América Latina através de casos selecionados de acordo com o preenchimento dos requisitos que caracterizam um regime de PSA (voluntariedade; serviço ambiental ou uso do solo bem definido; existência de um comprador e um vendedor; e garantia de adicionalidade); Municiando-se da literatura existente sobre o tema, o trabalho objetiva avaliar as principais características em que tomam forma os regimes de PSA florestais existentes no contexto latino-americano para sequestro e estocagem de carbono: da Costa Rica (Fonafifo) e do Equador (Profafor). E no caso específico do Brasil: Proambiente e Bolsa Floresta. Especificamente, são exploradas as vantagens e desvantagens dos modelos opostos de governança desses regimes, sendo Fonafifo,Proambiente e Bolsa Floresta de ordem pública e o Profafor estritamente privado. Numa perspectiva para além do pagamento, e sim como recompensa pela provisão de serviços ambientais, Van Noordwijk (2005) assevera a 1 A idéia central sobre Pagamento por Serviços Ambientais é que beneficiários externos de Serviços Ambientais façam pagamentos diretos, contratuais e condicionais a proprietários e usuários locais em retribuição por adotarem praticas que asseguram a conservação e restauração dos ecossistemas - tradução livre do autor

fragilidade da concepção puramente mercadológica como via de solução para o problema. Há que se levar em conta aspectos ecológicos, de governança ambiental, justiça social e ainda manejo integrado dos recursos naturais. Assim, não enfocar os mecanismos somente como transações locais ou globais e suas respectivas regras de mercado, mas analisando-se o seu contexto é um método de avaliar os resultados do instrumento de forma abrangente, verificando se a melhora ambiental é acompanhada por incremento na qualidade de vida das comunidades locais, bem como se a governança e o ambiente institucional tem sinergia com o PSA. Por isso, são abordados critérios outros como a condição da continuada provisão do serviço ambiental pelo prestador, bem como questões relacionadas aos custos de transação pela instalação e condução do regime e ainda a relação ganhos/perdas dos proprietários rurais com a adesão a esquemas de PSA, consubstanciados pela escolha entre a conservação e as atividades agrícolas tradicionais. 2. Metodologia Este artigo foi preparado a partir da revisão da literatura nacional e internacional sobre a temática de PSA, tendo como objeto de estudo as experiência mais relevantes em termos florestais nos países da América Latina. De início, procurou-se nos regimes analisados as características que permeiam os PSAs segundo a teoria, a saber: 1 uma transação voluntária, na qual 2 um serviço ambiental bem definido ou um uso da terra que possa assegurar este serviço 3 é comprado por, pelo menos, um comprador 4 de, pelo menos, um provedor 5 sob a condição de que o provedor garanta a provisão deste serviço (WUNDER, 2005, p. 11 Sendo a vertente florestal a mais amplamente disseminada modalidade de PSA, optou-se por abordar os dois regimes mais significativos (em área ou idade) da América Latina de forma geral e também no caso específico do Brasil. Atentando-se para a o mérito das estruturas de governança que regem os esquemas estudados, são avaliados pontos negativos e positivos de ambos

os casos, tanto sob a égide da conservação ambiental, como sobre seus impactos sobre a esfera social inserida no processo. Esses dois eixos analíticos fornecem instrumentos de reflexão que permitem chegar às considerações finais em condições de discutir as condicionantes mais propícias a garantir melhores resultados socioambientais para regimes de PSA florestais. 3. Florestas tropicais e a remuneração por seqüestro de carbono A intrínseca relação entre as emissões de carbono na atmosfera e seus efeitos diretos no aquecimento global e no regime climático planetário já são pauta para um intenso debate há mais de duas décadas. Muito antes dessa problemática ser apropriada e alardeada pela mídia, no ano de 1989, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC na sigla em inglês), incumbido de ser fórum privilegiado do debate científico acerca do tema e embasar os tomadores de decisão e a opinião pública internacional. Entretanto, àquela altura iniciativas pioneiras em se tratando de mitigação de emissões de carbono já se encontravam em andamento. Exemplo dessas experiências inaugurais é o Programa Fonafifo, da Costa Rica, cujo esboço mais efetivo na criação de um mercado para serviços ambientais se dá em 1986. Antes disso, a preocupação com a criação de um arcabouço legal propício à recuperação da cobertura vegetal do país se desdobrava desde os fins dos anos 70. Através da Lei Florestal de 1979 concedeu-se isenções fiscais como incentivo à plantação de árvores e a conseqüente recuperação dos estoques madeireiros. Esse primeiro momento ficou caracterizado como a primeira geração de incentivos (HERCOWITZ; MATTOS & SOUZA, 2009). No período 1950-1970, a Costa Rica era palco de diversos fatores que a levariam a ter apenas 29% de sua cobertura vegetal nativa no ano de 1986: rápida expansão de estradas; créditos para a criação de gado e exportação de carne; e uma legislação fundiária que estimulava o desmatamento (ZBINDEN & LEE, 2005). Acrescenta-se a isso o fato de que dois terços das áreas desmatadas não são compatíveis para as atividades agropecuárias, de forma que a

