ESCOLA PRIMÁRIA EM GOIÁS (1930-1960): ENTRE CIDADES E FAZENDAS, A ESCOLARIZAÇÃO COMO DISPOSITIVO DE INTEGRAÇÃO NACIONAL



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Transcrição:

1 ESCOLA PRIMÁRIA EM GOIÁS (1930-1960): ENTRE CIDADES E FAZENDAS, A ESCOLARIZAÇÃO COMO DISPOSITIVO DE INTEGRAÇÃO NACIONAL Profa. Dra. Rubia-Mar Nunes Pinto Faculdade de Educação Física/Universidade Federal de Goiás e-mail: rubia-marp@bol.com.br Em Goiás, o período 1930-1960 é um tempo marcado pelo crescimento (não linear) da rede de escolas e pela acentuada diversidade de iniciativas e agentes no debate sobre a escola primária goiana e na construção e manutenção de instituições escolares de nível elementar. Ainda que sem sequer aproximar-se do acesso à escola para a maioria das crianças que viviam em Goiás na época, também o Estado - em suas esferas estadual e municipal - avançou em seu papel de agente público responsável pela educação dos goianos. Entre outros aspectos, a obrigatoriedade da escola elementar foi estendida até crianças moradoras das zonas rurais. Houve crescimento da legislação sobre a escola primária, processo decorrente do também crescente interesse por esta instituição escolar na realidade brasileira e goiana, mas incentivado pela continuo aumento populacional resultante dos movimentos migratórios que a partir de 1930 se dirigiam a Goiás. É um período particularmente rico para o estudo da institucionalização da escola primária goiana na medida em que coincide com uma temporalidade na qual Goiás foi alvo de um amplo programa de unidade e integração nacional i que sustentou um processo de urbanização que fez surgir duas cidades-capitais planejadas Goiânia (1933) e Brasília (1961) e de reforma do campo por meio da modernização das relações entre capital. No período, Goiás aparece como espaço-chave ii (Oliveira, 1998) para integrar uma nação que aparecia como uma pátria dilacerada em sertão e litoral. O programa de integração do centro territorial brasileiro sustentou-se em, pelo menos, dois gigantescos projetos colonizatórios: a Marcha para o Oeste que, nos anos 1930 e 1940, além de possibilitar o surgimento de Goiânia, incentivou a migração para a região por meio da abertura de vias de circulação e da criação de colônias agrícolas; e o Plano de Metas JK, nos anos 1950, que construiu Brasília e transferiu a capital federal para o território de Goiás favorecendo, com maior intensidade, os movimentos migratórios internos e ampliação das vias de circulação e tráfego pelo corpo da nação.

2 Ao alcançar o estado de Goiás ensejou profundos e amplos efeitos (históricos, sociológicos, territoriais, econômicos, culturais e por que não, educacionais?) sobre a sociedade goiana. Para muitos historiadores goianos (Campos, 2003; Silva, 2001; Chaul, 1997), a integração de Goiás à nação constituiu, mais que qualquer outra coisa, a inserção econômica de Goiás ao capitalismo mundial assumindo características colonizadoras que capturavam o território e as gentes nas teias do sistema econômico hegemônico sem alterar substancialmente o lugar periférico e marginal da região e sem provocar transformações significativas nas condições de vida das populações. A historiografia da educação goiana compartilhou esta interpretação até muito recentemente considerando que a expansão da escolarização na região teve como objetivo primordial a formação de uma população para o capital. Conforme Nepomuceno (1994, p. 32), depois de 1930, a politica educacional goiana no período visava criar comportamentos e impor valores capazes de incorporar significativos setores da população a um mundo regido pelo capital. Entretanto, sem denegar o papel da escolarização na formação do trabalhador e na difusão do ethos capitalista nos sertões goianos, é fundamental perceber que a escola primária cumpriu diversidade de funções no interior do programa de unidade e integração então em curso, entre elas, o abrasileiramento do povo do sertão e a forja da identidade regional. O programa de unidade e integração, paradoxalmente ao seu caráter colonizador e regulatório, também proporcionou condições para que as elites intelectuais e políticas goianas tentassem reverter a condição de periferia do estado no escopo da nação por meio da re-invenção de Goiás como região moderna, produtiva e civilizada (Pinto, 2009). Era fundamental, portanto, incrementar a produção econômica, cuidar de seu escoamento e organizar a estrutura do Estado Regional, mas também afastar as representações prenhes de negatividade associadas à região e ao seu povo, forjar símbolos, representações e imagens que dariam substrato a identidade regional. Considerando a importância atribuída à escola na construção da pátria rica, unida e forte, os processos de escolarização seriam, portanto, tributários das aspirações relacionadas à integração e unidade nacionais balizando amplos processos de educação e aculturamento. Aceita-se, assim, a premissa que a formação das identidades - nacional e regional -, não se limita a invenção de representações coletivas, mas [...] está acompanhada de um gigantesco trabalho pedagógico para que parcelas cada vez

