Page 1 of 5 A China será pobre se não for limpa ABRIL 28, 2013 (http://pontofinalmacau.files.wordpress.com/ 2013/04/jos_eduardo_martins_psd.jpg) A China pode l e vai liderar, mas não se pode isentar de responsabilidades na construção do futuro, alerta José Eduardo Martins. Advogado, social democrata que integrou o governo de Durão Barroso, é um dos mais reputados especialistas portugueses em sustentabilidade. Sábado estará no debate sobre ambiente organizado pela Fundação Rui Cunha, carregando consigo a mensagem da mudança de paradigma global. A questão, garante, é mesmo de sobrevivência da espécie humana, no sentido de uma vida com qualidade e dignidade. Como o mundo agora depende do que a China fizer, traz também o recado mais sedutor: A China, para ser limpa, não precisa de ser pobre; pelo contrário, será pobre se não foi limpa. Paulo Rego O debate sobre economia sustentável é tão vasto, que desfiava o primeiro a sintetizar as prioridades que hoje enfrentamos. Do ponto de vista político e regulatório, quais são os passos mais urgentes a dar? José Eduardo Martins Temos, antes de mais, de ter consciência do que está acontecer no mundo. Em dois séculos, o ritmo de crescimento populacional passou de mil milhões, em 120 anos, para mais de mil milhões a cada em 12 anos. Como a terra continua a ter o mesmo tamanho, a atmosfera o e consum,o, vamos ter problemas aindaentes diversos que contaminam tudo. Se nos fim do planeta, qe sobreviverbrevivencia éé a mesma alterada por nós e os recursos naturais são os mesmos, é evidente que temos de comungar a convicção de que petróleo e o milho, descobertas fantásticas, não resolvem todos os problemas da humanidade. Pelo contrário, agravam nas; logo, estamos perante uma questão de sobrevivência, no sentido de uma vida com qualidade e dignidade. Quais são os passos concretos a dar? J.E.M Não podemos olhar para as previsões do ritmo populacional e do consumo de energia, a crescerem desta forma gigantesca, sem procurar regras para assegurar a sobrevivência da espécie. É muito comum dizer se que o planeta está em risco. Mas isso é
Page 2 of 5 um disparate egoísta, porque o planeta vai sobreviver. O que está verdadeiramente em risco é a espécie humana. Quando pensamos no fim do planeta pensamos no fim do Homem. Se não tivermos cuidado com o ar, a água e o solo, nós é que podemos acabar, por falta de recursos. É então inevitável mudarmos os ritmos de produção e de consumo? J.E.M. Isso discute se há mais de 40 anos. Mas há uma grande distância entre o papel e a prática. Os fertilizantes são óptimos, mas dão cabo do solo; o petróleo é o motor da modernidade, mas cria poluentes diversos que contaminam tudo. Se não formos capazes de controlar a poluição e de mudar os ritmos de produção e de consumo, vamos ter problemas graves. E não é no longo prazo, é ainda na vida desta geração que é a minha e a sua. Há cientistas que entendem que já ultrapassámos o ponto de não retorno, por exemplo no caso das alterações climáticas mas não só. Será mesmo já demasiado tarde? J.E.M. Há uma corrente científica que diz que em vários casos já ultrapassámos o limite do controlo da sustentabilidade. Costumo dizer que sou um humilde advogado, mas quero acreditar que, embora saiba que na maior parte das vezes a política ambiental surge de forma mais reactiva do que proactiva, os efeitos da poluição são hoje tão visíveis que não podem deixar de suscitar a intervenção dos actores políticos. E o carácter de urgência é percebido? J.E.M. Há de facto uma emergência, sob vários pontos de vista. Não só no campo da saúde, mas também do modelo económico. Quando uma potência mundial como a China se afirma neste século XXI, é fundamental que lidere afirmando se pelo exemplo. Num país como este, com esta dimensão, com unidade política e com a necessidade de exportar com qualidade que é obviamente o próximo grande desafio deste império vai ser urgente criar standards ambientais sustentáveis. Por onde é que se começa? J.E.M. Há uma primeira fase de maior controlo de planeamento e de monitorização da situação, que é a de saber verdadeiramente o que está a acontecer com a água, o ar e o solo é essencial primeiro fazer o diagnóstico. O que acontece depois é a aplicação dos remédios. Ninguém pode verdadeiramente apontar o dedo nesta matéria. Isto não é uma guerra moral; é um desafio comum, e haverá uma fase em que paulatinamente se vão estabelecendo instrumentos de comando e de controlo. Pode dar exemplos desses instrumentos? J.E.M. Veja se o que aconteceu nos Estados Unidos, no Canadá ou na União Europeia. A reacção foi lenta, mas com o tempo fixaram se limites legais à produção poluente. Numa terceira fase, também importante e que pode acontecer em simultâneo com a segunda assistimos ao uso dos instrumentos de mercado, como acontece com a emissão dos gases estufa, no sentido de promover um sistema eficiente de troca de licenças, que com mais flexibilidade contenha os níveis da poluição global. É adepto das quotas de poluição?
