ACÓRDÃO Registro: 2018.0000163992 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011, da Comarca de São Paulo, em que é apelante OCEANAIR - LINHAS AÉREAS LTDA., é apelada RAFAELA CORDEIRO ANTONIAZZI. ACORDAM, em 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento à apelação. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI (Presidente), CLÁUDIA GRIECO TABOSA PESSOA E DANIELA MENEGATTI MILANO. São Paulo, 5 de março de 2018. Ricardo Pessoa de Mello Belli RELATOR Assinatura Eletrônica
19ª Câmara Apelação nº: 1008191-91.2017.8.26.0011 (processo digital) Comarca: CAPITAL 4ª Vara Cível do Fórum Regional de Pinheiros Apelante: OCEANAIR LINHAS AÉREAS LTDA. Apelada: RAFAELA CORDEIRO ANTONIAZZI MM. Juíza de primeiro grau: Claudia de Lima Menge Voto nº 29.571 Apelação Transporte aéreo Atraso e cancelamento de voo Ação indenizatória Sentença de acolhimento do pedido Irresignação improcedente Atraso no voo de cerca de dezessete horas Aplicação das regras estabelecidas nos arts. 12, 20 e 21 da Resolução nº 400 de 13.12.16 da ANAC, arts. 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica, e art. 741 do CC Descumprimento pela transportadora ré, que não ofereceu assistência e informações adequadas à passageira autora Assertiva tida como verdadeira por não ter sido impugnada especificamente pela ré Ilícito caracterizado Bem reconhecida a responsabilidade da transportadora ré pelos fatos Inequívoco o dano moral disso proveniente Indenização arbitrada em primeiro grau (R$ 8.000,00) não comportando redução, sobretudo à luz da técnica do desestímulo. Dispositivo: Negaram provimento à apelação. 1. Trata-se de ação de indenização por danos morais ajuizada por RAFAELA CORDEIRO ANTONIAZZI em face de OCEANAIR LINHAS AÉREAS LTDA. Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 2
A autora comprou passagem aérea da ré, de Fortaleza com destino a São Paulo (GRU), para o dia 14.6.17, às 20h, com chegada prevista para as 23h15 daquele mesmo dia. Afirma que, no dia do voo, se deslocou de Viçosa para Fortaleza, realizando uma viagem terrestre de aproximadamente 5 horas, e chegou ao aeroporto às 15h. Realizou o check in e aguardou na sala de embarque pela partida do voo. Próximo ao horário do voo, a autora foi informada de que este sofreria um atraso de uma hora. Após esgotado o aludido prazo, o embarque não foi iniciado e o voo sumiu do painel de partidas, vindo, posteriormente, a ser determinado pela ré que os passageiros daquele voo saíssem da sala de embarque e se dirigissem novamente à fila do check in com o intuito de ser realizada a realocação em outros voos. Nenhuma explicação foi dada aos passageiros. A autora conseguiu remarcar seu voo apenas para o dia seguinte, 15.6.17, às 11h40, chegando a seu destino final com cerca de 17 horas de atraso, o que fez com que perdesse boa parte do dia que havia reservado para encontrar com seu noivo, que mora em Goiás e havia se deslocado a São Paulo para passar o feriado de Corpus Christi juntamente com a autora. Donde a demanda, objetivando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, na quantia de R$ 20.000,00. A r. sentença julgou a ação procedente e condenou a ré ao pagamento de R$ 8.000,00, à guisa de indenização por danos morais. Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 3
Responsabilizou a ré pelas verbas da sucumbência, fixada a honorária em 10% sobre o valor da condenação (fls. 119/122). Apela a ré. Como fundamentos da irresignação, diz, em síntese, que: (a) a legislação pátria não abraça a tese do punitive damages proveniente do direito norte-americano, não havendo, assim, preceito legal que ampare tal condenação; (b) foi disponibilizada acomodação em próximo voo, no mesmo dia do pretendido embarque, em companhia aérea congênere ou em voo da Ré, a ser operado no dia seguinte. A Autora optou por ser reacomodada em voo da Ré operado sem quaisquer problemas ; (c) a apelante prestou toda assistência material à apelada, bem como informações claras e precisas, não havendo que se falar no dever de indenizar; (d) a apelada não demonstrou que houve culpa da apelante para os fatos ocorridos; (e) de toda sorte, a apelada experimentou meros dissabores; e (f) subsidiariamente, pleiteia a redução do valor da condenação (fls. 124/142). 143/144) e respondido (fls. 147/155). 2. Recurso tempestivo (fls. 123/124), preparado (fls. É o relatório do essencial. Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 4
