JOGOS E BRINQUEDOS INDIGENAS-UM ENSAIO PARA A VIDA: Levantamento das praticas corporais lúdicas da comunidade indígena Sateré- Mawé



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO FISICA E FISIOTERAPIA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FISICA LABORATORIO DE ESTUDOS SOCIOBIOCULTURAIS PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL JOGOS E BRINQUEDOS INDIGENAS-UM ENSAIO PARA A VIDA: Levantamento das praticas corporais lúdicas da comunidade indígena Sateré- Mawé Manaus 2011 JOGOS E BRINQUEDOS INDIGENAS-UM ENSAIO PARA A VIDA: 1

Levantamento das praticas corporais lúdicas da comunidade indígena Sateré- Mawé *Camila Gomes-FEFF-UFAM camilaprimogomes@gmail.com **Dra. Artemis Soares FEFF-UFAM artemissoares@yahoo.com.br RESUMO Este trabalho incidiu em realizar um levantamento dos jogos e brinquedos presentes na memória lúdica da comunidade indígena Sateré-Mawé, localizado no bairro Santos Dumont, da cidade de Manaus-AM, com o ensejo de possibilitar a vivencia intercultural nas escolas a partir do conhecimento do patrimônio lúdico que a etnia tem a oferecer. A amostra para pesquisa fora constituída de escolares da comunidade indígena com ascendência da etnia Sateré-Mawé, com idade entre 10 e 14 anos, além de pessoas idosas da comunidade. A tarefa dos sujeitos consistiu no relato de jogos e brinquedos que são naturais a sua comunidade. Considerou-se fundamental a aplicação da pesquisa qualitativa através de entrevista aberta para favorecer uma maior amplitude de informações acerca do tema proposto de modo a contribuir para uma visão além das regras dos jogos e de seus brinquedos, mas capaz de ver a representação cultural e pedagógica que eles têm a oferecer. Este trabalho trás na sua essência o desejo de mostrar como os jogos e brinquedos podem contribuir como importante elemento na formação do individuo, a partir dos exemplos da cultura lúdica da comunidade indígena Sateré Mawé. Pretendeu mostrar também como esses jogos e brinquedos contribuem na preservação dos hábitos culturais do seu povo ao longo das gerações, fornecendo assim, mais um material pedagógico que almeja ser útil na construção da educação intercultural. O resultado obtido na primeira etapa dessa pesquisa mostra a construção da cultura lúdica da comunidade em contato com a cultura urbana e descreve a importância da preservação de sua cultura-mãe para que não se perca sua história. Palavras-chave: Satere-mawé, Cultura Lúdica,, Interculturalidade. 2

INTRODUÇAO A diversidade cultural é hoje reconhecida como elemento formador dos diversos grupos sociais, sendo um rico elemento para estudo e compreensão da formação de qualquer povo. Para Andrade (2008) diversidade cultural inclui as diferenças culturais que existem entre as pessoas, como linguagem, vestimentas, tradições, gênero, etnia, credo religioso, artes e costumes. Portanto a diversidade cultural valoriza a compreensão e o respeito mútuo, essenciais em uma sociedade multicultural e permite à sociedade buscar diferentes abordagens para resolver seus problemas. Dentro dessa diversidade vamos encontrar diversos elementos formadores das diferentes culturas, sendo o jogo um dos elementos mais presentes (Caillois, 1990, Huizinga, 1980). Como não poderia deixar de ser, essa diversidade cultural está presente também no ambiente escolar e se constitui numa realidade plural vivenciada em nossas escolas, sejam elas da rede publica ou particular. Essa realidade nos faz entender ser necessário que todos os envolvidos com a Educação busquem meios para incentivar e fortalecer uma educação que valorize as culturas, uma educação com práticas interculturais onde possam ser valorizadas as riquezas que as diversas etnias têm a oferecer para a formação do aluno e até mesmo dos educadores, já que estes devem estar em constante formação. Freyre (1963) diz que da tradição indígena, ficou no brasileiro o gosto pelos jogos e brinquedos. Huizinga (1980) na sua obra Homo Ludens analisa o significado do jogo como elemento da cultura humana. Isso nos mostra a necessidade da preservação da cultura tradicional para a preservação de nossa própria cultura. Da mesma forma esse entendimento fica claro nas palavras de Magalhães e Grando (2010), quando apontam que o resgate, a valorização e a difusão da cultura indígena são elementos necessários à preservação dos conhecimentos e das manifestações culturais advindas das etnias que vivem nas diferentes regiões do nosso país. 3