3 maiores da população as conheçam e nelas se reconheçam (Thiesse, 2002, p. 8). Daí a importância da escola primária na integração nacional em Goiás. Levando-se em conta a história da integração nacional e sua ênfase na construção de cidades e na reforma do campo em Goiás, recorto o período 1930-1960 em dois momentos distintos - embora articulados que vou chamar o Tempo Goiânia e o Tempo Brasilia: o primeiro abarca o período 1930/1945 quando o estado de Goiás voltou-se para a construção de Goiânia e para a Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG), experiência integrante da política estanovista Marcha para o Oeste (1938-1945); e o segundo, o período 1946/1960 quando os esforços e expectativas pela construção de Brasília e pela transferência da capital federal para os altiplanos de Goiás bem como os conflitos pela posse da terra na sub-região de Trombas e Formoso (1950/1957) se tornaram o centro da vida regional. Em ambos, um intenso movimento migratório e a abertura de vias de transporte e comunicação promoviam o crescimento populacional e incentivam os deslocamentos humanos pelo interior da imensidão do território goiano. Estes acontecimentos se mostram fundamentais para o entendimento sobre como a escola primária em Goiás na medida em que, mobilizando Estado, intelectuais e grande parte da sociedade goiana tornaram-se emblemas do processo de modernização estadual que delegou a escola primária um inequívoco papel na conformação de uma nova realidade para o estado. Como, então, pensar a institucionalização, expansão e inovações da escola primária em Goiás se considerada a questão da unidade e integração nacional e, com ela, a ocupação produtiva do território, a construção de cidades-capitais planejadas, as migrações, a abertura de estradas, a forja das identidades nacional e regional?. O tempo Goiânia, a Cidade-Sertão (1930-1945): é, finalmente, sohada a grande hora de Goiás Goiânia é projeto das elites fazendeiras das sub-regiões sul e sudeste estaduais que acenderam após o Movimento de Trinta: ergue-la e transforma-la em cidade-capital moderna e civilizada constituiu a sua maior tarefa, o que impactou na expansão da escolarização no estado de Goiás. O surgimento de Goiânia monopolizou todas as atenções e praticamente capturou a atenção dos dirigentes goianos e quase a totalidade das rendas estaduais no período 1933-1945. Construída discursivamente como símbolo de uma nação que marchava para dentro em busca de seu destino de potencia, a nova