Page 3 of 5 J.E.M. Nem sempre com o resultado que se deseja, mas esse sistema tem revelado fazer algum sentido, sobretudo no caso das emissões poluentes com efeito mais vasto e global. Não me serve de nada esse mecanismo se uma fábrica comprar direitos de emissão a outra que fica a 200 quilómetros de distância, se o poluente em causa tiver um efeito localizado. Mas já faz sentido se for um poluente com consequências atmosféricas; porque, no fundo, o efeito global é o mesmo. Países como a Inglaterra ou a França levaram mais de um século a recuperar dos estragos ambientais provocados pela revolução industrial. Como é que os países emergentes podem hoje ser pressionados a acelerar o processo? J.E.M. O protocolo de Montreal e o controlo das chuvas ácidas são bons exemplos de como lidar com isso. A nossa vantagem é a de termos aprendido com o processo a Ocidente. Apesar de tudo, hoje em dia a produção de informação e a difusão do conhecimento científico são incomparavelmente maiores; e há um conjunto de instrumentos de Direito Internacional Público que surgiram após um século durante o qual houve duas guerras mundiais, o que obrigou as pessoas a pensarem um bocadinho melhor na vida. A partir dos anos de 1960, nasceu um conjunto de princípios importantes e de bom senso. Nem sempre aplicados J.E.M. Como dizia Descartes, o problema é que a inteligência e o bom senso são as qualidades mais bem distribuídas do mundo. Toda a gente acha que as tem em quantidade suficiente, mas às vezes a tentação de enriquecer depressa faz perder o bom senso. Um argumento recorrente na China, como noutras economias emergentes, é o de que a Europa e os Estados Unidos ainda não assumiram a responsabilidade do caos em que nos encontramos. Lula da Silva, por exemplo, dizia que enquanto houvesse um brasileiro por alimentar continuaria a cortar árvores na Amazónia. J.E.M Em Direito Internacional Público, chama se a isso o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Faz sentido atirar a responsabilidade para quem poluiu primeiro? J.E.M. Faz sentido do ponto de vista da China; não tenho a certeza que faça sentido do ponto de vista global. O importante é perceber que, em bom rigor, é errada a ideia de que produzir limpo é produzir mais caro. Se medirmos os impactos sobre a saúde humana, bem como a exaustão dos recursos, chegamos à conclusão de que produzir limpo é que é barato. Enquanto subsistir e é inevitável continuar a existir um problema na distribuição de riqueza, continuará a pressão para os comportamentos predadores. A China afirmou muito esse princípio no debate sobre as alteração climáticas que começou na Conferência do Rio. O que é espantoso, 20 anos depois, é vermos como o mundo mudou. O que é que mudou mais nas últimas duas décadas? J.E.M. Basta ver o que era o consumo de energia nessa altura que entretanto quase dobrou. E essa é a circunstância mais determinante. Mas há também uma tese comum a muitos economistas, segundo a qual o grau de influência acompanha a circulação do
Page 4 of 5 capital. Nessa medida, da mesma maneira que a partir da Segunda Grande Guerra o eixo de influência passou da Europa para os Estados Unidos, há pmpa, não precisa de ser pobre;do caos em que nos encontramos.o?est dsete Pode se fazer isso e continuar a crescer? agora um shift para o hemisfério sul, onde se concentra o poder da decisão mundial, mas também o consumo de energia. E isso não pode isentar de responsabilidades ninguém que queira liderar. A China pode e vai liderar, mas não se pode isentar de responsabilidades na construção do futuro. Será que essa consciência existe na China? J.E.M. Começa a existir. A China é um gigante feito para produzir e exportar; e quanto menor for a sustentabilidade da sua produção, menor será o seu mercado. Acredito num futuro com consumidores cada vez mais exigentes; e acredito, como sempre acreditei, que essa cultura de exigência faz parte da cidadania. A poluição nas cidades do cancro mais de 30, oficialmente assumidas pelo Governo chinês faz hoje primeiras páginas na imprensa estatal, que critica abertamente um modelo de crescimento económico altamente poluente. Isso suspreende o? J.E.M. A revolução industrial que vivemos não é a mesma de há 100 anos. Os poluentes são agora mais persistentes, mais sofisticados e poderosos. Como as partículas finas PM 2,5, que nascem da fusão entre as emissões