Neste trabalho apresentamos os primeiros resultados desta pesquisa realizada na comunidade indígena Sateré-Mawé. Esta comunidade indígena está localizada em área urbana na cidade de Manaus Amazonas, no bairro Santos Dumont. Esta comunidade organiza-se no meio urbano preservando sua constituição política, tendo no Tuxaua da tribo o representante da etnia naquele local. Discutimos também como a comunidade se movimenta na questão da preservação de seus hábitos culturais lúdicos ao longo do tempo apesar de estar localizada em área urbana, e como tal situação pode interferir na cultura Sateré-Mawé. Através da literatura mostramos como os jogos e brinquedos são importantes elementos na formação de um individuo e principalmente na preservação da cultura de um povo. MATERIAIS E MÉTODOS Inicialmente procedemos ao levantamento bibliográfico objetivando o embasamento da pesquisa, a fim de criar uma aproximação com a temática proposta e o arcabouço teórico dos pesquisadores. Nosso estudo tem o design de pesquisa qualitativa de caráter exploratório, a qual consiste na produção dos procedimentos necessários para preparar a entrada em campo, em se tratando de observação participante. Sendo baseada nos parâmetros da pesquisa qualitativa, o critério de representatividade da amostragem não é numérico. O levantamento das praticas corporais lúdicas, ou seja, dos jogos e brinquedos foi realizado na Comunidade Sateré-Mawé localizada no Bairro Santos Dumont em Manaus com crianças e idosos dessa etnia a partir de visitas à comunidade oportunizando entrevistas abertas, útil também na compreensão das especificidades culturais da comunidade estudada (MINAYO, 1993), o que favorece a riqueza de dados ao entorno do tema proposto. Nesse primeiro momento, foram realizadas atividades com crianças da comunidade em que utilizamos atividades lúdicas e em troca elas nos apresentariam algum jogo ou brincadeira de sua etnia. 4

DESAFIOS DA CULTURA INDÍGENA EM AMBIENTE URBANO: ESCOLA INDÍGENA As cidades vivem atualmente o momento de formação de aldeias urbanas com grandes contingentes que migram de suas comunidades e aldeias. Podemos citar vários exemplos onde se inclui o caso de alguns grupos Tikuna, no Alto Solimões, e algumas comunidades em diversos bairros e arredores de Manaus, como a comunidade Sateré- Mawé no bairro Santos Dumont, nosso objeto de estudo. E quando vemos uma aldeia urbana, vem a indagação se é possível preservar a comunidade indígena no contexto da cidade ou se essa comunidade seria absorvida no meio urbano. Esse tipo de preocupação demonstra o preconceito de que o índio pertence ao mato e lá deve permanecer. E esse preconceito confirma que as relações entre brancos e os povos indígenas são sempre de dominação-sujeição estimulando uma reconfiguração de suas identidades. (Freire, 2009), a partir dos mecanismos a que os,índios citadinos se submetem e até se apropriam, transformando seus tradicionais meios de vida para se sentirem inseridos. Em relação à educação, pesquisadores destacam a importância da abordagem étnica pela escola pública freqüentada pelas crianças indígenas cujos pais migraram para as cidades ressaltando que todas as crianças poderiam ganhar se as escolas trouxessem, para a sala de aula, a realidade indígena (Carvalho, 2008). A professora Rosa Helena Dias da Silva, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), atuante na licenciatura indígena da UFAM, afirma que para grupos que moram na zona rural de Manaus ou que se organizam para fazer um bairro indígena e vivem ali, meio como em uma aldeia, tem sentido lutar por uma escola indígena, com professor indígena. Tendo em vista uma educação intercultural que seja capaz de atender o desenvolvimento humano em todos os seus aspectos, o jogo e os brinquedos mostram-se como uma alternativa a ser praticada na escola, pois contribui para desenvolver as possibilidades de a criança criar novas formas de compreender sua realidade sociocultural, seu grupo social, a sociedade onde vivem outros povos e outras possibilidades de viver coletivamente (Magalhães e Grando, 2010). Os jogos e brinquedos específicos de um povo mostram, contam e ensinam muito da sua cultura. São espécies de escolas praticas para aprender e compreender as funções 5