4 cidade-capital goiana foi significada como cidade-educadora com potencialidade de irradiação de sua influencia cultural pelo interior do estado de Goiás, mas também por todas as regiões localizadas a oeste do território nacional. Daí que escolas, estudantes, professores, impressos educacionais e pedagógicos, congressos de educação, entre outros, constituíram parte intrínseca na forja de sua cultura urbana. A nova cidade-capital dos goianos pode ser pensada como fruto da confluência do intenso debate nacional sobre a instauração da modernidade e no qual sobressaíam os temas do rural e do urbano e, amalgamados a eles, a questão do trabalho e da formação do trabalhador e o papel inequívoco da educação para que o país, enfim, se tornasse moderno e superasse a condição colonial (CARVALHO, 1989). Mas, no tocante a Goiás, estado auto representado como o mais pobre, o menos educado entre os filhos do pai Brasil (Revista Oeste, 1942), é claramente perceptível nas fontes de pesquisa que os esforços envidados durante o período 1930-1945 foram marcados pela idéia de uma escola que, além de reduzir o enorme índice de analfabetismo e qualificar o trabalhador rural para o incremento da produtividade agropecuária, pudesse traduzir a idéia que Goiás não havia somente babaçu, milho, gado, etc., [...] mas, também... cabeças, conforme se escreveu na Revista Oeste (1943). O que se pode ver neste período? A extensão e ampliação da legislação educacional, crescimento na dotação orçamentária específica para o ensino primário, realização de congressos de educação, Revista da Educação, prédios escolares, concursos públicos para seleção de professores, o cinema educativo, a escola nova, o ruralismo pedagógico, livros didáticos regionalizados, entre outros, são alguns índices deste tempo em que a escolarização elementar se tornava, mais e mais, alvo da atenção dos governantes e da população goiana iii. A construção de uma nova cidade-capital e o aumento populacional provocado pela intensificação dos movimentos migratórios em direção ao campo notadamente em direção a CANG - podem ser pensados como o fiel da balança no crescimento do aporte legal sobre a escola primária. Antes do surgimento material de Goiânia, o Interventor Pedro Ludovico Teixeira deu prioridade a questão educacional no relatório enviado pelo interventor de Goiás ao presidente Getúlio Vargas em 1933: a educação é temática tratada logo no Capítulo 1, o que denota seu lugar estratégico no projeto de poder do líder político goiano. No Relatório, Ludovico escreveu que reconhecia um movimento mundial orientado para difundir, dignificar e prestigiar a escola e, discorrendo sobre seu interesse em

5 propagar tal movimento no ambiente social do estado, afirmava que para ela (a educação) voltou suas vistas desde a hora inaugural de seu governo. No tocante ao ensino primário, o Interventor Pedro Ludovico Teixeira avaliou qualitativamente o ensino elementar praticado em Goiás, quer pelas escolas estaduais quer pelas municipais quer pelas particulares, ainda se filia ao tipo tradicional que é o régio ligeiramente evoluído (Relatório, 1933, p. 13). Em contrapartida, afirmava que em termos da quantidade de escolas primárias o avanço era notável. O número de escolas primárias, de fato, cresceu no período 1930/1945. ANO GRUPOS ESCOLARES ESCOLAS ISOLADAS OU COMUNS 1929 16 161 1930 20 161 1933 26 261 1936 31 182 1939 46 145 1940 45 145 1941 47 149 1942 49 155 1945 74 630 Fontes: Relatórios 1933, 1939 e 1942 / Mensagem 1936/ Diário Oficial do Estado de Goiás (1945) / Goyaz, uma nova fronteira humana (1949). Quanto ao financiamento, igualmente houve crescimento no percentual destinado a Instrução Pública no período 1930-1935 que corresponde ao momento anterior a construção de Goiânia. No Relatório de 1933, Ludovico ressaltou que para a educação havia reservado um montante de recursos maior que aquele previsto no Código dos Interventores. A distinção positiva de Goiás ante os estados da federação foi ressaltada. Goiaz, que já antes da vigência do CI [Código dos Interventores] observava aquela regra, adicionou, entretanto [...] um acréscimo de 10,25% aos 14,7% que já dispendia com os referidos serviços perfazendo um total de 24,32% ou seja quase ¼ de sua despesa geral. Com essa providência, Goiaz passou a ser, no seio da federação, a unidade que consigna ao ensino maior dotação orçamentária em proporção a despesa (Grifo meu). O financiamento da educação, contudo, foi sendo reduzido ao longo do decênio 1930-1940: em 1935 foi reduzido para 20,70% (Mensagem, 1936) e para 15% em 1939.