3. Não procede a irresignação. Como bem assentou a sentenciante de primeiro grau, trata-se de contrato de transporte aéreo nacional, que se submete ao regramento do Código de Defesa do Consumidor e à responsabilidade objetiva contemplada no artigo 14. Não bastasse, em tema de transporte de pessoas e coisas, o transportador tem o dever contratual de conduzir íntegros passageiros e bagagens do local de origem até o de destino, nos horários previstos. significativo. E, efetivamente, o atraso no voo da apelada foi Isso porque o voo contratado inicialmente sairia de Fortaleza no dia 14.6.17, às 20h, com chegada prevista no aeroporto de Guarulhos às 23h30 daquele mesmo dia (cf. fls. 10 e 13). Entretanto, o que se verificou no caso dos autos foi que a apelada embarcou no dia 15.6.17, às 11h40 (fls. 3 e 11), e apenas chegou ao destino final com cerca de 17 horas de atraso. Afora o significativo atraso no voo, a apelante Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 5
fundamenta seu pedido também no descaso da empresa apelante com os passageiros, que não prestou adequada informação a respeito do atraso e, posteriormente, sobre cancelamento do voo, o que também restou incontroverso nos autos, diante da ausência de impugnação específica a respeito. Assim, diante do cancelamento do voo por suposto problema na aeronave, era de rigor a obediência, pela companhia aérea, ao estabelecido nos arts. 12, 20 e 21 da Resolução nº 400 de 13.12.16 da ANAC, e arts. 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica, todos no sentido de que possui a transportadora o dever de prestar assistência às necessidades imediatas do passageiro. O art. 741 do Código Civil também estabelece que interrompendo-se a viagem por qualquer motivo alheio à vontade do transportador, ainda que em consequência de evento imprevisível, fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a anuência do passageiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo transporte. Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 6
Desse modo, ainda que problemas técnicos com a aeronave tenha sido a razão determinante do atraso e cancelamento do voo, tal circunstância não teria o condão de afastar a responsabilidade da transportadora apelante, esta pautada na falta de assistência adequada à passageira apelada. O art. 231 e parágrafo único do Código Brasileiro de Aeronáutica é categórico ao estabelecer que quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a 4 (quatro) horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço e que todas as despesas decorrentes da interrupção ou atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correrão por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil (grifei). E não consta que à apelada tenha sido prestada informações em todo esse período de atraso, nem ofertado a execução do contrato de transporte por outra companhia aérea naquele mesmo dia. Pelo contrário, as alegações nesse sentido expostas na petição inicial não foram impugnadas na peça de defesa. Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 7
Em face desse contexto, incensurável se mostra a r. sentença ao ter reconhecido o ilícito contratual e a responsabilidade da apelante pelos danos morais experimentados pela apelada, a quem foi imposto sofrimento íntimo digno de proteção jurídica, porque de medida superior à que decorre dos inevitáveis aborrecimentos do cotidiano. Nesse sentido, a tranquila jurisprudência deste Egrégio Tribunal, como se vê dos precedentes assim ementados, entre tantos outros: RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos moral - Atraso de voo e escalas não previstas - Incidência do Código de Defesa do Consumidor - Responsabilidade objetiva da ré - Falha na prestação do serviço - Demonstração dos prejuízos de ordem moral - Verba indenizatória bem fixada, pois alinhada aos parâmetros comumente adotados pela Turma Julgadora para casos da mesma natureza - Recursos desprovidos Sentença mantida. (TJSP, Ap. 0026880-12.2011.8.26.0562, Rel. Des. ADEMIR BENEDITO, 21ª Câm. de Dir. Priv., j. 23.9.13). Responsabilidade civil - Transporte aéreo - Ação indenizatória por danos morais - Procedência - Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 8