que as crianças cumprirão quando adultas. O que nos confirma Grando (2010) apud Berta Ribeiro (1988) que com o brincar a criança aprende sobre seu mundo, ou seja, com o brincar a criança aprende sobre tarefas que vai ser chamada a exercer quando adulta. E ainda, confirma o valor e a importância dos brinquedos na formação da criança para a vida em comunidade quando nos diz que ao esculpir e moldar os recursos da natureza com significados expressos pela cultura, as crianças produzem seus brinquedos ao mesmo tempo em que aprendem a produzir seus futuros instrumentos necessários para produzir a vida em sua comunidade. Portanto, no nosso entendimento a relevância deste trabalho reside em mostrar a contribuição das atividades lúdicas na formação da criança, a partir dos exemplos da cultura lúdica da comunidade indígena Sateré Mawé, pretendendo mostrar também como seus jogos e brinquedos contribuem na preservação dos hábitos culturais do seu povo ao longo das gerações apesar da migração para a cidade, valorizando a diversidade cultural representada pelo patrimônio imaterial dessa etnia, preservando assim sua identidade cultural. COMPONENTES DOS JOGOS E SUA CONTRIBUIÇÃO PEDAGÓGICA- BREVE REFLEXÃO Dentre as principais características observadas em qualquer jogo praticado pelos seres humanos destaca-se a mais constante presença da função disciplinadora que os jogos exercem. A função pedagógica que é agregada ao jogo o coloca em posição de processo pedagógico aos quais muitos educadores, senão todos, em algum momento recorrem. Caillois (1990) afirma que todo o jogo é um sistema de regras que definem o que é e o que não é do jogo, ou seja, o permitido e o proibido. Tais regras podem definir de qual jogo trata-se, definem suas características, estratégia para enfrentar-lo e afins. Bem como o modo como se cumpre as regras pode decidir o final do jogo. A comparação que se faz com o uso das regras do jogo pode ser uma simulação de uma situação real que ajudará aquele que o pratica a compreender melhor. Além das regras podemos observar os componentes cognitivo e afetivo presente em todos os jogos. O componente cognitivo está em contínua formação e manifesta-se diante de cada significado cultural a qual o individuo vai defrontando ao longo do jogo. 6

Ao pensar sob determinada lógica, os comportamentos e as manifestações afetivas variam diante de objetos ou pessoas, conforme a atribuição de valores (Gallahue 2005). Nos jogos indígenas a presença das regras muitas vezes demonstra a função social de cada individuo. O que pode e não pode fazer. Jogos que só os homens podem participar, outros que são exclusivamente femininos. O aspecto cognitivo e afetivo faz pensar e demonstra o respeito ao mais velho, ao meio ambiente, aos animais. A relação com o outro é incentivada. Os jogos estimulam a relação entre as pessoas, principalmente os jogos de caráter coletivo. Nos jogos indígenas tal característica é muito comum uma vez que os jogos nas comunidades indígenas oportunizam a reunião de varias pessoas, visto que eles acontecem para confraternizar, celebrar quando se alegram com alguma coisa ou com alguém. O indígena festeja com o outro e o jogo é instrumento para alegrar-se na promoção do lazer sempre em contato com o outro. Para os não indígenas o jogo é uma atividade que resultará, ao final, em ganhador, perdedor ou a frustração do empate mesmo que este objetive somente o lazer. Ainda na perspectiva dos componentes do jogo essa característica se faz ausente do ponto de vista indígena. A importância dos jogos para os indígenas vai além da manifestação de habilidades- está na cooperação, no respeito e na alegria daqueles que o praticam. Tendo em vista a formação do individuo como um todo, seja no físico, motor e cognitivo, os jogos são elementos que contribuem com estes aspectos uma vez que fornecem experiências capazes de promover uma interação favorecendo este desenvolver, seja em relação a si próprio, com o outro ou com o meio em que vive. JOGOS E BRINQUEDOS: PRESERVAÇÃO DA CULTURA TRADICIONAL EM ÁREA URBANA Os jogos e brinquedos são elementos presentes em toda vida humana. Na infância os jogos e brinquedos fazem parte da formação da criança. Antes mesmo de aprender a ler, a criança brinca. Não podendo esquecer ainda a importância e contribuição do brincar no desenvolvimento motor nesta fase da vida. Quando adultos os jogos e brinquedos fazem parte da lembrança, contam uma parte da história das pessoas. De 7