6 Há evidências, entretanto, que as escolas públicas estaduais de Goiânia não sofreram redução orçamentária significativa e a Diretoria de Educação manteve as distinções econômicas entre escolas e professores da capital e do interior. Uma análise dos orçamentos estaduais no período revela que as escolas públicas mantidas pelo governo estadual em Goiânia tinham previsão de orçamento em separado das demais escolas do estado e que seus professores e professoras recebiam salários maiores que aqueles pagos aos docentes do interior iv. A redução do percentual destinado a educação a partir de 1935 pode ser explicada pelos aumentos das despesas com a construção de Goiânia, empreendimento grandioso para um estado ainda empobrecido como Goiás e que contou com pouco apoio financeiro do Estado Nacional. A partir de 1939, a redução foi ainda mais significativa caindo para 15% e, neste sentido, os preparativos para a inauguração oficial da cidade no chamado Batismo Cultural de Goiânia (1942), evento no qual ocorreu o VIII Congresso Brasileiro de Educação da Associação Brasileira de Educação. No período 1937-1942, por sinal, o governo estadual investiu sobejamente na construção de estruturas que pudessem dotar a cidade-capital de condições adequadas para receber a atenção dos educadores nacionais que se reuniriam no Congresso da ABE: foram realizados concursos para selecionar professores para o Grupo Escola e Jardim de Infância Modelo, promovidos dois congressos regionais de ensino primário (1937 e 1938) e editada a Revista da Educação (1938). O interventor Pedro Ludovico Teixeira procurava justificar a secundarização do problema da educação no interior do estado. Nunca o descuramos, nunca o olvidamos, afirmou em Dá-se a criança o que ela quer (Revista Oeste, 1944, p. 1). Mas, A construção de Goiânia absorveu grande parte de nossas exíguas rendas. Era natural que se fizesse poupança em outros ramos da atividade administrativa, para que se pudesse levar avante obra de tamanho vulto para uma unidade federativa que rendia tão pouco. Os fatos vieram demonstrar [...] que estávamos cheios de razão. Goiânia seria o estímulo, a alavanca em que se apoiaram todos as nossas forças latentes para se desenvolverem. Foi o que aconteceu. Entre nós, atualmente, tudo caminha, tudo evolue, tudo progride. (Grifos meus). O surgimento de Goiânia impactou enormemente na construção de prédios escolares. Neste sentido, os cortes no orçamento que atingiram o interior estadual e privilegiou a cidade-capital a partir de 1935 é mais uma vez evidente já que foi

7 justamente neste período que os prédios escolares de Goiânia foram construídos: o Liceu, o Grupo Escolar Modelo e o Jardim de Infância Modelo, primeira edificação pública finalizada nas obras de construção de Goiânia (iniciadas nos últimos meses de 1933). A política orçamentária que privilegiou Goiânia atingiu, sobretudo, o interior do estado, inclusive, no que diz respeito à construção e instalação de escolas. No entanto, os estudos e pesquisas sinalizam para uma expansão da rede pública escolar em todo o estado neste período. As fontes demonstram que o governo estadual criou muito mais escolas isoladas e cadeiras em escolas primárias já existentes deixando em plano secundário a construção de prédios específicos para grupos escolares. Também o aluguel de prédios e sua adaptação a fins educacionais manteve-se como prática recorrente. Dos discursos do interventor e do que era publicado pela imprensa oficial é possível encontrar indícios que permitem compreender como o governo estadual lidou com esta questão. Ludovico contou com o apoio dos poderes municipais para expandir a rede de escolas transferindo, de certa forma, o problema educacional para os prefeitos das cidades do interior. E em parceira com os poderes locais, colaborava a Igreja Católica além de agentes como a Sociedade de Amigos de Alberto Torres, Cruzada Nacional de Educação e a Campanha Nacional de Alfabetização, os quais revelam importantes adesões ao programa que visava povoar o centro territorial brasileiro, constituindo a população como força de trabalho e fonte de riquezas da nação. O tempo Brasília (1946-1961): a espera pela cidade-capital nacional em meio à luta pelo direito a terra Em 1949, havia 1000 escolas isoladas espalhadas pelas zonas rurais e pelas cidades goianas. Muito aquém das necessidades da população que então habitava as terras goianas e infinitamente aquém das necessidades postas pelos projetos de povoamento e ocupação do território. Neste sentido, destacou-se a desigualdade entre capital e interior estadual e entre o estado e outras unidades federativas ressaltando que Goiás possuía 26,4% de alfabetizados perdendo somente para quatro estados do nordeste: Maranhão, Paraíba, Alagoas e Piauí (Souza, 1949). A partir do fim do Estado Novo, o programa de unidade e integração de Goiás teve sua face alterada. Já em 1946, o governo federal brasileiro retomou, através da criação da Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital (1946-1949), o