exposição desses solos frágeis à perda de sua cobertura vegetal proporciona sua inutilização via desertificação (ZBINDEN & LEE, 2005). Sendo assim, a Costa Rica dos fins dos anos 70 encontrava-se às voltas com uma atividade madeireira voraz responsável por altas taxas de desmatamento, um agronegócio exportador que se expandia pelo rastro da frente pioneira das madeireiras ocupando solos pobres e arenosos e, por fim, a perda de receitas provenientes das atividades de ecoturismo, uma fonte substancial das riquezas nacionais (GRIEG-GRAN; PORRAS & WUNDER). Para além da preocupação com os estoques madeireiros, no ano de 1986 o governo costarriquenho aprova a segunda geração de incentivos numa ampliada Lei Florestal. Nessa fase, Certificados de Abono Florestal (CAF) constituem-se em subsídio indireto para a propagação de atividades florestais via títulos transacionáveis. Na primeira metade da década de 90, essa estrutura é consolidada e expandida. Em 1996, a terceira Lei Florestal eleva o Fonafifo à condição de órgão governamental de status legal indepentendente, objetivando captar e gerenciar os recursos do programa nacional de PSA, que a esta altura consubstanciava-se numa estrutura tentacular articulada em diversas frentes, abrangindo muito além da indústria madeireira e grandes proprietários rurais (HERCOWITZ; MATTOS E SOUZA, 2009). Como apenas uma parte dos projetos costarriquenhos é composta por atividades de reflorestamento os únicos contemplados no mercado oficial de carbono, os créditos transacionados não são suficientes para suprir a demanda de recursos. Porém, o Fonafifo não somente detém a propriedade dos créditos gerados nos projetos que gerencia, como também é portador de autonomia para captar recursos de diversas outras fontes (Governos estrangeiros, Banco Mundial, Fundo Ambiental Global, Agências de Cooperação), de forma a não ficar refém dos repasses anuais autorizados por decreto presidencial e viabilizados pelo Ministáreio das Finanças (PAGIOLA, 2006). Dentre os repasses governamentais, a porcentagem que é atribuída ao programa de PSA do país advém prioritariamente do imposto sobre o consumo de combustíveis fósseis. Sob esse viés, mesmo que de maneira não adequadamente mensurada, as emissões dos automóveis costarriquenhos são

neutralizadas em parte pelos projetos de reflorestamente e desmatamento evitados através da taxação da gasolina e do diesel. O programa de PSA da Costa Rica, por ser um dos mais antigos e bem documentados na América Latina e no mundo, fornece diversos subsídios analíticos acerca dos erros e acertos no que concerne a esse tipo de iniciativa. O mais relevante é o exemplo de forte organização institucional verificado no longo percurso percorrido desde os primeiros instrumentos econômicos empregados na conservação das florestas. Apesar de eminentemente idealizada e promovida por iniciativa pública, a articulação entre o governo e iniciativa privada, mesmo que em tênue consenso, foi a mola propulsora dos sucessivos aprimoramentos na elaboração e aplicação da Lei Florestal. E mesmo que os valores pagos aos ofertantes de serviços ambientais não seja embasado em contabilidade apurada da capacidade de absorção e armazenamento de carbono, o programa se desenvolve cobrindo o custo de oportunidade dos produtores rurais. Outrossim, o programa teve reflexos visíveis nos fluxos de recursos obtidos no turismo assentado nas belezas naturais do país, se convertendo na principal e mais promissora fonte de receitas atualmente (HERCOWITZ, MATTOS E SOUZA, 2009). Ademais, está em discussão no Congresso Nacional da Costa Rica proposta para taxar também os detentores de outorga para o uso da água, numa ampliação da alçada do regime de PSA. O fato é que há um serviço ambiental muito bem definido e que, para além do arcabouço da Lei Florestal, o regime de PSA se desenvolve em acordos voluntários entre as partes ofertantes (notoriamente proprietários rurais) e a parte demandande (o Fonafifo). A adicionalidade do projeto, apesar insatisfatoriamente medida, é verificada através do aumento significativo das áreas de floresta que não transcorreria tão massivamente na ausência do regime. De uma proposta de incentivos estatais para evitar o desmatamento transformada num programa sólido e institucionalizado, detentor de credibilidade internacional junto às mais diversas agências de fomento, o Fonafifo atende às expectativas para o qual foi pensado. Apesar de não estarem caracterizados em toda sua trajetória os dogmas de uma legítima estrutura de PSA, o Fonafifo redefiniu os rumos do desenvolvimento