de gases fabris e dos escapes automóveis J.E.M. E são também uma espécie de cápsula para outros componentes químicas. Não conheço esse debate interno, mas estou contente com o que me relata. A China é um grande gigante económico; mas se quiser mesmo liderar, terá de passar por uma mudança. É perfeitamente possível continuar a produzir riqueza de uma forma mais limpa e equilibrada. A China, para ser limpa, não precisa de ser pobre; pelo contrário, será pobre se não foi limpa. Em plena crise mundial, não será este o pior momento para sustentar a migração para a economia verde? Xi Jinping apresentou um plano a dez anos, o Conselho de Estado pede que o faça em sete Mas adivinha se muita resistência no Partido Comunista e nos gestores da economia do carbono J.E.M. Estamos, de facto, numa fase crucial. Em primeiro lugar, a crise é essencialmente financeira e está concentrada no Ocidente. Afecta o Oriente, porque no Ocidente há menos capacidade de consumo. O único lado bom da quase estagnação é o da redução da emissão de resíduos poluentes e das externalidades da produção. Num tempo em que uns estão mais fracos, e outros mais fortes, a História demonstra que há sempre a tentação de uns quererem ganhar vantagem na corrida. Mas também já sabemos o suficiente para perceber que essas vantagens são de curta duração. É verdade que quem trabalha no ambiente acha sempre que as coisas deviam todas ter acontecido ontem. Mas dez anos não me parece nenhum exagero para todo o trabalho que é preciso fazer. É como um estalar de dedos, se pensarmos no planeamento, na monitorização, na reconversão tecnológica. Qual é o principal factor de sucesso numa migração como a que está em causa na China?
Page 5 of 5 J.E.M. Nada disso acontecerá sem um pulso forte do poder político e regulatório. Não acredito que, nesta matéria, do nada surja a auto regulação das empresas. Vê com bons olhos o novo discurso em Pequim? J.E.M. São óptimas notícias! Há 11 anos atrás, tive a honra de chefiar a delegação portuguesa na Conferência Mundial do Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo Rio mais 10. Nessa altura, o que me está a descrever era impensável. Por isso, tudo o que me relata são sinais de optimismo. Diria que copo está mais cheio do que vazio. Tudo isso são sinais de que a China, para seu próprio bem, estará a trilhar o caminho. E quem verdadeiramente acredita que as 7 mil milhões de pessoas que habitam o planeta têm todas o direito à mesma vida saudável, sabe que estão hoje isso depende do que a China fizer. Quero aliás aproveitar para deixar o meu enorme agradecimento à Fundação Rui Cunha, que com este convite permite que eu, que dedico a minha vida a estas questões, possa vir conhecer esta realidade um bocadinho mais de perto. Proliferam hoje os romances que projectam tensões radicais no futuro, incluindo o terrorismo ambiental. Parece lhe uma premonição? Ou o poder político fará antes disso a migração para a sustentabilidade? J.E.M. Do meu ponto de vista, esse cenário mais radical e a instabilidade política nunca favorecem as boas intenções. Não sou contra o direito de as pessoas se indignarem, revoltarem se e exprimirem se. Mas o radicalismo de alguns faz perder o apoio da maioria silenciosa, que é fundamental para ganharmos esta batalha. No radicalismo ambiental, há muitas vezes uma falta de bom senso que impede que os pequenos passos possam ir mudando o mundo. Qual é a melhor arma dos ambientalistas? J.E.M. Quanto mais disseminada for a informação, quanto maior for a consciência do problema, mais estas coisas são percebidas por todos como sendo importantes. No espaço de uma década, habituámo nos a este debate, que já faz parte do nosso quotidiano. Dou o meu exemplo pessoal: Quando tinha 20 anos e fui à Bélgica, pus uma lata de metal num contentor de plásticos. Toda a gente olhou para mim como se eu fosse um bárbaro, mas em Portugal ninguém nessa altura separava o lixo. Hoje tenho 43, e qualquer um dos meus três filhos sabe exactamente onde pôr o plástico, o metal, o vidro e a matéria orgânica. Hoje é dia 25 de Abril [ontem] e Portugal comemora a revolução que nos trouxe a democracia. Mas há hoje outra revolução em curso, que é a da consciência ambiental. About these ads(http://en.wordpress.com/about these ads/) No comments yet from Uncategorized Blog em WordPress.com. Tema: Vigilance por The Theme Foundry.