8 caminho para o oeste brasileiro, porém, em bases distintas da Era Vargas. Em 1953, outra comissão foi instituída: a Comissão de Localização da Nova Capital Federal (1953). Ao invés de colônias agrícolas, entrava em cena novamente a idéia de transferência da capital federal para o meio do mapa do Brasil, a qual sustentou-se em argumentos relacionados a defesa da nação, as benesses do clima e a fertilidade da terra. Por outro lado, o fracasso da CANG redirecionou os esforços estatais relacionados à ocupação produtiva da terra ensejando o delineamento de projetos que intencionavam subsidiar a migração de estrangeiros ao invés dos nacionais para Goiás. No período 1950-1957, tornou-se visível nacionalmente uma das consequências desastrosas e imprevistas da CANG. Muitas famílias camponesas que tinham sido atraídos pela propaganda deste Colônia Agrícola durante a década de 1940 não haviam conseguido inserir-se no projeto governamental ou ali haviam fracassado na produção de alimentos dirigiram-se a região de Trombas e Formoso, região de terras devolutas, tomando posse da terra. Posteriormente, estas famílias seriam expulsas a custa da grilagem, o que desencadeou sua reação na defesa do seu direito a terra e a deflagração de um conflito que ocorreu entre 1950 e 1957. Na perspectiva de evitar outro fracasso, em 1949, o Conselho de Imigração e Colonização da Presidência da República planificou, em parceira com o governador goiano, Jeronimo Coimbra Bueno, um amplo programa imigratório e da colonização (Latour, 1949, Apresentação) que alocaria nas zonas rurais goianas um contingente nada desprezível de imigrantes refugiados de guerra norte-europeus (notadamente, poloneses e croatas). Esperava-se que o amalgama de características biológicas e culturais de migrantes estrangeiros e nacionais pudesse forjar o trabalhador rural idealizado no programa de integração nacional. Conforme Souza (1949, Introdução), a técnica do primeiro somada ao destemor e a fibra do segundo fará de Goiás e do Maciço Central Brasileiro o teatro de uma civilização rural sólida porque racional, a refulgir no peito do Continente Sul-Americano. Todo este movimento fazia de Goiás uma nova fronteira no interior das fronteiras nacionais. Como a escola primária se inseriu neste panorama? Antes de tudo, como instituição restritamente difundida pelo estado, como uma ausência. No que toca a interiorização da capital federal, ponderou-se que poderia ser temerário leva-la para lugar tão atrasado culturalmente (Lima & Vieira, 2011). No tocante ao projeto de imigração estrangeira, cogitou-se a importância de sua expansão haja vista que as

9 pretensas famílias de imigrantes europeus deveriam encontrar condições educacionais adequadas para a formação de seus filhos (Souza, 1949). Os goianos se mostraram incansáveis e dedicados colaboradores do governo federal na construção de Brasília desapropriando as terras do quadrilátero onde surgira Brasília e constituindo, em meados da década de 1950, a Comissão de Cooperação para a Mudança da Capital que trabalhou no período 1955-1960 (Oliveira, 2005) e também foram agentes interessados nos projetos de imigração e povoamento do campo a tal ponto de suscitar a análise do historiador Paulo Bertran (2006): os goianos passaram o século XX a construir cidades e reformar fazendas. Não tiveram tempo para cuidar de sua própria história. Embora necessite maior aprofundamento analítico e reunião de novas fontes, talvez seja possível igualmente entender que esperavam que, por si só, cidades modernas e fazendas modernizadas poderiam - ao trazer o progresso econômico, vencer as distancias e permitir aproximações - resolver os ingentes problemas educacionais da região. Referências Bibliográficas ALVES, M. F. Política e escolarização em Goiás: Morrinhos na Primeira República. Belo Horizonte: FAE/UFMG, 2007 (Tese de doutorado). BERTRAN, P. A memória consúltil e a goianidade. Revista da UFG, Goiânia, ano VII, nº 1, p. 62-67, 2006. CHAUL, N. F. Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade. Goiânia: Ed. UFG; Ed. UCG, 1997. FOUCAULT, M. Segurança, população e território: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008. LIMA, N. T. e VIEIRA, T. R. A capital federal nos altiplanos de Goiás: medicina, geografia e política nas comissões de estudos e localização das décadas de 1940 e 1950. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 24, nº 47, p. 29-48, jan/jun 2011. NEPOMUCENO, M A. A ilusão pedagógica 1930-1945: estado, educação e sociedade em Goiás. Goiânia: Ed. UFG, 1994. OLIVEIRA, L. L. de. A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento brasileiro. Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; Ed. FioCruz, v. V, p. 195-215, jul, 1998 OLIVEIRA, M. de. A participação goiana na construção de Brasília. Sociedade e Cultura, vol. 8, 2005a, p. 261-271.