onde elas vieram, como passaram pela infância, os seus laços sociais. Mostram uma parte de sua cultura, de sua identidade. Ferreira, apud Neves (2005) diz que o ser humano é essencialmente Homo Ludens (do latim, brincar, jogar). E reforça o que até então já fora dito, o jogo faz parte da gênese humana. Ele se inscreve no escopo do prazer, da sensibilidade e das emoções. Congregam valores culturais importantes, que asseguram a identidade de grupos. Nos jogos tradicionais indígenas permeiam os mitos, os valores culturais, um mundo material e imaterial de cada etnia. O brinquedo indígena, tido como material produzido pelas próprias crianças, são como miniaturas dos instrumentos usados pelos adultos. Aos homens da tribo cabe a caça e os trabalhos braçais, o menino indígena, produz a flecha, a zarabatana. À mulher cabe a criação dos filhos, o zelo pela casa, a menina indígena fabrica panelas, brinca de boneca. Ao produzir seus brinquedos reproduzem a vida quando adultos. E nisto está o imaterial. Sem se dar conta as crianças aprendem as tarefas e o seu papel na comunidade indígena. Ivan Ivic (1989), traduzido por Darcy Barros, ressalta que a cultura tradicional encontra-se em constante interação, não estando isolada. Mas em contado direto com outras culturas. Ivic diz ainda que, como componente da cultura popular, que é por definição uma cultura oral, os jogos tradicionais são transmitidos desde o passado pela linguagem oral e a prática. Tal modo de propagação da cultura tradicional, e especificamente da cultura lúdica, citado por Ivic, ou seja, a transmissão oral, ainda é muito observada na cultura indígena. E essa interação com outras culturas a que está submetida à comunidade indígena Sateré-Mawé em Manaus é reforçada deveras por estar situada em ambiente urbano. O que reforça a constante de que a fragilidade nos mecanismos de transmissão e essa interação direta com a cultura urbana vivenciada pelos indígenas oportunizam uma reformulação na sua cultura tradicional. E a prática, a qual se refere o autor (op. Cit.), como meio de transmissão dos jogos tradicionais também está sujeita a enfraquecimentos uma vez que vai sendo prejudicada pela falta de espaço para que seja realizada. E aqui espaço não se refere unicamente ao físico, mas, principalmente, a carência de condições para que ocorra. 8

Para tanto, se possibilitarmos a prática desses jogos tradicionais como forma de resgate entre as crianças da comunidade indígena e as não indígenas, que muitas vezes desaparece devido ao modus vivendi dos centros urbanos, estaremos estimulando a valorização desta cultura e enriquecendo nossa formação, fortalecendo o patrimônio que os indígenas tem a oferecer. CONSIDERAÇOES FINAIS Valorização da cultura lúdica indígena, construção da interculturalidade É indiscutível a riqueza cultural que os povos indígenas têm a oferecer. Sua identidade se mantêm firme ao longo dos anos e que fortemente se reflete na cultura do brasileiro. O gosto do homem, principalmente do povo brasileiro pelo jogo reflete sua identidade festiva. Freyre (1963) diz que nosso gosto pelo jogo é herança da tradição indígena. E Huizinga (1980) analisa o jogo como elemento formador da cultura humana. A diversidade cultural é elemento presente na composição do nosso povo. Para tanto, não se pode ter um modelo de Educação sem passar pelos braços da interculturalidade. Quando se fala em interculturalidade o que vêm a cabeça são duas ou mais culturas se relacionando de alguma forma. E tal conceituação não pode ser dita como errada. Mas a ela pode ser acrescentada recíproca. Há muito tempo vem se falando na construção de uma Educação capaz de atender as necessidades de formação do individuo numa perspectiva cultural. Eunice Dias de Paula, assessora pedagógica da escola indígena Tapirapé, diz que antes de a escola ser intercultural, as sociedades indígenas já estão se relacionando com a sociedade não-indígena, desde o momento do contato. E o modo como ocorrem essas relações se reflete no cotidiano da escola. O que se observou até então, foi uma falta de espaço para vivenciar a interculturalidade em sua totalidade. O que reforça a idéia de que as comunidades indígenas que se organizam em meio urbano perdem espaço para a cultura local reconfigurando sua própria cultura. Das praticas corporais lúdicas preferidas e praticadas pelas crianças da comunidade indígena Sateré-Mawé estão presentes jogos típicos da cultura local. 9