costarriquenho, assentando-o numa equação ponderada entre a preservação e a produção. Dentro de um arquétipo institucional totalmente diverso do Fonafifo, está o caso do Profafor, uma iniciativa de PSA para seqüestro de carbono levada a cabo em 8 Províncias do Equador. A diferença sine qua non está na própria concepção deste regime: Profafor S.A. é uma empresa privada equatoriana, sendo extensão de uma organização privada internacional financiada por empresas holandesas do ramo energético. Como o intuito nesse caso é mitigar as emissões de carbono desse consórcio de empresas, o esquema esteve montado em reflorestamento com plantas exóticas desde os seus primóridos, em 1993. No entanto, a partir de 1999, abarcou também o plantio de espécies nativas. No total, um levantamento realizado em 2006 dá conta de 22.000 hectares comprometidos com o Profafor (WUNDER, 2007) Sendo um regime iniciado antes dos compromissos assumidos em Quioto, o carbono sequestrado pelas florestas certificadas, quando ultrapassa a demanda de neutralização das emissões das empresas termoelétricas holandesas, é revertido para o mercado voluntário de carbono. Os solos equatorianos propícios para aragem e usos agrícolas somam apenas 6,8% da superfície total do país. Conta-se três regiões completamente distintas dentro do mesmo território, a saber: as terras planas da costa do Pacífico; o altiplano andino; e as terras baixas da Amazônia a leste. E, num contexto de relativa escassez de riquezas minerais, as florestas do Equador sempre sofreram grande depleção que, na década de 90, levou o país a ter a segunda maior taxa de desmatamento da América do Sul, ficando atrás apenas do Paraguai (WUNDER, 2000). Por conta desse quadro, os projetos do Profafor encontraram no Equador considerável ressonância junto aos proprietários rurais locais, em especial no altiplano, onde se concentram 95% das áreas contratadas. Desde sua implantação, o reflorestamento empreendido no escopo desse regime responde pela metade de tudo que é feito no país em matéria de florestas plantadas (WUNDER E ALBÁN, 2008). Diante disso, o projeto tocado pelo Profafor constitui importante instrumento empenhado em mudar a realidade das florestas equatorianas.

Apesar disso, a forma na qual se desenvolve esse regime, totalmente independente do Estado equatoriano, sucita uma série de questões que podem vir a relativizar a eficácia e eficiência da empreitada. Na forma pela qual se estrutura, o regime de PSA Profafor atende às exigências que integralizam um mercado para serviços ambientais nos conformes com a definição teórica pertinente. Contudo, a forte tendência de associar esquemas de PSA a um escopo socioambiental questiona o Profafor no sentido da escolha dos participantes do regime, nas condições contratuais e nos benefícios auferidos pela população coberta pela iniciativa, composta em sua maioria por famílias vivendo abaixo da linha de pobreza (MURADIAN et al, 2009). Nessa perspectiva, o projeto não se encontra majoritariamente nas terras de elevada altitude por causa da concentração de pequenos e médios produtores detentores de baixos índices de produtividade agrícola, mas unicamente pelos elevados custos de oportunidade verificados na costa do Pacífico. Ainda assim, é alegado pelos negociadores do Profafor o impeditivo custo de transação requerido num arranjo que contemple uma grande diversidade de agricultores alocados num elevado leque de condições biofísicas e de capacidade efetiva de execução a contento das premissas contratuais (WUNDER & ALBÁN, 2008). Por assim dizer, os critérios de escolha para os contemplados no regime de PSA embasam-se nas conveniências da empresa mantenedora. Os contratos só foram firmados em unidades acima de 50 ha, e os benefícios adicionais oferecidos de início (mudas, assistência técnica) são amortizados logo nos primeiros pagamentos. Além do mais, os ganhos para as comunidades locais numa situação de tão elevada assimetria de poder e informação são minados a longo prazo. A questão se inicia com um esquema de cima para baixo, totalmente alheio da realidade local. Na implantação do regime, a estimativa dos valores pagos às comunidades pelos serviços florestais foram sobrevalorizados, deixando nebulentas as cláusulas sobre a manutenção do somidouro de carbono durante um período de 30 anos ou mais, com o agravante de não especificar os trâmites sobre a destinação da produção madeireira ao término do contrato (HERCOWITZ, MATTOS E SOUZA, 2009).