Atraso de voo - Inadmissibilidade, no caso, da invocação de força maior, devido às condições metereológicas, a respeito do que a empresa de transporte aéreo reporta-se unicamente a notícias dadas pela imprensa - Cabimento da indenização por danos morais postulada pelos demandantes, os quais independem de comprovação, por decorrerem do próprio ato violador - Montante arbitrado pela r. sentença que merece ser mantido - Recurso da ré improvido. (TJSP, Ap. 1047195-04.2013.8.26.0100, Rel. Des. THIAGO DE SIQUEIRA, 14ª Câm. de Dir. Priv., j. 29.10.14). Tribunal de Justiça. Confira-se: Essa também a orientação do Egrégio Superior RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COMPANHIA AÉREA. CONTRATO DE TRANSPORTE. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS. ATRASO DE VOO SUPERIOR A QUATRO HORAS. PASSAGEIRO DESAMPARADO. PERNOITE NO AEROPORTO. ABALO PSÍQUICO. CONFIGURAÇÃO. CAOS AÉREO. FORTUITO INTERNO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. Cuida-se de ação por danos morais Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 9
proposta por consumidor desamparado pela companhia aérea transportadora que, ao atrasar desarrazoadamente o voo, submeteu o passageiro a toda sorte de humilhações e angústias em aeroporto, no qual ficou sem assistência ou informação quanto às razões do atraso durante toda a noite. 2. O contrato de transporte consiste em obrigação de resultado, configurando o atraso manifesta prestação inadequada. 3. A postergação da viagem superior a quatro horas constitui falha no serviço de transporte aéreo contratado e gera o direito à devida assistência material e informacional ao consumidor lesado, independentemente da causa originária do atraso. 4. O dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova e responsabilidade de seu causador operase in re ipsa em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro. 5. Em virtude das especificidades fáticas da demanda, afigura-se razoável a fixação da verba indenizatória por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 6. Recurso especial provido. (REsp 1280372/SP, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª T., j. 7.10.14). Indenização. 4. Quanto à mensuração do dano moral, não é Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 10
necessário grande esforço para aquilatar o abalo que o episódio em questão trouxe à apelada, que, como visto, chegou ao destino com mais de 17 horas de atraso, o que fez com que perdesse ela de desfrutar de significativo período do feriado de Corpus Christi com seu namorado, que encontraria no destino final da viagem. E a indenização por danos morais deve ser fixada atendendo seu dúplice caráter, isto é, o de representar, de um lado, lenitivo suficiente para o presumido sofrimento do ofendido, e de outro, pelo prisma da técnica do desestímulo, fator razoável de inibição à repetição do fato, considerada a capacidade econômica das partes envolvidas, principalmente da autora do ilícito, não devendo, contudo, representar fonte de enriquecimento indevido. Assim, considerada as peculiaridades do caso, tenho que a indenização fixada em primeiro grau, na quantia de R$ 8.000,00, foi até generosa para com a apelante, não comportando redução, sobretudo à luz da técnica do desestímulo. 5. Mantida a sentença, a honorária de responsabilidade da apelante fica redimensionada para 20%, por aplicação da Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 11
regra do art. 85, 11, do CPC. Posto isso, meu voto nega provimento à apelação. RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI Relator Apelação nº 1008191-91.2017.8.26.0011 12