remanescente de Mata Atlântica de Aracaju, capital de Sergipe, Brasil



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Descaracterização da avifauna no último ISSN 1981-8874 9 771981 887003 0 0 1 7 8 remanescente de Mata Atlântica de Aracaju, capital de Sergipe, Brasil André Lucas de O. Moreira 1 & Caio Graco Machado 2 A Mata Atlântica abriga uma das maiores riquezas de espécies e taxas de endemismo do planeta (Ribeiro et al. 2009), porém é um dos ecossistemas mais ameaçados do globo e, desta forma, é considerada zona prioritária para a conservação da biodiversidade (Myers et al. 2000, MMA 2007). Atividades humanas como a caça, fragmentação, perda de habitat e, mais recentemente, a urbanização, ameaçam a Mata Atlântica (Metzger 2009, Tabarelli et al. 2010). Cerca de 90% da área de ocupação de sua vegetação original já foram perdidas e a maior parte dos fragmentos remanescentes são menores que 50 ha (Ribeiro et al. 2009). No nordeste brasileiro, onde a ocupação foi iniciada logo após o descobrimento do Brasil, a Mata Atlântica apresenta o cenário mais preocupante, pois restam apenas 2% da cobertura original (Silva & Tabarelli 2000), dos quais as unidades de conservação protegem apenas 3% (Ribeiro et al. 2009). Essas características prejudicam a conservação de muitas espécies que são mais sensíveis às alterações do habitat (Ribeiro et al. 2009) e a conservação de processos ecológicos, como a dispersão de sementes e polinização (Silva & Tabarelli 2000), o que compromete a recuperação natural de suas áreas degradadas. No estado de Sergipe, a Mata Atlântica subsiste em pequenos fragmentos isolados por áreas urbanas e agropecuárias (Santos 2009). Estima-se que apenas 0,1% da floresta atlântica ainda exista neste estado (Gomes et al. 2006). Na capital, Aracaju, resta apenas um remanescente de Mata Atlântica, com 68 ha, que está inserido na Área de Proteção Ambiental Morro do Urubu estadual (APAMU) com 214 ha (Silva & Souza 2009). Na APAMU, além de florestas e sistemas associados à Mata Atlântica, há também enclaves de cerrado e corpos d água. A constante influência da pressão antrópica decorrente do crescimento urbano, que a descaracteriza, a ocupação irregular, o isolamento pela matriz urbana (Gomes et al. 2006), o acúmulo de resíduos sólidos domiciliares e a mineração (Silva & Souza 2009) são alguns dos fatores que ameaçam a conservação da APAMU. Diante da necessidade de esforços prioritários para a conservação da Mata Atlântica do nordeste brasileiro, o objetivo deste estudo foi investigar a comunidade de aves do último remanescente Figura 1. Vista parcial da Área de Proteção Ambiental Morro do Urubu em Aracaju, Sergipe. Foto: André L. O. Moreira. de Mata Atlântica da capital de Sergipe, a APAMU, e descrever sua composição específica e seus grupos tróficos (Gomes et al. 2006, Silva & Souza 2009). Materiais e Métodos Área de Estudo Este estudo foi desenvolvido na APAMU que está sob o domínio da Mata Atlântica e imersa na matriz urbana da cidade de Aracaju, Sergipe (10º52 37 S, 37º03 17 W). Esta cidade possui 570.000 habitantes distribuídos em 174,53 km 2 totalmente urbanizados (IBGE 2010). O clima na região é quente e úmido, do tipo A s, segundo a classificação de Köppen, e a temperatura média anual é 26ºC, com mínima de 24ºC e máxima de 31ºC. A precipitação média anual é 1.590 mm, sendo o período chuvoso de março a agosto e o seco, de setembro a fevereiro. A altitude média de Aracaju é de 5 m, com relevo plano (Rabelo et al. 2006). Em Aracaju, a Mata Atlântica foi substituída por uma cidade planejada e a vegetação da cidade se encontra totalmente descaracterizada pela malha urbana. As áreas arborizadas que subsistiram se limitam a pequenas praças, parques arborizados e um último remanescente florestal em estágio inicial de regeneração, a APAMU (Moreira 2013). Atualidades Ornitológicas, 178, março e abril de 2014 - www.ao.com.br 33