Os termos pormenorizados de cada contrato são geralmente negociados com um líder de cada localidade, sendo este o único a ser capacitado pelo Profafor para o manejo florestal em treinamento oferecido anualmente. Não obstante, as diretrizes do Plano de Gestão do projeto, elaborado para cada decênio, são de competência exclusiva do Profafor e, da mesma forma, é conduzida a determinação dos montantes a serem despendidos com cada secção regional de provedores de serviços ambientais, de forma que a distribuição desses valores não está assentada em critérios técnicos, mas sim na divisão de um valor total previamente estabelecido. A ausência do Estado equatoriano no esquema, ao mesmo tempo que permite um desenvolvimento mais autônomo e menos burocratizado do regime de PSA, conforme os auspícios estritamente mercadológicos para os referidos serviços, também implica em deficiências na concepção e consecução do projeto como um todo. Como o intuito é mitigar as emissões de carbono emitido por termoelétricas holandesas, a escolha pelo reflorestamento no Equador se dá com vistas a reduzir custos e com a imagem do conglomerado de empresas junto a opinião pública européia. Não estão em pauta melhoras na qualidade de vida dos povos que circundam a floresta e retiram dela seu sustento, de forma a reduzir a pressão antrópica sobre a cobertua vegetal remanescente ou mesmo a um aproveitamento economicamente viável das áreas já desmatadas. Segundo WUNDER & ALBÁN (2008), nos casos onde as comunidades locais possuem melhor organização na aplicação das cláusulas contratuais (gestão ambiental mais efetiva, redução dos riscos de desertificação) os repasses do Profafor tendem a ser incrementados. Além disso, em função do rateio dos valores a cada provedor apresentar-se muito volátil de um período para outro, há casos de comunidades que ao invés de fazer essa divisão, optam por realizar certo investimento com construção de escolas, aquisição de maquinário agrícola e até mesmo sistemas de microcrédito para o grupo de proprietários signatários do projeto. É mister notar a institucionalização oposta do regime Fonafifo na Costa Rica e do Profafor no Equador. Enquanto que no primeiro caso a gênese e o aprimoramento do regime acompanhou a evolução do arcabouço legal e a preocupação dos governos e da própria opinião pública do país com as

florestas, no segundo exemplo fica explícito o enxerto de uma iniciativa exógena num contexto de parcial alienação e contrastantes poderes de informação e barganha. Dessa forma, uma avaliação dos resultados práticos in loco carece de ser realizada, tanto em termos de melhora ambiental (incluindo eventuais vazamentos, impacto dos sumidouros de carbono na provisão do demais serviços ambientais) como também dos avanços sociais propiciados aos proprietários rurais e comunidades tradicionais envolvidos nos esquemas supracitados. De pronto, esta pesquisa permite afirmar que sem o empoderamento das comunidades direta e indiretamente envolvidas num regime que busca a preservação de florestas como contribuição direta ao bem estar humano e à consecução do próprio desenvolvimento das demais atividades agrícolas, é relativamente remoto o vislumbre de uma sustentabilidade perne para a vasta gama de benefícios produtivos, de lazer, culturais e espirituais ofertados pelo meio ambiente. 4. Abordagem integrativa e finaciamento público: as experiências brasileiras em PSA florestais Os regimes de PSA instituídos em âmbito nacional tendem a ser abrangentes no âmbito da quantidade de serviços contemplados, ao mesmo tempo em que as metodologias adotadas para auferir os ganhos quantitativos e qualitativos na melhora ambiental são deveras confusas e os fluxos de recursos apresentam exacerbada volatilidade. Um caso típico desses problemas é o esquema Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural (Proambiente). Este arranjo surge dos esforços conjuntos de diversas entidades preocupadas com a viabilidade dos sistemas de produção familiar no bioma amazônico e a adoção de práticas mais amigáveis ao meio ambiente. Na contramão da premissa da especificidade do serviços ambientais prestados, esse regime cobre desmatamento evitado e seqüestro de carbono, conservação do solo e da água, preservação da biodiversidade e redução da inflamabilidade da paisagem.