10 PINTO, R. N. Goiânia, no coração do Brasil (1937-1945): a cidade e a escola re inventando a nação. Niterói: FEUFF, 2009 (Tese de doutoramento. SILVA, L. S. da. Progresso e sertão goiano: a espera. In: BOTELHO, T. R. (org.). Goiânia: cidade pensada. Goiânia: Ed. UFG, 2002, pp. 129-152. SILVA, A. L. A Revolução de 30 em Goiás. Goiânia: Cânone Editorial/AGEPEL, 2001. SOUZA, J.G. Goiás: uma nova fronteira humana. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia/IBGE, 1949. THIESSE, Anne-Marie. Ficções criadoras: as identidades nacionais. Anos 90 Revista da Pósgraduação em História/UFRGS, Porto Alegre, vol. 9, no 15, 2001. Disponível em http://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/6609/3932. Acessado em 12/03/2012. i Este programa de integração é aqui entendido como um amplo conjunto de ações, iniciativas, projetos e políticas de caráter predominantemente estatal, mas também partilhado por indivíduos, grupos profissionais, ordens religiosas, associações e entidades culturais, econômicas e sociais não estatais localizados tanto no centro dinâmico da nação quanto nas regiões, periferias, sertões e fronteiras a serem integradas. ii A importância de Goiás neste programa decorre de sua posição geográfica centralizada no espaço Brasil e, não menos importante, das propagadas riquezas de suas vastas terras. Portanto, importância relacionada à defesa do país contra ataques vindo de nações estrangeiras, à defesa contra ataques na ordem interna da nação, à constituição de um ponto de distribuição e articulação de uma malha de transportes e comunicação inter-regionais no centro geográfico, à produção e abastecimento de alimentos e de minérios e, por tudo isso, ao ideal de um Brasil Novo (integrado, saneado, civilizado, interiorizado, capitalizado). iii Ao contrário da leitura historiográfica que considera que a década de 1930 representou uma espécie de gênese da institucionalização e expansão da escola primária em terras goianas, os avanços educacionais do período 1930-1960 davam continuidade ao movimento de renovação iniciado no final da década de 1910 quando se criou a escola primária graduada (1918) e instituíram-se programas de ensino que propugnavam os métodos ativos e a centralidade da criança no processo escolar (Alves, 2007). iv Em especial, destaco os salários pagos as professoras do Grupo Escolar Modelo que recebiam 400 mil réis mensais enquanto as professoras dos demais grupos escolares espalhados pelo interior do estado tinham vencimentos de 300 mil réis por mês. O orçamento aqui citado é o referente ao exercício de 1939, aprovado pelo decreto-lei 1.490, de 31/12/1938, publicado no Correio Oficial número 3.813, em 31/12/1938. A previsão orçamentária de outros períodos mantém a mesma lógica. De outro lado, no documento Listagem dos professores primários do estado de Goiás da Diretoria Geral de Educação, secção de Instrução consta os nomes das professoras, o município e/ou localidade onde trabalhavam, a condição de normalista ou leigo e o salário mensal de cada uma.