A APAMU (Figura 1) é composta por vários ambientes, dos quais 32,6% de sua área correspondem a floresta mesófila decídua, floresta mesófila semidecídua e enclaves de cerrado (este, ocupa 11,3% dessa área), e o restante é ocupado por pastagens, pomares e lagoas sendo uma delas artificial (Chagas 2009). Nestes ambientes há o predomínio de Syagrus coronata (Arecaceae), Tapirira guianensis (Anacardiaceae), Apeiba tibourbou (Malvaceae), Cecropia pachystachya (Cecropiaceae) e Cupania revoluta (Sapindaceae), além de um grande número de espécies de árvores exóticas. Métodos Para investigar a riqueza, a composição e a frequência das aves em toda a área da APAMU foram realizadas seis amostragens, com dois dias cada, em setembro, outubro e dezembro de 2011 e de maio a julho de 2012. As amostragens ocorreram do nascer do sol às 11:00 h. Para estimar a riqueza, composição e Espécies de aves 100 frequência de ocorrência das espécies de aves foi utilizado o método das listas de Mackinnon (Mackinnon & Philips 1993) adaptado para listas de 10 espécies (Ribon 2010, MacLeod et al. 2011), considerando uma distância mínima de 50 m entre as listas para garantir a independência entre as amostras e maximizar a amostragem da APAMU (Ribon 2010). Em cada expedição, durante os trabalhos de campo, eram elaboradas 20 listas de 10 espécies, onde eram registradas as espécies de aves contatadas visualmente ou pelo reconhecimento de suas vocalizações, resultando em um esforço amostral final de 120 listas. O registro das aves visualizadas e/ou ouvidas foi feito com o auxílio de binóculos (8x42 e 10x40), gravador digital Tascam Dr 07 Mk III e máquina fotográfica Canon Sx 40hs. A identificação das espécies ocorreu com o auxílio de guias de campo (van Perlo 2009, Sigrist 2009) e, em alguns casos, a identificação acústica foi feita por comparação com arquivos sonoros de aves (Xeno- -canto 2013). A classificação e a nomenclatura das espécies de aves seguiram as recomendações do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO 2011). A frequência de ocorrência das espécies (FO) foi calculada através da equação FO = n x 100/N, onde n corresponde ao número de vezes que determinada espécie ocorreu nas listas de 10 espécies e N corresponde ao total de listas produzidas (Ribon 2010). 80 60 40 20 0 0 20 40 60 80 100 120 Listas de Mackinnon 10-espécies Curva de cumulação de espécies Curva do estimador de espécies Chao2 Figura 2: Curva do coletor e do estimador Chao 2 das espécies de aves estudadas na Área de Proteção Ambiental Morro do Urubu (APAMU), Aracaju, Sergipe, com base em 1000 aleatorizações. As barras correspondem aos respectivos desvios padrões. O período de campo ocorreu entre 2011 e 2012. Análise de Dados A riqueza de espécies de aves observada na APAMU foi aferida através da contagem de espécies registradas nas listas de Mackinnon e a riqueza estimada foi calculada através da extrapolação com o uso do estimador CHAO 2 com 1000 aleatorizações (Magurran 2004) que foram realizadas no Primer (Clarke & Gorley 2006). As aves registradas foram classificadas em grupos tróficos de acordo com informações obtidas em literatura (Motta-Júnior 1990, Sick 