O grupo de entidades que passaram a discutir essa problemática nos fins dos anos 90, tendo também como pano de fundo os impactos da aplicação dos recursos do Fundo Constitucional do Norte (FNO), são: Federações do Trabalhadores na Agricultura (FETAGs) da Amazônia Legal, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), Movimento Nacional dos Pescadores Artesanais (MONAPE) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) (OLIVEIRA & ALTAFIN, 2008). Com a colaboração técnica e política do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e da Federação do Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase), a proposta de criação de um mecanismo inicialmente concebido sob o viés de crédito rural ganhou visibilidade no Grito da Amazônia 2000. Depois disso, desenrolou-se o Projeto de Consolidação Proambiente que, entre 2001 e 2003 configurou a proposta do programa como política pública e selecionou 11 pólos pioneiros que seriam incorporados logo na primeira etapa de implementação do regime (HERCOWITZ, MATTOS E SOUZA, 2009). Concluída essa etapa, o Projeto foi entregue em 2003 aos Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário e ao próprio Presidente Luíz Inácio Lula da Silva, recém empossado na ocasião. Na sequência, viu-se um longo processo de institucionalização do Proambiente que culminou em 2006 com uma portaria instalando e delegando funções e objetivos ao Conselho Gestor Nacional do Proambiente e, concomitantemente, realizou-se os primeiros pagamentos do programa. De acordo com MEDINA & BELTRÃO (2008), a experiência do Proambiente é promissora no que tange à construção de uma metodologia de acompanhamento técnico diferenciada, à elaboração de acordos planejados de uso dos lotes bem como a um envolvimento bastante considerável de produtores no regime (cerca de 4.000 famílias). Acrescenta-se a isso o caráter participativo que foi delegado ao programa. Desde a mais alta instância deliberativa (Conselho Gestor Nacional), passado pelo conselho de gestão de cada pólo individualmente, a composição intersetorial desses fóruns permite dar voz ativa aos diversos atores envolvidos

no esquema, desde os órgãos governamentais federais até os movimentos locais participantes. Porém, uma série de dificuldades têm minado a proposta inicial dos movimentos sociais rurais da Amazônia e consequentemente a consolidação do Proambiente. De início, as instâncias de controle social da política pública representadas pelos conselhos gestores nacional e locais só foram criados pela portaria editada em 2006, e somente lhes sendo atribuídos poderes consultivos. A articulação requerida entre os próprios entes estatais não ocorre. A participação pensada para o poder público municipal como facilitador nos Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Pólos não se converteu em realidade, devido a condicionalidades emanadas do próprio Governo Federal, como recursos financeiros e instrumentalização. Mais ainda, os primeiros resultados tangíveis do regime, consubstanciados em mudanças estruturais no uso da terra e dos recursos naturais não são reconhecidos como critérios para fiduciar projetos técnicos de crédito, corroborando para o posicionamento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) de que o Proambiente é uma iniciativa sem resultados (HERCOWITZ, MATTOS E SOUZA, 2009). Sem esse necessário aval, do status de programa prioritário no Plano PluriAnual (PPA) 2004/07, o Proambiente foi rebaixado à condição de ação do Programa Agrobiodiversidade no PPA 2008/11. Além disso, o fluxo de recursos orçamentários previstos nunca foi integralizado na forma de pagamento ao provedor de serviços ambientais. Sob essa ótica, apenas a parte de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) goza de relativo sucesso no escopo do esquema, já que há uma maior continuidade nos repassases financeiros por parte do Ministério do Desenvolvimento Agrário. De forma geral, essa falta de engajamento mútuo das entidades participantes é um forte obstáculo. No entanto, o que mais chama a atenção é a morosidade e leninência do órgão central do esquema: o próprio Ministério do Meio Ambiente. Na condição de protagonista na alocação dos recursos e intrumentalizador dos mecanismos deliberativos e de acompanhamento, o referido Ministério demonstra ineficiência tanto quando da instauração e viabilização do projeto, como nos trâmites executores do mesmo, de forma que