Os jogos e brinquedos indígenas oportunizam uma vivencia intercultural dentro das escolas capaz de contribuir nos processos pedagógicos e na preservação da cultura indígena. Na busca de construir uma Educação Física capaz de formar alunos críticos e autônomos é inerente que esta educação parta do conhecimento corporal popular e suas formas de expressão. Para Almeida e Suassuna (2010) a cultura ordena o meio a partir de regras; no caso do corpo, seu controle torna-se basilar para o desenvolvimento de padrões de conduta específicos. Os indivíduos, desde o nascimento, apreendem valores, normas e costumes sociais por meio dos seus corpos, ou seja, um conteúdo cultural é incorporado ao seu conjunto de expressões. A valorização dessas práticas corporais lúdicas é uma via de mão dupla. Enquanto se valoriza a cultura indígena fortalecendo e favorecendo a pratica no meio educacional que irá possibilitar o resgate da cultura, também se constrói uma educação intercultural onde os jogos e brinquedos indígenas, ricos em significados, se apresentam como facilitadores para que isso ocorra. REFERENCIAS ALMEIDA, Arthur José Medeiros de; SUASSUNA, Dulce Maria Filgueira de Almeida. Esporte e cultura: análise acerca da esportivização de práticas corporais nos jogos indígenas. Pensar a Prática, Goiânia, v. 13, n. 1, p. 118. jan./abr. 2010 ANDRADE, Maria Margarida de (UPM). Discursos pedagógicos e diversidade cultural. Rio de janeiro: cifefil, 2008. CAILLOIS,Roger. Os jogos e os homens Lisboa,Portugal, 1990 FREIRE, Maria do Céu Bessa. A criança indigena na escola urbana. Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2009 FREYRE, Gilberto.casa grande & senzala.brasília, DF: Editora UNB, 1963. GALLAHUE, D. L; OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor bebês, crianças, adolescentes e adultos. Rio de Janeiro: Editora Phorte, 2005. GRANDO, Beleni (org). Jogos e culturas indígenas: possibilidades para a educação intercultural na escola. Cuiabá, EDUFMT, 2010. HUIZINGA, Johan. Homo luddens: o jogo como elemento da cultura. Perspectiva: São Paulo.1999 10

IVIC, Ivan. Jogos tradicionais da criança. Colóquio Internacional de Jogos Tradicionais UNESCO,. Tradução de Darcymires do Rêgo Barros. Paris, março 1989 MINAYO, Maria Cecilia de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 2.edição São Paulo: Hucitec/ Abrasco,1993 MAGALHÃES,Leila Mirtes Santos; Grando, Beleni Saléte(orgs.).brincar, jogar, viver ix jogos dos povos indigenas.cuiabá:central de textos,2010 PAULA, Eunice Dias. A interculturalidade no cotidiano de uma escola indígena. Cadernos Cedes, ano XIX, nº 49, Dezembro, 1999 SOARES, Artemis de Araujo. Jogos e brincadeiras da criança do amazonas. In: Anais do Congresso de Educaçao Fisica dos Paises de Lingua Portuguesa. La Corunha, 1997. 11