1997, Scherer et al. 2005, Telino-Júnior et al. 2005, Telles & Dias 2010, Catian et al. 2011). Foram considerados os seguintes agrupamentos tróficos (Scherer et al. 2005): carnívoro (CA), atribuído às espécies que se alimentam de vertebrados com exceção de peixes; granívoro (GR), às espécies que se alimentam principalmente de sementes; frugívoro (FR), às espécies que se alimentam principalmente de frutos; insetívoro (IN), àquelas que se alimentam principalmente de artrópodos, como aranhas e insetos; necrófago (NC), às que se alimentam principalmente de animais mortos em decomposição; nectarívoro (NE), às que se alimentam de néctar; piscívoro (PI), às espécies que se alimentam principalmente de peixes; e onívoro (ON), àquelas espécies generalistas, que utilizam uma grande variedade de alimentos. Resultados Foram registradas 72 espécies de aves, distribuídas em 33 famílias (Tabela 1). Entre todas as famílias, as que apresentaram maior número de espécies foram Tyrannidae (12 espécies), Thraupidae (6 espécies), Trochilidae (4 espécies) e Ardeidae (4 espécies). A curva de acúmulo de espécie indicou que mais espécies seriam encontradas na área de estudo, mas apresentou tendência a estabilização (Figura 2). De acordo com o estimador de riqueza Chao 2, ainda há quatro espécies de aves a serem registradas. Portanto, foram registradas 94% das espécies que compõem a comunidade de aves da APAMU. As espécies mais frequentes na APAMU foram Pitangus sulphuratus (FO = 70,8%), Cyclarhis gujanensis (62,5%), Todirostrum cinereum (59,1%), Tyrannus melancholicus (57,5%) e Myiozetetes similis (52,5%). Em relação aos agrupamentos tróficos da avifauna, o grupo insetívoro foi predominante (38,3%), seguido do onívoro (20,5%) e do granívoro (12,3%). Os nectarívoros, carnívoros e frugívoros foram os grupos menos representados em espécies (Figura 3). 34 Atualidades Ornitológicas, 178, março e abril de 2014 - www.ao.com.br

Número de espécies de aves 30 25 20 15 10 5 0 IN ON GR PI NE CA FR NC Categorias tróficas Figura 3. Composição trófica da avifauna na Área de Proteção Ambiental Morro do Urubu (APAMU), Aracaju, Sergipe. IN insetívoros; ON onívoros; GR granívoros; PI piscívoros; NE Nectarívoros; CA Carnívoros; FR frugívoros; NC necrófagos. Discussão Na Mata Atlântica, a maioria das aves é florestal e altamente especializada e, devido a esses fatores, raramente ocorre em outros habitats (Stotz et al. 1996). Ao contrário do esperado para uma área de floresta atlântica, a avifauna da APAMU é composta por espécies exclusivamente não florestais e de ampla área de ocorrência, que distribuem-se em dois ou mais biomas (BirdLife International 2013). Com base nas espécies que atualmente ocorrem na APAMU pode-se concluir que o ambiente está totalmente descaracterizado. A maioria das espécies que compõem a avifauna da APAMU indica a existência de habitats perturbados (Stotz et al. 1996). Além disso, algumas espécies sinântropas, ecologicamente associadas ao homem, foram registradas em altas frequências de ocorrência, como Pitangus sulphuratus, Myiozetetes similis, Columbina talpacoti e Passer domesticus. Isso demonstra que os distúrbios antrópicos atuam com grande influência na estruturação da avifauna na APAMU (Alberti 2005, Faeth et al. 2011), além de, provavelmente, ter provocado a redução da riqueza de espécies de aves (Chace & Walsh 2006, Simon 2007). Os grupos tróficos registrados neste estudo também apontam para a descaracterização da avifauna. Os grupos insetívoro, onívoro e granívoro foram os mais ricos em número