as equipes comunitárias de cada pólo não atuam de maneira perene e, mais do que isso, os fluxos de recursos estão muito aquém daquilo que foi colocado pelas entidades proponente e aceito de início pelo governo. Seguindo essa mesma linha do financiamento de programas de PSA com fundos públicos, mas com estratégia preservacionista distinta, tem-se o Bolsa Floresta. Sob a égide de esquemas de PSA calcados em desmatamento evitado, guardando a característica da ampla abrangência de serviços ambientais remuneráveis, esse programa é uma iniciativa do governo do Estado do Amazonas, por meio da Fundação Amazônia Sustentável, criada com o fim de gerir os recursos do projeto e atuar em prol do beneficiamento ambiental e social das áreas do projeto. Estando dentro de um projeto maior, a Lei de Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, de junho de 2007, o Bolsa Floresta atinge mais de 4.000 famílias inseridas ou próximas a 13 unidades de conservação (MEDINA E BELTRÃO, 2008). Numa estimativa aproximada de áreas propícias a receber PSA por desmatamento evitado, WUNDER (2008) dá conta de que 26% delas são compostas por unidades de conservação e terras indígenas bem como assentamentos de reforma agrária, características facilitadoras devido a situação fundiária consolidada. O Bolsa Floresta é mantido com os juros dos recursos existentes no Fundo Estadual de Mudanças Climáticas, havendo ainda captação junto à iniciativa privada, ONGs e entidades governamentais nacionais e internacionais. Outra fonte é o potencial de carbono armazando na floresta através do mercado alternativo de iniciativas voluntárias (HERCOWITZ, MATTOS E SOUZA, 2009). Sendo de implantação recente, a avaliação do Bolsa Floresta ainda é restrita. De início, é notável a forma participativa pela qual o programa foi construído e as iniciativas de acompanhamento e conscientização para com as famílias atendidas. Foi previamente empreendido um estudo socioeconômico das famílias a serem contempladas pelo programa, a fim de acompanhar a evolução das mesmas, e ainda foram realizadas oficinas de capacitação dessas famílias para que se apoderassem da lógica do processo de mudanças climáticas globais e do protagonismo da participação delas no regime do Bolsa Floresta (HERCOWITZ, MATTOS E SOUZA, 2009).

Está previsto na proposta original a condução de ações complementares integradas ao regime para auxiliar na criação de alternativas de rendas sustentáveis para essas famílias. Esses mecanismos tendem a ser um grande trunfo do projeto, já que algumas deficiências estruturais podem vir a comprometê-lo. Logo, o próprio valor fixado, R$ 50, independente do tamanho da família ou da extensão de sua área de exploração econômica é um entrave. Levando em consideração as dificuldades de transporte naquela região, ocorrem casos em que o custo do traslado até uma agência bancária para efetuar o saque da quantia devida pelo programa é maior do que o valor da bolsa. Evidencia-se também que, dada a característica de agricultura intinerante praticada em amplas áreas da Amazônia, empreende-se corte e queima da cobertura vegetal para o cultivo agrícola em áreas alternadas. Dessa forma, enquanto uma área é explorada numa safra, as outras estão em pousio, garantido assim a recuperação da fertilidade do solo. Quando se comprometem com o Bolsa Floresta, as famílias concordam em cultivar numa mesma área consecutivamente. Essa dinâmica tem efeitos negativos já impactados nos bolsistas do programa: enquanto a produtividade das atividades agrícola é decrescente a cada ano, devido à exaustão dos solos, essas população não detém acesso à adubação orgânica (devido a falta de mão de obra requerido nesse tipo de manejo) e menos ainda à abubação química, haja vista os elevados preços e a indisponibilidade da mesma nos mercados dos municípios envolvidos (MEDINA & BRANDÂO). Sendo assim, fica explícito que o Bolsa Floresta não atende a um requisito básico num esquema de PSA: consideração do custo de oportunidade. Ora, para ser uma oportunidade realmente vantajosa para os agente econômicos locais, a remuneração fornecida pelo regime deveria no mínimo cobrir os rendimentos auferidos na melhor opção alternativa de renda, no caso a agricultura intinerante. Além do mais, o esquema padece de trâmites operacionais mais efetivos, ao passo que a determinação é demasiadamente simplória: a cada vistoria anual realizada pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento

Sustentável do Estado, o produtor deve possuir a mesma quantidade de floresta nativa verificada por ocasião da instalação do projeto na área. Mesmo prevendo punições aos infratores das cláusulas, a metodologia do Bolsa Floresta não mede se houve ou não incremento na provisão dos diversos serviços que intenta remunerar. Assim sendo, além da dificuldade orçamentária pertinente a praticamente todos os regimes de PSA com fundos públicos, o Bolsa Floresta ainda apresenta essas deficiências de concepção e execução. 5. Considerações Finais Em razão do distanciamento das premissas conceituais e os diversos desdobramentos das iniciativas de PSA, WUNDER (2008) preconiza que dentre as quase três centenas de iniciativas de conservação ambiental embasadas em remunerações financeiras pela oferta de serviços ambientais existentes na América Latina, apenas uma pequena minoria se conforma integralmente com a conceituação teórica de PSA desenvolvida pela literatura. Depreende-se daí que, uma estrutura de mercado consideravelmente sustentada em intercâmbio de serviços ambientais e amenidades por parte dos provedores e de recursos financeiros por parte dos beneficiários é de complexa montagem em curto prazo. Somente em casos onde um arcabouço institucional consolidado seja capaz de induzir e fomentar a ação dos agentes econômicos no intuito de viabilizar o esquema de PSA, é possível se pensar nesse instrumento funcionado perfeitamente em nível de transações puramente mercadológicas. No caso do Profafor equatoriano, os ganhos ambientais aferidos pelo projeto da iniciativa privada são notáveis. Porém, a localização e os benefícios do regime atendem a uma população mais pobre e dependente dos recursos naturais apenas por força de questões geográficas. A ausência do Estado desencadeia desconfiança ao regime e, juntamente com a assimetria de forças entre as partes, podem levar à um retrocesso no processo de desenvolvimento ambientalmente equilibrado, socialmente justo e economicamente viável, já que é desconexo das políticas públicas empreendidas pelas autoridades.

Entretanto, a presença de um Estado ineficiente também inviabiliza o regime. Nos dois casos brasileiros, o excesso de burocracia (Proambiente) e a má gestão (Bolsa Floresta) interferem negativamente na condução apropriada das iniciativas. No caso do último, as dificuldades abrangem até mesmo a discussão sobre a aplicabilidade do regime. A transferência de um valor monetário pré-determinado (pautado em decisões governamentais) às famílias rurais se situa muito mais na alçada dos programas de assistência social do que ação política de um plano estadual de mitigação das mudanças climáticas, como se propõe o Bolsa Floresta. A aplicação de um programa como o Bolsa Família do Governo Federal brasileiro, que oferece às famílias carentes um repasse mensal com valor médio de R$85 (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2010) e portanto superior aos R$50 do Bolsa Floresta, além de abranger outros benefícios complementares, ainda há chances de inclusão no mercado de trabalho, pode eficazmente suprir as necessidades das pessoas e diminuir a pressão sobre os recursos da floresta. Por isso, a sintonia entre as diversas políticas públicas acaba sendo fator determinante para o sucesso de qualquer iniciativa de PSA. No Fonafifo da Costa Rica, uma forte articulação do arcabouço legal com as ações estatais e organismos internacionais e do terceiro setor garantiram a reversão do processo de devastação das florestas nacionais. O estratégia do regime em transferir dividendos de poluidores (proprietários de automóveis) para as ações do Fonafifo e ainda garantir legitimidade para a captção de fontes alternativas de financiamento além governo, são claros exemplos de que mesmo sem seguir à risca os ditames de um autêntico regime de PSA, é possível reverter o quadro de degradação ambiental concomitantemente com o efeito bastante desejado de melhora nas condições de vida das populações rurais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Daniel Caixeta; ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Serviços Ecossistêmicos e Sua Impotância para o Sistema Econômico e o Bem- Estar Humano. Campinas: UNICAMP, n. 155, 2009.

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