de espécies de aves, pois em ambientes tropicais antropizados, os insetívoros generalistas e os onívoros são as espécies de aves mais beneficiadas (Willis 1979, Chace & Walsh 2006, Catian et al. 2011) porque apresentam flexibilidade de forrageio e o seu alimento é disponível ao longo de todo o ano (Scherer et al. 2005, Chace & Walsh 2006). Os granívoros são comuns em áreas abertas e bordas de matas e também beneficiados em áreas urbanas (Chace & Walsh 2006), já que esse tipo de habitat aumenta a oferta de recursos fornecido pelas gramíneas (Telino-Júnior et al. 2005). Os frugívoros, assim como os nectarívoros e carnívoros foram registrados com poucos representantes e a maioria das espécies tem frequência de ocorrência muito baixa, reflexo de suas pequenas populações. Isso aponta para um possível desequilíbrio da cadeia trófica. A descaracterização da avifauna e provável desequilíbrio trófico devem ser resultados de diversos fatores associados a interferência antrópica como a caça, que ainda ocorre no local (obs. pess.), introdução de plantas exóticas, décadas de isolamento geográfico e genético e, sobretudo, a perda e homogeneização do habitat (Alberti 2005, Chace & Walsh 2006). Em adição, é possível também que esse padrão ocorra porque as espécies de aves que se distribuem no domínio da Mata Atlântica demonstram maior dificuldade ao se adaptarem a ambientes com configurações antrópicas (Stotz et al. 1996). Diante desses fatores apresentados pela APAMU, é aconselhável a utilização de novas estratégias para a conservação, como a criação e manutenção de áreas verdes com a finalidade de aumentar a conectividade entre elas. Isso facilitaria o deslocamento das aves na matriz da cidade de Aracaju (Metzger 2009, Ribeiro et al. 2009, Tabarelli et al. 2010) de modo que a perda de espécies seja minimizada (Faeth et al. 2011). Além de conservar a biodiversidade, a criação de novas áreas verdes também deve ser motivada para providenciar serviços ecológicos como a melhoria da hidrologia urbana através da maior absorção de água, ajudando a evitar alagamentos, ou contaminantes, favorecer a polinização em casos onde haja agricultura em pequena escala, absorção de poluentes e carbono da atmosfera através das árvores urbanas e também favorecer o bem-estar humano (Dearborn & Kark 2010). Agradecimentos Agradecemos à UEFS, ao PPG Zoologia / UEFS, ao Laboratório de Ornitologia / UEFS pelo apoio e infraestrutura dispendida, a FAPESB, pela bolsa de pós-graduação concedida e aos dois revisores pelas sugestões e correções. Referências bibliográficas Alberti, M. (2005) The Effects of Urban Patterns on Ecosystem Function. International Regional Science Review 28(2): 168 192. BirdLife International (2013) IUCN Red List for birds. Disponível em: <http:// www.birdlife.org> Acesso em: 24 de novembro de 2013. Catian, G., W.D. 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Táxon Frequência de Ocorrência Grupo Trófico ANSERIFORMES Anatidae Cairina moschata (Linnaeus, 1758) 6,67% ON PELECANIFORMES Ardeidae Butorides striata (Linnaeus, 1758) 0,83% PI Ardea alba Linnaeus, 1758 0,83% PI Egretta thula (Molina, 1782) 3,33% PI Egretta caerulea (Linnaeus, 1758) 1,67% PI CATHARTIFORMES Cathartidae Cathartes aura (Linnaeus, 1758) 9,00% NC Cathartes burrovianus Cassin, 1845 3,33% NC Coragyps atratus (Bechstein, 1793) 31,67% NC Accipitridae Elanoides forficatus (Linnaeus, 1758) 0,83% IN Elanus leucurus (Vieillot, 1818) 1,67% IN Rupornis magnirostris (Gmelin, 1788) 20,83% CA 36 Atualidades Ornitológicas, 178, março e abril de 2014 - www.ao.com.br

Táxon Frequência de Ocorrência Grupo Trófico FALCONIFORMES Falconidae Caracara plancus (Miller, 1777) 20,00% CA Milvago chimachima (Vieillot, 1816) 5,83% CA GRUIFORMES Rallidae Aramides cajanea (Statius Muller, 1776) 3,33% ON CHARADRIIFORMES Charadriidae Vanellus chilensis (Molina, 1782) 2,50% ON COLUMBIFORMES Columbidae Columbina talpacoti (Temminck, 1811) 38,33% GR Columbina squammata (Lesson, 1831) 15,00% GR Columba livia Gmelin, 1789 1,67% GR PSITTACIFORMES Psittacidae Aratinga aurea (Gmelin, 1788) 32,50% GR Forpus xanthopterygius (Spix, 1824) 15,00% GR Amazona aestiva (Linnaeus, 1758) 0,83% GR CUCULIFORMES Cuculidae Crotophaga ani Linnaeus, 1758 17,50% IN STRIGIFORMES Strigidae Glaucidium brasilianum (Gmelin, 1788) 2,50% CA APODIFORMES Apodidae Trochilidae Eupetomena macroura (Gmelin, 1788) 5,83% NE Anthracothorax nigricollis (Vieillot, 1817) 1,67% NE Chlorostilbon lucidus (Shaw, 1812) 1,67% NE Amazilia leucogaster (Gmelin, 1788) 10,00% NE CORACIIFORMES Alcedinidae Megaceryle torquata (Linnaeus, 1766) 12,50% PI Chloroceryle americana (Gmelin, 1788) 0,83% PI GALBULIFORMES Bucconidae Nystalus maculatus (Gmelin, 1788) 10,00% IN PICIFORMES Picidae Colaptes melanochloros (Gmelin, 1788) 4,17% IN Dryocopus lineatus (Linnaeus, 1766) 1,67% IN PASSERIFORMES Thamnophilidae Formicivora grisea (Boddaert, 1783) 23,33% IN Thamnophilus ambiguus Swainson, 1825 0,83% IN Furnariidae Furnarius figulus (Lichtenstein, 1823) 10,00% IN Furnarius rufus (Gmelin, 1788) 12,50% IN Atualidades Ornitológicas, 178, março e abril de 2014 - www.ao.com.br 37

Táxon Frequência de Ocorrência Grupo Trófico Tityridae Pachyramphus polychopterus (Vieillot, 1818) 4,17% IN Rhynchocyclidae Todirostrum cinereum (Linnaeus, 1766) 59,17% IN Tyrannidae Camptostoma obsoletum (Temminck, 1824) 8,33% IN Elaenia flavogaster (Thunberg, 1822) 13,33% ON Capsiempis flaveola (Lichtenstein, 1823) 0,83% IN Myiarchus ferox (Gmelin, 1789) 0,83% ON Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766) 70,83% ON Machetornis rixosa (Vieillot, 1819) 3,33% IN Megarynchus pitangua (Linnaeus, 1766) 30,83% IN Myiozetetes similis (Spix, 1825) 52,50% ON Tyrannus melancholicus Vieillot, 1819 57,50% IN Empidonomus varius (Vieillot, 1818) 0,83% IN Sublegatus modestus (Wied, 1831) 0,83% IN Fluvicola nengeta (Linnaeus, 1766) 30,83% IN Vireonidae Cyclarhis gujanensis (Gmelin, 1789) 62,50% IN Vireo olivaceus (Linnaeus, 1766) 5,83% IN Corvidae Cyanocorax cyanopogon (Wied, 1821) 5,00% ON Hirundinidae Stelgidopteryx ruficollis (Vieillot, 1817) 11,67% IN Troglodytidae Troglodytes musculus Naumann, 1823 46,67% IN Polioptilidae Polioptila plumbea (Gmelin, 1788) 10,00% IN Turdidae Turdus amaurochalinus Cabanis, 1850 1,67% FR Mimidae Mimus gilvus (Vieillot, 1807) 2,50% ON Coerebidae Coereba flaveola (Linnaeus, 1758) 25,83% NE Thraupidae Nemosia pileata (Boddaert, 1783) 6,67% ON Tachyphonus rufus (Boddaert, 1783) 0,83% FR Tangara sayaca (Linnaeus, 1766) 49,17% ON Tangara palmarum (Wied, 1823) 11,67% ON Tangara cayana (Linnaeus, 1766) 34,17% ON Paroaria dominicana (Linnaeus, 1758) 4,17% GR Emberizidae Volatinia jacarina (Linnaeus, 1766) 1,67% GR Icteridae Icterus pyrrhopterus (Vieillot, 1819) 0,83% IN Icterus jamacaii (Gmelin, 1788) 0,83% IN Molothrus bonariensis (Gmelin, 1789) 3,33% ON Fringillidae Euphonia chlorotica (Linnaeus, 1766) 5,00% FR Estrildidae Estrilda astrild (Linnaeus, 1758) 1,67% GR Passeridae Passer domesticus (Linnaeus, 1758) 22,50% ON 38 Atualidades Ornitológicas, 178, março e abril de 2014 - www.ao.com.br